FOTOGRAFIA E ARTE: IMAGENS E CRÍTICAS SOCIAIS

 

Guilherme Susin Sirtoli[i]

Cláudia Mariza Mattos Brandão[ii]

 

 

RESUMO: O artigo tem por objetivo discutir sobre a imagem fotográfica na produção de dois artistas em especial: Andy Warhol, ícone da Pop Art, e o contemporâneo David Lachapelle, para a elaboração de críticas sociais contundentes a mentalidades e comportamentos.

 

 

A banalização do ato fotográfico em relações sociais mediadas por imagens é um assunto recorrente na contemporaneidade. Na era da virtualidade as pessoas consomem passivamente, a todo instante, imagens e mais imagens e suas mensagens simbólicas. Para as Artes Visuais o tema não é novo, e a importância da fotografia como recurso para a problematização acerca de sociedades espetaculares continua reverberando.

Este artigo tem por objetivo discutir sobre a fotografia e seus produtos diversificados na produção de dois artistas em especial: Andy Warhol, ícone da Pop Art, e o contemporâneo David Lachapelle. Nas produções de ambos a fotografia assume uma posição de destaque, como um meio para a elaboração de discussões acerca das relações entre os seres humanos e o meio social, histórico e natural.

 

 

1. Andy Warhol: anotações sobre um fotógrafo-artista

 

 

Pensar sobre o sujeito fotógrafo Warhol nos diz muito sobre a sua relação com as imagens/fotografias, além de ampliar o horizonte de entendimento da sua produção artística. Imagem/Fotografia/Pop estão intimamente relacionadas, no sentido de que mais do que produzir imagens, Warhol as problematiza como elementos centrais da “Sociedade do Espetáculo”. Isso, em acordo com o que propunha Guy Debord (1997, p. 12), quando afirma que “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediatizada por imagens”.

O trabalho de Warhol percorreu diferentes caminhos na área da fotografia. Uma das primeiras relações estabelecidas pelo artista ganhou visibilidade com as conhecidas e aclamadas “apropriações fotográficas” (Figura 1), através das quais ele reproduzia, com o auxílio da serigrafia mixada a tintas acrílicas, signos imagéticos conhecidos de ícones famosos, assim como Marilyn Monroe, Elvis Presley e Elizabeth Taylor, bem como objetos de consumo (latas de sopa Campbells e garrafas de Coca-Cola). Tais obras criticam os padrões comportamentais adotados pela sociedade estadunidense, seus modelos de beleza, seus ídolos, bens de consumo e modos de vida padronizados, e o consequente apagamento das diferenças, da diversidade e complexidade das sociedades humanas. Com sua produção artística, Warhol alerta para o modo mecânico e inconsciente de reprodução dos valores e comportamentos impostos pelo universo midiático, espetacular.

 

 

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Figura 1: Andy Warhol, Marilyn Diptych, serigrafia sobre tela, 1962.

 

 

Consideramos necessário situar o contexto em que o movimento Pop foi criado, para melhor entendimento de sua influência social até os nossos dias. O fato é que a Pop Art é considerada um marco, a chave única entre o mundo moderno e o pós-moderno, de certa forma apagando o que já era então conhecido como arte e cultura, fundindo as Belas Artes com a expressão popular.

A produção do artista traz referências explícitas ao Dadaísmo, período vanguardista iniciado em meados de 1916 na Suíça, que propunha a destruição dos conceitos de qualquer tipo de arte conhecidos até então. E nesse movimento temos a figura marcante de Marcel Duchamp e sua proposta dos ready-mades. Andy Warhol, apadrinhado por Duchamp e inspirado em Debord, levou conceitos “neodadaístas” para o seu trabalho. Nessa época, a cultura estava como nunca inserida no seio do capitalismo, e como resultado a arte foi transformada em entretenimento (RUHRBERG et al, 2012).

Chegou-se, então, na ideia inicial de que tudo poderia muito bem ser reproduzido ao infinito de uma forma repetida e industrial, um método tipicamente americano, fazendo-se pensar que o movimento era apenas algo decorativo, comercial e fútil. A problemática em si vai além da massificação e da reprodutibilidade discutida por Walter Benjamin (1955), pois a Pop escancarava os ideais do sonho americano na cara da própria América, mostrando um amadurecimento precoce frente ao que o futuro reservava.

 Durante o ápice do movimento, em meados dos anos 60, muitas transformações sociais estavam ocorrendo e a Pop estava sendo alimentada e ao mesmo tempo alimentava a cultura de massa. Após criar certa notoriedade na cena Nova Iorquina, Andy soube se aproveitar muito bem dessas transformações e criar um paralelo entre o mass media e a sua obra.

