MULHERES E SUSTENTABILIDADE: UMA APROXIMAÇÃO ENTRE MOVIMENTO FEMINISTA E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

 

Valdir Lamim-Guedes

Biólogo e Mestre em Ecologia pela Universidade Federal de Ouro Preto.

E-mail: dirguedes@yahooo.com.br

Blog Na Raiz: http://naraiz.wordpress.com/

 

Adalberto Ferdnando Inocêncio

Graduado em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Cursando Especialização em Economia do Meio Ambiente pela Universidade Estadual de Londrina (UEL).

E-mail: afinocencio88@gmail.com

 

Resumo: O debate sobre a sustentabilidade deve ir além da gestão dos recursos naturais, incluindo questões referentes à parte das populações que sofrem com injustiças socioambientais devido a razões financeiras, raciais, étnicas ou de gênero. Neste texto é discutida a relação entre gênero e a busca pela sustentabilidade de forma que vá além dos aspectos de gestão de recursos e manutenção dos negócios, englobando qualidade de vida e igualdade de acesso à saúde, educação, emprego e representação política. A mensagem central é a necessidade do urgente reconhecimento amplo e irrestrito de que as mulheres são parte essencial para a busca da sustentabilidade e resolução de diversos problemas, como mudanças climáticas, insegurança alimentar e proteção à natureza.

Palavras-chave: Ecofeminismo; Educação Ambiental; Justiça Ambiental;

Abstract:  [Women and Sustainability: a approximation between feminist and environmental education] The debate about sustainability must go beyond the management of natural resources, including issues relating to the populations that suffer environmental injustices due to financial reasons, racial, ethnic or of gender. This paper discusses the relation between gender and the pursuit of sustainability in order to go beyond the aspects of resource management and maintenance of business, encompassing quality of life and equal access to health, education, employment and political representation. The central message is the urgent needs for broad and unrestricted recognition of those women are an essential part of the quest for sustainability and solving various problems such as climate change, food insecurity and protection of nature.

Key words: Ecofeminism, Environmental Education, Environmental Justice;

 

Sustentabilidade e a questão do Gênero

Sustentabilidade é a capacidade de um processo ou forma de apropriação dos recursos continuar a existir por um longo período. É um conceito ligado ao de desenvolvimento sustentável, ou seja, a um “desenvolvimento que satisfaz as necessidades atuais sem comprometer a capacidade das gerações futuras para satisfazer as suas próprias necessidades” (CMMD, 1991).

Muito do debate sobre o Desenvolvimento Sustentável fica concentrado em um discurso vazio, existindo uma preocupante tendência a que se torne mais uma panaceia salvacionista, que ilude os alarmados e inibe os alarmistas, sem necessariamente resolver os problemas que geraram o alarme (BURSZTYN, 1993). Muitas vezes, o debate visa apenas os aspectos econômicos, ou seja, o que é dito não é revertido em ações que tragam melhorias socioambientais direcionadas à sustentabilidade. Um exemplo: pode-se discutir a utilização dos recursos naturais, sem discutir questões essenciais do ponto de vista social, como o acesso à comida e a reforma agrária. É claro que este tipo de discussão foge ao conceito de sustentabilidade (LAMIM-GUEDES, 2012).

Segundo a ex-ministra do meio ambiente e ex-senadora Marina Silva a “sustentabilidade não é maneira de fazer, é de ser. Se for apenas de fazer, fica algo mecânico, vira uma carga. Quando é algo que integra a trajetória de vida é mais efetivo e possível de concretizar” (ROSA; BEVILACQUA, 2012). Desta forma, o movimento pela sustentabilidade não se refere a processos isolados e, sim, às diversas atividades conectadas que em ultima instância nos leva a buscar uma Sociedade Sustentável.

O conceito de Sociedade Sustentável prevê que em uma dada sociedade o triângulo da sustentabilidade seja uma realidade. Este triângulo é uma analogia para descrever o equilíbrio entre o economicamente viável, socialmente justo e ecologicamente correto. A ideia é tratar os três enfoques de igual forma, mostrando que há uma interdependência e equalidade entre eles. Mas pensemos bem, o que significa o elemento socialmente justo, de fato? Ao se discorrer sobre ele, invoca-se, inegavelmente, a questão de classes econômicas, lutas de gênero, poder aquisitivo das populações, dentre outros pontos que estejam inextricavelmente voltados às bases equânimes de sustentabilidade. Neste contexto, a tecnociência é tida como meio de conduta para as sociedades pós-industrializadas, foi e ainda é representada, em sua maior parte, por membros elitizados e do sexo masculino.

