Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2011 (Nº 35) EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E REALIDADE SÓCIO-AMBIENTAL: UMA PROPOSTA DE TRABALHO ENVOLVENDO O EIXO TEMÁTICO GRANDEZAS E MEDIDAS
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GRANDEZAS E MEDIDAS EM UMA PERSPECTIVA CTSA

EDUCAÇÃO MATEMÁTICA E REALIDADE SÓCIO-AMBIENTAL: UMA PROPOSTA DE TRABALHO ENVOLVENDO O EIXO TEMÁTICO GRANDEZAS E MEDIDAS

 

Daniel Fernando Bovolenta Ovigli

Mestrando em Educação pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e professor efetivo junto à Prefeitura Municipal de Botucatu/SP. E-mail: danielovigli@yahoo.com.br.

 

RESUMO: Nos últimos anos o movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA) tem ganhado expressão na educação escolar, por meio da compreensão de modelos científicos e tecnológicos dentro de seu contexto histórico e social, em uma perspectiva curricular multi/interdisciplinar. O presente trabalho objetiva apresentar os limites e as possibilidades de uma atividade direcionada a alunos de 6º ano aplicada em uma escola municipal, dentro do eixo temático “Grandezas e Medidas”, com enfoque CTSA. O estudo de unidades de comprimento, área e volume, são perpassados por episódios de história das grandezas e medidas nas Ciências e os alunos, em grupos, são convidados a construir metro quadrado e metro cúbico utilizando jornal, fita adesiva e fita métrica. Como fechamento, discute-se a maneira pela qual a humanidade vem fazendo uso da água através dos tempos contextualizando para os volumes desperdiçados na atualidade, em conexão com diversos temas provenientes das Ciências Humanas e Sociais.

 

Palavras-chave: educação matemática, educação ambiental, relações CTSA.

 

1. INTRODUÇÃO

            A sociedade atual é caracterizada como uma sociedade do conhecimento, na medida em que o saber e a informação se fazem presentes em todos os setores da atividade humana. Se por um lado promover o ensino para essa sociedade permite colaborar com o progresso técnico-científico e econômico, por outro o desenvolvimento de uma cultura e uma “economia baseada no conhecimento tem, necessariamente, fome de lucros (HARGREAVES, 2003, p. 17) e, dessa forma, os interesses pessoais e de mercado passam a ter prioridade em detrimento do bem-estar social.

            Nesse sentido, Hargreaves (2003) caracteriza o ato de ensinar como um verdadeiro paradoxo, pois se espera desenvolver nos sujeitos da aprendizagem as capacidades de inovar, flexibilizar, mudar e criar, competências tão importantes para o desenvolvimento econômico; ao mesmo tempo em que se espera que minimizem os problemas gerados por essa mesma sociedade, tais como o consumismo exacerbado, grande responsável pela crise ambiental mundial e as desigualdades sócio-econômicas.

            Assim, considerando que o aluno deve ter conhecimentos, competências e valores que o possibilitem contribuir na criação dessa sociedade, sem perder de vista a necessária superação dos problemas por ela gerados, há de se considerar uma formação que busque desenvolver a criatividade, a flexibilidade e a resolução de problemas (HARGREAVES, 2003) e ao mesmo tempo ter em vista a necessidade de se cultivar a cidadania.

 

2. ABORDAGEM CTSA NO ENSINO DE MATEMÁTICA

Segundo Moraes (1997), novas tendências educacionais emergiram visando à compreensão do novo contexto social em que o homem encontra-se inserido. Nesse sentido, não é mais possível conceber um sistema educacional voltado para a transmissão de conteúdos, no qual o sujeito da aprendizagem assume um papel de receptor passivo de informações.

            A esse respeito, o movimento Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente (CTSA) tem ganhado expressão na educação escolar nos últimos anos, compreendendo diversas concepções sobre o ensino e aprendizagem, porém sempre considerando centrais as inter-relações Ciência-Tecnologia-Sociedade-Ambiente, seja na seleção e abordagem das temáticas, ou na proposição de situações-problema a serem resolvidos (MARTINS, 2002). Com base nas proposições de Fourez & Cabiaux (1991, apud SANTOS, 2001) podemos dizer que as competências esperadas deste processo de ensino são:

 

- desenvolver a capacidade de construir modelos técnicos e científicos;

- compreender os modelos científicos e tecnológicos dentro do contexto e do processo histórico específico e global;

- aplicar e integrar estes modelos a situações e a resolução de problemas do cotidiano de uma forma multi/interdisciplinar;

- desenvolver uma competência crítica para aprender os conhecimentos científicos.

