ORIENTAÇÕES DE FORMAÇÃO EM ATIVIDADES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL DESENVOLVIDAS NO PARQUE MUNICIPAL VILA DOS REMÉDIOS DA CIDADE DE SÃO PAULO

ORIENTAçÕES DE FORMAÇÃO EXPRESSAS nOs PROJETOS TEMÁTICOS AMBIENTAIS DE ENSINO PRODUZIDOS POR PROFESSORES DURANTE UM CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA

 

Mauricio dos Santos Matos

Docente do Departamento de Psicologia e Educação da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto - Universidade de São Paulo. Contato: Av. Bandeirantes, 3900. Monte Alegre, Campus USP, DPE/FFCLRP, Ribeirão Preto – SP. E-mail: maumatos@ffclrp.usp.br. Tel: (16) 3602-3848.

 

Paulo Barbosa

Doutorando do Programa de Pós-Graduação Interunidades em Ensino de Ciências da Universidade de São Paulo. E-mail: paulobarbosa@usp.br.

 

Myrna Elisa Chagas Coelho-Matos

Psicóloga do Instituto de Análise do Comportamento em Estudos e Psicoterapia – IACEP e líder do Grupo de Pesquisa em Psicologia Comportamental e Educação Ambiental da USP. Contato: Rua Dr. Eneas de Carvalho Aguiar, 104, Jardim América, Ribeirão Preto – SP. E-mail: myrna@iacep.com.br

 

Resumo

Nesta pesquisa foi analisado um curso de formação continuada de professores de Ciências desenvolvidos no ano de 2006 pela Universidade de São Paulo - Campus Ribeirão Preto, vinculados ao Programa “Teia do Saber” da Secretaria de Estado da Educação de São Paulo. Como objetivo, buscou-se identificar as orientações de formação em projetos temáticos ambientais produzidos pelos professores cursistas. A análise de todo o material foi conduzida por meio de uma abordagem qualitativa e quantitativa, com o uso de alguns elementos provenientes da metodologia de análise do conteúdo. Foram utilizados dois tipos de unidade de análise: a de registro e a de contexto. Após a organização dos dados, que envolveu leitura e releitura dos materiais analisados, foram construídas categorias de análise, relacionando-as a categorias pré-definidas, encontradas na literatura.           Os resultados apresentados neste artigo nos remete a uma proposta de formação ambiental estruturada preferencialmente por meio de uma orientação prática reflexiva, provavelmente pela legitimação recorrente da prática enquanto uma dimensão fundamental a ser inserida em propostas inovadoras no ensino das disciplinas da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias do Ensino Médio.

 

 

Introdução

 

       Muitos estudos e reflexões têm sido realizados sobre a formação de professores (GATTI, BARRETO, ANDRÉ, 2011) e professores de Ciências (CARVALHO & GIL-PÉREZ, 1995), discutindo o currículo (KRASILCHIK, 1987; LOPES, 2002) e a importância da pesquisa (LOPES, 2003; MALDANER, 1999, 2003) e da investigação-ação (ROSA & SCHNETZLER, 2003) na formação inicial e continuada de professores. Paralelamente, políticas públicas no estado de São Paulo têm sido implementadas, propondo projetos de formação continuada (FC) de professores envolvendo instituições de Ensino Superior, apropriando-se de uma FC baseada no modelo de cursos pontuais de caráter contraditório, resultando em cursos “provisoriamente contínuos”, que ilustram a descontinuidade das políticas de educação dos governos estaduais e federal. Independentemente das limitações intrínsecas desse tipo de formação continuada e do contexto no qual essas políticas públicas de educação são pensadas e implementadas, é de fundamental importância que haja um movimento de análise destas propostas, de forma a possibilitar uma compreensão mais aprofundada de seus diferentes aspectos, tanto os positivos quanto os negativos. É neste contexto que este trabalho foca o seu estudo na análise de um curso de formação continuada, promovido pelo governo do estado de São Paulo dentro do Programa de Formação Continuada Teia do Saber, com o objetivo de compreender quais orientações de formação são expressas nos projetos temáticos ambientais de ensino produzidos pelos professores cursistas no final do curso de formação continuada. A análise da produção destes professores possibilita perceber a apropriação da dimensão ambiental no contexto de um planejamento de uma aula, bem como compreender a apropriação desta dimensão dentro de um projeto educativo produzido por uma equipe multidisciplinar de professores.

 

 

Metodologia

 

Sobre as características do curso de formação continuada analisado e dos diferentes sujeitos envolvidos no curso

 

        O curso de formação continuada analisado foi desenvolvido durante o segundo semestre de 2006 na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da USP, envolvendo um conjunto de professores selecionados pela Diretoria de Ensino da Região de Sertãozinho.