Baseada numa política econômica de propriedades homogeneizantes, típico ideal moderno, as discussões voltadas às questões ambientais não levam em conta o caráter heterogêneo das populações, tal qual o gênero. O Ambientalismo e movimentos derivados insurgem como alternativas políticas a fim de problematizar as relações inerentes às questões socioambientalmente justas, a fim de mitigar o desconhecimento acerca das ações conflituosas, valorizando os discursos que envolvem os múltiplos fatores que perpassam o Ambiente.

Um olhar feminista é essencial no interior da esfera ambiental, com vistas a fornecer um olhar crítico diante das origens sociais dos problemas ambientais que afetam, de forma não homogênea, os diferentes grupos e comunidades humanas, particularmente as mulheres. Em uma obra intitulada O que é Justiça Ambiental? (2009, Garamond Universitária), Henri Acselrad e colaboradores, apresentam uma pesquisa diagnóstico na qual destacam que os riscos ambientais afetam a população de acordo com algumas variáveis. Embora não seja preocupação evidente na obra as questões de gênero, como é de raça, etnia e classe, podemos encontrar indagações dos autores quanto aos “métodos tradicionais de avaliação de atividades produtivas e projetos de desenvolvimento” os quais:

 

têm sido fortemente criticados por separarem o meio ambiente de suas dimensões sociopolíticas e culturais. Eles produzem com frequência uma separação indevida entre os processos biofísicos e a diversidade de implicações que estes têm quando relativos ao uso e significação próprios aos diferentes grupos sociais que compartilham o território. Os diversos elementos do meio, vistos como bióticos ou abióticos, lênticos ou pedológicos etc., via de regra não são associados à diversidade sociocultural dos que deles dependem, seja em termos de renda, raça, gênero ou etnia (ACSELRAD; MELLO; BEZERRA, 2009, p. 34).

 

Em um contexto histórico-político, no qual as propostas alternativas de desenvolvimento devem ser valorizadas, é primordial dar ênfase ao papel que a mulher vem desempenhando nos sistemas produtivos com destaque, por exemplo, para a agroecologia.

As preocupações em inserir as mulheres nas discussões ambientais podem ser consideradas recentes, figurando uma participação interessante no evento Cúpula da Terra ou Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e desenvolvimento Sustentável, popularmente conhecida como Rio-92 ou Eco-92, que ocorreu na cidade do Rio de Janeiro em junho de 1992. Entre os resultados desta conferência estão vários documentos, como a Declaração do Rio, Agenda 21 e as convenções sobe clima, biodiversidade e desertificação

A Agenda 21 que é uma plataforma de ação para o Desenvolvimento Sustentável, a qual foi adotada como modelo de consulta por 179 países que compuseram o evento. Nas suas bases teóricas figura uma preocupação política de inserção na questão de gênero, uma vez que o capítulo 24 diz respeito à esfera de ação entre as mulheres e as questões de gênero. Algumas das propostas deste documento são:

a)    Implementar medidas para fortalecer e estimular as instituições e organismos não governamentais e grupos de mulheres para sua capacitação no uso e manejo dos recursos;

b)    Promover a redução de trabalho das mulheres através da criação de creches, da divisão igualitária nas tarefas domésticas entre homens e mulheres e da utilização de tecnologias ambientalmente sãs; e,

c)    Implementar programas para estabelecer e fornecer serviços de saúde preventiva e curativa dirigidos às mulheres (RICO, 1998, p. 17).

Em um movimento diametralmente oposto, a Agenda 21 apresenta limitações quando promove a ideia de caracterizar as mulheres apenas como administradoras domésticas da crise ambiental (RICO, 1998).

Ainda na Rio-92, a frente feminina teve uma forte presença com o Planeta Fêmea, dentro da programação do Fórum Global das ONGs, evento paralelo à conferência oficial – com presença de lideres de países. Neste momento, a Educação Ambiental (EA) é proposta como ferramenta de visibilidades na interface Gênero – Meio Ambiente. Tal relação é íntima no sentido de que ambos os conceitos preocupam-se com mudanças na ordem cultural, organizacional, baseados numa justiça social.

O Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, outro documento do Fórum Global das ONGs, descreve a inter-relação entre EA e sociedades sustentáveis. Segundo ele, a EA estimula a formação de sociedades socialmente justas e ecologicamente equilibradas, que conservem entre si relação de interdependência e diversidade. Porém, isto requer responsabilidades individuais e coletivas em nível local, nacional e planetário (FORUM INTERNACIONAL DAS ONGS, 1992). As bases ideológicas de tal documento permitem a inserção da mulher na tomada de decisões sustentáveis, uma vez que seu discurso abraça a diversidade das causas e dos públicos.

É importante destacar que o Tratado aponta diferentes perspectivas em relação ao desenvolvimento sustentável, com isto, tem-se um novo papel do gênero no projeto de busca pela sustentabilidade. As novidades na questão de gênero no Tratado ficam claras no princípio nove traz a seguinte afirmação “promover a corresponsabilidade dos gêneros feminino e masculino sobre a produção, reprodução e manutenção de vida” (DI CIOMMO, 1999, p. 206). A novidade neste caso deve-se ao fato de que até então, as discussões sobre as bases desenvolvimento sustentável resumiam a diferentes ângulos os problemas de desigualdade social e econômica, mas não consideravam uma análise de gênero na questão do Meio Ambiente, a exemplo do famoso Relatório Brundtland (CMMD, 1991).

 

Ecofeminismo

O binômio mulher-meio ambiente é quase uma condição sine qua non para a temática da sustentabilidade. A questão de gênero se enquadra, tal qual ambiente na sua concepção sociológica, fortalecendo as bases teóricas de ambos conceitos socialmente construídos. Toda e qualquer discussão que se faz em termos da epistemologia, que envolve a relação da espécie humana e o ambiente, deve ser iniciada pelos paradigmas construídos outrora, em momentos históricos já distantes, como, por exemplo, as relações fortemente deterministas dos filósofos René Descartes e Francis Bacon. Ambos os autores contribuíram substancialmente no dualismo existente entre “homem-cultura” e “natureza-selvagem”, sendo aquilo o que é selvagem, oposto à cultura. A relação também é válida no processo de subordinação presente no binômio “homem-mulher”, a partir disto, muitos trabalhos feministas partilharem da hipótese de que, uma proposta epistemológica que esfacele estas relações de subordinação homem-natureza, seriam tão válidas e aplicáveis às equivalentes homem-mulher. Nesse sentido, figuram-se novas diretrizes de divulgação:

 

Ao incluir-se a ótica de gênero em materiais de educação ambiental deve-se considerar não apenas aqueles fatores explicitamente relacionados com as questões femininas ou com as relações entre homens e mulheres, mas é exigida uma visão mais abrangente de todos os conceitos abordados, de forma a se evitar a presença de premissas do antigo paradigma (DI CIOMMO, 1999, p. 213).

 

Uma visão que perpasse aos pressupostos feministas permite focar uma visão de mundo baseada na diferença, de forma a fortalecer (empowerment) o grupo oprimido. É mister que as estratégias ambientais devem incorporar em sua práxis a relação opressor-oprimido, problematizando as amarras sociais que as originam, auxiliando o que se vem chamando de novas relações com o meio ambiente, as quais valorizam a participação feminina, dentre outros pontos.

Como já exposto acima, as relações de gênero ainda vem ganhando visibilidade em relação à interface com as questões ambientais. Após a Conferencia de Estocolmo, em 1972, outros eventos importantes que levaram em conta o papel feminino borbulharam na mesma década. É o caso da Primeira Conferência Internacional da Mulher, que ocorreu no México em 1975, consagrado o Ano Internacional da Mulher. Algumas premissas do evento invocaram a preocupação com os setores: saúde, alimentação, educação e emprego. Além disso, vislumbraram a possibilidade da institucionalização de projetos voltados exclusivamente às mulheres (DI CIOMMO, 1999, p. 222). A Segunda Conferência Internacional da Mulher (1980), em Copenhague, representando o estopim de um período de política internacional de preocupação à mulher.

