A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL (LEI Nº 9.795/1999) E A LEGALIZAÇÃO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL

 

 

Pedro Bruno Silva Lemos (pedrolemos@unilab.edu.br)

Assistente em Administração da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab); Especialista em Gestão Pública Municipal pela Unilab; e Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual do Ceará (UECE).

 

Canuto Diógenes Saldanha Neto (diogenes.saldanhaneto@ifma.edu.br)

Professor de Sociologia do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão (IFMA); Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN); Especialista em Gestão Pública Municipal pela Unilab; Bacharel em Ciências Sociais pela (UECE); e Licenciado em Sociologia pela Faculdade Alfa.

 

Antônio Roberto Xavier (roberto@unilab.edu.br)

Professor permanente do Mestrado Acadêmico em Sociobiodiversidade e Tecnologias Sustentáveis (Masts) da Unilab; Pós-doutor em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); e Doutor em Educação pela Universidade Federal do Ceará (UFC).

                                                                                    

 

RESUMO

O presente trabalho tem o intuito de analisar a contribuição da Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999, que institui a Política Nacional de Educação Ambiental, para o processo de inserção legal da Educação Ambiental no ensino formal brasileiro.

 

Palavras-chave: Política Nacional de Educação Ambiental. Lei nº 9.795/1999. Educação Ambiental. Ensino Formal.

 

ABSTRACT

The present work aims to analyze the contribution of Law 9.795, of April 27, 1999, which establishes a National Environmental Education Policy, for the process of legal insertion of Education.

 

Keywords: National Environmental Education Policy. Law nº 9.795/1999. Environmental Education. Formal Teaching.

 

INTRODUÇÃO

 

Denomina-se natureza o conjunto de elementos vivos ou não vivos que constituem o planeta Terra. Para Guimarães (1995), foi nessa “harmoniosa” correlação de forças que ocorreu a evolução de milhões de espécies, mudanças no relevo, no clima, nos oceanos e até na constituição dos continentes, pois o planeta Terra é um corpo dinâmico em constante mudança.

A humanidade surge, nesse contexto de correlação de forças, como apenas mais uma parte integrante da natureza. Nesse sentido, por exemplo, pode-se observar, na cosmologia, nos rituais e nas tradições culturais de povos indígenas e silvícolas, uma relação intrínseca com o meio ambiente que os cerca, ou seja, uma relação que “[...] preserva o equilíbrio dinâmico da natureza e que se baseia sempre na capacidade de suporte dos recursos naturais da área afetada” (GUIMARÃES, 1995, p. 12).

Para Dias (2004) e Guimarães (1995), ao longo da história humana há uma afirmação da consciência individual. Progressivamente, a humanidade vai se afastando do “seio” da “mãe natureza”, assumindo, dessa forma, uma posição exterior. O individualismo, ápice desse processo de individualização, faz com que o homem não perceba o equilíbrio dinâmico da natureza, agindo de forma predatória e desarmônica sobre o meio ambiente, provocando, assim, o surgimento de desequilíbrios ambientais em nível global.

O processo de separação da humanidade e da natureza está visível em toda a produção humana, todavia fica particularmente mais claro no conhecimento produzido pelo modelo de sociedade vigente. Como Nietzsche evidenciou no clássico A gaia ciência (2012) e Edgar Morin (2005) sistematizou com a Teoria da complexidade, o conhecimento na sociedade moderna é caracterizado pela fragmentação do saber (especialização do conhecimento), em outras palavras, há uma maior compreensão das partes e um maior desconhecimento do todo.

Nesse sentido, não há uma compreensão do equilíbrio dinâmico do todo, dado que a natureza é analisada de forma fragmentada. Sobre essa realidade, Guimarães (1995, p. 12) defende que a natureza é uma “[...] unidade que precisa ser compreendida inteira, e é através de um conhecimento interdisciplinar que poderemos assimilar plenamente o equilíbrio dinâmico do ambiente”.

Dias (2004) e Guimarães (1995) também observam que a visão antropocêntrica, resultante da separação entre o ser humano e a natureza, coloca todos os elementos que compõem o meio ambiente ao dispor dos interesses humanos, fazendo com que a humanidade não perceba as relações de interdependência existentes entre os vários elementos que constituem o meio ambiente que a cerca.

