CONSERTOS SÃO SAÍDA PARA A CRISE

Adriana Lampert

 

Em tempos de consumo consciente, somados a um ambiente de crise econômica, a profissionalização do setor de serviços veio a calhar e tem beneficiado quem aposta neste mercado. Juntos, esses fatores têm contribuído para aquecer o mercado de reparos e consertos, com crescente demanda em todo o País, principalmente nos segmentos de reparos para o lar, estética automotiva, troca de pneus e costuras.

 

Segundo a Associação Brasileira de Franchising (ABF), o faturamento das redes de franquia que trabalham com reparos e manutenção cresceu 2,9% no ano passado na comparação com 2015, passando de R$ 1,09 bilhão para R$ 1,12 bilhão.

 

Levantamento da entidade aponta que o mercado de franquias brasileiro registrou crescimento nominal de 6,8% no segundo trimestre deste ano em relação ao mesmo período de 2016. No total, o faturamento de abril a junho passou de R$ 35,180 bilhões para R$ 37,565 bilhões. Neste contexto, o setor de serviços e reparos cresceu 8,5%, passando de R$ 4.461 bilhões para R$ 4.839 bilhões do segundo trimestre de 2016 para o segundo trimestre de 2017. "Com a crise, o movimento dos consumidores para o mercado de reparos ocorreu da mesma forma que houve migração do consumo de marcas mais caras para outras mais baratas", compara a diretora da Regional Sul da ABF, Fabiana Estrela. A gestora avalia que a opção por reciclar peças e roupas surge, a princípio, de um comportamento do consumidor, cada vez mais consciente. "Hoje, as pessoas buscam evitar descartar objetos e roupas, e investem em consertar ou restaurar estes produtos, quando ainda é possível aproveitar", comenta Fabiana. A mala que iria para o lixão pode ser restaurada, a roupa pode ser customizada, o carro pode ser repaginado, e por aí vai. "É uma mistura de necessidade com consciência", opina a diretora da Regional Sul da ABF.

 

A costureira Ceciliana da Silva Aires, 71 anos, confirma que a procura por reformas de roupas é grande. Mas a demanda por criação de peças é ainda maior, garante a profissional, que trabalha no ramo há 43 anos. "Sai muito mais barato mandar fazer um vestido de festa, por exemplo, do que comprar em uma loja", justifica. A média de preços varia: tecer barra de calça ou trocar o zíper custa R$ 18,00. Já a encomenda de reforma de um vestido de festa pode custar de R$ 70,00 até R$ 200,00, no caso de uma peça nova. A costureira afirma que - pelo fato de trabalhar sozinha - precisa correr para dar conta do serviço. "Tenho trabalho das 6h às 2h da madrugada. Todos os dias chegam sacolas de roupas para reformar ou de tecidos para confecção." Acostumada a passar os dias transformando vestidos, calças, camisas em peças novas, a costureira comenta que ama o que faz. "Não me vejo parando de trabalhar de maneira nenhuma." "Quem é do ramo de vestuário e outros objetos precisa estar muito atento, porque, depois que passar a crise, é possível que mude o comportamento do consumidor", observa Fabiana Estrela. De acordo com Ceciliana, o perfil de sua clientela é basicamente de classe média. Nos últimos anos, ela tem recebido de 10 a 25 pedidos por dia. "Mas mesmo antes da crise, sempre tive bastante demanda", confirma. Fabiana emenda: "Teve uma fase da economia, quando tudo começou a ficar tão acessível e barato, que muita gente optava por colocar as coisas fora e comprar itens semelhantes, porém novos".

 

Mas, com a consciência de que o meio ambiente deve ser preservado, principalmente advinda dos questionamentos da nova geração, este movimento deve impulsionar novos negócios e exigir que os tradicionais se renovem, a partir da percepção de tudo isso. A dirigente da ABF observa que, no exterior, muitas lojas de marca têm apostado em serviços de customização, já com base nesta evidência. "Está inclusive virando moda. Aqui, ainda não se vê isso ocorrer dentro das lojas, mas existe, sim, demanda nas empresas de customização." Fabiana destaca ainda que, no que se refere ao crescimento de franquias especializadas em serviços, o Estado acompanha o mesmo ritmo do País. "Os números são menores do que na Região Central, que é um mercado que tem mais dinheiro, o que acaba impactando os negócios", pondera.

 

Atividades que atendem às necessidades básicas são mais buscadas

 

De acordo com estudo desenvolvido pelo Sebrae, abrir um negócio no ramo da alimentação, vestuário e conserto será a opção de muitos empreendedores brasileiros durante o ano de 2017.

 

Dentro deste quadro, os empreendimentos que atendem às necessidades básicas e que oferecem serviços de reparação, além de serviços especializados que permitem a redução de custos operacionais a outras empresas, estão entre as atividades mais promissoras para este ano.

 

Para mapear os negócios promissores de 2017, o Sebrae analisou os segmentos com maior taxa de natalidade em 2016, pois sinalizam a existência de uma maior demanda. Ou seja: "as pessoas buscam alternativas mais baratas, mas o consumo permanece. É importante o empresário acompanhar esse movimento da economia para ter mais sucesso", afirma o presidente do Sebrae, Guilherme Afif Domingos.

 

O estudo aponta que outro segmento que continua promissor é o de reparação e manutenção de veículos usados, manutenção de máquinas e equipamentos, comércio de peças e acessórios para veículos usados. "Até 2014, a ascensão econômica das classes C e D gerou um boom no consumo de eletrônicos, eletrodomésticos, automóveis, entre outros itens. Com a crise econômica, aumento do desemprego e redução do crédito, essas pessoas agora são forçadas a reparar esses bens em vez de adquirir produtos novos", explica o dirigente.