 

Na abordagem CTSA, o contexto da aula pode ter como ponto de partida a realidade social vista sob a ótica da prática social. A partir dela, objetiva-se chegar a uma prática social renovada, considerando que ensino deverá identificar, equacionar e sugerir soluções para os problemas que são colocados pela prática social inicial. Assim, os conteúdos que serão ensinados aos alunos deverão compreender além da cultura científica, construída histórica e culturalmente pela humanidade, as problemáticas de urgência da sociedade.

Diante desse breve panorama, verifica-se que a maneira pela qual a Matemática vem sendo tradicionalmente trabalhada não possibilita sua relação com o contexto social dos alunos, de modo a permitir o entendimento das questões em direção a uma percepção crítica da sociedade. Nessa vertente, tais atividades podem ser consideradas simplistas, pois não discutem as questões sociais e políticas vinculadas a esses problemas e nos quais se faz necessário o uso da Matemática. Isso também se estende ao eixo temático “Grandezas e Medidas”.

 

 

2.1 GRANDEZAS E MEDIDAS NO CURRÍCULO DO ENSINO FUNDAMENTAL

            Desde os primórdios da civilização o homem está envolvido com o ato de medir. À medida que a humanidade foi produzindo e transformando suas formas de sobreviver também foi produzindo e transformando novas formas de medir. Medimos comprimento, massa, superfície, capacidade, temperatura, volume, tempo, etc. Assim, a necessidade de efetuar medidas é quase tão antiga quanto a de contar. No decorrer dos anos a humanidade foi aperfeiçoando suas formas de medir assim como seus instrumentos de medida, além de incorporar à sua cultura novas grandezas e unidades de medida.

            O fato é que todas as culturas, independentemente de um processo de escolarização, fazem uso de medidas. Isso significa dizer que as crianças ao iniciarem seus estudos formais já tiveram contato com grandezas e seus correspondentes instrumentos de medida. Então, a questão reside em como fazer com que o conhecimento das grandezas e medidas adquira significado para os sujeitos da aprendizagem (SILVA, 2007).

Embora seja um conhecimento altamente significativo do ponto de vista sociocultural, as grandezas e medidas ensinadas na escola ainda conservam um caráter mecânico e até repetitivo. O estudo de grandezas e medidas ainda não assumiu a dimensão de “eixo temático” (BRASIL, 1997), conforme sugerem os textos legais. Em razão disso, é comum ver este estudo ainda desconectado de “Espaço e Forma” e de “Números e Operações”. Também é comum encontrar o estudo das grandezas e medidas isolado no último bimestre letivo, quando o cumprimento do planejamento nem sempre é possível ficando, assim, relegado a segundo plano. É bom lembrar que, na perspectiva dos PCNs - Matemática, o estudo das grandezas e medidas deve perpassar todo o currículo, isto é, as deve ser trabalhado durante todo o ano letivo e em todas as séries do ensino fundamental.

Essa perspectiva está fundamentada na proposta de “currículo em espiral” (BRASIL, 1997), cuja idéia principal é a de que um mesmo conteúdo deve ser apresentado em diferentes níveis de abordagem, nos diferentes níveis de ensino, de modo que as idéias básicas sejam dominadas aos poucos, em um aprofundamento constante de sua compreensão e aplicação.

Nesse sentido, o estudo de grandezas e medidas não pode ser descolado de outros conteúdos matemáticos, nem de outras áreas do conhecimento e muito menos da realidade sociocultural.

            As propostas curriculares acenam para a importância das grandezas e medidas no currículo. Os Parâmetros Curriculares Nacionais justificam a importância desse eixo temático ao afirmar que:

 

Na vida em sociedade, as grandezas e as medidas estão presentes em quase todas as atividades realizadas. Desse modo, desempenham papel importante no currículo, pois mostram claramente ao aluno a utilidade do conhecimento matemático no cotidiano (BRASIL, 1997, p. 56).

 

Dentre os diversos conteúdos da Matemática, este trabalho destacou os referentes ao eixo temático “Grandezas e Medidas” por serem conteúdos que, além de guardarem conexões com as outras áreas do conhecimento, possuem forte relevância social, desempenhando um papel de grande importância nos currículos, além de possibilitar uma maior aproximação dos conhecimentos matemáticos com a vida social. Neste caso, a aproximação se dá por meio do trabalho com o tema transversal Meio Ambiente, expresso nos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). Esse documento apresenta como definição para tema transversal uma problemática social que não chega a constituir nova área, mas um tema que aparece permeando “a concepção, os objetivos, os conteúdos e as orientações didáticas de cada área, no decorrer de toda a escolaridade obrigatória” (BRASIL, 1998, p. 48).     