Nas palavras de Guimarães (1995), a postura da humanidade perante a natureza está intrinsecamente relacionada à visão de mundo e ao sentimento de dominação que condicionam as relações sociais, econômicas e políticas de um determinado modelo social.

Na sociedade capitalista, modelo socioeconômico vigente, o crescimento econômico é baseado na utilização predatória e ilimitada dos recursos naturais, na busca contínua pela acumulação de capital e na crescente produção de mercadorias, o que aumenta drasticamente o impacto da atividade produtiva sobre o meio ambiente (GUIMARÃES, 1995; SOUZA, 2006).

Outra característica da sociedade capitalista é o consumismo intenso, tanto de recursos naturais como de bens e capitais, o que valoriza a produção de mercadorias em detrimento da conservação e da utilização racional dos recursos naturais (GUIMARÃES, 1995).

Conforme Dias (2004), o processo de globalização desencadeou a disseminação do padrão de consumo característico dos países desenvolvidos. Entretanto, esse padrão de consumo, que paulatinamente passou a orientar a conduta das pessoas, na grande maioria das nações, aumentou a pressão sobre os recursos naturais em todo o mundo, pois não há como todas as nações atingirem o mesmo grau de desenvolvimento e o mesmo padrão de consumo dos países desenvolvidos sem que isso desencadeie o surgimento de graves problemas ambientais.

Diante do exposto, o presente trabalho, por meio de uma abordagem bibliográfica e documental, pretende analisar a legalização da Educação Ambiental no Brasil e o contexto socioeconômico que contribuiu para esse processo. Para isso, foram analisados documentos que versam sobre a inserção legal da Educação Ambiental no ensino formal e, em seguida, foi elaborado um histórico do processo de legalização e institucionalização da Educação Ambiental no Brasil com o intuito de indicar como esse processo foi realizado e os resultados peculiares.

 

A POLÍTICA NACIONAL DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL E A INSERÇÃO LEGAL DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NO ENSINO FORMAL BRASILEIRO

 

A segunda metade do século XX foi caracterizada pelo “aparecimento” de inúmeros problemas ambientais em escala global. Pela primeira vez, a comunidade internacional começou a discutir criticamente e questionar o modelo civilizatório e produtivo vigente, a saber: o capitalismo industrial (CARSON, 1969; McCORMICK, 1992).

Os impactos nefastos da produção industrial sobre o meio ambiente contribuíram para uma maior conscientização acerca da vulnerabilidade e finitude dos recursos naturais, bem como sobre a importância deles para a sobrevivência das atuais e futuras gerações. Pode-se destacar que inúmeros fatores políticos, culturais e socioeconômicos proporcionaram uma maior problematização da relação entre a humanidade e o meio ambiente que a cerca, em nível global (McCORMICK, 1992).

A progressiva constatação de que a utilização predatória dos recursos naturais e o crescente aumento da produção – características típicas do capitalismo industrial – acabariam por colocar a existência humana em risco fez com que governos e órgãos internacionais começassem a discutir e implementar políticas públicas voltadas à defesa e conservação dos recursos naturais (DIAS, 2004). Nesse contexto, a inserção da dimensão ambiental (Educação Ambiental) nos vários tipos e níveis de ensino tornou-se uma medida imprescindível para a construção de sociedades verdadeiramente sustentáveis socioambientalmente.

A Organização das Nações Unidas (ONU), em parceria com outras instituições, realizou, a partir da década de 1970, conferências internacionais para discutir a utilização sustentável dos recursos naturais. Como resultado desses encontros, vários países, entre eles o Brasil, produziram e assinaram declarações internacionais que versam sobre a implementação de políticas de proteção e conservação do meio ambiente, bem como de políticas de Educação Ambiental que ajudem “[...] as pessoas e os grupos sociais a desenvolver seu sentido de responsabilidade e a tomar consciência da urgente necessidade de prestar atenção aos problemas ambientais, para assegurar que sejam adotadas medidas adequadas” (UNESCO, 1975, s.p.). Os vários eventos internacionais realizados durante as últimas décadas do século XX evidenciaram a necessidade de uma nova ética que orientasse a relação do homem com a natureza e a construção de sociedades sustentáveis com vistas a novos valores diante da sociedade e do ambiente.

Dias (2004), Guimarães (1995), Pelicioni (2011) e Rivelli (2011), entre outros autores, defendem que, para que essa mudança de valores ocorra, apenas atitudes individuais não são suficientes. Segundo esses autores, é imprescindível que os valores consumistas vigentes, responsáveis pela crescente pressão sobre os recursos naturais, sejam superados.

