Quando se tem algo a dizer: construção coletiva de um livro sobre educação ambiental na educação básica

Valdir Lamim-Guedes

Centro Universitário Senac-Santo Amaro; Doutorando em Educação FE/USP. lamimguedes@gmail.com

Rafael de Araujo Arosa Monteiro

Mestrando PROCAM/USP, rafael.araujo.monteiro@gmail.com


Resumo: Neste texto apresentamos o processo de construção coletiva do livro Educação Ambiental na Educação Básica: entre a disciplinarização e a transversalidade da temática socioambiental (esta obra está disponível on-line: https://naraiz.wordpress.com/livros/). Esta obra é resultado de um processo de formação continuada de educadores ambientais que envolveu debates on-line, textos de pós-graduandos e de especialistas convidados. Neste relato de experiência descrevemos as ações realizadas em tal processo e a contribuição para o debate sobre a educação ambiental escolar, sobretudo em relação ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 221/2015, que propõe a criação da disciplina escolar educação ambiental na educação básica. O resultado é um livro com 13 capítulos e pouco mais de 100 páginas que se apresenta como uma contribuição para o debate sobre a EA escolar que vai além do senso comum. Esta experiência é relevante para demonstrar como podemos desenvolver atividades de EA em cursos on-line que reflitam um processo continuo e permanente, conforme previsto pelos principais documentos da área de educação ambiental.


Palavras-Chave: educação ambiental escolar; disciplinas escolares; formação continuada; transversalidade.

Introdução

O livro Educação Ambiental na Educação Básica: Entre a disciplinarização e a transversalidade da temática socioambiental (LAMIM-GUEDES; MONTEIRO, 2017, (esta obra está disponível on-line: https://naraiz.wordpress.com/livros/) é resultado de um processo pedagógico desenvolvido em 2016 que envolveu debates on-line, trabalhos de alunos e textos de especialistas convidados. Neste relato de experiência descrevemos as ações realizadas em tal processo e a contribuição para o debate sobre a educação ambiental escolar, sobretudo em relação ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 221/2015.

Figura 1: Capa do livro Educação Ambiental na Educação Básica. Esta obra está disponível on-line: https://naraiz.wordpress.com/livros/.

O PLS 221/2015 de autoria do Senador Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), apresentado ao Senado Nacional em 15 de abril de 2015, trata de uma questão há muito discutida no campo da educação ambiental (EA): devemos transformá-la em disciplina ou trabalhar de modo transversal seus temas? Além disso, propõe alterações na Lei nº 9.795/99 que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, sugerindo a inclusão de um novo objetivo para a EA. A ementa do PLS é a seguinte:

Altera a Lei no 9.795, de 27 de abril de 1999, que “dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências”, para incluir como objetivo fundamental da educação ambiental o estímulo a ações que promovam o uso sustentável dos recursos naturais e a educação ambiental como disciplina específica no ensino fundamental e médio, e a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que fixa as diretrizes e bases da educação, para tornar a educação ambiental disciplina obrigatória (BRASIL, 2015).

O projeto foi enviado às Comissões de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle; e de Educação, Cultura e Esporte, cabendo à última a decisão terminativa. O PLS foi recebido pela comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA) no mesmo dia da publicação (15/abr./2015). A relatoria nesta comissão foi realizada pelo Senador Valdir Raupp (PMDB-RO), o qual se posicionou pela anuência do projeto, sendo o relatório aprovado em Reunião Extraordinária da CMA de 29 de março de 2016. A partir disso, o PLS foi encaminhado à Comissão de Educação, Cultura e Esporte (CE) em 31 de março. No dia 8 de abril de 2016, a relatoria foi entregue ao Senador Antônio Anastásia (PSDB-MG). O Senador Hélio José (PMDB-DF) apresentou uma emenda ao PLS 221/2015 em 20 de abril de 2016. Nesta emenda, o Senador propõe a inserção do inciso IX no artigo 5°, com a redação “incentivo às práticas que visem à utilização de energias alternativas renováveis, oriundas das fontes solar, eólica, biomassa e hidráulica” (JOSÉ, 2016).

Em novembro de 2016, a tramitação do PLS 221/2015 foi suspensa até a votação da Medida Provisória (MP) nº 746/2016, convertida na Lei nº 13.415, de 2017 (BRASIL, 2017). Esta proposição da Presidência da República foi chamada de MP do Ensino Médio, que propôs alterações na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) e que foi alvo de intensa polêmica no fim de 2016 e início de 2017. Ainda é incerta qual influência a MP do ensino médio terá sobre o PLS 221/2015 e, de forma geral, sobre a educação ambiental formal na educação básica no país. A incerteza sobre o futuro próximo e médio-longo prazo da EA escolar é reforçada devido à Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que reafirma a visão transversal da temática socioambiental, calcada no termo “sustentabilidade”. Apesar de ser um aspecto positivo o reconhecimento da importância da sustentabilidade, a diversidade de entendimentos e usos deste conceito coloca em dúvida os reais interesses em seu uso. Conforme Scotto, Carvalho e Guimarães (2009, p. 8), "a noção de desenvolvimento sustentável e a própria ideia de sustentabilidade são, mais do que conceitos homogêneos e bem delimitados, campos de disputa sobre diferentes concepções de sociedade”. Neste sentido, o modelo dos 3Ps (Triple Bottom Line) é apresentado muitas vezes como “o” conceito de desenvolvimento sustentável, sendo esta uma simplificação histórica, desconsiderando a diversidade de concepções existentes (LAMIM-GUEDES, 2015).