 

"Estamos passando por um processo de profissionalização da prestação de serviços no Brasil. Esse movimento abrange todos os setores, desde lavanderias até oficinas mecânicas", completa a diretora da Regional Sul da ABF, Fabiana Estrela. "Acreditamos que o setor de serviços ainda tem muito para desenvolver, e já vinha crescendo antes da crise, mas, com a recessão, deu mais gás."

 

A gestora acredita que o movimento cultural do capitalismo consciente pode ajudar. "Depois que passar a crise, acredito que as pessoas vão continuar pensando melhor antes de jogar qualquer produto fora." A dirigente da ABF destaca ainda que, como o País está "no caminho do desenvolvimento", é uma tendência o setor de serviços ir ganhando mais força. Neste sentido, as franquias vêm trabalhando forte na parte de treinamentos, testando os serviços que dão certo, padronizando e capacitando os franqueados para melhorar a qualidade. "Se ficam satisfeitas, as pessoas demandam mais."  

 

Setor de construção registra incremento

 

O comércio de material de construção, manutenção, reparação, pintura, pequenas reformas de imóveis, instalações elétricas, hidráulicas, obras de acabamento, artigos de serralheria, móveis de madeira, manutenção de sistemas de ventilação e refrigeração também tem se destacado em tempos de crise. "As pessoas estão investindo em reparos para o lar", comenta a diretora da Regional Sul da Associação Brasileira de Franchising (ABF), Fabiana Estrela. Segundo ela, pequenos consertos, que antes eram feitos por alguém "de casa", hoje têm sido mais demandados para terceiros. "Tem relação com o mercado de trabalho: atualmente, a família toda está trabalhando, e estas pessoas não têm tempo para fazer reparos das residências, como anteriormente."

 

Fabiana ressalta que quem está desempregado tem investido em franquias mais acessíveis; e, uma vez que as de serviços não demandam muito custo, nem ponto de venda, são negócios em potencial para quem tem uma habilidade. O proprietário da Adiers Restauração de Móveis, Edson Aiders, comemora o sucesso do empreendimento nos últimos cinco anos, quando a procura cresceu em torno de 70%. "Antes da crise, a clientela era o pessoal de classe menos favorecida. Hoje, atendo gente de classe A e classe AA", afirma o profissional, que também restaura sofás.

 

"Este é outro segmento que vem melhorando gradativamente, uma média de quase 15% ao ano", calcula o empreendedor, afirmando que desde 2013 o incremento ficou entre 40% a 60%. "Os consumidores estão preferindo reformar, pois dá para restaurar e ter um sofá novo por 50% a 60% menos do que o valor de um adquirido na loja." Contando com clientes de Porto Alegre, Litoral e Serra, Aiders restaura cerca de 10 móveis ou sofás por mês. "Claro que tem muito choro, e a gente acaba dando um desconto para agradar o cliente", admite.

 

Aumenta procura por manutenção de computadores

 

O mercado de conserto de computadores, veículos e outros está na lista de negócios promissores para 2017, elencada pelo Sebrae no início do ano. Serviços de manutenção e reparação de equipamentos de informática, produção de softwares e comunicação multimídia têm sido cada vez mais demandados, principalmente por empresas preocupadas em reduzir custos. "Este perfil de cliente aumentou", comenta o proprietário da Polytek Comércio e Serviços Ltda. - Conserto de Computadores, Orli Pfeiff. Segundo ele, o trabalho com manutenção e serviços nas redes de clientes corporativos tem superado o de pessoas físicas, apesar de ele considerar que o crescimento é "muito pequeno".

 

"Este ano foi melhor do que os últimos dois ou três anos no segmento empresarial, já o serviço para pessoa física decresceu", esclarece Pfeiff. O proprietário da Polyteck destaca que, nos anos anteriores, a demanda vinha "empatando" os custos da empresa. "Antes, mal pagava as contas. Agora, está dando lucro, cresceu 10%."

 

Contando com oito funcionários, Pfeiff afirma que a equipe pouco para no escritório, e que não foi necessário baixar preços para se manter no mercado. "Acredito que, se melhorar um pouco a situação política do País, em 2018 o crescimento será melhor", aposta Pfeiff. "Meu segmento, como é de serviços, depende muito de como vai funcionar a reforma trabalhista, porque empresas de serviços vivem de mão de obra especializada." Para o empreendedor, o grande entrave tem sido o custo com pessoal. "Tudo incide sobre os salários (referindo-se a tributos e benefícios, como PIS, Cofins, 13º salário, INSS, vale-alimentação e vale-transporte."

 

Setor de veículos está entre os menos beneficiados

 

Sob os efeitos da retração econômica, boa parte da população não só tende a adiar a compra de itens e buscar o prolongamento da vida útil dos que já estão em casa, como também opta por não trocar de automóvel. No entanto precisa continuar a fazer a manutenção preventiva ou corretiva do veículo que possui. Neste sentido, as oficinas mecânicas também se beneficiam - mas nem tanto.

 

De acordo com a proprietária da Ibacar, Mirian Pereira Luz, os negócios deste segmento têm caído cerca de 40% desde o segundo semestre de 2016. "Acreditávamos que, com a crise, iria melhorar, mas os clientes estão chorando muito no orçamento, protelando as decisões e optando por fazer somente o necessário." Na avaliação de Mirian, o setor cresceu mais de 2013 a 2015 (cerca de 20% ao ano). "O cliente faz um orçamento e autoriza apenas o estritamente necessário para rodar, deixando as demais demandas para o mês seguinte."

 

Fonte: Jornal do Comércio http://jcrs.uol.com.br/_conteudo/2017/08/cadernos/empresas_e_negocios/580731-consertos-sao-saida-para-a-crise.html