A fotografia sempre foi o ponto de partida de sua obra, e citamos as reproduções de Marilyn Monroe (Figura 2), cuja foto original é datada de 1953, de autoria do fotógrafo Gene Korman para a produção de Niagara (1953), filme no qual Marilyn Monroe é a protagonista (COLORADO, 2016). Inserido no meio publicitário, o artista que sempre foi fascinado pela arte fotográfica, e se viu imerso em um mundo cada vez mais imagético, tanto no meio comercial quanto no artístico. Warhol chegou a afirmar em seus diários (escritos entre 1976 – 1981) que não acreditava em arte, mas sim na fotografia.

 

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Figura 2: Gene Korman, Imagem promocional, fotografia, 1953.

 

 

Sua produção fotográfica, paralela as suas obras de artes mais conhecidas, floresceram. Assim como Warhol acreditava que num futuro próximo todos teriam seus famigerados quinze minutos de fama, tentava eternizar essa passagem em uma série de retratos instantâneos feitos com suas diversas câmeras “Polaroid”. É interessante mencionar que a câmera instantânea era para ele, assim como o papel e o lápis são para “artistas convencionais”, dando oportunidade para a criação de variados e rápidos testes até chegar ao resultado final, seja ele uma fotografia ou uma imagem manipulada em serigrafia.

Andy foi considerado um fotógrafo documental, pois retratava com suas câmeras 35 mm e instantâneas, praticamente todo o seu dia-a-dia. Muitas dessas imagens cotidianas retratam além do seu círculo social de amizades, um lado trivial da vida do fotógrafo-artista, capturando sua maneira particular de (re)apresentar o mundo a sua volta. 

Além dos registros cotidianos, estão presentes também os diversos autorretratos produzidos ao longo de sua carreira artística (Figura 3) que revelam a intimidade e a relação que Warhol possuía na frente (e atrás) das lentes. Estudar as obras do artista e perceber a importância da fotografia na mesma nos permite discutir sobre as mentalidades e comportamentos presentes no nosso tempo. Consideramos importante reconhecer a figura dele como um fotógrafo-artista, pois sua produção artística tem raízes na fotografia, influenciando toda a sua obra (HACKETT, 2012).

Embora a sua interação com a publicidade e as artes gráficas, é interessante pensar através do viés fotográfico as críticas visuais elaboradas por Andy Warhol acerca da sociedade de consumo e a cultura de massa.

 

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Figura 3: Andy Warhol, Self-Portrait with Skull, fotografia, 1977.

 

 

2. David LaChapelle, seus microuniversos e mensagens sociais

 

 

Figura 4: David LaChapelle, Jesus is my Homeboy (série), 2003.

 

Com o passar dos anos o movimento da Pop Art ganhou cada vez mais notoriedade, reverberando nas produções de alguns artistas contemporâneos. Uma dessas figuras é o fotógrafo-artista norte-americano David LaChapelle (1963), que iniciou sua carreira produzindo retratos aberrantes da vida das celebridades e, de certa forma, explorando seus microuniversos privados de modo poético, abusando dos contraste e das cores marcantes (no mesmo estilo que os artistas da Pop Art utilizavam em meados da década de 1960).

Descoberto e apadrinhado por Andy Warhol, compartilhando da atração pela cultura de massa e a famigerada sociedade do espetáculo (DEBORD, 1997), LaChapelle conseguiu um emprego como fotógrafo da revista Interview (fundada por Andy, com antiga sede em Nova York). Além de utilizar imagens de celebridades em seus trabalhos, ele conseguiu galgar um patamar diferenciado no mundo das artes quando começou a associá-las a questões sociais (Centro de Fotografia ESPM, 2013).

Os temas bíblicos, presentes em suas fotografias (Figura 4), remetem a questões exploradas de modo marcante, em especial a relação homem/natureza. Como problematiza o artista, seguindo os preceitos da Bíblia, as pessoas tendem a se utilizar da natureza como bem entender, acreditando que ela está disponível para saciar as necessidades mundanas. E é tal crítica que emerge simbolicamente em suas obras, uma linha paralela entre o ortodoxo-cristão, o surreal clássico e o contemporâneo.

O trabalho fotográfico de LaChapelle relaciona o mundo das celebridades e comportamentos sociais de cunho religioso, em demonstrações de que as necessidades do homem e seus desejos embora se modifiquem com o passar do tempo, ainda se projetam na natureza, impactando-a negativamente (LENOBLE, 2002). Os símbolos presentes em suas imagens capturam a atenção de uma forma muito interessante, alguns se sentem chocados, outros perplexos, ou até mesmo cativados, e esse é exatamente o objetivo do artista­­, mostrar que a contemporaneidade está intimamente ligada com o passado e vice-versa.  