Em março de 2017, a tramitação foi retomada, sendo a relatoria do Senador Anastásia mantida. Em outubro de 2017, Anastásia devolveu a proposição sem emitir parecer e esta foi distribuída ao Senador Hélio José. A análise crítica deste PLS será o conteúdo da seção Resultados e Discussão deste capítulo.

A relevância deste relato de experiência é demonstrar uma forma de desenvolver atividades de formação de educadores ambientais on-line de forma a ter um processo continuo de EA e também favorecer a formação de professores pesquisadores. As ações desenvolvidas foram a realização de dois debates on-line no formato de webconferência (6/abril e 5/outubro de 2016) e discussões em fóruns on-line hospedados no Ambiente Virtual de Aprendizagem (AVA) com alunos da pós-graduação em Educação Ambiental para Sustentabilidade (EDAS) do Centro Universitário Senac-Santo Amaro, São Paulo-SP, integrando as atividades da disciplina EA no Ensino Escolar. Também foi realizada uma pesquisa de opinião on-line e o convite para especialistas escreverem capítulos sobre a temática abordada no livro.

Metodologia

A redação do livro Educação Ambiental na Educação Básica: Entre a disciplinarização e a transversalidade da temática socioambiental (LAMIM-GUEDES; MONTEIRO, 2017) é resultado de um processo pedagógico desenvolvido ao longo do ano de 2016 que envolveu debates on-line, trabalhos de alunos (Produções Individuais), pesquisas de opinião on-line e textos de especialistas convidados.

Foram realizados dois debates on-line, no formato de webconferências, com alunos da pós-graduação em Educação Ambiental para Sustentabilidade (EDAS), do Centro Universitário Senac, campus Santo Amaro, São Paulo-SP; integrantes do grupo Formação Continuada de Educadores Ambientais via Facebook; e convidados a partir de compartilhamento no Facebook.

As webconferências foram realizadas nos dias 6 de abril e 5 de outubro de 2016, com transmissão através da internet usando-se os seguintes recursos disponíveis: transmissão de vídeo e som, tela para compartilhar slides, espaço para debate escrito (chat) e lista de presentes. Estas webconferências eram focadas nas turmas ingressantes no semestre, pois era uma ação relacionada à disciplina EA no Ensino Formal do EDAS. A ferramenta utilizada foi Blackboard Collaborate, que integra o Ambiente Virtual de Aprendizagem Blackboard, alternativa paga ao Software livre Moodle. As duas webconferências tiveram início com uma fala do mediador, usando slides, na qual foi apresentado o PLS 221/2015 e pontos para debate. Ao longo desta fala e ao fim dela, os participantes fizeram comentários no chat, que todos os participantes podiam ler. Na análise desta atividade, apresentaremos alguns comentários realizados pelos participantes. Nestas duas webconferências foram convidados os integrantes do grupo criado no Facebook (capítulo 5 e 6), como também foi postado o convite no perfil pessoal no Facebook do autor desta tese. Assim, tivemos a participação de pessoas que não eram alunas do EDAS, o que enriqueceu o debate.

As Produções Individuais (PI) são atividades que os alunos realizam individualmente e que compõem a nota nas disciplinas do curso EDAS. Para a disciplina Educação Ambiental no Ensino Escolar da turma com ingresso em 2016/2, a proposta de PI era uma análise do PLS 221/2015. Resumidamente, esta era baseada na questão: Qual sua opinião, baseada na literatura (artigos/livros), sobre o PLS 221/2015?. Na proposta desta PI era apresentada a ementa do PLS e o link para acessar os documentos referentes a esta proposição no site do Senado Nacional. Um fórum temático foi criado para auxiliar no debate. Ainda era indicado que os alunos deveriam argumentar usando artigos e livros para justificar o posicionamento destes e que havia um tópico no fórum disponível no AVA da disciplina para auxiliar no debate, trazendo o questionamento acerca da disciplinarização ou não da EA, tendo como pano de fundo o PLS 221/2015. A participação neste fórum era voluntária e não compunha a nota da disciplina.

Para a turma do EDAS com ingresso em 2017/1, também foi proposta uma PI envolvendo o PLS 221/2015. O enunciado da atividade foi o seguinte:

O livro Educação Ambiental na Educação Básica: Entre a disciplinarização e a transversalidade da temática socioambiental (disponível na midiateca) foi um primeiro passo no qual buscamos analisar o embate entre diferentes visões sobre a Educação Ambiental Escolar, de forma que nos posicionamos a favor da transversalidade da questão socioambiental e contra a disciplinarização da EA. Contudo, a reflexão sobre a EA escolar fez com que chegássemos a algumas conclusões, apresentadas nesta obra, mas, por outro lado, que surgissem diversas dúvidas, como:

Para a PI, a proposta é a produção de textos críticos ou relatos de experiências que tratem desta temática. É muito importante que o texto seja argumentativo (não é simplesmente a opinião do aluno) e que neste sejam usados artigos e livros para justificar a sua posição.

