SUMÁRIO

TEATRO LEGISLATIVO COMO FERRAMENTA DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL EM PROJETO DE RECUPERAÇÃO DE ÁREAS DEGRADADAS NO ASSENTAMENTO JOSÉ EMÍDIO DOS SANTOS, CAPELA, SE

                                              

                                                                                  Ivana Silva Sobral Doutora em Geografia; Bolsista do Programa Nacional de Pós- doutorado (PNPD/CAPES), atuando como professora pesquisadora da Pós-graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente da Universidade Federal de Sergipe.

Karla Fernanda Barbosa Barreto

Bióloga, Mestre em Desenvolvimento e Meio Ambiente

Edilma Nunes de Jesus

Bióloga, Doutoranda em Desenvolvimento e Meio Ambiente

 Thiago Ranniery Moreira de Oliveira

Biólogo, Mestre em Educação

 

 

 

 

 

RESUMO: Este trabalho objetivou mobilizar e sensibilizar a comunidade do Assentamento de Reforma Agrária José Emídio dos Santos, Capela/SE que participou do projeto de recuperação ambiental de áreas degradadas. Para isto, foram realizadas sessões de teatro legislativo inspiradas na técnica do Teatro Legislativo do método de Teatro do Oprimido (BOAL, 2006) do diretor Augusto Boal. Durante as aludidas sessões, foi perceptível o estranhamento diante da linguagem formal da lei por parte dos assentados. Tal estranhamento é conceito chave para a sensibilização do Teatro do Oprimido.

Palavras-chave: Teatro do Oprimido. Educação Informal, Legislação Ambiental.

 

 

1 – INTRODUÇÃO

 

Nos últimos anos têm-se notado o aumento significativo da preocupação com a manutenção, conservação e recuperação de recursos ambientais como meios fundamentais para atingir a esperada qualidade de vida da presente e, principalmente, das futuras gerações.  A implantação de “Projetos de Recuperação e Conservação de Recursos Naturais” surgiu da premente necessidade da conservação e/ou recuperação das áreas de preservação permanente e de reserva legal, em grande parte dos assentamentos do território nacional, bem como da necessidade de recuperar as áreas degradadas e cumprir as exigências que são estabelecidas pelos Órgãos Estaduais de Meio Ambiente durante o processo de licenciamento ambiental. Tais projetos buscam a inclusão de práticas conservacionistas que visem a sustentabilidade social, econômica e ambiental dos agricultores familiares assentados pelo Programa Nacional de Reforma Agrária (INCRA, 2006).

Sergipe é um dos Estados do Nordeste que se encontra bastante devastado com relação a sua área natural, uma vez que boa parte é utilizada como pastagens e atividade intensiva de agricultura, restando apenas algumas manchas da floresta costeira, mata de restinga, mata ciliar, cerrados arbustivos e caatinga. As áreas remanescentes de Mata Atlântica são pequenas e fragmentadas, além disso, vêm sofrendo forte pressão antrópica ao longo do tempo.

O Projeto de Assentamento José Emídio dos Santos, de topografia acidentada, tem grande potencial hídrico, possuindo várias nascentes e corpos d’águas. Alguns destes são responsáveis por parte do abastecimento de água do município de Capela além de ter, obviamente, importância imprescindível para qualidade de vida e sustentabilidade do assentamento. Neste contexto, há uma preocupação na urgente recuperação e preservação das matas ciliares e nas demais áreas de interesse ecológico.

As matas ciliares, entre outros papéis ecológicos, atuam na contenção de enxurradas, na infiltração do escoamento superficial, na absorção do excesso de nutrientes, na retenção de sedimentos e agrotóxicos, colaboram na proteção da rede de drenagem e ajudam a reduzir o assoreamento da calha do rio, favorecem o aumento da capacidade de vazão durante a seca (ATTANASIO et al. 2006). Essas matas fornecem ainda matéria orgânica para as teias alimentares dos rios, troncos e galhos que criam micro habitats dentro dos cursos d´água e protegem espécies da flora e fauna. Assim, a destruição ou degradação dessas florestas levou a extinção local de muitas espécies de plantas e animais, muitas das quais nem se chegou a conhecer, ou avaliar, em termos de suas potencialidades de uso em benefício do próprio homem (ATTANASIO et al. 2006).

O Projeto de Assentamento José Emídio dos Santos encontra-se inserido no bioma da Mata Atlântica, no entorno da Unidade de Conservação de Proteção Integral (Refúgio da Vida Silvestre), é cortado por corpos hídricos importantes para a região, possui fragmentos florestais conservados. Por isso, partindo da necessidade de adequação ao código florestal brasileiro (LEI Nº 4.771, DE 15 DE SETEMBRO DE 1965), no que diz respeito à recuperação das áreas de preservação permanente, à desinformação acerca de questões relacionadas ao meio ambiente foi proposto o projeto de recuperação d áreas degradadas.

