ANÁLISE SOCIOAMBIENTAL DE TERRENO COM DESCARTE INAPROPRIADO E QUEIMADA CONSTANTE DE DE LIXO

Ana Julia Sant’Ana Correa (CORREA, A.J.S.)

Graduanda em Ciências Biológicas - anajulia.ufscar@gmail.com

Beatriz Cabrera Santana (SANTANA, B.C.)

Graduanda em Ciências Biológicas- biahcabrerasant@gmail.com

Lívia Munhoz Rodrigues (RODRIGUES, L. M.).

Graduada em Ciências Biológicas - livia_munhoz@hotmail.com

Lívia Tank Sampaio Barros (BARROS, L.T.S.)

Graduanda em Ciências Biológicas - liviatsb30@gmail.com

Rodolfo Antônio de Figueiredo (FIGUEIREDO, R. A.).

Licenciado e Bacharel em Ciências Biológicas, Mestre e Doutor em Ecologia. – rodolfo@ufscar.br Telefone: (16) 3351-8907

Resumo

Identificando na Educação Ambiental possibilidades para um trabalho de diagnóstico socioambiental com reflexão tanto de pesquisadores quanto da população, o presente manuscrito se propõe a relatar uma experiência vivida durante a disciplina de Educação Ambiental ministrada na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), constituindo-se como uma análise das motivações e dos efeitos da destinação e queima irregular de lixo em um terreno desapropriado na cidade de São Carlos. Junto à população, foram levantadas justificativas para tal atividade e apontadas irregularidades no controle a essa prática. Diante dos questionamentos levantados pela comunidade entrevistada, propomos algumas medidas na tentativa de evitar a perpetuação desse problema ambiental e de saúde pública.

Abstract

Identifying in the Environmental Education possibilities for a socio-environmental diagnostic work with reflection of researchers and the population, this manuscript proposes to report an experience lived during the discipline “Environmental Education” ministered at the Federal University of São Carlos (UFSCar), constituting an analysis of the motivations and effects of the destination and irregular burning of garbage in an expropriated land in the city of São Carlos. Along with the population, justifications for this activity were raised and irregularities in the control of this practice were pointed out. Faced with the questions raised by the community interviewed, we propose some measures in an attempt to avoid the perpetuation of this environmental and public health problem.

INTRODUÇÃO

De acordo com o artigo 1º da Lei nº 9.795/99, a educação ambiental é entendida como “os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.” Diante dessa definição, a contribuição da Educação Ambiental na formação do cidadão é indispensável.

A Educação Ambiental é uma dimensão da educação, é atividade intencional da prática social, que deve imprimir ao desenvolvimento individual um caráter social em sua relação com a natureza e com os outros seres humanos, visando potencializar essa atividade humana com a finalidade de torná-la plena de prática social e de ética ambiental. (MEC, 2012)



Por constituir-se um campo de conhecimento que confere senso de pertencimento aos agentes sociais (TOZONI-REIS, 2007), o desenvolvimento de trabalhos dentro de um contexto de Educação Ambiental possibilita o envolvimento dos mais variados personagens. Dentre os trabalhos possíveis temos o Diagnóstico Socioambiental, conceituado como:

“um instrumento de informações, de caráter quantitativo e qualitativo específico para uma dada realidade (não devem ser generalizados) que revela sua especificidade histórica e que reflete a relação da sociedade com o meio ambiente. Devem ser construídos de uma maneira sistêmica, ou seja, considerando as interações entre os elementos (sociais, econômicos, ambientais, culturais, espirituais) da realidade. Este mapeamento permite avaliar sua qualidade ambiental e sua qualidade de vida, e o estabelecimento de indicadores de sustentabilidade. O conhecimento da realidade além de ensejar a afirmação da identidade local (conhecimento do patrimônio ambiental) é fundamental no processo de construção da cidadania ambiental, uma vez que seus elementos são fundamentais para a tomada de decisão por atores públicos e privados na elaboração de alternativas de transformação no sentido de harmonizar a relação entre as pessoas e destas com a biosfera.” (Martins, 2004)

Uma das realidades passíveis e necessitada de investigação são as queimas de lixo em centros urbanos. Desde a descoberta do fogo, o uso deste para lidar com materiais incômodos ou inúteis é uma prática recorrente e muitas vezes um hábito dentre as populações humanas. Entretanto, a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605 de 1998), em seu artigo 54, criminaliza em território brasileiro a queima de lixo doméstico. Contudo, enquanto não houver preocupação com a saúde ambiental, humana e animal por parte da própria população e das autoridades municipais, o problema das queimadas e a consequente poluição e degradação gerada pela mesma permanecerá a ser uma realidade.