À vista disso, a Educação Ambiental é fundamental para esse processo de mudança de valores, pois é necessário que o enfoque centrado no homem como “ser superior” e exterior à natureza seja definitivamente superado. Nesse sentido, conforme Guimarães (1995, p. 14), a “[...] Educação Ambiental centra seu enfoque no equilíbrio dinâmico do ambiente, em que a vida é percebida em seu sentido pleno de interdependência de todos os elementos da natureza”.

Como processo educativo, a Educação Ambiental é caracterizada pela participação de educadores, educandos e sociedade na construção de um novo paradigma que privilegie tanto as necessidades de desenvolvimento socioeconômico como a conservação e a melhoria do meio ambiente (CASCINO, 2000; DIAS, 2004; GUIMARÃES, 1995).

Em virtude do cenário contemporâneo, caracterizado por uma crise ambiental em nível global, a inserção da Educação Ambiental nos vários tipos de ensino é essencial para que tanto as atuais como as futuras gerações se conscientizem da importância da conservação e da preservação do meio ambiente para a continuidade da espécie humana. Como observa Capra (1982, p. 13-14), “[...] a deterioração de nosso meio ambiente natural tem sido acompanhada de um correspondente aumento nos problemas de saúde dos indivíduos”.

Conforme Cascino (2000), Dias (2004) e Guimarães (1995), o cenário socioambiental contemporâneo contribui para que a Educação Ambiental assuma um papel decisivo na conscientização pertinente à necessidade de construção de uma relação equilibrada e harmoniosa da humanidade com o meio ambiente. Ou seja, ressaltam que, por meio de novos valores e atitudes sustentáveis, a Educação Ambiental promove a inserção do educador, do educando e da sociedade no processo de superação da atual crise ambiental.

Para atender a essas reais e crescentes necessidades, o Governo brasileiro, a partir da Constituição de 1988, iniciou um processo de inclusão da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino. Nesse sentido, o presente trabalho discutirá esse processo, destacando a importância da Lei nº 9.795, que define a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA) para a inserção legal da Educação Ambiental no ensino formal brasileiro.

A inserção da Educação Ambiental na legislação brasileira seguiu uma tendência de universalização do acesso desse processo educativo para toda a sociedade. Em 1981, a Lei nº 6.938, que institui a Política Nacional de Meio Ambiente, já evidenciava a necessidade de promover a “Educação Ambiental a todos os níveis de ensino, inclusive a educação da comunidade, objetivando capacitá-la para participação ativa na defesa do meio ambiente”.

A Constituição de 1988 contribuiu para essa tendência à universalização do acesso à Educação Ambiental, ao defini-la como um direito de todo cidadão e um componente essencial para a qualidade de vida ambiental. Assim, a vigente Constituição, em seu artigo 225, atribuiu ao Estado o dever de “[...] promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Em 27 de abril de 1999, em consonância com o inciso VI do artigo 225 da Constituição, foi sancionada a Lei nº 9.795, que criou a Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA).

Consoante Rivelli (2011), a existência de uma lei não deve ser entendida como uma garantia de mudança efetiva em todos os setores da sociedade. Porém, é preciso compreender que a Lei nº 9.795 facilitou e reforçou iniciativas de mudanças efetivas e possibilitou uma maior conscientização quanto às questões ambientais. Desse modo, a PNEA surge como um instrumento fundamental para o desenvolvimento das presentes e futuras atividades de Educação Ambiental.

Lipai, Layrargues e Pedro (2007) entendem que a PNEA reforçou o direito de todos os brasileiros à Educação Ambiental. A Lei nº 9.795/1999 também proporcionou o desenvolvimento da Educação Ambiental em nível nacional, ao estabelecer “[...] seus princípios e objetivos, os atores responsáveis por sua implementação, seus âmbitos de atuação e suas principais linhas de ação” (LIPAI; LAYRARGUES; PEDRO, 2007, p. 25).

Em seu artigo 1º, a Lei nº 9.795 define que Educação Ambiental compreende:

                                                

[...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade.

 

Segundo Dias (2004) e Lipai, Layrargues e Pedro (2007), essa definição é muito conservadora, porém ressalta a responsabilidade do indivíduo e da coletividade na construção de uma relação sustentável com o meio ambiente.