Temos um tópico no fórum temático para auxiliar no debate. A participação nos fóruns integrará a avaliação da PI

As PIs das duas turmas (2016/2 e 2017/1) foram avaliadas apenas para fins de menção de nota para os alunos na disciplina. Para a análise no contexto desta investigação foi realizada a análise dos trabalhos melhor avaliados e dos que se colocaram a favor do PLS 221/2015. Para a turma 2016/2, foram enviadas 34 PIs, das quais 5 se colocaram a favor do PLS, mas sem trazer argumentos baseados na literatura, devido a este fato foram atribuídas notas baixas.

Os alunos da turma 2016/2 foram informados da preparação de um livro sobre a EA na educação básica e o PLS 221/2015 desde quando tiveram acesso ao enunciado da atividade. Assim, vários destes alunos se empenharam bastante na realização da mesma. Após a avaliação das produções individuais, todos os alunos foram convidados a revisar seus textos para integrarem esta obra. Optou-se por não restringir o envio dos textos aos alunos devido à nota obtida, pois estes poderiam reformular o texto, o que seria bastante interessante do ponto de vista educativo, fazendo desta avaliação não apenas somativa, mas também formativa. Sobre os diferentes tipos de avaliação: Há basicamente três tipos de avaliação: diagnóstica, “cuja atividade antecede a formação e permite um ajuste tanto do programa aos conhecimentos e às competências atuais dos aprendizes quanto destes em relação aos programas de formação”; formativa, “que aponta a adequação entre os objetivos e os processos de aprendizagem, o grau assimilação dos conceitos pelos alunos, sua capacidade de avaliação crítica e aplicação à realidade, pode ser feita por meio de atividades reflexivas, uso de ferramentas síncronas e assíncronas, mapeamento conceitual e criação de portifólios”; e, somativa: que “tem função classificatória e é realizada para saber se os alunos alcançaram os níveis de aprendizagem previamente estabelecidos” (LAGUARDIA, PORTELA, VASCONCELLOS, 2007, p. 526-527).

Além disso, realizamos uma pesquisa on-line sobre o PLS 221/2015, a partir do site SurveyMonkey (https://pt.surveymonkey.com/) em abril de 2016. A pesquisa era bem simples, após clicar em link compartilhado no Facebook, o participante era redirecionado para o site da pesquisa. Nesta página estava o cabeçalho do questionário com a seguinte mensagem “O PLS 221/2015 estabelece a criação da disciplina de Educação Ambiental nas escolas de ensino fundamental e médio”, abaixo o link para acesso ao projeto no site do Senado e a ementa do PLS”. O questionário, além do cabeçalho, tinha alguns campos para identificação (Nome, Cidade, Estado e e-mail), a seguir a questão: “Você concorda com o PLS 221/2015”, com as opções Sim, Não ou parcialmente, e um espaço para escrever algum comentário.

A autoria dos comentários será mantida em anonimato, exceto nos casos que foi requisitada por nós a permissão para divulgação e autorizada pelo autor.

Além das iniciativas relatadas acima, também convidamos alguns especialistas para a redação de textos sobre diferentes aspectos da criação de disciplinas escolares e a EA escolar. Estes são Prof. Dr. Caio Augusto Carvalho Alves (capítulo: Dividir para controlar: o contexto de austeridade e controle sobre o currículo dos sistemas educacionais), Prof. Me. Diógenes Valdanha Neto (capítulo: Um Debate não Circular: por uma educação ambiental escolar interdisciplinar), Prof. Me. Edson Grandisoli (capítulo: Educação Ambiental: caminhos para a prática), Prof. Me. Pedro Luiz Teixeira de Camargo (capítulo: Reforma da Educação Ambiental: um projeto fadado ao fracasso) e Prof. Dr. Pedro Roberto Jacobi (Prefácio).

Resultados e discussão

Realizamos dois Debates on-line (Webconferências). O primeiro foi realizado dia 6 de abril, no qual tivemos um intenso debate entre os 14 participantes sobre o PLS 221/2015 e, indo além, sobre a Educação Ambiental (EA) escolar e as condições de trabalho docente. Antes deste evento, foi compartilhado um convite no Facebook, assim, tivemos vários participantes externos ao Senac, o que enriqueceu o debate.

Um dos primeiros comentários é de que “falta muita qualificação e preparo por parte dos profissionais da educação”, assim, não é, simplesmente, a criação de uma disciplina que criará as condições para uma abordagem socioambiental adequada nas escolas. Nesta mesma linha, outro participante comentou que “a EA tem que ser trabalhada dentro e fora das escolas, envolve a sociedade, é muito amplo. Não adianta simplesmente criar uma disciplina e continuar do jeito que está”.

Sobre os desafios da EA escolar, um participante comentou que

Penso que só porque uma ideia ainda não foi totalmente entendida e assimilada não quer dizer que não seja válida a luta para reverter tal situação. Se usarmos essa mesma lógica de pensamento dos que defendem a disciplinarização da EA para a ideia de sustentabilidade, por exemplo, a sugestão será a de que abandonemos esta concepção, pois é muito confusa e sem consenso e assim aceitar que a questão ambiental continue sendo mediada pelos interesses do capital. Ora, dessa forma nem precisaríamos nos preocupar em pensar uma EA, pois ela não se faz necessária num modelo de sociedade que não pensa a questão da sustentabilidade.

Transformar a EA em disciplina é manter a educação bancária, sem transformação e sem olhar crítico. Dois dos textos sugeridos [para este debate] (FOEPPEL; MOURA, 2014, e BERNARDES; PRIETO, 2010), usam argumentos que não se sustentam para justificar a disciplinarização. Um deles é exatamente o do senso crítico. Mas como pode crítico um pensamento que não questiona o status quo?