 

Um dos efeitos da Conferência de Copenhague foi o reconhecimento de que as mulheres nunca estiveram à margem do processo socioeconômico de seus países, mas, ao contrário, sempre estiveram “integradas”, só que em condições desiguais, cabendo às políticas de desenvolvimento assentarem suas bases na promoção da mulher enquanto sujeito desigual e não sujeito carente (DI CIOMMO, 1999, p. 222).

 

Tais constatações permitem uma reordenação do que fora pensado até o momento nos aspectos de gênero, qual seja a não inclusão do feminino. Como é possível perceber, o contrário ocorre: há participação do público feminino na tomada de questões socioeconômicas, com uma ressalva: para que de fato seja visibilizado, as políticas públicas e outras formas de exercício do poder por parte das organizações devem valorizar as diferenças e marcas simbólicas.

Por fim, a Terceira Conferência Internacional das Mulheres (1985), sediada na cidade de Nairobi, Quênia, evidenciou que “boa parte dos problemas da década anterior continuava vigorando” (DI CIOMMO, 1999, p. 223). Um indicativo de que as propostas filosóficas que embasavam as metodologias de projetos continham abordagens irrisórias nas propostas de inclusão. Dessa forma, como é possível recorrer a uma EA capaz, de fato, de mitigar esses abismos? Segundo Di Ciommo (1999, p. 239):

 

a Educação Ambiental transformadora vem se configurando como a possibilidade de unir termos opostos, mas que se alimentam um do outro[...] na direção da complexa organização em que as oposições não signifiquem extinção e a diferença não seja sinônimo de enfraquecimento ou superioridade.

 

Vejamos alguns itens listados a seguir, que posicionam questões de gênero na categoria analítica do Meio Ambiente.

 

A sustentabilidade e suas dimensões

Na tentativa de destacar a complexidade da sustentabilidade, Ignacy Sachs (2002), propõem as dimensões da sustentabilidade, as quais supostamente devem ser levadas em conta para se chegar muito próximo a uma sustentabilidade real, estas são:

1) Social: que se refere ao alcance de um patamar razoável de homogeneidade social, com distribuição de renda justa, emprego pleno e/ou autônomo com qualidade de vida decente e igualdade no acesso aos recursos e serviços sociais. Neste sentido, é premente a questão de gênero, uma vez que as mulheres ainda recebem bases salariais menores, ocupando o mesmo cargo. Questões políticas relacionadas a esta questão, devem ser reconhecidas nas discussões que permeiam as decisões governamentais ou não, a respeito das temáticas ambientais.

2) Cultural: referente a mudanças no interior da continuidade (equilíbrio entre respeito à tradição e inovação), capacidade de autonomia para elaboração de um projeto nacional integrado e endógeno (em oposição às cópias servis dos modelos alienígenas) e autoconfiança, combinada com abertura para o mundo.

3) Ecológica: relacionada à preservação do potencial do capital natural na sua produção de recursos renováveis e à limitação do uso dos recursos não renováveis.

4) Ambiental: trata-se de respeitar e realçar a capacidade de autodepuração dos ecossistemas naturais.

5) Territorial: refere-se a configurações urbanas e rurais balanceadas (eliminação das inclinações urbanas nas alocações do investimento público), melhoria do ambiente urbano, superação das disparidades inter-regionais e estratégias de desenvolvimento ambientalmente seguras para áreas ecologicamente frágeis.

6) Econômica: desenvolvimento econômico intersetorial equilibrado, com segurança alimentar, capacidade de modernização contínua dos instrumentos de produção, razoável nível de autonomia na pesquisa científica e tecnológica e inserção soberana na economia internacional.

7) Política (Nacional): democracia definida em termos de apropriação universal dos direitos humanos, desenvolvimento da capacidade do Estado para implementar o projeto nacional, em parceria com todos os empreendedores e um nível razoável de coesão social.

8) Política (Internacional): baseada na eficácia do sistema de prevenção de guerras da ONU, na garantia da paz e na promoção da cooperação internacional, Pacote Norte-Sul de co-desenvolvimento, baseado no princípio da igualdade (regras do jogo e compartilhamento da responsabilidade de favorecimento do parceiro mais fraco), controle institucional efetivo do sistema internacional financeiro e de negócios, controle institucional efetivo da aplicação do Princípio da Precaução na gestão do meio ambiente e dos recursos naturais, prevenção das mudanças globais negativas, proteção da diversidade biológica (e cultural), gestão do patrimônio global, como herança comum da humanidade, sistema efetivo de cooperação científica e tecnológica internacional e eliminação parcial do caráter commodity da ciência e tecnologia, também como propriedade da herança comum da humanidade.