Como nas legislações ambientais anteriores, na PNEA está previsto que compete ao Poder Público “[...] definir políticas públicas que incorporem a dimensão ambiental, promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e o engajamento da sociedade na conservação, recuperação e melhoria do meio ambiente” (BRASIL, 1999, art. 3º). Ainda no que se refere à promoção da Educação Ambiental, é definido que as instituições de ensino devem promover a Educação Ambiental, de forma integrada, em todos os programas educacionais desenvolvidos por essas (BRASIL, 1999).

Com o intuito de fomentar a participação dos mais variados setores da sociedade no processo de conscientização ambiental, a PNEA prevê que as empresas, as entidades de classe e as instituições públicas e privadas devem promover a implementação de programas de capacitação dos trabalhadores, voltados tanto para a melhoria e controle do ambiente do trabalho como para a reflexão crítica sobre os impactos do processo produtivo sobre o meio ambiente (BRASIL, 1999).

No artigo 4º, estão descritos os princípios que norteiam a PNEA, dentre os quais: o enfoque humanista e holístico; a concepção do meio ambiente na sua totalidade; o enfoque sustentável; a interdependência entre o meio natural, o socioeconômico e o cultural; e a perspectiva inter, multi e transdisciplinar (BRASIL, 1999).

Os objetivos da PNEA, descritos no artigo 5º, destacam, entre outros fatores, a necessidade de uma “[...] compreensão integrada do meio ambiente em suas múltiplas e complexas relações, envolvendo aspectos ecológicos, psicológicos, legais, políticos, sociais, econômicos, científicos, culturais e éticos”. Conforme Silva (2008), esse objetivo é um dos mais importantes da PNEA, pois a Educação Ambiental não deve ser um processo educativo perpetuador das desigualdades e problemas socioambientais característicos dos sistemas político-econômicos vigentes.

O segundo capítulo da Lei nº 9.795 estabelece que a Educação Ambiental deve ser inserida tanto na educação formal quanto na não formal, o que reforça a sua obrigatoriedade em todos os níveis e modalidades de ensino.

A PNEA caracteriza a Educação Ambiental no ensino formal como todos os processos desenvolvidos no âmbito dos currículos das instituições públicas e privadas de ensino. Nessa forma de ensino, as linhas de atuação da PNEA são pautadas na capacitação de recursos humanos, com a introdução da dimensão ambiental em todos os currículos de formação de professores e na capacitação dos professores em atividade (BRASIL, 1999).

Em virtude de seu caráter processual e de sua natureza interdisciplinar, é estabelecido que a Educação Ambiental não será implementada por intermédio da criação de uma disciplina específica. Todavia, a Lei nº 9.795 faculta a criação de uma disciplina específica de Educação Ambiental nos cursos de pós-graduação (BRASIL, 1999).

Por Educação Ambiental no âmbito não formal, a PNEA define todas as ações e práticas educativas dirigidas à sensibilização da coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da qualidade do meio ambiente (BRASIL, 1999).

Para incentivar a participação das escolas e universidades nas atividades de Educação Ambiental não formal, o parágrafo único do artigo 13 ressalta que o Poder Público deve incentivar “[...] a ampla participação da escola, da universidade e de organizações não-governamentais [sic] na formulação e execução de programas e atividades vinculadas à Educação Ambiental não-formal [sic]”, bem como “[...] a participação de empresas públicas e privadas no desenvolvimento de programas de educação ambiental em parceria com a escola, a universidade e as organizações não-governamentais [sic]” (BRASIL, 1999, art. 13).

Em relação à gestão em âmbito nacional, a PNEA é administrada pelo Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental, órgão composto por representantes do Ministério do Meio Ambiente (MMA), responsável pela Educação Ambiental em âmbito não formal, e pelo Ministério da Educação (MEC), responsável pela Educação Ambiental em âmbito formal (BRASIL, 1999).

Em âmbito formal, o Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental deve contribuir para a transformação dos professores em educadores ambientais capazes de promover, mediante a construção e disseminação de valores e conhecimentos direcionados à sustentabilidade e à participação dos alunos e comunidade nos projetos e ações de Educação Ambiental (BRASIL, 2005).