Isto posto, este trabalho objetivou mobilizar e sensibilizar a comunidade assentada, por meio de sessões de teatro legislativo, para participar do projeto “Recuperação Ambiental de Áreas degradadas do Assentamento de Reforma Agrária José Emídio dos Santos, Capela/SE”, financiado pelo Instituto Nacional de Colonização Agrária e executado pelo Instituto Bioterra.

 

 

2 - METODOLOGIA

 

O presente trabalho foi realizado no Assentamento de Reforma Agrária José Emídio dos Santos, localizado no município de Capela, Estado de Sergipe. O público alvo constituiu-se pelos trabalhadores rurais do Projeto de Assentamento José Emídio dos Santos, Capela/SE.

O projeto utilizou metodologias participativas com o intuito de que as pessoas atendidas não sejam vistas como mero público-alvo, mas sim como atores sociais que conhecem com detalhes seus problemas e dificuldade. Além disso, a metodologia participativa visa a autonomia dos participantes e contribui para inovações que estão relacionadas “à renovação dos valores da vida, como aprendizagem dos cidadãos e dos atores sociais, visando um desenvolvimento humano em equilíbrio com a natureza” (ADDOR, 2006).

Antes da execução do projeto, foi iniciado o processo de mobilização das comunidades por meio do contato com os lideres, tendo em vista o respeito destes junto à comunidade. As lideranças identificaram-se com a proposta do projeto e se disponibilizaram em convocar as famílias assentadas para uma reunião visando à apresentação e discussão do projeto.

Após a inicialização do projeto, visando aprofundar o conhecimento dos aspectos legais das áreas protegidas do assentamento, foram realizadas nas agrovilas Santo Antônio e Analício Barros, sessões de Legislação Ambiental, inspiradas na técnica do Teatro Legislativo do método de Teatro do Oprimido (BOAL, 2006) do diretor Augusto Boal.

 

 

3 – RESULTADOS E DISCUSSÃO

 

O assentamento José Emídio Santos é um mar de descontinuidades por sua estrutura em agrovilas distantes e sua dimensão. Cada agrovila é um território que se multiplica e explode por dentro em multiplicidade, o que obrigou aos técnicos na área de educação ambiental do projeto a ter criatividade para lidar com as particularidades de cada lugar.

            Antes da elaboração projeto, houve uma prévia discussão e aprovação do mesmo por parte dos assentados. Durante a reunião, a maioria dos assentados afirmou seu apoio, entretanto, houve aqueles que questionaram a existência do projeto. É importante ressaltar a falta de credibilidade que projetos desta natureza possuem frente às comunidades, uma vez que foram comuns os relatos faltam de pontualidade das instituições, e até mesmo, do não comparecimento das mesmas, após a promessa da realização de atividades diversas.

Após visitas iniciais, foram decididas, juntamente com os assentados, quais atividades seriam desenvolvidas por cada agrovila. O viveiro de produção de mudas nativas da Mata Atlântica, por exemplo, foi proposto aos assentados da agrovila Santo Antônio pela facilidade de acesso a estrada, pela disponibilidade de uma área coletiva e especialmente, por ser margeada por um riacho.           Nas Agrovilas Santo Antônio, Canta Galo, Analício Barros, Campinhos e Alto da Aparecida, foi construído um termo de Compromisso, no qual foram postos pela comunidade deveres e direitos durante a execução do projeto de recuperação (Figura 1).

 


 

Figura 1 – Estabelecimento do Termo de Compromisso na Agrovila Analício Barros.

 

Durante as reuniões, constatou-se como os assentados constroem sua relação com o ambiente. Ambiente esse, que, chamado de “meio ambiente”, ganha ares de instituição e é representado como o poder público que estabelece multas e punições ao descumprimento das leis. Representar o meio ambiente como uma área destinada ao cumprimento da lei surge como uma tática de defesa diante das estratégias de poder dos órgãos ambientais, percebidos apenas como agentes punitivos. Nesse jogo, o ambiente não passa ileso pela representação e, os assentados, mais que traduzirem o real, ao assumirem essa posição de enunciação, evocam uma nova realidade.

