FOLCLORE TAMBÉM É MEIO AMBIENTE
Meio ambiente não se restringe a florestas, rios, espécies em extinção ou problemas das grandes cidades.
“Meio ambiente” é uma
expressão cara ao mundo contemporâneo. Seus elementos de composição, no
entanto, vêm de tempos antigos. Ambient- é o tema do particípio presente do
verbo latino ambire (amb- + ire), que significa, literalmente, ir em
volta, isto é, andar ao redor. Medius é o termo que designa o que quer que
esteja no meio, sendo, pois, central, intermediário, medianeiro. Por meio
ambiente, entende-se, de imediato, o conjunto dos elementos físicos, biológicos
e químicos que nos cercam, nos influenciam e são influenciados por nós. O que
vale dizer, a terra, a água, o ar, as plantas e os animais – numa palavra, a
natureza.
Mas também o homem – “um bicho da terra tão pequeno”, como diz Camões nos Lusíadas
–, não deixa de ser parte dessa mesma natureza. O que distingue o bicho humano
dos restantes animais são suas variadas práticas sociais. É através delas que
se expressa a cultura dos povos. E não existe cultura sem imaginação. Por isso,
o homem pode ser definido como um animal simbólico.
Desse modo, o conceito de meio ambiente se alarga com facilidade para
incorporar em sua definição aquilo que costumamos chamar o patrimônio cultural
das nações, quer seja em seu aspecto material, como objetos ou conjuntos
arquitetônicos, quer seja em seu aspecto imaterial, como manifestações
artísticas ou criações científicas. Àquela acepção básica de natureza,
reserva-se atualmente a designação de meio ambiente natural. Já o sentido ligado
às práticas sociais organizadas pelas comunidades humanas vem cada vez mais
sendo denominado meio ambiente cultural. É assim que, ao falar de meio
ambiente, podemos nos lembrar não só das florestas e dos rios, das espécies em
risco de extinção ou dos problemas das grandes cidades, mas também das
tradições populares e, de um modo geral, de tudo o que confere valor à
vida.
Por isso, não estranhei quando me veio à mente a figura do curupira feito uma
síntese do meio ambiente. Ora, trata-se de um protetor das matas e dos animais,
conhecido e reconhecido de norte a sul do país. Na maioria das vezes, aparece
como um indiozinho veloz, de cabelos vermelhos e dentes azuis, tendo sempre os
pés voltados para trás. Costuma andar pelas florestas batendo o calcanhar no
tronco das árvores para certificar-se de que estão firmes quando se aproxima um
temporal. É generoso com os que se contentam em caçar para satisfazer as
necessidades, mas torna-se o pavor dos que caçam desmedidamente ou perseguem as
fêmeas prenhas e os filhotes. A estes, faz perder o rumo por muito tempo até
poderem deixar a selva. O curupira é o nosso maior guardião do meio ambiente
natural. E é, ao mesmo tempo, uma das grandes criações do imaginário popular
brasileiro, sendo, portanto, um elemento integrador do nosso meio ambiente
cultural.
Embora curiosa, não é de espantar a notícia que Plínio, o antigo, autor romano
do séc. I d. C., registra em sua história natural sobre homens da floresta,
muito ligeiros, com pés virados para trás, que viviam na companhia de animais
selvagens, em certa região ao norte da Europa e da Ásia. Tradições como essa,
muitas vezes, viajam pelo mundo entre nações e gerações e viram mitos, lendas e
contos, enriquecendo a imaginação dos povos.
O meio ambiente natural e cultural, que recebemos como herança das gerações
passadas, nos forma e nos encaminha em nossa jornada humana. Daí a importância
de refletir – e de agir – sobre o mundo que vamos deixar para as próximas
gerações.
* Doutor em Estudos Literários, Professor de Língua e Literatura Latinas junto
ao Departamento de Lingüística da FCL-UNESP/CAr e Coordenador do Grupo de
Pesquisa LINCEU – Visões da Antiguidade Clássica.
Fonte: http://www.neomondo.org.br/editoriais/educacao/folclore-tambem-e-meio-ambiente/