A educação ambiental com suas discussões explicita pontos falhos do sistema educacional vigente. Se a escola hoje não estimula o trabalho interdisciplinar e transversal será que não é o caso de pensarmos um novo modelo de escola.

Sobre a expressão “educação bancária” citada no trecho acima, esta vem da analogia do aluno como um banco que recebe depósitos de conhecimento de forma passiva. Conforme a visão de Paulo Freire (1968).

Na perspectiva freiriana, a educação bancária tem o propósito de manter a imersão, a reprodução da consciência ingênua, da acriticidade. (...) A prática bancária subordina o educando, sufocando o gosto pela rebeldia, reprimindo a curiosidade, desestimulando a capacidade de desafiar-se, tornando-se um sujeito passivo (SARTORI, 2016, p. 135).

Uma professora, supervisora escolar e integrante da equipe de uma revista de EA do Rio Grande do Sul (esta professora não era aluna do EDAS, tendo sido convidada através de uma postagem realizada no Facebook.), apresentou o seguinte comentário:

Além de trabalhar no Ensino Superior, também atuo na Supervisão Escolar de uma escola pública estadual. E o que venho percebendo em toda minha caminhada é que os colegas, em sua maioria, ainda não têm clareza do que é educação ambiental e mesmo não sendo disciplina, trabalham na forma de conteúdos, como ecologia, por exemplo. Os trabalhos se resumem a elaboração de cartazes, murais, tudo muito superficial... Não está sendo muito fácil motivar os colegas professores nessa caminhada.

Sobre este comentário, problematizamos a formação docente e as condições de trabalho destes. Fizemos isto para evitar comentários vazios como “os professores não querem...”, pois este tipo de percepção, geralmente, ignora que este profissional “não quer” devido a algum fator como problemas de formação e preparo, falta de tempo devido à extensa carga horária de aulas ou, até mesmo, porque tentou implementar ações de EA anteriormente na escola, mas que não deram certo. Assim, temos várias razões, incluindo motivação, que dificultam as ações educativas de EA no ensino formal. Refletir sobre elas ajuda a pensar em soluções, neste sentido, temos diversas barreiras e no nosso debate ficou claro que criar uma disciplina não será a solução para estes problemas.

Na webconferência do dia 5 de outubro, com a participação de 15 pessoas, foi discutido o PLS 221/2015 com um olhar voltado para a realização da Produção Individual. A primeira participação dos alunos, através do chat, elucida muito bem um dos pressupostos do nosso trabalho, de que a discussão sobre o PLS221/2015 deve ir além do senso comum: “Eu tive EA na escola e achei muito legal. Achava uma ótima ideia. Mas aí comecei a ler a respeito para fazer a PI. Lendo mais sobre o assunto, percebi que é uma problemática”. Assim como em outros debates apresentados aqui, os participantes apontaram o desafio da formação: “Então, creio que fico na mesma tecla, não dá pra escola ter ações se não tiver formação desse profissional, e também de todos que trabalham na escola...”.

Entre os diversos desafios para uma disciplina de EA na educação básica, conforme o comentário de um participante, seria: “Ai vira uma disciplina e você tem que avaliar, como se avalia mentalidade? Você engessa toda a discussão de pratica educação ambiental”.

Um aspecto que surgiu durante o debate foi a inserção da EA no ensino superior: “Na minha opinião nas licenciaturas deveria ser uma disciplina em todos os cursos”. Neste caso, trata-se de uma discussão diferente da educação básica e do PLS 221/2015, pois uma disciplina de EA no ensino superior deve tratar da formação pedagógica dos futuros professores, geralmente integrando processos de ambientalização curricular nas universidades, enquanto na educação básica, os alunos participam de ações de EA. Assim, participar de ações de EA, por parte dos alunos, está mais vinculado a entender os problemas socioambientais e buscar soluções críticas, enquanto entender as ações de EA por parte dos professores, além deste aspecto, inclui as metodologias e pressupostos metodológicos educacionais.

Os debates iniciados nas webconferências tiveram continuidade nos Fóruns criados no AVA do Senac. O fórum criado no AVA da disciplina Educação Ambiental no Ensino Formal do EDAS para a turma com ingresso em 2016/1 sobre o PLS 221/2015 permitiu um debate intenso e qualificado. A seguir, estão alguns dos comentários dos alunos.

A primeira postagem do fórum apresenta-nos uma visão geral deste debate.

Considero inadequada a colocação de mais um objetivo fundamental da educação ambiental, além dos 7 já existentes, pois 'estimular ações que promovam o uso sustentável dos recursos naturais' pode gerar um entendimento que reforça a dicotomia ser humano - natureza. Os 7 objetivos fundamentais listados no PNEA já são suficientes para oferecer um rumo nas ações a serem tomadas.

Quanto à inclusão de mais disciplinas obrigatórias nos ensinos fundamental e médio, creio que o Senador Cunha Lima nada entenda e conheça sobre os problemas verdadeiros (...) destes ensinos. A transversalidade da educação ambiental surge como uma grande esperança em contribuir para a desfragmentação destes ensinos. Acrescentar novas disciplinas obrigatórias somente fornecerá emprego para um grupo reduzido de pessoas, mas em nada irá melhorar a necessária mudança de paradigma que a sociedade deverá ter em relação ao trato com os recursos naturais. O que precisamos é de famílias (pais e/ou responsáveis) e escolas proporcionando bons exemplos e não incentivando ainda mais o consumismo exacerbado e desenfreado que caracteriza a sociedade contemporânea.

