DESINVESTIR NA POBREZA

Cláudio Loes

 

Lembrei-me de uma conversa que tive, anos atrás, com uma professora de matemática. Ela falava dos problemas, dos desgostos, das dificuldades que aconteciam nas mais diversas situações com ela, na sala de aula e na escola. Isto também envolvia as famílias e a sociedade onde a escola estava inserida. Este envolvimento revelava a amplitude do problema, visto que a defesa do aluno acontecia sempre, mesmo tendo ele infringindo normas e leis aceitas por todos.

Ouvindo e refletindo hoje, é evidente que o problema persiste. Existe uma desconexão com tudo e com todos, impulsionada pelo individualismo exacerbado e pelo investimento na pobreza, em todos os sentidos. Exemplo, quando as casas dos planos habitacionais são construídas, para dizer que agora a família tem uma casa, é o mesmo que ficar morando num local sujeito a enchentes ou deslizamentos. Pior ainda, é quando constroem os conjuntos habitacionais justamente nestes locais. Não existem, nestes conjuntos populares, loteamentos populares, a mesma estrutura dos locais classificados como nobres.

Este investimento na pobreza só favorece o aumento do número de habitantes. Todos os repasses de verbas têm uma pontuação relacionada com o número de pessoas atendidas. Isto é, você pode ter, em determinada localidade, o atendimento de diversas instituições, para as mesmas pessoas. Lá no final, todas vão contabilizar seu atendimento e alcance, revelando resultados promissores. Porém, ao longo dos anos percebe-se que tudo continua igual, as pessoas deveriam ter melhorado de vida, e nada acontece. Observe os bairros mais pobres de sua cidade. Saída encontrada: incentivar o voluntariado.

Quanto ao voluntariado daria um estudo à parte. Poucos se perguntam por que precisamos de voluntariado. Por que alguns querem ser voluntários?  Se todos os problemas fossem assumidos pelas pessoas, empresas, entidades e governos, o voluntariado seria totalmente desnecessário. Ele contribui para ampliarmos a miséria, por tentar minimizar os problemas que não são assumidos pelo sistema econômico financeiro. Um exemplo que sempre se repete: vamos importar trabalhadores porque os daqui não querem trabalhar pelo que queremos pagar. Simples assim, e estas pessoas que virão, serão atendidas por qual escola? Qual hospital? Mas, temos voluntários de causas humanitárias, necessários, porque não existe outra saída, que dificilmente protestariam para começarmos a ter uma vida mais digna, cidades sustentáveis e melhores, para todos.

O aumento da pobreza se aplica a nível global. As notícias informam que as empresas estão migrando da China para outros países. O motivo, os chineses não trabalham mais pelos mesmos salários de anos atrás. Ficou mais caro e como as empresas precisam obter lucro, o negócio é mudar para onde é possível ter o trabalho executado por menos. Qual a saída para os que ficaram?

Poderia ser elaborada uma lista de casos e causos, para não deixar passar mais uma lembrança. O professor de direção defensiva saiu com esta em sala de aula. Dizia ele para um infrator que estava no curso. Você está aqui porque levava oito pessoas, todos da sua família, num veículo para cinco pessoas; por acaso você já viu rico tendo seis filhos?

Torna-se urgente um desinvestimento na pobreza, caso contrário, a nossa espécie estará ocupando mais do que a natureza pode acolher. É preciso religar com os ciclos naturais. O topo da pirâmide, nós humanos e consumidores, não pode ser maior do que a base, os produtores de tudo o que consumimos. A estabilidade está neste equilíbrio dinâmico, que também se aplica a nós, humanos. Se o topo, aqueles que têm tudo for maior do que a base, aqueles que quase nada tem, o sistema tende a ruir. As guerras, epidemias, revoltas estão aí como prova.

A nossa espécie é tida como a mais evoluída, na linha evolutiva da natureza ela tem pouco tempo de existência. Ela possui capacidade de aprender mais rápido. No entanto, é a que segue rumo ao abismo de sua própria extinção. Encontrar o equilíbrio, a inserção e inspiração na experiência de bilhões de anos da natureza fará a diferença se quisermos continuar existindo.

Dialogar, religar, cooperar é uma urgência que não podemos deixar para amanhã, e isto não pode ser conseguido se continuarmos aumentando o número de pessoas que são forçadas a trabalhar, hoje, para ter somente o que comer amanhã, quando tem.

 

Cláudio Loes
Especialista em Educação Ambiental
www.ecophysis.com.br