           

            Ainda de acordo com os PCN, no estudo dos conteúdos relativos ao eixo temático “Grandezas e Medidas” deverá se destacar a importância dos processos de medição e utilização das grandezas para descrever e comparar fenômenos.

O estudo desses conteúdos permite que os alunos refaçam o caminho percorrido pela humanidade, ao perceberem que na medição de diferentes grandezas, muitas vezes a unidade escolhida não cabe um número inteiro de vezes na grandeza que está sendo medida. Assim os números naturais não seriam suficientes para representar os valores dessas medidas, o que possibilita a abordagem dos números racionais em suas formas fracionárias e decimais, atrelados aos conteúdos de Grandezas e Medidas (SILVA, 2007).

 

Como as Medidas quantificam Grandezas no mundo físico e são essenciais para a interpretação deste, as possibilidades de integração com as outras áreas são bastante claras, como Ciências Naturais (utilização de bússolas, e noções de densidade, velocidade, temperatura, entre outras) e Geografia (utilização de escalas, coordenadas geográficas, mapas etc.). As medidas também são necessárias para melhor compreensão de fenômenos sociais e políticos, como movimentos migratórios, questões ambientais, distribuição de renda, políticas públicas de saúde e educação, consumo, orçamento, ou seja, questões relacionadas aos Temas Transversais. (BRASIL, 1997, p.128).

 

Além disso, os PCN também sugerem várias oportunidades para o trabalho com os Temas Transversais. Como exemplo, indicam que uma leitura sobre a História da Matemática pode proporcionar a conexão com o tema “Pluralidade Cultural”.

Essa articulação com os temas transversais é possível pelo fato de as Grandezas e Medidas estarem presentes em quase todas as situações da vida nos seus mais variados contextos, bem como nos demais conteúdos matemáticos. Nesse sentido, o presente trabalho encontrou respaldo principalmente nos temas transversais “Meio Ambiente” e “Cidadania e Ética”, considerados na elaboração das atividades.

           

3. ELABORAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DAS ATIVIDADES[1]

3.1 Medidas de comprimento

            A atividade tem início com a leitura compartilhada de um texto (vide Anexo) que relata fatos relativos à história das medidas, com foco para as partes do corpo que durante muito tempo foram utilizadas como padrões de medida. Alguns exemplos incluem o cúbito (distância do cotovelo à extremidade do dedo médio), a jarda (distância entre nariz e a extremidade do polegar), pés e polegadas, algumas dessas unidades até hoje utilizadas.

            O metro padrão, criado em 1799, foi definido como a décima milionésima parte da distância entre o Pólo Norte e o Equador, medida pelo meridiano que passa pela cidade de Paris, na França. Hoje se baseia no espaço percorrido pela luz no vácuo em determinado período de tempo, o que lhe confere maior precisão na calibragem de instrumentos científicos. A adoção do Sistema Internacional de Unidades (SI), regulamentando o metro, o litro, o quilograma e os graus Celsius como padrão no mundo inteiro, não ocorreu na maioria da população dos Estados Unidos e Inglaterra, havendo nestes países o uso do antigo sistema imperial. No Brasil, o Sistema Métrico Decimal foi adotado oficialmente em 1862 (Jornal dos Clubes de Matemática).

            Tomando como pano de fundo o desenvolvimento histórico do metro como unidade de medida, o primeiro passo da atividade prática consiste justamente na percepção dessa unidade por meio da retirada de um metro de barbante de um carretel, sem mensurá-lo com régua ou fita métrica. Em seguida são discutidas as estratégias que cada aluno utilizou para retirar o metro de barbante, bem como a mensuração dos pedaços de barbante de cada aluno. Trata-se da problematização inicial para discutir a forma pela qual o conceito de medir vem sendo utilizado ao longo da história.

            Dando continuidade à caracterização das medidas de comprimento, fazemos o reconhecimento compartilhado da fita métrica, indicando sua divisão em centímetros e o porquê de ser colorida. A partir dessas discussões, o decímetro é identificado como sendo a décima parte do metro, o centímetro como a centésima parte do metro e o milímetro como a milésima parte do padrão métrico. Para tal, os alunos se valem de uma tabela auxiliar, que caracteriza os múltiplos e submúltiplos do metro-padrão, como a que segue:

 

MEDIDAS DE COMPRIMENTO

milímetro (mm)

centímetro

(cm)

decímetro

(dm)

metro (m)

decâmetro (dam)

hectômetro (hm)

quilômetro (km)

 

 

 

1

 

 

 

Tabela 1: Múltiplos e submúltiplos das medidas de comprimento em relação ao metro padrão

 

            Os múltiplos do metro são contextualizados com base em suas principais aplicações e como se deu seu surgimento, bem como as relações que guardam com o estudo das ciências e na tecnologia.