Estas dimensões refletem a leitura que Sachs faz do desenvolvimento dentro de uma nova proposta, como uma estratégia alternativa à ordem econômica internacional, enfatizando a importância de modelos locais baseados em tecnologias apropriadas, em particular para as zonas rurais, buscando reduzir a dependência técnica e cultural (JACOBI, 1999).

Ao enfatizar estas dimensões, Sachs deixa claro que, para alcançarmos a sustentabilidade, temos de valorizar as pessoas, seus costumes e saberes. Fica evidente que se deve ter uma visão holística dos problemas da sociedade, para além de focar apenas na gestão dos recursos naturais. Neste sentido, surgem diversas questões emergentes que convergem vários desafios, por exemplo, combate a fome, direito a terra por trabalhadores sem terra e indígenas, justiça ambiental em relação a minorias e questões de gênero. É um pensamento muito mais profundo, que visa uma verdadeira metamorfose do modelo civilizatório atual.

 

As dimensões da sustentabilidade e as mulheres

Social

Diversos estudos confirmam que as mulheres ainda ganham menos que os homens, independente da etnia. Uma pesquisa desenvolvida na Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP), considerando pessoas que exercem a profissão cursada na faculdade, encontrou que o hiato salarial de discriminação por sexo (diferença de pagamento por horas trabalhadas entre homens e mulheres) chega a ser de 76% no Brasil, índice que no México é de 36%. Sem levar em conta a escolaridade, a mulher no Brasil convive com um hiato de 163% e as mexicanas com 256% (NASCIMENTO, 2012). O principal resultado deste estudo, para ambos os países, é que a discrepância é menor entre as pessoas que tem formação superior do que para o resto da população (CACCIAMALI; TATEI, 2013). Neste contexto, fica destacado como que a educação é uma via para aumentar a igualdade salarial entre mulheres e homens, evidentemente, não é a solução para este problema.

Apesar destes dados serem econômicos, eles refletem um problema social de discriminação por gênero, por este motivo fica inserido como parte da dimensão social da relação sustentabilidade x mulheres.

 

Cultural

Por exemplo, o papel da mulher na manutenção de sistemas de tradicionais de produção agrícola e extração de produtos não florestais na Amazônia:

 

Os debates sobre a sustentabilidade e os modos de viver harmoniosamente com o meio ambiente, principalmente através do enfoque dado pelo ecofeminismo, levantaram a questão do papel das mulheres tanto nesses processos de desenvolvimento quanto no melhor aproveitamento dos recursos naturais. Sobretudo porque se vêem as práticas cotidianas dessas mulheres na perspectiva de uma constante reinvenção de seus conhecimentos acerca desses recursos naturais que se constituem em um saber-fazer que vem, ao longo dos anos, garantindo de certa forma a sobrevivência dos grupos humanos que habitam a Amazônia. (LAZARIN, 2002)

 

E como a mulher tem poder de decisão sobre o aumento populacional, sobre o consumo da residência – é ela que faz as compras e cozinha para a família-, na maioria dos casos, suas opiniões são essenciais para propor soluções aos problemas socioambientais.

É importante destacar que a relação de subordinação com relação ao gênero feminino é culturalmente estabelecida, e teve suas origens remotas, fortemente marcadas na história do conhecimento científico, carro chefe das ações de muitos educadores. A dimensão cultural atravessa os demais tópicos aqui listados, e deve ser encarada como algo dinâmico, socialmente moldável e característica de uma relação tempo/espaço. A inserção da questão de gênero nas políticas públicas em EA já vem demonstrando significativas mudanças. Segundo Di Ciommo (1999, p. 211) os principais fóruns de EA realizados no nosso país entre 1992 e 1994, chegaram a discutir as questões de gênero na forma com que iriam figurar nos materiais didáticos de EA, sendo um dos aspectos a não reprodução de “preconceitos e estereótipos do tipo racial, étnico, de gênero e de classe, tanto no texto quanto nas ilustrações”.