Durante as sessões de Legislação Ambiental, inspiradas na técnica do Teatro Legislativo do método de Teatro do Oprimido (BOAL, 2006), do diretor Augusto Boal (Figuras 2 e 3), alguns artigos do Código Florestal Brasileiro que regem as condições ambientais de assentamentos rurais foram discutidos. Foi perceptível o estranhamento diante da linguagem formal da lei. Esse efeito de estranhamento é conceito chave para a sensibilização do Teatro do Oprimido. Os assentados apresentam algumas discordâncias diante da forma e do conteúdo da lei, especialmente sobre os artigos que regem as Áreas de Proteção Permanente. Apesar de aceitarem a necessidade da preservação do meio ambiente, é quase inadmissível para eles ter uma área da qual se precisa e não se pode tocar. Considerando-se o modelo preservacionista da lei ambiental brasileira, é aceitável que as representações de natureza engendradas pelos assentados discordem da representação de natureza desenhada pela legislação. Não se trata aqui, entretanto, de hierarquizá-las ou colocá-las em lados opostos, são apenas representações construídas cada qual em seu contexto cultural. A lei para eles ou é aquilo que se deve obedecer ou aquilo que está lá para puni-lo. O Teatro Legislativo constituiu-se como um caminho possível para mostrar aos assentados o que e como eles podem aprender com a lei. Uma micropolítica do cotidiano rural. Assim, reflete-se sobre a necessidade das leis e o que se pode fazer com elas a seu favor, é um chamado aprender com a diferença e a alteridade.

 

 


Figura 2- Assentados da Agrovila Santo Antônio na Sessão de Teatro Legislativo.

 

 

 


Figura 3 – Assentados da Agrovila Analício Barros durante a Sessão de Teatro Legislativo.

 

Durante a sessão, a comunidade da agrovila Santo Antônio revelou haver problemas com a Usina de cana-de-açucar localizada no entorno do assentamento. Segundo os depoimentos dos assentados, a Usina costuma liberar “caxixe” nos corpos hídricos em torno da área. Havia certo ar de revolta, pois os assentados acreditam que se eles devem cumprir as leis ambientais, a Usina também deveria fazer o mesmo.

Diante de tal problemática, foi proposta a elaboração de um documento para denunciar os crimes ambientais realizados pela Usina ao Ministério Público. Neste momento, percebeu-se que a comunidade tem problemas em pensar a coletividade, não somente como simples de indivíduos do qual se depende.

Destaca-se uma questão em torno das espécies nativas. É difícil para eles compreender que algumas árvores com as quais conviveram durante toda a sua vida não são nativas do Brasil e não podem ser plantadas nas APP’s. Se por um lado, isso provoca até certo estranhamento nos assentados, por outro, esse mesmo estranhamento contribui para eles perceberem que existe um universo muito maior que aquele construído no e pelo assentamento, mas que interfere na sua realidade.

 

 

 

4 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Existe a necessidade de se desmistificar a atmosfera de que os assentados têm muito apreender com os técnicos. É preciso atenção a esta institucionalização do saber acadêmico arraigada nos discursos dos assentados.

Houve algumas resistências à questão da preservação ambiental. De fato, é aceitável que, após anos para conseguirem suas terras e provavelmente muitos percalços depois, os assentados resistam à projetos como esses. Constatou-se que mais do que a falta de uma consciência ambiental ou exercício de cidadania, os assentados evocam uma outra forma de se relacionar com ambiente construído histórica e socialmente.  Situações como essas mobilizam as instituições a mostrarem novas possibilidades de construir essa relação, exigindo, dos nossos técnicos, criatividade e envolvimento.

Historicamente, condenados a exclusão educacional, é admissível que os assentados não percebam que a relação que estabelecem com a terra é uma relação de ordem ambiental. É preciso, pois, questionar essa institucionalização do ambiente natural como agente punitivo.

 

 

 

5- REFERÊNCIAS

 

ADDOR, F. 2006. A “Pesquisa-Ação na Cadeia Produtiva da Pesca em Macaé”: Uma Análise do Percurso Metodológico. Dissertação de Mestrado, PEP/COPPE/UFRJ, Rio de Janeiro.

ATTANASIO, C. M.; RODRIGUES, R. R.; GANDOLFI, S.; NAVE, A. G. Adequação ambiental de propriedades rurais recuperação de áreas degradadas/ restauração de matas ciliares. Piracicaba, 2006. 65p.

BOAL, A. Jogos para atores e não atores. Rio de Janeiro: Rocco, 2006.

BRASIL. Novo Código Florestal: Decreto N° 4.771, Brasília, 1965.

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA). Manual para elaboração e implantação de projetos de recuperação e conservação de recursos naturais em assentamentos da reforma agrária. Brasília/ DF, 2006. 50p.