Vale ressaltar que o artigo 16 determina que os estados, o Distrito Federal e os municípios devem, em suas respectivas esferas de competência e áreas de jurisdição, definir, a partir das diretrizes da PNEA, suas diretrizes, normas e critérios em relação à Educação Ambiental (BRASIL, 1999). Para Rivelli (2011), isso assegura que as políticas de Educação Ambiental serão implementadas por intermédio de leis e critérios locais, o que contribuirá para uma maior contextualização do programas, projetos e atividades em Educação Ambiental.

Os grandes obstáculos para a implementação da PNEA estão relacionados ao seu financiamento e à garantia da Educação Ambiental como direito de todo o brasileiro. No tocante ao financiamento, o artigo 19 estabelece que todos os programas de Educação Ambiental receberão recursos dos programas de meio ambiente e educação, em nível federal, estadual e municipal. Entretanto, o único dispositivo da Lei nº 9.795 que versava sobre uma fonte de financiamento para a PNEA foi vetado pelo presidente da república da época, Fernando Henrique Cardoso. Do mesmo modo, não existe na Lei nº 9.795 nenhum dispositivo que assegure que os governos implementarão a PNEA, em outras palavras, não há nenhuma previsão de penalidade ao Poder Público em caso do não desenvolvimento de ações voltadas à promoção da Educação Ambiental.

Observa-se que a Lei nº 9.795 assegura a inserção legal da Educação Ambiental no ensino formal, porém não resolve os problemas referentes à incorporação desse processo educativo no projeto político-pedagógico e na dinâmica escolar local. Apesar de a Lei de Diretrizes Básicas da Educação Nacional (LDBEN), o Plano Nacional de Educação (PNE) e as diversas Diretrizes Curriculares da Educação Básica e Superior fazerem referência à Educação Ambiental, nenhuma dessas normas contempla a inserção da Educação Ambiental em todos os níveis e modalidades de ensino, o que vai contra à PNEA, que estatui a obrigatoriedade da dimensão ambiental nos sistemas formais e não formais.

Dessa mesma forma, as legislações educacionais normativas também não estabelecem como a temática ambiental será abordada nos estabelecimentos de ensino nem prescrevem princípios e diretrizes, tanto operacionais como pedagógicos, que regulamentarão a transversalidade dessa temática nos diversos níveis e modalidades de ensino.

Na Lei nº 9.795, a Educação Ambiental é definida como um processo educacional contínuo, isto é, como algo que, uma vez iniciado, não terá mais fim. Assim, a inserção da dimensão ambiental no processo educativo deve se iniciar desde a infância e prosseguir, de forma contínua e permanente, nos posteriores níveis de ensino.

Com esse objetivo, e em virtude da falta de legislação que regule, na prática, a inserção da Educação Ambiental no ensino formal, o Conselho Nacional de Educação elaborou Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental que regulam, em todos os níveis (Educação Básica, Ensino Fundamental, Ensino Médio e Ensino Superior) e modalidades (Ensino de Jovens e Adultos, Educação a Distância, Educação Especial, Educação Indígena e Quilombola), a implementação da PNEA (BRASIL, 2007).

As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental abordam a Educação Ambiental de maneira processual, continuada e incremental, dessa forma cada etapa de ensino aprofunda as discussões realizadas na etapa anterior. Nesse sentido, as diretrizes para todos os níveis e modalidades de ensino (Diretrizes Gerais) são as seguintes: 1) visão complexa da questão ambiental; 2) abordagem sistêmica, inter, multi e transdisciplinar; 3) abordagem crítica dos problemas socioambientais; 4) incentivo à pesquisa; 5) valorização da diversidade sociocultural; 6) inserção da Educação Ambiental no projeto político-pedagógico das escolas; 7) promoção da participação da comunidade no desenvolvimento de ações de Educação Ambiental; 8) valorização dos saberes tradicionais; 9) incentivo a uma visão de mundo humanista e interpretativa; 10) promoção da Educação Ambiental como abordagem crítica e transformadora de valores (BRASIL, 2007).

 

EDUCAÇÃO AMBIENTAL: DO REGIME CIVIL-MILITAR À CONSOLIDAÇÃO DA PNEA

 

A partir da segunda metade da década de 1960, período caracterizado internacionalmente pela ascensão de problemas ambientais resultantes do processo de industrialização, a temática ambiental, no Brasil, era tratada de maneira cética pelo Governo Militar e por outros grupos políticos. Conforme Gabeira (1985), as questões ambientais, por muito tempo, foram tratadas com desconfiança tanto pelo Governo Militar quanto por setores mais nacionalistas e também pela esquerda brasileira.