 

Ecológica

Boa parte do que se trata esta dimensão proposta por Sachs, pode ser reunida no conceito de serviços ecossistêmicos, entendidos como condições e processos através dos quais os ecossistemas naturais e as espécies que os compõem sustentam a vida humana (DAILY, 1997). Eles mantêm a biodiversidade e a produção de produtos como madeira, fibras, alimentos e fármacos (DAILY, 1997), sendo que o bem-estar de todas as populações humanas do mundo depende diretamente dos serviços fornecidos pelos ecossistemas (TEEB, 2010).

A manutenção dos serviços ecossistêmicos é essencial para o acesso à qualidade mínima de vida. Por exemplo, a produção de biomassa vegetal (lenha) para a preparação das refeições. Em diversos países, como no Timor-Leste (Observação Pessoal), a principal fonte energética para a preparação dos alimentos é a lenha, obtida pelas mulheres na vegetação nativa, assim como a comercialização da lenha é uma fonte de renda para muitas famílias, sobretudo por ser uma atividade passível de ser realizada por mulheres e crianças. Neste contexto, a geração de lenha é resultado do serviço ecossistêmico de regeneração natural.

A produção de alimentos também é altamente dependente de vários serviços ambientais, como a produção de chuvas, polinização, produção e retenção do solo, entre outros. Neste sentido, a existência e manutenção da biodiversidade também são essenciais, já que a partir desta, muitas famílias obtêm alimentos e matérias-primas. Este é o caso de grupos indígenas, ribeirinhos e comunidades extrativistas na Amazônia brasileira, que extraem produtos não-madereiros da floresta.

A seguir será destacado o papel das mulheres nos processos de negociação e mobilização em relação às mudanças climáticas. É importante ressaltar que, em ultima instância, busca-se a manutenção da estabilidade climática, que é um serviço ambiental, mantido em articulação com outros, como a regeneração florestal e o sequestro de carbono.

 

Ambiental

A dimensão ambiental, quando trata da autodepuração dos ecossistemas naturais, também está fazendo referência a alguns serviços ambientais. O principal neste caso seria a depuração das águas, ou seja, a capacidade apresentada por um corpo de água de, após receber uma carga de agentes poluidores, recuperar, através de processos naturais de caráter físico, químico e biológico, as suas qualidades ecológicas e sanitárias (IBGE, 2004). Este tipo de processo é essencial para a manutenção da qualidade da água e para uma destinação final do esgoto doméstico, quando este é lançado em corpos d’água.

A autodepuração da água é um fator importante para a manutenção da saúde das famílias, situação que recai basicamente sob a responsabilidade feminina, além do que a tarefa de obter água é tradicionalmente caracterizada como uma tarefa desempenhada por mulheres e crianças.

 

Territorial

Sobre esta dimensão, é importante destacar que os problemas ambientais não são democráticos (LAMIM-GUEDES, 2010), parte disto deve-se à existência de uma Injustiça Ambiental, ou seja,, a existência do mecanismo pelo qual sociedades desiguais, do ponto de vista econômico e social, destinam a maior carga dos danos ambientais do desenvolvimento às populações de baixa renda, grupos étnicos discriminados, populações marginalizadas e vulneráveis, assim como mulheres (ACSELRAD, MELLO e BEZERRA, 2009). Segundo Taís Santos, coordenadora do Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) no Brasil:

 

O contingente feminino é bastante expressivo – metade da população mundial e mais da metade da população pobre do mundo. Elas têm todo o direito de opinar e de participar da tomada de decisões. É necessário que haja condições para que as mulheres se apoderem (AGÊNCIA BRASIL, 2009).

 

O representante do UNFPA no Brasil, Harold Robinson, explicou que as mulheres pagam os preços mais altos em termos da perda de colheita, falta de água e destruição de habitações, uma vez que é a maioria da força de trabalho na agricultura, têm menor acesso a trabalho e à renda e apresentam menor mobilidade. “Elas estão mais vulneráveis aos desastres ambientais”, disse (AGÊNCIA BRASIL, 2009). Portanto, a conclusão geral é de que as mulheres são mais vulneráveis às mudanças climáticas (ALISSON, 2012).