Uma Aluna, ao comentar que teve aulas de educação ambiental como disciplina, tece um comentário que retrata a relevância da formação continuada de educadores ambientais.

Muito interessante este assunto. Na minha escola eu tive uma matéria de Educação Ambiental e adorava. Sempre achei bem legal as escolas terem essa matéria. Agora, lendo sobre o assunto, vejo que existem outras opiniões e entendi a problemática. A minha grande pergunta seria, qual profissional daria essa matéria nos colégios?

A questão de qual profissional pode assumir as aulas de uma disciplina de EA escolar é uma incógnita, consideramos isto porque (1) não temos cursos de graduação de formação específica para educadores ambientais, exceção é o curso de licenciatura em Geociência e EA da USP, mas que também tem um viés claro, pois relaciona a EA com as geociências (como o próprio nome do curso indica), (2) a transversalidade da temática socioambiental parece-nos fornecer aos alunos uma visão mais ampla que uma disciplina, (3) reduzir a “responsabilidade” da educação ambiental dos alunos a um profissional é reduzir um processo que deve ser continuo e permanente a uma visão de mundo, que é a deste profissional. A formação continuada em EA é um caminho que minimizaria as dificuldades de atuação profissional, ainda assim a fragmentação do conhecimento continua como um problema, como destacou outra participante,

Sobre a Educação Ambiental se tornar uma disciplina específica, digo que antes de ter entrado neste curso, tinha uma opinião totalmente diferente. Deveria sim ser obrigatória nas escolas e pensava em até lecionar. Porém, depois do contato com esta matéria de EA no ensino formal, puder perceber que a EA é muito mais do que se tornar uma simples disciplina.

A EA deve ser um tema discutido de forma transversal, e que não só os professores de Ciências, assim como eu, abordem em salas de aula. Caso, seja específica fragmentará o ensino e aprendizagem, os saberes ambientais deixando de lado questões sociais, culturais, econômicas que são peças chaves desta educação. Assim, é necessário uma formação continuada e crítica para que haja uma sociedade equilibrada e justa.

Sobre o trecho acima, é interessante notar que a participante cita que a EA “deve ser um tema”. A visão da EA como um “tema” parece-nos restringir bastante o potencial e responsabilidades referentes a esta área do conhecimento que é essencialmente interdisciplinar, sobre a qual temos a visão de que se trata de um processo, tendo, assim, uma maior complexidade que afirma que é um tema ou temas.

Uma participante fez duas extensas postagens, nas quais citava artigos e livros para justificar o seu posicionamento. Na primeira postagem, da qual apresentamos apenas um trecho, ela afirmou que:

Acho interessante o fato de incluir um princípio de estímulo às práticas sustentáveis relacionadas aos recursos naturais, apesar de acreditar que adicionar mais um princípio a Lei 9.795/99 não resolveria os problemas que temos envolvendo a questão ambiental, pois a teoria pra ser efetivada deve ser transformada em prática e não ficar somente no papel.

Já na segunda postagem, ela se colocou a favor do PLS 221/2015. Após um comentário do mediador para que ela buscasse justificar melhor a opinião dela sobre a inserção de um novo objetivo na PNEA, ela mudou de opinião. O objetivo do fórum não era que os alunos mudassem de opinião, mas que procurassem estudar o tema para assim terem uma visão mais crítica e respaldada pela literatura da área.

Acredito que os sete objetivos já constantes na referida lei que relacionam todas as dimensões da educação ambiental servem de alicerce e apresentam-se como uma base para a formação deste cidadão consciente, participativo, antenado nas questões atuais e com capacidade para agir diante dos problemas ambientais, tendo uma visão global dos mesmos. Deste modo, a adição não se faz necessária. O que se faz necessária é a colocação destes objetivos em prática, por meio de projetos, ações, capacitação de professores, etc.

Analisando mais detalhadamente a adição do objetivo de estimulo a ações que promovam o uso sustentável dos recursos naturais na Lei 9.795/99, percebo que esta visão se encaixa em parte em uma das correntes que apresenta tradição mais antiga e que exerceu certa dominância no surgimento da educação ambiental descritas por Sauvé (2005), a corrente Conservacionista/Recursista. Nas palavras da própria autora:

Os programas de educação ambiental centrados nos três “R” já clássicos, os da Redução, da Reutilização e da Reciclagem, ou aqueles centrados em preocupações de gestão ambiental (gestão da água, gestão do lixo, gestão da energia, por exemplo) se associam à corrente conservacionista/recursista (SAUVÉ, 2005, p. 20).

O que a meu ver, analisado com mais atenção, representa um atraso de pensamento, encarando e limitando as questões ambientais somente aos recursos e sua utilidade. Desta forma, deixam-se de lado todos os outros aspectos que envolvem a educação ambiental difundidos atualmente como social, cultural, ético, político, voltando a ter uma visão mais isolada e fracionada da mesma.

Sobre a questão da disciplina de educação ambiental se tornar obrigatória.