O argumento defendido pelo Governo Militar e pelos setores nacionalistas era que, em comparação com os países mais desenvolvidos, o processo de industrialização brasileiro estava muito atrasado, assim era necessário acelerá-lo a qualquer custo. Nesse contexto, as discussões ambientais eram entendidas como tentativas de os países mais desenvolvidos entravarem e/ou regularem o processo de industrialização brasileiro (GABEIRA, 1985).

Durante toda a Ditadura Militar no Brasil, principalmente nos anos de censura, o objetivo foi industrializar o país com o aumento da entrada do capital estrangeiro a todo custo. Nessa perspectiva, Gabeira (1985) aponta que, na década de 1970, uma propaganda oficial do Governo brasileiro chamava empresas estrangeiras para se instalarem em cidades de pequeno e médio portes localizadas no interior do país com o seguinte título: “Bem-Vinda, Poluição!”.

De acordo com Gabeira (1985), a mensagem oficial divulgada pelo Governo Militar era a de que, no Brasil, os impactos ambientais da poluição e a necessidade de regulamentação dos resíduos oriundos da produção industrial não eram debatidos publicamente e que as empresas que aqui se instalassem teriam uma grande economia nos gastos relativos à segurança ambiental e à purificação do ar.

Já a esquerda brasileira, segundo Gabeira (1985), acreditava, em um primeiro momento, que as discussões ambientais apenas contribuíram para a divisão do processo de transformação da sociedade; processo esse que deveria ser reduzido apenas às discussões relacionadas à luta de classes. Em um momento posterior, caracterizado pela internacionalização das lutas ecológicas, a esquerda defendia e difundia que as discussões ambientais apenas contribuíram para a racionalização do sistema capitalista, tornando-se, portanto, um setor capitalista voltado à produção de qualidade de vida por meio da fabricação de mercadorias que atenuassem os efeitos negativos do processo de industrialização ou da realização de serviços gigantescos de conservação e recuperação de recursos naturais.

A década de 1970 foi caracterizada pela realização de Conferências Internacionais voltadas à discussão dos impactos ambientais da atividade industrial (Conferência de Estocolmo, 1972), da necessidade de uma nova ética de desenvolvimento (Conferência de Belgrado, 1975) e do papel central da Educação Ambiental para a construção de sociedades justas e ecologicamente sustentáveis (Conferência de Tbilisi, 1977). Esses eventos internacionais contribuíram profundamente para o desenvolvimento da Educação Ambiental no Brasil.

No Brasil, a Educação Ambiental surge oficialmente com a criação da Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), em 1973. Essa Secretaria, ligada ao Ministério do Interior, nasce em virtude das crescentes exigências internacionais a respeito da inserção da dimensão ambiental nos vários níveis de educação, a qual tinha o objetivo de conscientizar a sociedade quanto aos impactos ambientais da atividade humana e de promover a capacitação de recursos humanos (BRASIL, 2005).

Em 1981, o Brasil dá o segundo passo na institucionalização da Educação Ambiental, com a Lei nº 6.938, que criou a Política Nacional de Meio Ambiente (PNMA), primeira legislação de caráter nacional voltada à preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental. A PNMA estabeleceu, com o objetivo de conscientizar a sociedade civil para a defesa do meio ambiente, a necessidade da inclusão da Educação Ambiental em todos os níveis de ensino.

            Progredindo nesse processo de institucionalização, a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 225, mais especificamente no inciso VI, institui a necessidade de “[...] promover a Educação Ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

No ano de 1989, foi criado o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente (Ibama), órgão que surge com a missão de contribuir para a construção do pensamento ambiental no país. A atuação do Ibama está pautada na promoção e implementação da Educação Ambiental, mediante as atividades de capacitação realizadas, em todos os estados, pelos Núcleos Estaduais de Educação Ambiental (NEAs) (PELICIONI, 2011).

Em 1991, foi criado o Grupo de Trabalho (GT) de Educação Ambiental do Ministério da Educação (MEC), que futuramente se tornaria a Coordenação Geral de Educação Ambiental (COEA), e a Divisão de Educação Ambiental do Ibama, duas instâncias do Poder Executivo destinadas a ajudar na inserção da Educação Ambiental como instrumento da política ambiental nacional (DIAS, 2004).

