PROMOVENDO A SENSIBILIZAÇÃO AMBIENTAL EM ATIVIDADES EXTENSIONISTAS NA ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA GATÉN, EM LAJEADO/RS, BRASIL

Fabiane da Silva Prestes1, Luís Fernando da Silva Laroque2, Bruno Mallmann Cavalheiro3

1Doutoranda em Ambiente e Desenvolvimento, Bolsista PROSUC/CAPES, Universidade do Vale do Taquari

2Doutor em História, Centro de Ciências Humanas e Sociais, Universidade do Vale do Taquari

3 Graduando em História, Bolsista de Extensão do Projeto História e Cultura Kaingang em Territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, Universidade do Vale do Taquari



Dados de identificação Projeto de Extensão História e Cultura Kaingang em Territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas; UNIVATES; Lajeado/RS; 10 (dez) pessoas envolvidas no projeto; Fone: (51) 3714-7000 Ramal 5032 Email: projetokaingang@univates.br

Categoria temática Ações/Práticas em sala de aula e/ou em contato com a natureza ou locais alternativos;

Apresentação

O projeto de extensão História e Cultura Kaingang em Territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, cujo início deu-se em 2009, objetiva estudar a história e a cultura desta sociedade indígena no Vale do Taquari, bem como levantar e encaminhar demandas às agências oficiais e demais parceiros, referente às condições de sustentabilidade, meio ambiente, educação das famílias Kaingang e ainda realizar atividades de cunho extensionista com a comunidade, que atualmente se encontram em áreas localizadas em territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas. Os aportes teórico-metodológico ancoram-se em estudos culturais, na abordagem Etno-histórica, em saídas de campo nas comunidades indígenas, rodas de conversas e diálogos com os Kaingang e, contando com eles, proporcionar atividades, palestras e narrativas sobre aspectos históricos e traços culturais.

A proposta do projeto é de registrar a história e a cultura dos Kaingang, suporte para diálogos e estudos entre diversos grupos, tais como alunos e professores da educação básica da Região Vale do Taquari e superiores da Universidade Vale do Taquari - UNIVATES, agências oficiais ou não interessadas na história e cultura indígena e também ações de apoio através do encaminhamento de demandas colocadas pelos Kaingang visando revitalizar traços culturais e melhorias em sua qualidade de vida. As atividades do projeto justificam-se por aproximar-se da diretriz estratégica do desenvolvimento regional na área ambiental, pois os saberes indígenas e a ecologia do cuidado beneficia toda espécie de vida. No âmbito da pesquisa, as ações extensionistas articulam-se com trabalhos desenvolvidos no Programa de Pós-Graduação em Ambiente e Desenvolvimento (PPGAD) por meio de estudantes e professores do referido programa que fazem parte da equipe do projeto. Ademais, entende-se que “devemos somar forças para gerar uma sociedade sustentável global baseada no respeito pela natureza, nos direitos humanos universais, na justiça econômica e numa cultura da paz” (CARTA DA TERRA,1992, texto digital).

O referido projeto de extensão utiliza como método uma abordagem etno-histórica de cunho qualitativo e de natureza descritiva e participativa. Os procedimentos metodológicos constituem-se de três interfaces envolvendo os sujeitos participantes: Uma interface é o levantamento bibliográfico e documental sobre o processo histórico indígena e dos seus traços culturais por estudantes e professores; outra interface são saídas de campo à comunidade Kaingang e as ações processuais e contínuas por meio de rodas de conversas, oficinas sobre o artesanato e seu design, observações e registros de diários de campo, registros fotográficos e vídeos.

Cientes de que a “diversidade cultural é uma herança preciosa, e diferentes culturas encontrarão suas próprias e distintas formas de realizar esta visão” (CARTA DA TERRA, 1992, texto digital), a ação de sensibilização para preservação ambiental foi aplicada com as crianças que estudam na Escola Estadual Indígena Gatén da Terra Indígena Foxá, que fica localizada na cidade de Lajeado/RS.



Justificativa

Os Kaingang, atualmente, representam a maior população indígena do Brasil Meridional, somando aproximadamente trinta e oito mil indivíduos (BRASIL, 2012). Este grupo étnico distribui-se por áreas territoriais de quatro estados brasileiros: Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Estando entre os mais numerosos povos indígenas do Brasil, falam a língua pertencente à família linguística Jê. Uma das especificidades da questão indígena está relacionada às suas relações com o ambiente. Na concepção dos Kaingang, a terra é muito mais do que um simples meio de subsistência, pois representa um suporte da vida social, ligando um sistema de crenças e de conhecimento indígena.