A respeito de torná-la uma disciplina obrigatória e exclusiva, creio que perderia uma das suas características mais interessantes, pelo menos a meu ver, que é a transdisciplinaridade, justamente o que faz com que a educação ambiental possa e deva trafegar pelas diversas áreas do conhecimento para que assim consigamos nos inteirar dessa complexa teia de relações que envolve todas as temáticas socioambientais.

Acredito que hoje um dos piores problemas da aprendizagem é a divisão e fragmentação do conhecimento, fazendo com que o aluno muitas vezes não consiga encontrar pontos de relação entre os mesmos, tratando-os como se não tivessem nenhuma conexão entre si. Para que a Educação Ambiental também não seja tratada de forma isolada, vista como se não tivesse relação com o restante, creio que não deveria ser transformada em disciplina exclusiva, e sim que fossem melhores fiscalizadas as instituições de ensino para que ela seja trabalhada em todo o âmbito escolar da forma transdisciplinar como já está determinado nas legislações vigentes.

Apesar disso, entendo que justamente por seu caráter transdisciplinar, muitas vezes na prática, ela é deixada de lado pelo imenso currículo a seguir, ou por despreparo do professor para trabalhar com a mesma, ou até a cargo somente dos professores de Ciências que ‘’aparentemente teriam mais intimidade com ela’’, o que faz com que os alunos não tenham o contato esperado com a temática. Contudo, acredito que a solução para este problema é investir na formação continuada dos profissionais da educação, pois só assim conseguiremos levar um olhar diferente sobre as questões ambientais de um modo que elas não fiquem restritas aos currículos escolares e aos muros da escola.

Um aluno, disse que concordava com esta aluna:

Assim como a colega (...), antes de cursar a especialização em Educação Ambiental para Sustentabilidade, eu tinha uma opinião totalmente diferente da que possuo hoje. Acreditava fielmente que a educação Ambiental deveria ser obrigatória nas escolas, porém, após passar pelas disciplinas disponibilizadas, pude perceber que a EA é muito mais ampla, vai muito além de um currículo escola e de uma modelo de educação tradicional.

Concordo com os PCN´s, quando trata dos conteúdos de meio ambiente integrados às diversas áreas numa relação transversal. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais os conteúdos de Meio Ambiente foram integrados às áreas, numa relação de transversalidade, de modo que impregne toda a prática educativa e, ao mesmo tempo, crie uma visão global e abrangente da questão ambiental, visualizando os aspectos físicos e histórico-sociais, assim como as articulações entre a escala local e planetária desses problemas (BRASIL, 1998, p. 193).

Uma quarta aluna fez um resumo dos desafios que norteiam esta nossa discussão e os desafios que temos pela frente em termos de EA.

Toda a proposta de EA prevista nos documentos oficiais nacionais e nos internacionais, construídos num processo histórico decorrente de uma realidade que veio se delineando ao longo do tempo no planeta, pode ser resumido como um verdadeiro tratado de paz. São princípios que pretendem uma transformação, visando formar sociedades humanitárias, solidárias, justas... É quase uma utopia... É uma tentativa de se construir um mundo melhor e equitativo. E esta é uma luta muito grande e honrosa, pois é na busca da realização dos sonhos é que eles vão se concretizando. Quando se luta por uma EA transversal, há muita coisa desse sonho por trás disso. Existe uma luta para toda uma reforma educacional... Uma educação humana, uma educação planetária, sem espaço para intolerância, arrogância, exploração do outro... Uma educação transformadora... Essa não é uma tarefa fácil, até porque para se trabalhar uma educação ambiental é preciso antes de tudo nos educarmos, caso contrário nosso discurso fica vazio de significados.

"O planeta exige um pensamento policêntrico capaz de apontar o universalismo, não abstrato, mas consciente da unidade/diversidade da condição humana; um pensamento policêntrico nutridos das culturas do mundo. Educar para este pensamento é a finalidade da educação do futuro, que deve trabalhar na era planetária, para a identidade e a consciência terrenas" (MORIN, 2000, p. 64-65).

Com certeza, transformar a EA em disciplina é um retrocesso de toda uma tentativa para a construção de uma educação do futuro.

De forma geral, tivemos um intenso engajamento dos alunos neste debate. Este era um objetivo nosso, tanto quanto que eles refletissem sobre as questões colocadas. Isto é importante porque o aluno, dado o modelo do curso (padronizado para toda a instituição), pode ser aprovado na disciplina sem interagir com os colegas, pois a nota é baseada em atividades individuais.

Em relação às Produções Individuais, ao todo, 34 alunos realizaram a atividade da turma 2016/2. Destes, cinco se colocaram a favor do projeto, cuja argumentação, infelizmente, foi muito superficial e sem fazer relação com os princípios da EA, desta forma, não contribuíram muito para o debate. Do restante dos trabalhos, tivemos vários nos quais os alunos souberam argumentar e trouxeram diferentes aspectos para o debate sobre o PLS.