            O curso analisado teve como foco as metodologias de ensino de disciplinas da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias do Ensino Médio: Física, Química e Biologia, e foi estruturado em dois módulos, desenvolvidos apenas aos sábados e contemplando uma carga horária de 40 horas por módulo. O curso ofereceu continuidade às atividades desenvolvidas no curso I do Programa Teia do Saber realizado no ano anterior, priorizando temas educacionais relacionados ao Ensino de Ciências e temas das Ciências da Natureza, desenvolvidos com o intuito de promover transposições didáticas e/ou recontextualizações destes para o contexto escolar. Um maior detalhamento dos módulos do referido curso é apresentado na Figura 1.

            A turma do curso analisado era formada por professores cursistas oriundos de diferentes áreas das Ciências da Natureza de escolas da rede pública estadual de ensino, localizadas na área de jurisdição da Diretoria de Ensino da Região de Sertãozinho. Um detalhamento das áreas de formação dos professores cursistas é apresentado na Tabela 1.

 

Obs. Os nomes dos docentes que participaram da ministração das atividades previstas no curso tiveram seus nomes suprimidos e identificados por letras, a fim de terem a sua identidade preservada. Quadro extraído do relatório final do curso enviado pela USP para a Diretoria de Ensino da Região de Sertãozinho. O uso e a edição do quadro neste artigo teve a permissão da Coordenação geral do curso analisado.

 

Figura 1 – Cronograma geral do curso de formação continuada analisado.

 

Tabela 1 – Distribuição percentual dos professores participantes do curso II por área de atuação na Educação Básica.

 Área de atuação na

Educação Básica

Percentual (%)

Ciências (apenas)

33,33

Química (apenas)

14,29

Biologia (apenas)

14,29

Matemática (apenas)

9,52

Física (apenas)

9,52

Biologia, Ciências e Matemática

4,76

Ciências e Matemática

4,76

Matemática e Biologia

4,76

Matemática, Ciências e Física

4,76

 

            A ministração dos módulos do curso ficou a cargo de dez docentes da Universidade de São Paulo (campus Ribeirão Preto) e de 5 docentes externos à USP. O curso ainda contou com a mediação de educadores licenciados e licenciandos das áreas de Pedagogia, Química e Biologia e que tinham a função de apoiar e acompanhar as atividades desenvolvidas aos sábados e estabelecer o contato com as escolas dos professores cursistas.

 

Procedimento de coleta dos dados

 

            Para o desenvolvimento da pesquisa, foram selecionadas produções escritas dos professores cursistas, desenvolvidas como atividade final do curso e que foram caracterizadas como projetos temáticos ambientais de ensino (PTE). Estes PTE foram produzidos por grupos formados seguindo dois critérios: que o grupo contivesse professores da mesma escola e que estes fossem de áreas diferentes, o que creditou um caráter multidisciplinar aos grupos.

 

Procedimento de análise de dados

 

            A análise de todo o material foi conduzida por meio de uma abordagem qualitativa (BODGAN & BIKLEN, 1994). A pesquisa apropriou-se da metodologia de análise de conteúdo que, segundo Bardin (2004), caracteriza-se como um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utiliza procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens.

            Para a análise das orientações de formação, foram consideradas as informações de cada um dos PTE analisados, tomadas no seu conjunto e optando apenas pela unidade de contexto, devido à dificuldade de associar as concepções de formação a termos ou registros específicos.

            Na unidade de contexto, foi explorado o contexto em que uma determinada unidade de registro ocorre, e não somente a sua frequência. Após a organização dos dados, que envolveu leitura e releitura dos materiais analisados, foram construídas categorias de análise que, segundo Bardin (2004), possuem o objetivo de classificar os elementos que constituem o conjunto, por diferenciação e, seguidamente, por reagrupamento, assumindo critérios previamente definidos. Como base para o agrupamento da informação em categorias, foram considerados os aspectos que apareceram com certa regularidade e que puderam expressar alguma orientação de formação que pudesse ser associada ao conjunto de categorias preexistentes sugeridas por García (1999) e organizadas no quadro 1.

 

Orientações de formação de professores*

Social-reconstrucionista

Personalista

Tecnológica

Prática

Acadêmica

* Propostas por García (1999).

           

Quadro 1 – Orientações de formação utilizadas para categorização das orientações de formação expressas nos projetos temáticos ambientais produzidos pelos professores participantes do curso de formação continuada analisado.