Com a concentração da população humana nos centros urbanos, esse problema se torna ainda mais evidente, pois o lixo é descartado em terrenos baldios onde também coloca-se fogo nesses materiais. Esse fogo e a produção de fuligem desencadeiam diversos transtorno tanto ambientais quanto para a saúde da comunidade ao entorno. Na tentativa de superar essa questão, as Prefeituras Municipais instituem a criação de EcoPontos nas cidades. EcoPontos são locais para descarte de materiais de construção ou resíduos recicláveis (as características variam de acordo com os critérios utilizados para a instituição de cada ponto). Contudo, nem sempre a comunidade local ou a própria prefeitura se preocupa em designar o lixo produzido para o local correto e acaba por depositar em qualquer lugar que esteja desapropriado e esse descarte irregular ocasiona grandes danos ambientais e incide na comunidade de maneira muito negativa.

Conscientes do exposto acima e motivadas pela ocorrência de tais crimes, as autoras deste trabalho (á época, estudantes de Ciências Biológicas na UFSCar) desenvolveram este trabalho como conclusão da disciplina “Educação Ambiental” ministrada pelo docente Rodolfo Antônio de Figueiredo no qual se propõem a investigar as razões e implicações socioambientais do descarte e queima de lixo em um terreno desapropriado, mas sob a responsabilidade da prefeitura de São Carlos.

METODOLOGIA

Local do estudo

O estudo socioambiental foi aplicado no município de São Carlos, interior de São Paulo, em um terreno situado no bairro residencial Vila Brasília (Rua Bolívia - Figura 1). O terreno é de propriedade da prefeitura da cidade e é caracterizado como um local para depósito de massa verde (restos de poda). Mas a realidade ali é outra e, infelizmente, neste terreno ocorre constante descarte e queima de materiais das mais diversas origens (Figura 2) que afeta diretamente a população vizinha e os motoristas da rodovia Washington Luiz (km 234) que passa ao lado.

Apenas árvores e gramíneas ocupam o espaço. É possível ouvir e ver anfíbios, répteis e aves no local usando-o como casa permanente ou apenas como abrigo temporário. A superfície do terreno apresenta algumas depressões e elevações feitas quando o local foi usado como etapa estadual de Rally.

Figura 1: imagem do Google Maps com marcação do local do terreno investigado

Figura 2: fotografias autorais de queimadas no local em diferentes dias

Ferramenta de pesquisa

Para levantar da população as motivações e os efeitos da destinação e queima irregular do lixo no terreno, um diagnóstico socioambiental foi elaborado em forma de entrevista semi estruturada (Anexo 1) tendo em vista a descrição satisfatória das informações conhecidas pelos moradores. As respostas foram coletadas pelas pesquisadoras que se dirigiram de porta em porta em 16 residências localizadas em diferentes proximidades do terreno nos meses de dezembro/2016 e janeiro/2017, sempre a partir das 17h da tarde por acreditar-se que a partir deste horário os moradores que trabalhavam o dia todo começavam a retornar a seus lares onde eram abordados.

A entrevista estava organizada em dois momentos. Por constituir-se uma entrevista anônima, opção do grupo para não intimidar os respondentes, as quatro primeiras questões são um modo de caracterização e diferenciação dos respondentes. No segundo momento (a partir da quinta questão), objetivou-se elucidar os conhecimentos e percepções dos moradores em relação ao terreno. Também foi feito uma entrevista com o trabalhador responsável por realizar a vigilância do terreno das 8h as 16h. Tal questionamento teve como base o mesmo roteiro, mas com adaptações para melhor compreensão do trabalho exercido pelo vigia e das atividades que ocorrem no local. As respostas dos moradores e as do vigia eram registradas manualmente pelas pesquisadoras.