O principal argumento dos alunos foi a não conformidade do PLS 221/2015 com o histórico da EA, nem com os principais documentos da EA, entre os mais citados estão a PNEA, Declaração de Tbilisi e de Belgrado e a Agenda 21. Após a avaliação das produções individuais, os alunos foram convidados a revisar seus textos para integrarem esta obra. A partir de um processo de revisão e alterações pelos autores, tivemos cinco textos aprovados e que passaram a integrar esta obra. Estes são: Educação Ambiental: um olhar contrário ao PLS 221/2015 (MUNIZ; LACERDA, 2017); Educação Ambiental no Ensino Formal (BARROS, 2017); Educação Ambiental: menos discursos para dar tempo a mais ações (BORGES, 2017); Um ponto de vista sobre o Projeto de Lei do Senado 221/201 (COSTA; FREITAS, 2017) e Projeto de Lei do Senado 221/2015: De qual mudança a Educação Ambiental precisa? (FERREIRA; SÁ, 2017).

O resultado da Pesquisa de opinião on-line sobre o PLS 221/2015 está na figura abaixo.

Figura 7.2: Resultado da pesquisa on-line sobre o PLS 221/2015 em abril de 2016.

Este resultado, dado o nosso posicionamento, é uma surpresa, já que nos colocamos contra o PLS. Porém, não sabemos se quem participou da pesquisa de fato sabia do conteúdo da proposta. A partir desta premissa, podemos analisar algumas participações. Diversos comentários eram vagos como “concordo porque o futuro do planeta está nas mãos das crianças e jovens de hoje, e só com respeito ao meio ambiente vamos ter um mundo melhor, e para isso a educação ambiental nas escolas como disciplina obrigatória, é de fundamental importância”; “o Mundo pede urgência nas mudanças e cuidados com o meio ambiente e temos que começar é pelas escolas conscientizando as crianças” ou “é importante a Educação Ambiental, para a conscientização do que o planeta está sofrendo e do que deverá ser preservado pelas gerações futuras”. Estas afirmações referem-se à importância da EA nas Escolas, não sendo, portanto, questionamentos sobre esta deve ser um tema transversal ou disciplina, assim, podemos entendê-las como afirmações sobre a importância da EA de forma geral. Consideramos que essas falas evidenciam a força do paradigma fragmentador do conhecimento, tão arraigado na acadêmica e nas escolas, a ponto das pessoas defenderem a instituição de uma disciplina, sob a ilusão de que estão promovendo algo positivo para a sociedade. Parte dos comentários também afirma que a EA não é desenvolvida nas escolas, opinião da qual discordamos, apesar do potencial ser muito maior do que o implantado atualmente.

Alguns comentários indicam este aspecto de se tratar a EA de forma geral, sem discutir a relação transversalidade X disciplina. A seguir apresentamos dois, A e B, feitos por participantes diferentes:

[A] As mudanças de comportamento em fases consolidadas na vida do indivíduo são muito mais difíceis de ocorrer. Partindo desse pressuposto, nada mais indicado que se começar a disponibilizar informações nas escolas à cerca de pequenos gestos do cotidiano das crianças que farão grande diferença no seu futuro.

[B] Trabalho com Educação Ambiental e sei da necessidade e importância dessas informações para o cotidiano das pessoas. Na fase escolar conseguimos muito mais resultados para a mudança de comportamento e compreensão das questões ambientais que envolve qualidade de vida, entendimento sobre políticas públicas, coletividade e outras informações não só sobre natureza ou água.

Um participante, ao citar que a EA é tratada apenas como feira de conhecimentos, deixa claro a limitação da visão sobre as potencialidades da EA nas Escolas: “Disciplina importante e que deveria há muito estar inserida na base nacional comum curricular. Deve ser uma ação educativa permanente, e não ser trabalhada, por exemplo, somente como tema de feira de conhecimentos”. Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), ela ainda está em discussão, ainda assim, a entrada da EA nesta reforça a visão como um conjunto de temas a serem abordados em sala de aula, o que nos parece reforçar uma visão limitada e disciplinar da EA.

Um participante comentou que ele concorda com o PLS “desde que a Educação inserida e ministrada seja plenamente por profissionais verdadeiramente capacitados, com conceitos verdadeiros sobre significado da sustentabilidade e sua importância como um todo”. Neste caso, surgem duas questões: quem são e como são formados os profissionais verdadeiramente capacitados, como discutido anteriormente. Sobre isto, acreditamos que estes são os educadores que já desenvolvem ações de EA nas escolas como temas transversais, que é o entendimento atual dado pela PNEA (BRASIL, 1999).

Dois participantes indicaram que concordavam “parcialmente” com o projeto de lei: “criar uma disciplina seria interessante, mas o conteúdo ambiental tem que ser inserido em todas as esferas e em todas as disciplinas, de forma continuada!” e “Acho que poderia sim ter um horário diferenciado para trabalhar a educação ambiental. O que poderia ajudar a descarregar os professores de ciências e geografia”.

A seguir, destacamos quatro comentários que representam a nossa opinião sobre a EA como disciplina escolar. Os nomes dos autores dos comentários a seguir são apresentados porque tivemos autorização para tal por e-mail.

Daniela Vieira Costa Menezes, Professora da Rede Municipal de Novo Hamburgo/RS e responsável pela Educação Ambiental da Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Maria Quitéria, faz uma contundente crítica sobre as “leis que não pegam”.