Em decorrência da realização da ECO-92 e da publicação do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, o ano de 1992 foi caracterizado pela ocorrência de fatos fundamentais para a institucionalização da Educação Ambiental no Brasil. Naquele ano, foi criado o Ministério do Meio Ambiente (MMA) e foi elaborada a Carta Brasileira para a Educação Ambiental, documento que reconhecia oficialmente a Educação Ambiental como um dos “[...] instrumentos mais importantes para viabilizar a sustentabilidade como estratégia de sobrevivência do planeta e, conseqüentemente [sic], de melhoria da qualidade de vida humana” (BRASIL, 2003, p. 13).

Influenciado pela Carta Brasileira para a Educação Ambiental (1992), o MEC realizou, naquele mesmo ano, na cidade de Foz do Iguaçu, no Paraná, o 1º Encontro Nacional de Centros de Educação Ambiental (CEAs), com o propósito de discutir experiências institucionais em Educação Ambiental realizadas de maneira exitosa, além de propostas pedagógicas inovadoras. Como resultado do evento, o MEC incentivou a implantação de Centros de Educação Ambiental em todo o país, espaços direcionados à formação ambiental das comunidades (BRASIL, 2003).

Em função dos compromissos assumidos pelo Governo brasileiro durante a ECO-92 e pelo que prevê a Constituição de 1988, foi criado, em dezembro de 1994, o Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea). O Pronea foi executado pela Coordenação de Educação Ambiental do MEC, em parceria com alguns setores do MMA e do Ibama, possuindo as seguintes linhas de ação: inserção da Educação Ambiental no ensino formal; implantação de cursos de gestão ambiental; campanhas de Educação Ambiental nos diversos meios de comunicação; articulação e integração com as comunidades; articulação intra e interinstitucional; e criação de uma rede descentralizada de centros especializados em Educação Ambiental em todos os estados (BRASIL, 2003).

No decorrer do ano de 1996, o MMA, com a Portaria nº 353/1996, criou o Grupo de Trabalho de Educação Ambiental e firmou, com o intuito de promover a cooperação técnica e institucional em Educação Ambiental, durante os cinco anos seguintes, um protocolo de intenções com o MEC, ou seja, foi formado um canal oficial para o desenvolvimento de programas interinstitucionais (BRASIL, 2003).

No mês de abril de 1999, foi aprovada a Lei nº 9.795/1999, que versa sobre a Política Nacional de Educação Ambiental. No ano seguinte, ocorreu um fato fundamental para a consolidação da Educação Ambiental como política pública: a Educação Ambiental foi inserida no Plano Plurianual do Governo, referente ao período de 2000 a 2003 (BRASIL, 2003).

Ainda em 1999, foi criada a diretoria do “novo” Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea), que passou a ser vinculado ao MMA e que deveria realizar as seguintes atividades: instituir o Sistema Brasileiro de Informações em Educação Ambiental (Sibea); implantar Polos de Educação Ambiental e difundir práticas sustentáveis nos estados; fomentar a formação de Comissões Interinstitucionais de Educação Ambiental nos estados e auxiliar na elaboração de programas estaduais de Educação Ambiental; instaurar o curso de Educação Ambiental a Distância; estabelecer o projeto “Protetores da Vida” (BRASIL, 2003).

Em 2002, foram instituídas a composição e as competências do Órgão Gestor da PNEA. No ano seguinte, em 2003, o MEC viabilizou as ações e as diretrizes da PNEA e reestruturou a Coordenação Geral de Educação Ambiental (COEA). Com isso, contribuiu para a consolidação da Educação Ambiental como política pública no MEC (DIAS, 2004).

No dia 21 de julho de 2003, o Brasil deu um passo decisivo para a institucionalização da Educação Ambiental como política federal, pois, nesse dia, o MMA e o MEC realizaram a reunião de instalação do Órgão Gestor da PNEA, o que marcou oficialmente o início das políticas federais em Educação Ambiental. Durante a reunião, também foi definida a primeira ação da PNEA, a saber: a promoção de uma conferência de meio ambiente voltada exclusivamente ao público infantojuvenil.