Esta sociedade é formada por uma estrutura dualista, por meio da divisão em duas metades exogâmicas, que se complementam: Kamé e Kairú. Cada metade é representada por uma marca, estando em consonância com o sol e a lua, ou seja, na metade Kamé as marcas lembram os raios do sol, ao passo que na metade Kairú as marcas remetem a Lua, sendo, portando, redondas (VEIGA, 2006). A concepção destas metades remete ao mito de origem dos Kaingang, que está ligado à crença da procedência do povo a partir da Terra (NIMUENDAJÚ, 1993).

Diante da crise ambiental, é urgente se encontrar alternativas ao modelo de desenvolvimento atual, o qual é pautado em práticas exclusivamente capitalistas, e deixa de conferir ao meio ambiente seu valor como condição de sobrevivência para a humanidade e para as futuras gerações. Seguindo esta perspectiva, entende-se que os conhecimentos tradicionais do povo Kaingang possam ser tomados como norte para se pensar um novo modelo de vida.

Os dados históricos e geográficos indicam que um território Kaingang tinha, necessariamente, de apresentar um ecossistema variado que lhes permitisse sua reprodução social e cultural. Nas regiões de campo faziam suas aldeias fixas (emã). Faziam também acampamentos ou abrigos provisórios (wãre) nas florestas e margens dos rios, onde permaneciam nas semanas ou meses em que praticavam a caça ou a pesca. Os deslocamentos eram feitos por grupos de parentesco, de modo que sempre havia pessoas no emã e outras no wãre (TOMMASINO, 2000, p. 203-204).


Dessa forma, enfatiza-se que Kaingang significa povo do mato. Essa concepção é uma autoidentificação como parte da natureza, remete a noção de um meio ambiente determinado enquanto constitutivo de sua identidade. Por essa razão, considera-se que os Kaingang têm uma ligação muito forte com o seu território e com a terra. Sendo que esta representa sua grande mãe, a qual fornece a ele todos os elementos necessários para a vida em harmonia (TOMMASINO, 2000).

Nesse contexto, para a sociedade Kaingang, a terra tem muita importância, pois é nela que são desenvolvidas todas as práticas socioculturais. Entretanto, o espaço concedido pela União a esses povos, em especial, os indígenas da comunidade em estudo: Foxá, os quais vivem em contextos urbanos, representa um pequeno percentual, ao se comparar com outras Terras Indígenas, como as do norte do Rio Grande do Sul. Contudo, mesmo com pouca terra, esta continua sendo objeto de propriedade coletiva e não individual, já que, a função da terra não é produção de riqueza e sim um espaço de produção cultural.

Dessa forma, entende-se que o modo de ser do indígena Kaingang correlaciona-se com os princípios da educação ambiental, principalmente, no que diz respeito ao enfoque humanista, holístico, democrático e participativo, bem como, ao reconhecimento e respeito à pluralidade e à diversidade individual e cultural (BRASIL, 1999). Ademais, “consideramos que a educação ambiental para uma sustentabilidade equitativa é um processo de aprendizagem permanente, baseado no respeito a todas as formas de vida” (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONG’s, 1992, texto digital). Neste sentido, entende-se que os Kaingang, por vivenciarem uma cosmovisão do mundo, e por possuírem uma forma singular de se relacionar com a natureza, se mostram como parceiros para a promoção da sensibilidade ambiental e replicação destes conhecimentos.

Assim, como a Carta da Terra disciplina que é dever de todos respeitar e cuidar da comunidade da vida, sendo, portanto, indispensável: “transmitir às futuras gerações valores, tradições e instituições que apóiem, a longo prazo, a prosperidade das comunidades humanas e ecológicas da Terra” (CARTA DA TERRA, 1992, texto digital). Da mesma maneira que se compreende como educação ambiental: “processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente” (BRASIL, 1999, texto digital).

Nesse alinhamento, foram articuladas ações de sensibilização ambiental, para serem aplicadas junto à Escola Estadual Indígena de Ensino Fundamental Gatén (cujo significado em português é espírito da Terra) (GONÇALVES, 2011). Nesse sentido, foram encadeadas ações fundamentadas nos princípios de educação ambiental, conforme segue:

Tal educação afirma valores e ações que contribuem para a transformação humana e social e para a preservação ecológica. Ela estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservam entre si relação de interdependência e diversidade. Isto requer responsabilidade individual e coletiva a nível local, nacional e planetário (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONG’s, 1992, texto digital).