Para analisar as respostas obtidas, optou-se por uma análise qualitativa constituída por duas etapas: pré-análise (leitura exaustiva das respostas dos questionários com a finalidade de verificar se as respostas atendiam e respondiam aos objetivos) e exploração do material levantando as motivações mais elucidadas nos diagnósticos a cada questão. Finalmente, com as respostas compreendidas e interpretadas em sua totalidade, reflexões foram feitas com base nas irregularidades e necessidades da população. A partir dessa reflexão, uma intervenção foi proposta pelo grupo durante a disciplina e é apresentada abaixo.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os entrevistados encontravam-se na faixa etária de 21 a 82 anos. A maioria declarou possuir ensino médio completo e variavam entre pessoas empregadas, aposentados e estudantes.

Segundo os moradores, a coleta de lixo normal é realizada pela prefeitura enquanto a coleta seletiva, quando feita, é realizada por pessoas que não possuem vínculo empregatício com a prefeitura (catadores de lixo, como são conhecidos popularmente).

Através da análise das respostas foi observado que a população ao redor do terreno se encontra descontente com a situação do mesmo, visto que a maioria reclamou principalmente da fumaça afirmando que ela agrava problemas respiratórios ou os desenvolve em pessoas saudáveis. Muitos afirmaram que os responsáveis pelo depósito de lixo e posterior ateamento de fogo é própria prefeitura ou moradores de outros bairros, que não entendem os transtornos causados ali. No entanto, foi encontrado 1 morador do bairro que assumiu já ter jogado lixo no local, mesmo se incomodando com as consequências como ele mesmo afirmou.

O terreno também tem outros problemas como os riscos oferecidos pela falta de segurança ao abrigar usuários e vendedores de drogas. Uma moradora do local mostrou que na frente do terreno havia uma câmera até pouco tempo, mas que a mesma havia sido retirada sem explicação a comunidade e isso trazia ainda mais insegurança.

Inúmeros moradores relataram transtornos com a presença de animais peçonhentos como cobras, escorpiões e aranhas, além de animais transmissores de doenças como ratos e baratas não só no terreno mas também invadindo as residências.

A maioria dos entrevistados sugeriu uma intervenção no terreno que pudesse proporcionar lazer às pessoas do bairro, como a construção de um parque para crianças ou pistas de caminhada e quadras esportivas para que toda a comunidade e até mesmo a cidade pudessem desfrutar. Nos foi relatado que alguns candidatos à prefeitura ou vereadores em época de campanha eleitoral manifestam para a população a intenção de construir uma rodoviária no local. No entanto, esse discurso de campanha nunca deixou de ser somente uma promessa.

Todos os moradores questionados não consideram o terreno como uma área preservada e o conceito de área preservada variou muito entre os respondentes. As respostas variaram entre “ser uma área limpa e bem cuidada” até “ser uma área arborizada e completamente natural sem interferência humana”.

Um dos moradores mais velhos do bairro (o mais velho entrevistado) realiza sem apoio da prefeitura ou ajuda de outros moradores a atividade de plantio de algumas árvores frutíferas em uma das laterais do terreno, onde também roça a terra e corta o mato sempre que necessário (Figura 3). Esse mesmo morador, que mantém as árvores podadas e o local sempre limpo, relatou que já ouviu de pessoas importantes na política municipal que a atividade que ele realizava ali seria impedida pois era ilegal. Todos no bairro o conhecem, reconhecem o bem que ele proporciona a comunidade e desfrutam de tudo que é produzido com evidente esmero e dedicação naquele pequeno pedaço de terra.

Figura 3: fotografia autoral do plantio de árvores frutíferas por morador

As informações obtidas com o vigia do local evidenciaram que ele não está contente com o seu trabalho em decorrência da falta de segurança e estrutura que lhe é oferecida. Ele relata que trabalha com armas brancas escondidas para se proteger das várias pessoas que o ameaçam para que ele permita o descarte irregular de lixo no terreno, além de ser um ponto de comércio e uso de drogas. Quando questionado sobre o tipo de material que ele pode autorizar a ser descartado ali, o entrevistado relatou que é usado o termo “descarte de massa verde”. Contudo, também existe o descarte de outros tipos de materiais que, segundo o vigia, não são depositados enquanto ele está lá. É possível pneus, sacos plásticos, sofás, eletrodomésticos, etc. De acordo com o mesmo, as terças-feiras a prefeitura coleta o material que foi depositado ali durante a semana para ser levado para outro local mas que, na maioria das vezes, a coleta não ocorre devido ao material ter sido queimado antes (queimadas do fim de semana, quando a guarita não funciona).