Praticamente todas as fotografias de Lachapelle contam histórias através de personagens estereotipados, colocados em situações muito peculiares que lembram representações olímpicas da antiga Grécia. Suas imagens estão carregadas de ironia e humor, colocadas em ambientes surreais.

            Como um dos pioneiros da manipulação digital de imagens, suas fotografias são híbridas, resultantes de processos de pré e pós-produção, caracterizadas pela apresentação hiperbolizada da natureza.

Uma de suas obras mais famosas, que expõe a visão crítica do fotógrafo-artista sobre tais questões, é a Pietá with Courtney Love (Figura 5). A fotografia retrata a artista Courtney Love e seu ex-marido, o falecido Kurt Cobain, em uma releitura simbólica da famosa escultura clássica Pietá de Michelangelo (Figura 6), na qual a Virgem Maria aparece segurando seu filho, Jesus Cristo, morto em seus braços. A questão primordial e o fascínio da obra estão na ideia de utilizar a imagem de dois artistas, controversos e contemporâneos, envolvidos em muitas polêmicas abrangendo questões mundanas assim como o uso de drogas, para a elaboração da releitura de uma imagem de cunho simbólico-religioso presente no imaginário coletivo. 

 

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Figura 5: David LaChapelle, Pietá with Courtney Love, fotografia, 2006.

 

Figura 6: Michelangelo, Pietá, escultura em mármore, 1499.

 

 

3. Considerações Finais

 

Warhol com suas imagens, muitas vezes reproduzidas em série com variações de cores, tinha por objetivo elaborar uma crítica irônica sobre uma sociedade que começava a ser bombardeada pelos objetos de consumo. Ele operava com signos estéticos massificados da publicidade, quadradinhos, ilustrações, reproduzindo objetos do cotidiano em grandes formatos, transformando o real em hiper-real.

LaChapelle, por sua vez, dedica-se à elaboração de minuciosas composições, utilizando fotografias de estúdio retrabalhadas à exaustão em seus elementos primordiais, composição de cor e equilíbrio dos vários elementos das cenas. Suas imagens são extremamente preenchidas por todo o tipo de acessórios e adereços, garantindo um resultado exagerado, nas cores e proporções, assim como acontecia no Barroco, um estilo artístico que floresceu inicialmente na Itália, entre os séculos XVI e XVII.

Compreender e sistematizar conhecimentos sobre a produção artística com base na fotografia é um dos objetivos do PhotoGraphein – Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação (UFPel/CNPq). Acreditamos que assim fomentamos uma cultura de cunho simbiótico entre a visão funcionalista e as visões estéticas e simbólicas dos elementos sociais que constituem os espaços sociais contemporâneos. Nesse processo consideramos fundamental o levantamento histórico sobre as questões analisadas, visto que serão elas que nos permitirão desvelar os meandros da linguagem fotográfica, seus produtos e repercussões sociais.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BENJAMIN, Walter. A Obra de Arte na Era da reprodutibilidade técnica. São Paulo: Zouk, 2012.

Centro de Fotografia ESPM. Belo e Bizarro em harmonia na obra de David LaChapelle. Artigo online, 2013. Disponível em: http://foto.espm.br/index.php/sem-categoria/belo-e-bizarro-em-harmonia-na-obra-de-david-lachapelle/ Acesso em: 07/09/2016.

COLORADO, Oscar. Andy Warhol – Fotografo. Acessado em 02/08/2016. Artigo online. Disponível em:

https://oscarenfotos.com/2016/05/14/andy-warhol-fotografo/#_edn44

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. São Paulo: Contraponto, 1997.

HACKETT, Pat. Diários de Andy Warhol - Vol I. Porto Alegre: L&M Pocket, 2012.

LENOBLE, Robert. História da ideia de natureza. 1 ed. Lisboa: Edições 70, 2002.

RUHRBERG, Karl; SCHNECKENBURGER, Manfred; FRICKE, Christiane; HONNEF, Klaus. A Arte do Século XX. Lisboa: Taschen, 2012.

WARHOL, Andy. America. Porto Alegre: L&PM Editores, 2012.



[i] Acadêmico do curso de Artes Visuais – Modalidade Licenciatura (CA/UFPel), pesquisador do PhotoGraphein – Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação (UFPel/CNPq). gui_sirtoli@hotmail.com

[ii] Doutora em Educação, Mestre em Educação Ambiental, professora do Centro de Artes (Artes Visuais – Licenciatura), da Universidade Federal de Pelotas/UFPel. Coordenadora do PhotoGraphein - Núcleo de Pesquisa em Fotografia e Educação (UFPel/CNPq). attos@vetorial.net