No que tange à situação da Escola Estadual Indígena Gatén, cumpre ressaltar que, sua criação foi aprovada pelo Parecer CEED nº 665/2012, entretanto, o processo de implementação das atividades escolares encontra-se em andamento. Atualmente, a escola está funcionando em caráter emergencial, e provisoriamente, atende crianças da educação infantil ao 5º ano do ensino fundamental, sendo que as aulas do ensino fundamental são realizadas em turmas multisseriadas. As professoras atuantes, visando à revitalização histórica e cultural, são Kaingang e bilíngues, alfabetizando as crianças, tanto na língua tradicional quanto português, o que assegura as relações interétnicas para a subsistência, seja por meio da venda de artesanato, seja pelo trabalho formal.

Corroborando com a relevância que se dá a diversidade, bem como o amparo para a continuidade cultural que a escola representa, temos como base a Constituição Federal de 1998, a qual traz o reconhecimento do indígena como membro da sociedade, dotado de consciência e responsável por si, ou seja, não é mais necessário o Estado como seu tutor. Dessa forma, cabe ao Artigo 231 a condecoração das formas de organização social, costumes, línguas, crenças e afins, originários dos povos ameríndios, bem como o reconhecimento dos tradicionais territórios. Além disso, o Artigo 210, § 2º, reforçado pelo Artigo 32, § 3º da Lei e Diretrizes de Bases da Educação Nacional (LDB), asseguram o direito de exercer suas práticas de ensino em sua língua materna. Questões estas mostram que, além da escola estar contribuindo para a constância do ser indígena, também está cumprindo leis que garante direitos, os quais foram conquistados a partir de muita luta.

Desenvolvimento

A ideia inicial surgiu a partir de diálogos com os Kaingang, que manifestaram sua preocupação com a preservação ambiental, destacando que a crise ambiental é capaz de impactar no modo de ser e na manutenção das práticas culturais desse povo, bem como, ressaltando a importância de “garantir as dádivas e a beleza da Terra para as atuais e as futuras gerações” (CARTA DA TERRA,1992, texto digital). Portanto, avaliando-se, para além da educação ambiental como tema transversal da Legislação Brasileira e inserida na proposta pedagógica da escola, mas, sobretudo, como algo presente na própria concepção Kaingang no que se refere aos etnoconhecimentos Kaingang envolvendo as relações entre homem e natureza.

Para a elaboração da proposta, foram realizadas reuniões com a liderança da comunidade. Inicialmente, foi solicitada autorização ao cacique para que a atividade fosse desenvolvida. Após a concordância, a proposta foi passada para a comunidade, e, em seguida, foram estabelecidos diálogos com as professoras. Assim, para estruturar a proposta de atividade, foi realizado um diagnóstico ambiental com a comunidade sobre questões sociais e ambientais, a partir de rodas de conversas e o uso das técnicas de observação participante. Após a realização do diagnóstico, com os resultados iniciou-se a elaboração do plano de atividades a ser desenvolvido.

Para tanto, as fontes utilizadas para aplicação da ação foram coletadas em acervos digitais, arquivos e bibliotecas. As fontes documentais obtidas nestes diferentes locais foram essenciais para a elaboração da intervenção realizada (LAKATOS; MARCONI, 2003). A pesquisa bibliográfica foi desenvolvida com base na compilação de livros, publicações periódicas, em especial em revistas científicas e materiais encontrados em meios eletrônicos e digitais. A pesquisa documental foi realizada por meio de levantamento de dados do acervo do Projeto de Extensão “História e Cultura Kaingang em Territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas” e Projeto de Pesquisa “Identidades étnicas em espaços territoriais da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas/RS: história, movimentações e desdobramentos sociambientais” da UNVATES.

Ademais, a coleta de dados foi realizada na referida Terra Indígena, por meio da pesquisa de campo e das técnicas de observação onde as informações foram registradas em diário de campo e entrevista. A pesquisa de campo compreende a ida até a Terra Indígena. Consubstanciado aos referidos métodos serão adotados ainda, a etno-história e a história oral. Nesse alinhamento, entende-se que a etno-história representa significativo suporte teórico-metodológico para estudar as sociedades indígenas, já que, pressupõe familiaridade entre memória e os documentos históricos do passado (FERREIRA NETO, 1997).