            A sistematização se dá com o estabelecimento das relações entre metro, decímetro, centímetro e milímetro. Nesse momento é necessário chamar a atenção para a regularidade que se verifica entre cada unidade de medida, característica de base 10, daí a denominação sistema métrico decimal.

            Procede-se à construção do metro com tiras de cartolina ou jornal. O metro é, então, dividido em 10 decímetros que, por sua vez, são divididos em 10 centímetros e, por fim, um centímetro é dividido em 10 milímetros. Para tal, faz-se uso de uma régua ou fita métrica já graduada. Mais uma vez são frisadas as utilidades dessas unidades de medida nas ciências e tecnologia, procurando levantar junto aos alunos as situações em que reconhecem o uso de tais unidades, em consonância com as mais recentes propostas educacionais.

 

 

3.2 Medidas de superfície

            A motivação para abordar medidas de superfície se dá por meio da discussão acerca do que corresponde o metro quadrado, bem como suas aplicações. Daí, de posse do metro linear construído com tiras de cartolina ou jornal, os alunos são convidados a construir o metro quadrado que, em seguida, será feito com folhas de jornal e fita adesiva. Com auxílio da tabela abaixo construímos juntos as relações que se estabelecem entre metro quadrado, decímetro quadrado, centímetro quadrado e milímetro quadrado. 

            A problematização também se dá ao aplicar estimativas, por exemplo, no cálculo do número de pessoas que cabem em um metro quadrado. Trabalha-se também a divisão do metro quadrado ao meio, assim como a metade do metro quadrado. A contextualização dessa temática também ocorre por meio da questão do uso de escalas em Geografia e com as áreas de florestas devastadas anualmente. Para tal, valemo-nos de estatísticas publicadas em textos de jornais, revistas e Internet, bem como as possíveis conseqüências dessa devastação para o ambiente planetário. A discussão é finalizada em uma roda de conversa sobre a forma como o poder público vem tratando de questões como o tráfico de madeiras, a devastação de áreas para o plantio de cana-de-açúcar e a influência da economia na gestão das políticas governamentais.

 

MEDIDAS DE SUPERFÍCIE

milímetro

quadrado

(mm2)

centímetro

quadrado

(cm2)

decímetro

quadrado

(dm2)

metro

quadrado (m2)

decâmetro

quadrado (dam2)

hectômetro

quadrado (hm2)

quilômetro

quadrado (km2)

 

 

 

1

 

 

 

Tabela 2: Múltiplos e submúltiplos das medidas de superfície em relação ao metro quadrado

 

3.3 Medidas de volume

            Inicialmente a definição de metro cúbico é apresentada e, com os metros quadrados construídos por 6 grupos, constrói-se o metro cúbico. Mais uma vez, relações entre o metro cúbico, o decímetro cúbico e o centímetro cúbico são estabelecidas, utilizando, desta vez, o material dourado. Há também a necessidade de se estabelecer relações com medidas de capacidade, analisando quantos litros de água cabem em um metro cúbico.  Um cubo de aresta 10 cm é construído em cartolina para representar o decímetro cúbico, correspondente ao volume de um litro. Uma demonstração da relação entre o decímetro cúbico e o litro se dá por meio do preenchimento de um recipiente de vidro transparente de dez centímetros de aresta com água colorida. O cálculo de volumes relativos aos múltiplos e submúltiplos também faz uso de multiplicações e divisões, colocando em prática conteúdos já em estudados pelos alunos no eixo temático “Números e Operações”.

 

 

MEDIDAS DE VOLUME

milímetro

cúbico (mm3)

centímetro

cúbico

(cm3)

decímetro

cúbico

(dm3)

metro

cúbico (m3)

decâmetro

cúbico (dam3)

hectômetro

cúbico (hm3)

quilômetro

cúbico (km3)

 

 

 

1

 

 

 

Tabela 3: Múltiplos e submúltiplos das medidas de superfície em relação ao metro cúbico

 

            Nesse momento a contextualização é conduzida por meio da abordagem dos volumes de água desperdiçados na atualidade, bem como a gestão dos recursos hídricos e sua quantidade disponível no planeta. Procura-se estabelecer correlações entre o número de habitantes do planeta e seu consumo médio de água, bem como a maneira pela qual a humanidade vem fazendo uso dos recursos hídricos através dos tempos. As atividades também compreendem um tempo reservado à reflexão, que se dá em uma roda de conversa visando à discussão acerca das relações existentes entre a gestão dos recursos hídricos e a sustentabilidade, trazendo atitudes simples do dia-a-dia que poderiam contribuir para a redução do consumo de água.  