Se por um lado, as mulheres são mais vulneráveis às mudanças climáticas, por outro, também detém parte da solução. Segundo Christiana Figueres, Secretaria da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima:

 

As mulheres são atores importantes na garantia da capacidade de suas comunidades de lidar com a mudança do clima e adaptar-se a ela. Elas podem ser agentes efetivos de mudança e com frequência são as pessoas a quem se recorre em tempos de necessidade e podem desempenhar um papel em situações de crise. (OLDRUP; BEENGAARD, 2009).

 

Econômica

No caso desta dimensão, podem ser destacados vários desdobramentos relacionados às mulheres. Por exemplo, a autonomia na pesquisa cientifica e tecnológica também deve prever a inserção das mulheres neste meio, a incompatibilidade entre a carreira acadêmica e maternidade é a principal razão para mulheres de sucesso em campos muito matemáticos desistirem de seus empregos (STAUT, 2012).

As mulheres desempenham um papel fundamental no processo de desenvolvimento porque são elas que produzem a maior parte dos alimentos consumidos em todo o mundo (LISBOA; LUSA, 2010). Em relação ao desenvolvimento sustentável em áreas rurais, há vários casos que exibem um protagonismo das mulheres camponesas junto à produção de alimentos, manejo dos recursos naturais e uma decisiva participação destas na definição e propostas de políticas públicas que garantam a equidade de gênero no meio rural (LISBOA; LUSA, 2010). Neste contexto, o desenvolvimento da agricultura deve respeitar as pequenas agricultoras, esta é uma medida estratégica para assegurar segurança alimentar.

Do ponto de vista do impacto do consumismo e do tamanho populacional sobre o planeta, as mulheres têm papel decisivo, já que elas são geralmente as pessoas que controlam o consumo dentro da família e o crescimento populacional.

 

Política (Nacional)

Para começar, se citou a palavra democracia, espera-se que as mulheres estejam inseridas, porém as mulheres na política têm sido historicamente sub-representadas nas sociedades ocidentais em comparação com os homens. No entanto, muitas mulheres têm sido eleitas politicamente para serem chefes de Estado e de governo, ou seja, a participação de mulheres na política vem aumentando nos últimos anos (ROEDAL, 2012).

As mulheres representam hoje pouco mais da metade dos eleitores brasileiros. Essa divisão, porém, não permanece igualitária na representação política. Estudo da União Interparlamentar, ligada à Organização das Nações Unidas (ONU), colocou o Brasil em 120º lugar em um ranking da proporção de mulheres nos parlamentos. Ficamos atrás de países islâmicos como Paquistão, Sudão e Emirados Árabes Unidos. “Eu diria que nós usamos burcas invisíveis!”, lamenta a deputada Erika Kokay (PT-DF), integrante da bancada feminina na Câmara (ROEDAL, 2012).

Décadas de má gestão ambiental, combinado com os impactos crescentes das alterações climáticas, está colocando esforços de desenvolvimento social e econômico em risco (MAATHAI; ROBINSON, 2010).

 

Política (Internacional)

Esta dimensão, ao se tratar da cooperação internacional em diversas áreas, pressupõe um esforço coletivo para garantia do respeito às mulheres. Questões apresentadas para as outras dimensões são relacionadas a esta quando se trata da busca coletiva por parte dos países da sustentabilidade entendida de forma holística.

A atuação das mulheres em relação às dimensões políticas, nacional e internacional, é destacada por Maathai e Robinson (2010):

 

A ausência de mulheres, particularmente no hemisfério Sul, nas discussões nacionais e internacionais e nas tomadas de decisão sobre as alterações climáticas e desenvolvimento devem mudar. A batalha para proteger o meio ambiente não é apenas sobre a inovação tecnológica - é também sobre o empoderamento (tradução do termo em inglês empowering) das mulheres e de suas comunidades para cobrar dos seus governos a responsabilidade pelos resultados. Elas também podem ajudar a garantir que outros atores poderosos, como o setor privado, sejam também responsabilizados. Para fazer uma diferença real, as mulheres precisam de um maior acesso à educação, recursos e novas tecnologias necessárias para o planejar a adaptação em resposta às alterações ambientais. As estratégias de mitigação e adaptação às mudanças climáticas devem ser desenvolvidas com as mulheres, não para elas, e as mulheres devem participar ao lado de homens em todas as fases das decisões políticas em relação ao clima e desenvolvimento.