A ação foi encadeada, pensando-se em articular a preservação ambiental com os aspectos culturais deste grupo étnico. Assim, foi elaborado um plano de ação, dividido nos seguintes passos:

  1. Breve apresentação da história da etnia, onde foi disponibilizado um mapa do tradicional território e também o mapa atual, a fim de que, as crianças pudessem identificar o processo de (re)territorialização;

  2. A segunda atividade foi a confecção de um bilboquê (brinquedo tradicional indígena), confeccionado a partir do reuso de garrafas pet. A base do brinquedo representava uma flor, e a bolinha para jogar, era representada por uma abelha, pintada e recortada pelas crianças. Nesse sentido, foi proposta a reflexão sobre a preservação das abelhas, as quais são imprescindíveis para o equilíbrio ambiental, destacando-se seu trabalho de polinização. O trabalho também reafirma a aproximação das crianças Kaingang com a natureza, enfatizando a fauna e flora de contato tradicional;

  3. Pintura e denominação de elementos presentes em um desenho. Foi elaborado um desenho que representa os principais elementos da cultura Kaingang, ele trazia: sol, nuvens, pássaros, rio, flores, araucária (Araucaria angustifolia) e uma árvore de cedro (Cedrela fissilis). As crianças identificaram cada um dos elementos, escrevendo em língua materna o nome de cada um, após realizaram a pintura dos desenhos;

  4. Apresentação do desenho. Após a pintura e as escritas Kaingang, foi solicitado que, de maneira voluntária, algumas crianças apresentassem o seu desenho e falassem, em sua língua materna, o que contém na imagem, o que possibilitou, mais uma vez, com ênfase, nossa aprendizagem com os indígenas;

  5. Identificação dos elementos naturais, presentes no desenho, nas redondezas da escola, a partir de uma caminhada, num ambiente de total contato com a natureza.

Os resultados obtidos foram muito profícuos, já que a atividade 1, oportunizou que as crianças compreendessem a forma com que os não-indígenas retratam e (re)conhecem a história dos Kaingang. A atividade foi alicerçada no princípio de que: “a educação ambiental deve recuperar, reconhecer, respeitar, refletir e utilizar a história indígena e culturas locais, assim como promover a diversidade cultural,lingüística e ecológica” (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONG’s, 1992, texto digital). Ademais, a atividade proporcionou identificar nos mapas (FIGURA 1) o tradicional território Kaingang, e, posteriormente, identificar o território geográfico onde a Terra Indígena Foxá, está localizada.

Figura 1. Mapa tradicional território

Fonte: Acervo Projeto Kaingang, 2017.

A segunda atividade articulou arte com educação ambiental. Já que, “[...] a educação ambiental deve ter como base o pensamento crítico e inovador, em qualquer tempo ou lugar” (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONG’s, 1992, texto digital). Desse modo, a atividade além de estimular a coordenação motora da criança, mostrou-se bastante interessante, por ser uma tarefa criativa. A proposta da confecção do brinquedo incentivou a prática do reuso das garrafas pet, já que, estas garrafas (polietileno tereftalato) demoram cerca de 400 anos para decompor na sua forma natural no meio ambiente (PINTO, 2012). Antes da confecção do bilboquê (FIGURA 2), fez-se uma explanação sobre os resíduos sólidos, destacando quais podem ser reutilizados para a fabricação de brinquedos e reuso para outros fins. Ademais, destacou-se que o bilboquê é um tipo de brinquedo tradicional, e que consta como um dos jogos e brincadeiras utilizados pelas crianças indígenas, “os bilboquês são brinquedos formados de uma bola, com um furo no fundo, ligada por uma corda a um pequeno bastão de madeira. Para brincar, basta jogar a bola para o alto e tentar encaixá-la no bastão” (ABREU, 2005, texto digital). No que tange à importância das abelhas, foi destacado que elas são os principais agentes polinizadores dos vegetais, de modo que, o pólen é essencial para o desenvolvimento da colmeia (SOUZA, et.al, 2007). Explicou-se ainda, sobre a importância das abelhas para vida a humana. As crianças mostraram-se bastante envolvidas na confecção do brinquedo, desde a pintura da abelha, que foi colada na bola, até a decoração dos bilboquês. Após a finalização do brinquedo, todos tiveram um momento de brincadeira.

Figura 2: Bilboquê utilizado na atividade 2

Fonte: Acervo projeto Kaingang, 2017.

A terceira atividade foi elaborada a partir do livro Povo Kaingang = Vĩ To Vẽnh Rá de Notzold e Rosa (2014), sendo adaptada a partir da realidade local. O desenho procurou evidenciar os pontos essenciais da cultura Kaingang como, por exemplo, a araucária, que representa um aspecto simbólico do tradicional território (LAPPE, 2015). Dessa forma, evidenciou-se o quanto os tradicionais territórios são impregnados de significados simbólicos. Ademais, como o nome da Terra Indígena em estudo é Foxá, cuja tradução é “Aqui no Cedro”, já que a aldeia está estabelecida no Bairro Jardim do Cedro, onde há muitas árvores de cedro, o desenho trouxe também este elemento (FIGURA 3). Além disso, como a aldeia está situada na Bacia Hidrográfica Taquari-Antas, o desenho trouxe a representação de um rio. Quando proposta esta atividade, foi esclarecido que se levou em consideração o seguinte: “Os dados históricos e geográficos indicam que um território kaingang tem, necessariamente, de apresentar um ecossistema variado, que lhes permita sua reprodução social” (TOMMASINO, 2002, p. 83).