Esse PL se baseia em uma lógica perversa que assola o nosso país: já que o ideal não "pegou" vamos flexibilizá-lo para que ao menos "alguma coisa" funcione, afinal um pouco é melhor do que nada! Porém, é preciso lembrar a lei 9795/99 está pautada em estudos e movimentos de discussão sobre EA que acompanham a história da EA no Brasil e no mundo. Apesar de não ser a lei ideal, defende princípios importantes para o desenvolvimento de uma educação contextualizada, que inclui o "ambiental" como característica, uma vez que coloca o meio ambiente e a sustentabilidade como uma temática que deve perpassar todos os espaços e níveis do ensino em uma rede. Se, mesmo com esse indicativo legal, a abrangência de um trabalho de EA inter e transdisciplinar não encontra espaço nas nossas escolas, imaginem se a mesma for reduzida a uma disciplina? O "professor de EA" acabará como o único responsável por conteúdos e discussões tão importantes para o futuro de todo o planeta. Portanto, esse PL é um baita retrocesso e vai na contramão de toda a legislação educacional do Brasil. Se a lei não "pegou", devemos continuar lutando para que os professores estejam melhor formados e que as legislações continuem evoluindo.

A Profa. Dra. Maria de Lourdes Spazziani, da UNESP de Botucatu, comentou que:

Em primeiro lugar, na escola de educação básica, há grandes esforços no sentido de articular as disciplinas já existentes, em vista da ausência de significado dos conteúdos ofertados fragmentados. Segundo lugar, incluir mais uma disciplina na “grade” curricular só vai criar mais disputas e mais desarticulações na frágil estrutura didática das escolas. Entendo que deve sim haver esforços para que a educação ambiental venha somar às intencionalidades e às atividades inter e transdisciplinares que tem sido arriscadas timidamente em muitas escolas, e que se revelam bastante promissoras.

O Prof. Dr. Antonio Fernando Silveira Guerra, da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), questiona a validade em se criar uma nova disciplina:

O Projeto ignora princípios e objetivos historicamente definidos tanto em documentos internacionais, quanto na Política Nacional de EA (criada em 1999, regulamentada em 2012), no Programa Nacional de EA (2004) nas Diretrizes Curriculares Nacionais para EA (2012) e em outras legislações educacionais. Além de contrário aos princípios da interdisciplinaridade e transversalidade da EA no currículo, a criação de mais uma disciplina não garante a inserção desses princípios no currículo. Questiona-se também qual o espaço na grade curricular para mais uma disciplina; o conteúdo da mesma, uma vez que a abordagem da questão ambiental é complexa e pluridisciplinar, e quem seriam os profissionais da educação habilitados a desenvolver a disciplina.

A educadora ambiental Berenice Gehlen Adams, Editora da Revista Educação Ambiental em Ação, afirma que

de forma resumida, penso que a Educação Ambiental aplicada em caráter interdisciplinar é uma garantida para alcançarmos uma educação mais integrada, menos fragmentada, pois assim promove a interação entre diferentes áreas do saber, e uma conexão entre sociedade e natureza, produzindo uma integração mais plena de toda vida ambiental. Já, aplicando a Educação Ambiental como disciplina específica, penso que, além de ir na contramão da essência da Educação Ambiental, que busca incluir o ambiente em todas as áreas do conhecimento, onde há muito tempo deveria estar presente de forma mais dinâmica e significativa, perpetuaremos o formato de ensino fragmentado, que promove a disputa por espaço de disciplinas conteudistas que privilegiam conhecimento cognitivo e especializado. Considero pertinente a Educação Ambiental como disciplina apenas para cursos de formação de educadores para que estes tenham ferramentas e subsídios para exercer a Educação Ambiental de forma interdisciplinar, pois nesse quesito, revela-se uma carência e o mais fácil sim, seria então criar a disciplina “prendendo” a Educação Ambiental na “grade curricular de disciplinas”.

A partir dos comentários dos participantes nas ações on-line, podemos elencar alguns dos problemas do PLS 221/2015, assim como da disciplinarização da EA:

Aliada a estas percepções, Alves (2017) apresenta um ponto de vista bastante preocupante, ao eliminar disciplinas da grade escolar como filosofia e sociologia, o objetivo principal é deixar a educação menos crítica, de forma semelhante, criar uma disciplina de EA na educação básica é substituir a transversalidade da temática socioambiental, por uma abordagem disciplinar e pouco dialógica, que contribui pouco para a formação crítica dos alunos.

Considerações finais

Entendemos que o PLS 221/2015 é uma ação que quer tampar o sol com a peneira, assim como a reforma do ensino médio, a BNCC e outras propostas, porque é uma busca para solucionar complexos problemas educacionais, mas sem alterar o cerne do problema, que é a condição docente, a qual envolve a formação, remuneração e condições de trabalho. Sem melhorias das condições docentes, temas transversais pouco funcionaram, ações interdisciplinares são desencorajadas, o ensino tradicional reforçado e a qualidade do ensino reduzida.

Este relato de experiência é relevante para demonstrar como podemos desenvolver atividades de EA em cursos on-line que reflitam um processo continuo e permanente, conforme previsto desde a década de 1970, a partir da Declaração de Tbilisi (SÃO PAULO, 1994). Aliado a isto, buscamos com este processo construir coletivamente um livro que permitiu que os alunos do curso EDAS participantes tivessem voz, ou seja, que também pudessem gerar conhecimento de forma colaborativa, funcionando como estimulo para a reflexão pessoal, que é um dos objetivos desta formação continuada. Aliado a isto, a metodologia adotada permitiu a diversificação do público atingido, pois além dos alunos do Senac, também foram envolvidos outros profissionais, contatados por e-mail ou através do Facebook, sendo para estes uma ação não-formal.

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