 

Considerações finais

Marina Silva ressalta o fato, no seu entender, de a mulher ter mais cultura de proximidade o que se reflete no meio ambiente: "se eu me sinto próxima do rio, eu cuido dele", explica. Para ela, valores caracteristicamente femininos, como de acolhimento, convencimento em vez de disputa, e de coautoria são muito importantes nesse caminho: "a mulher faz mais com as pessoas do que para as pessoas." (ROSA; BEVILACQUA, 2012). Tendo tamanha repercussão e importância, a categoria de gênero não deve ser, de forma alguma desprezada, mas sim, ressignificada e incorporada de maneiras estratégicas. Alguns movimentos, como o Educação Global, têm buscado a aproximação da temática ambiental, envolvendo a sustentabilidade, com as questões relacionadas aos direitos humanos, incluindo gênero, os desafios do milênio e participação cidadã (EDUCAR PARA VIVIR, 2013).

Compartilhamos com os princípios colocados por Félix Guattari de que somente uma articulação ético-política, ou como ele prefere chamar de ecosofia – “que incorpora três registros ecológicos, sendo eles o do meio ambiente, o das relações sociais e o da subjetividade humana” (2001, p. 8) – é que poderia orientar, de fato, questões de esfera complexa, tais qual a interface por nós considerada. Frente à acelerada rota de colisão entre os percalços que emergem das inúmeras mutações técnico-científicas, o que se está em questão é a maneira de se viver. Vivenciamos ainda, o seguinte paradigma:

 

de um lado, o desenvolvimento contínuo de novos meios técnico-científicos potencialmente capazes de resolver as problemáticas ecológicas dominantes e determinar o reequilíbrio das atividades socialmente úteis sobre a superfície do planeta e, de outro lado, a incapacidade das forças sociais organizadas e das formações subjetivas constituídas de se apropriar desses meios para torná-los operativos (GUATTARI, 2001, p. 12).

 

Sobre essa segunda relação – a incapacidade das forças sociais e formações subjetivas serem capazes de se apropriar desses meios para torná-los operativos – identificamos na maneira com que o papel feminino participativo está, na atual conjuntura, contribuindo nessas questões, uma problemática relevante. Nesse sentido, queremos atribuir a ideia de que, parte desse problema, está sim atrelado à questões de gênero e inclusão das mulheres no processo de incorporação das militâncias. Como bem assinala Guattari sobre um dos antagonismos transversais, “continua a ser o das relações homem-mulher, sendo que em escala global, a condição feminina está longe de ter melhorado” (2001, p. 13).

É certo que a subjetividade é papel central desta inflexão de paradigmas requerida para uma abordagem efetivamente crítica em EA capaz de considerar, dentre outros eixos, a questão da inserção do gênero feminino no processo de tomada de decisões. Os mecanismos de subjetivação cedem grande destaque ao processo educativo, que não pode ser pessimista a ponto de cair numa paralisia inativa, bem como num otimismo ingênuo. A educação de maneira geral, e nesse sentido, a EA de maneira particular, devem superar os discursos machistas, falocráticos e patriarcais, forjando novos paradigmas, abandonando o ideário moderno que ainda persiste nas práticas alienantes.

 

Referências

ACSELRAD, H.; MELLO, C. C. A.; BEZERRA, G. N. O que é Justiça Ambiental? Rio de Janeiro: Garamond, 2009.

AGÊNCIA BRASIL. Mulheres sofrem mais com as mudanças climáticas. DCI – Diário, Comércio, Indústria e serviços, 2009. Disponível em <http://www.dci.com.br/servicos/mulheres-sofrem-mais-com-as-mudancas-climaticas-id206342.html>. Acessado em março de 2013.

ALISSON, E. Mulheres são mais vulneráveis aos impactos das mudanças climáticas globais. Agência FAPESP, 2012. Disponível em: <http://agencia.fapesp.br/16146>. Acessado em março de 2013.

BURSZTYN, M. Apresentação. In: BURSZTYN, M. Para Pensar o Desenvolvimento Sustentável. São Paulo: Brasiliense, 1993. p. 7-8.

CACCIAMALI, M. C.; TATEI, F. Gender and salaries of qualified workforce in Brazil and Mexico. Problemas del Desarrollo, v. 44, p. 53-79, 2013.

CMMD (COMISSÃO MUNDIAL SOBRE O MEIO AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO). Nosso futuro comum (Relatório Brundtland). 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 1991.

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