As queimadas de final de semana são, de fato, as mais frequentes e intensas de acordo com os moradores. Entretanto, é fácil ver fumaça no local todos os dias, seja por uma nova queimada ou porque o fogo de uma queimada anterior ainda não apagou. Durante uma das queimadas, ligamos para o Corpo de Bombeiros pedindo que apagassem o incêndio no local. O atendente, contudo, relatou que os incêndios no local são frequentes e, pelo conhecimento deles, a quantidade e a natureza do lixo nos montes incendiados inutiliza o trabalho de jogar água apenas no fogo aparente e superficial pois o interior do monte permanece queimando.

Todas as informações coletadas e a insatisfação comunitária observada nos faz acreditar que muitos dos descartes indevidos são, de fato, realizados por pessoas que não moram no bairro, seja em decorrência da falta de informação ou pela desconsideração com a população residente ali e com o meio ambiente. Assim, por praticidade ou realmente em decorrência da falta de informação sobre os locais corretos para descarte, muitos depositam lixo indevido dentro do terreno ou ao redor, na calçada dos moradores, criando um ambiente propício a instalação, permanência e reprodução de animais peçonhentos, bem como esconderijo para bandidos.

Alguns abaixo-assinados feitos pela comunidade já foram enviados às autoridades para que medidas fossem tomadas. Contudo, até o momento do nosso levantamento, nenhuma atitude havia sido tomada.

Devido a impossibilidade de interferir diretamente nas atividades que ocorrem no local, pensamos ser possível e eficaz levar informação sobre os locais corretos de descarte do lixo na cidade de São Carlos. Para tal conscientização, idealizamos um banner (Figura 4) com informações dos locais corretos para descarte e dos tipos de lixo que podem ser levados a esses locais. A nossa proposta é que esse banner seja impresso em lona (material que não é estragado pela chuva) e fixado em diferentes pontos da cidade para conhecimento da população, além de sua fixação no terreno estudado.

Figura 4: Banner idealizado durante a disciplina de “Educação Ambiental”

REFERÊNCIAS

BRASIL, LEI No 9.795, DE 27 DE ABRIL DE 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília, 27 de abril de 1999.

BRASIL, LEI Nº 9.605, DE 12 DE FEVEREIRO DE 1998. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá outras providências. Brasília, 12 de fevereiro de 1998.

MARTINS, S.R. Critérios básicos para o Diagnóstico Socioambiental. Texto base para os Núcleos de Educação Ambiental da Agenda 21 de Pelotas: “Formação de coordenadores e multiplicadores socioambientais” (2004).

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. RESOLUÇÃO Nº 2, DE 15 DE JUNHO DE 2012.

TOZONI-REIS, Marília Freitas de Campos. A Pesquisa-ação participativa em educação ambiental: reflexões teóricas. São Paulo, Botucatu: Annablume, Fapesp, Fundibio, 2007.

Anexo I - Roteiro para Diagnóstico Socioambiental de terreno com queima irregular de lixo

1)Idade: _______

2)Sexo: ? Masculino ? Feminino

3)Escolaridade:

a)?Ensino fundamental completo d)? Ensino superior incompleto

b)?Ensino médio incompleto e)? Ensino superior completo

c)? Ensino médio completo

4)Empregado: ? Sim ? Não

5)Sabe se há coleta normal e a seletiva no bairro? São eficientes?

a)? Somente coleta normal, não eficiente

b)? Somente coleta normal, eficiente

c)? Coleta normal e seletiva, nenhuma eficiente

d)? Coleta normal e seletiva, só eficiente a normal

e)? Coleta normal e seletiva, as duas eficientes.

6)Você vê risco à saúde da comunidade exercido pelo terreno? Qual(is)?

7)Executa alguma atividade no terreno? Alguma proposta de atividade para ser executada nele?

8)O que você entende por área preservada? Você considera o terreno uma área preservada?

9)Qual relação, positiva ou negativa, a comunidade exerce com o terreno?

10)Você já depositou lixo no terreno? Ou colocou fogo no local? Já viu alguém fazer isso? Saberia dizer o motivo para essa prática?