 

Resultados e Discussão

 

            Os temas dos Projetos Temáticos ambientais de Ensino (PTE) produzidos e o perfil numérico e de área de atuação dos grupos de professores envolvidos em cada um dos PTE são apresentados no Quadro 2.

Tema do PTE

Sigla do PTE

Número de professores cursistas envolvidos

Áreas de atuação do conjunto de professores cursistas

Aquecimento Global

PTE01

6

Física, Matemática, Biologia e Ciências

Cana-de-açúcar:

Riqueza da nossa região

PTE02

2

Física e Biologia

Combustíveis: origem, usos e implicações

PTE03

5

Física, Química e Biologia

Energia dos Alimentos

PTE04

3

Física, Matemática, Biologia e Ciências

Energia, Sociedade e Meio Ambiente no Brasil

PTE05

5

Física, Matemática, Biologia e Ciências

Quadro 2 - Temas dos Projetos Temáticos de Ensino (PTE) produzidos e o perfil numérico e de área de atuação dos professores cursistas envolvidos na produção dos PTE.

 

            Numa análise imediata do Quadro 2, observa-se que quatro (PTE01, PTE02, PTE03, PTE05) dos cinco temas dos PTE contemplaram alguma abordagem ambiental e que todos os grupos foram compostos por professores de duas ou mais áreas do conhecimento, seguindo a proposta dos coordenadores do curso em configurar os grupos desenvolvedores dos PTE como grupos multidisciplinares.   Analisando-se as frequências dos termos associados à temática ambiental (Tabela 2), observa-se uma presença maior nos PTE03 e PTE05.

 

Tabela 2 – Frequência dos termos associados à temática ambiental nos Projetos Temáticos Ambientais de Ensino(PTE).

 

 

MA

AM

A

SA

DS

S

SS

N

PTE01

0

0

2

0

0

0

0

0

PTE02

0

1

0

0

0

0

0

0

PTE03

2

1

4

0

0

0

0

0

PTE04

0

0

0

0

0

0

0

0

PTE05

5

0

0

0

0

0

0

1

Legenda

MA= Meio ambiente(s)

AM= Ambiente(s)

A=    Ambiental(ais)

SA= Socioambiental(ais)

DS= Desenvolvimento(s) sustentável(eis)

S=   Sustentabilidade

SS= Sociedade(s) sustentável(eis)

N=   Natureza(s)

 

No entanto, como os PTE caracterizam-se como um texto pouco extenso, já era esperado identificar uma baixa frequência de termos associados ao conceito de ambiente. No caso do PTE04, o tema “Energia dos Alimentos” é proposto sem envolver explicitamente aspectos ambientais, caracterizando-se como a única produção dos professores na qual a temática ambiental não está contemplada.

Um aprofundamento das orientações de formação de professores presentes nos PTE são apresentadas abaixo, a partir da análise dos dados do Quadro 3.

 

PTE

Orientações

 

 

A

T

PE

PR

SR

 

 

A=   Acadêmica

T=   Tecnológica

PE= Personalista

PR= Prática

SR= Social-reconstrucionista

 

PTE01

 

 

 

X

-

 

PTE02

 

 

 

X

-

 

PTE03

X

 

 

 

-

 

PTE04

 

 

 

X

-

 

PTE05

 

 

 

X

-

 

Obs.: O simbolo X indica a presença da orientação de formação.

Quadro 3 – Orientações de formação de professores identificadas nos Projetos Temáticos Ambientais de Ensino  (PTE) produzidos pelos professores participantes do curso de formação continuada analisado.

 

No PTE01, logo na apresentação do tema, o grupo de professores destaca que

O tema aquecimento global foi escolhido por causa das drásticas consequências que o planeta poderá sofrer futuramente, por integrar disciplinas afins e estar associado aos contextos social, político e ambiental. [... ], o tema, além de ultrapassar conteúdos, coloca em alerta uma população jovem (alunos) e os conscientiza dos problemas que poderão surgir.

 

            Neste trecho observa-se que os conteúdos dos componentes curriculares são vistos como conhecimentos a serem adquiridos para minimizar ou solucionar futuros problemas. Neste contexto, observou-se que as ações propostas pelos professores neste PTE01 assemelham-se àquelas propostas nos PTE02, PTE04 e PTE05 e que seguem uma orientação prática de formação, diferentemente do PTE03 que se caracteriza por possuir uma orientação acadêmica.

            Partindo de uma pergunta integradora “Açúcar e Álcool são uma solução Energética e Social?”, a temática proposta no PTE02 foi desenvolvida de modo a valorizar todos os aspectos relacionados aos processos energéticos, explorando a parte experimental e visitas a usinas e, portanto, buscando uma integração entre teoria e prática, característica de uma orientação prática com abordagem reflexiva.