 

CONCLUSÃO

 

Conforme a análise bibliográfico-documental, pode-se chegar às seguintes conclusões: primeiramente a Lei nº 9.795/1999 contribuiu para o desenvolvimento das atividades educacionais voltadas à conscientização acerca da utilização sustentável dos recursos naturais, principalmente no ensino formal, ao estabelecer os princípios, os objetivos e os responsáveis pela inserção e a posterior implementação da Educação Ambiental em todos os tipos e níveis de ensino. Entretanto, a inexistência de dispositivos que versem a respeito da fonte de financiamento da PNEA e que assegurem a previsão de penalidade ao Poder Público, caso não ocorra a inserção da Educação Ambiental nos vários tipos de ensino, tornou-se o grande obstáculo para a implementação da PNEA nacionalmente.

Por conseguinte, observa-se que, passados 44 anos da criação da Secretaria de Meio Ambiente (SEMA), fato que marcou o surgimento oficial da Educação Ambiental no Brasil, o processo de institucionalização/legalização da Educação Ambiental teve um significativo avanço, haja vista que a Educação Ambiental se tornou uma política nacional (Lei nº 9.795/1999) e um direito social fundamental de todo brasileiro, como consta no artigo 225 da Constituição Federal (BRASIL, 1988). Percebeu-se também que a inserção legal da Educação Ambiental na administração pública brasileira está relacionada à conscientização internacional atinente à vulnerabilidade e finitude dos recursos naturais iniciada na segunda metade do século XX.

 

REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Constituição de 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 out. 1988.

 

BRASIL. Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981. Dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, seus fins e mecanismos de formulação e aplicação, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 2 abr. 1981.

 

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 28 abr. 1999.

 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Educação Ambiental: aprendizes de sustentabilidade. In: BRASIL. Cadernos da Secretaria de Educação Contínua Alfabetização e Diversidade. Brasília, DF: MEC, 2003.

 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Programa Nacional de Educação Ambiental (Pronea). Brasília, DF: MMA, 2005.

 

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Ambiental. Brasília, DF: MMA, 2007.

 

CAPRA, Fritoj. O ponto de mutação: a ciência, a sociedade e a cultura emergente. São Paulo: Cultrix, 1982.

 

CARSON, Rachel Louis. Primavera silenciosa. São Paulo: Melhoramentos, 1969.

 

CASCINO, Fábio. Educação Ambiental: princípios, história, formação de professores. 2. ed. São Paulo: Senac, 2000.

 

DIAS, Genebaldo Freire. Educação Ambiental: princípios e práticas. 5. ed. São Paulo: Global, 2004.

 

GABEIRA, Fernando. Vida alternativa: uma revolução do dia a dia. 2. ed. Porto Alegre: L&PM, 1985.

 

GUIMARÃES, Mauro. A dimensão ambiental na educação. 8. ed. São Paulo: Papirus, 1995.

 

LIPAI, Eneida Maekawa; LAYRARGUES, Philippe Pomier; PEDRO, Viviane Vazzi. Educação Ambiental na escola: tá na lei. In: MELLO, Soraia da Silva Mello; TRAJBER, Rachel (Org.). Vamos cuidar do Brasil: conceitos e práticas em Educação Ambiental na escola. Brasília, DF: MEC/Unesco, 2007. p. 23-32.

 

McCORMICK, John. Rumo ao paraíso: a história do movimento ambientalista. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.

 

MORIN, Edgar. Introdução ao pensamento complexo. Porto Alegre: Sulina, 2005.

 

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. A gaia ciência. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

 

PELICIONI, Andréa Focesi. Movimento ambientalista e Educação Ambiental. In: PHILIPPI, Arlindo; PELICIONI, Maria Cecília Focesi (Org.). Educação Ambiental e sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2011. p. 413-444.

 

RIVELLI, Elvino Antonio Lopes. Evolução da legislação ambiental no Brasil: políticas de meio ambiente, Educação Ambiental e desenvolvimento urbano. In: PHILIPPI, Arlindo; PELICIONI, Maria Cecília Focesi (Org.). Educação Ambiental e sustentabilidade. São Paulo: Manole, 2011. p. 285-302.

 

SILVA, Aguinaldo Salomão. A prática pedagógica da Educação Ambiental: um estudo de caso sobre o Colégio Militar de Brasília. 2008. 123 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Sustentável) – Centro de Desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília, Brasília, DF, 2008.

 

SOUZA, Jessé. O mundo desencantado. In: WEBER, Max. A gênese do capitalismo moderno. São Paulo: Ática, 2006. p. 7-12.

 

UNESCO. Carta de Belgrado: uma estrutura global para a Educação Ambiental. Sérvia, Belgrado, 1975.