Neste sentido, além da pintura, as crianças foram solicitadas a identificar esses elementos, os escrevendo em língua materna e, após, alguns apresentaram o que identificaram, consolidando o que prevê o Tratado de Educação Ambiental para sociedades sustentáveis e responsabilidade global, quando dispõe que se deve estimular e educação bilíngue (FÓRUM INTERNACIONAL DAS ONG’s 1992). Por haver bastante timidez, fizemos perguntas do que fora escrito, visando o bom andamento da atividade, para tanto, contou-se com o apoio da professora Kaingang. Nesse momento identificamos com veemência a importância da alfabetização bilíngue, que é de grande relevância, visando as importantes interações que tem o indígena com o não-indígena para sua subsistência, seja na venda de artesanato, trabalhos formais, seja nas reivindicações por seus direitos (D’ANGELIS, 2002).

Nesse contexto vale salientar que a Escola Gatén conta com a atuação de duas professoras bilíngues, da qual uma está em processo de formação no Instituto Indígena na cidade de São Valério do Sul. Estas, alfabetizam as crianças a partir da individualidade de cada um, onde ensinam o português para aqueles que iniciam os estudos e são falantes em Kaingang e o contrário quando as crianças chegam até a escola falando o português (DIÁRIO de campo, 12/05/2017). Questões como esta fazem com que a escolarização, introduzida pelo branco seja melhor aceita entre os indígenas, afinal, não admitem que as crianças frequentem a escola e por consequência venham distanciar-se de sua cultura tradicional (FAUSTINO, 2010).

Figura 3: Desenho utilizado a atividade 3.

Fonte: Acervo projeto Kaingang, 2017.

A atividade mostrou-se muito interessante, já que, as crianças estavam motivadas a identificar os nomes dos elementos, na língua materna e interagindo conosco, falando português, bem como a pintar seus desenhos. Após a pintura, cada um foi convidado a apresentar seu desenho (atividade 4). Assim, a proposta além de ser um meio de continuidade cultural, interconecta o modo de ser Kaingang com a importância da valorização e preservação ambiental.

A atividade de número 5, previa a realização de uma caminhada guiada, nas redondezas da aldeia, adentrando-se à mata nativa de onde retiram material para artesanato e ervas medicinais. Com o objetivo de identificar em meio à natureza os elementos presentes no desenho, tais como: araucária, cedro, flores, borboletas, pássaros, etc, entre outros, como aqueles utilizados no cotidiano da comunidade. Contudo, a chuva que caia no momento, inviabilizou que a atividade fosse concluída, restando a oportunidade de ser realizada em outro momento.

O desenvolvimento da atividade oportunizou (re)conhecer momentos de complementaridade entre indígenas e natureza, permitindo articular novas propostas para serem aplicadas no local, como por exemplo, a construção de um jardim, a ser plantado nas proximidades da escola, bem como, o plantio de mudas de árvores nativas, pelas quais os Kaingang nutrem respeito e valorizam de uma forma muito peculiar.

Por fim, entende-se que a proposta do Projeto de Extensão História e Cultura Kaingang é essencial para o rompimento de barreiras que, eventualmente, são construídas na ausência do conhecimento. Assim, a extensão universitária possibilita a valorização social e cultural da comunidade envolvente, numa forma de educação para os direitos humanos, já que, age como uma ligação entre a teoria e a prática, uma vez que, por meio dessa, as ações extensionistas levam conhecimentos à comunidade, e recebe dela influxos positivos, tais como suas reais necessidades, seus anseios e aprende a partir dos saberes tradicionais. Por derradeiro, compreende-se que a atividade desenvolvida junto à escola mostrou-se capaz de interconectar saberes e vivências de indígenas e não-indígenas, oportunizando a efetividade do diálogo intercultural.



Referências

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ACERVO do Projeto História e Cultura Kaingang em territórios da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas e do Projeto de Pesquisa Identidades étnicas em espaços territoriais da Bacia Hidrográfica Taquari-Antas/RS: história, movimentações e desdobramentos socioambientais da UNIVATES.


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