            A grande quantidade de conteúdos disciplinares contemplados no PTE03, “[...] buscando articular a construção do conhecimento científico e sua aplicação a problemas sociais, ambientais e tecnológicos”, associada a uma visão do conjunto da proposta, credita a esse PTE uma concepção acadêmica com abordagem compreensiva.

            O PTE04, ao introduzir conteúdos através de discussões e levantamentos de perguntas que norteiam a realidade dos alunos, expressa uma orientação relacionada à prática com abordagem reflexiva.

            Com o objetivo de estabelecer relações entre elementos da natureza e construir um raciocínio crítico-argumentativo que suscite discussões e contribua para elaboração e reelaboração de textos, o PTE05 exige do professor uma atitude crítica e reflexiva sobre os conteúdos ministrados e a sua prática, caracterizando uma orientação prática com abordagem reflexiva.

            Numa análise do conjunto dos PTE, percebemos uma tendência dos projetos incorporarem uma orientação prática de formação e um direcionamento para ações interdisciplinares que valorizem relações entre as diferentes disciplinas.

 

Considerações finais

 

            Os resultados e as discussões apresentadas nesta pesquisa devem ser refletidas segundo alguns pressupostos. Um primeiro pressuposto que assumimos é que uma formação continuada deve ser desenvolvida, como aponta García (1999), concebendo diferentes modalidades de formação. Assim, ao analisarmos um processo de formação continuada desenvolvido apenas na modalidade de cursos, significa que já estamos assumindo a existência de uma limitação intrínseca nesse processo.

            Como segundo pressuposto, compreendemos que a escola deve ser o lócus privilegiado para o desenvolvimento profissional de professores, podendo haver outros espaço formativos complementares. Assim, já não concordamos com o processo formativo proposto para os cursos analisados, pois os mesmos possuem a Universidade como o lócus privilegiado e único para a formação continuada de professores, constituindo-se uma única modalidade formativa distanciada do universo escolar. Dessa forma, são negligenciadas as experiências vivenciadas pelo professor no cotidiano de seu trabalho na escola, bem como o saber docente construído no dia-a-dia sob influência das condições concretas de organização e de gestão da escola, tomada no conjunto de seus projetos e ações e não apenas pelos conteúdos de ensino

            Os resultados apresentados neste artigo nos remete a uma proposta de formação ambiental estruturada preferencialmente por meio de uma orientação prática reflexiva, provavelmente pela legitimação recorrente da prática enquanto uma dimensão fundamental a ser inserida em propostas inovadoras no ensino das disciplinas da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias do Ensino Médio.

 

 

Referências Bibliográficas

 

BARDIN, L. Análise de conteúdo. Tradução de Luís Antero Reto e Augusto Pinheiro. Lisboa: Edições 70, 2004.

BOGDAN, R. C.; BIKLEN, S. K. Investigação Qualitativa em Educação – uma introdução à teoria e aos métodos. Tradução de Maria João Alvarez. Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Portugal: Porto Editora, 1994.

CARVALHO, A. M. P.; GIL-PÉREZ, D. Formação de Professores de Ciências. São Paulo: Cortez Editora, 1995.

GARCÍA, C. M. Formação de professores para uma mudança educativa. Trad. Narciso, I. Portugal, Porto Editora, 1999.

GATTI, B. A. , BARRETTO, E. S. S., ANDRÉ, M. E. D. A. Políticas Docentes no Brasil: um estado da arte. Brasília, UNESCO, 2011.

KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das ciências. São Paulo: EDUSP, 1987.

LOPES, A. R. C. Parâmetros curriculares para o ensino médio: quando a integração perde seu potencial crítico. In: Lopes & Macedo (org.). Disciplinas e Integração Curricular: História e Políticas. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2002.

LOPES, A. R. C; MACEDO, E. Educar pela Pesquisa - Ambiente de Formação de Professores. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.

MALDANER, O. A. A Pesquisa como perspectiva de Formação Continuada do Professor de Química. Química Nova na Escola, n.2, mar/abril.1999.

MALDANER, O. A. Formação Inicial e Continuada de Professores de Química: Professores Pesquisadores. 2ª ed. Ijuí: Ed. Unijuí, 2003.

ROSA, M. I. F. P. S.; SCHNETZLER, R. P.  A Investigação-ação na Formação Continuada de Professores de Ciências. Revista Ciência e Educação, v. 9, n. 1, 2003.