 

DISCUSSÃO          

            As atividades aqui apresentadas têm sido trabalhadas desde o mês de maio do presente ano com alunos de 6º ano (antiga 5ª série) de uma escola municipal, durante uma ou duas aulas semanais. A idéia fundamenta-se na concepção de currículo em espiral: nesse caso os conteúdos relativos ao eixo temático em questão perpassam todo o currículo.

            A abordagem diferenciada utilizada na condução da temática tem sido motivante para os alunos, visto que se afasta do ensino centrado meramente na repetição e memorização a que estavam “condicionados” desde as séries iniciais. Conforme já discutido, o eixo temático em questão possui grande relevância sócio-cultural, o que favorece o interesse e a motivação para o aprendizado desses conceitos. Ainda como parte integrante do planejamento curricular para a disciplina Matemática, optou-se por articular o eixo temático “Grandezas e Medidas” aos eixos temáticos “Espaço e Forma” (evidenciado no desenrolar do trabalho ora apresentado) e “Números e Operações”, quando da abordagem dos números fracionários e decimais em diferentes situações-problema.

            Os alunos em geral mostram-se muito curiosos principalmente no que diz respeito ao uso de partes do corpo como parâmetros de medida, quando da abordagem histórica da temática. A construção do metro quadrado e metro cúbico também despertam bastante interesse, particularmente na contextualização para os volumes de água utilizados pela população, bem como as áreas de florestas que são devastadas ano a ano, dados pesquisados pelos próprios sujeitos sob orientação do professor. Tais apontamentos nos levaram à reflexão acerca da sociedade de consumo e do atual modelo de produção, bem como as políticas públicas relacionadas à gestão desses recursos. É interessante frisar que, espontaneamente, vários alunos complementavam as discussões trazendo matérias e artigos de jornais e revistas que abordavam dados concernentes às situações discutidas em aula. Os materiais produzidos por tais reflexões estão sendo sistematizados para uma exposição na escola prevista para acontecer no segundo semestre do presente ano.

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

            As atividades desenvolvidas em Matemática culminaram na implantação de um projeto de coleta seletiva de resíduos sólidos na escola, pelos alunos dos sextos anos, mobilizando a comunidade escolar em torno da questão ambiental, ampliando a idéia de meio ambiente de modo a considerar o local no qual os próprios sujeitos se inserem: nesse caso, a escola.

            Alguns limites do trabalho aqui apresentado residem em sua falta de articulação com o planejamento proposto por docentes responsáveis por outras disciplinas, particularmente História, Geografia e Ciências. Embora o projeto abarcasse conteúdos pertinentes a essas disciplinas, o aprofundamento e a interdisciplinaridade acabaram por ser prejudicados (já que contaram apenas com a intervenção do docente responsável pela disciplina de Matemática) levando em consideração o fato de que a unidade escolar se atentou para a relevância do trabalho por projetos interdisciplinares apenas ao final do primeiro semestre. Daí a importância do compromisso e acompanhamento do gestor escolar no apoio a projetos dessa natureza.

            Como propõe Chassot (2003), o que se faz necessário é considerarmo-nos, enquanto professores (figura mais representativa da instituição escolar), menos informadores e mais formadores. Nessa perspectiva, o autor sugere que ensinemos menos. Isso porque o que importa não é transmitir conteúdos que se tornam facilmente obsoletos na atual sociedade do conhecimento, mas ensinar como buscar novos conhecimentos e como utilizá-los de maneira consciente e responsável.

            Trabalhar a Matemática com significados é acreditar que esta disciplina, enquanto componente curricular, tem muito a contribuir para o desenvolvimento holístico do educando, tornando-o um ser crítico, preparado para o exercício pleno da cidadania.

Os alunos necessitam perceber que esses conteúdos político-sociais, em articulação com temas da Matemática, poderão auxiliá-los na formação de uma consciência crítica; é necessário que compreendam, também, que as Grandezas e Medidas quantificam o mundo físico e que além de calcular áreas, perímetros e volumes, terão a possibilidade de entender questões relacionadas à distribuição de renda, aplicação de recursos públicos, meio ambiente, entre outros assuntos (ALMEIDA e MORAES, 2007).

            Desta forma, acreditamos que as atividades propostas em uma abordagem CTSA apresentam-se como sugestão para serem desenvolvidas em sala de aula, pois, podem constituir um poderoso meio de aprendizagem para os alunos, assim como uma oportunidade de desenvolvimento profissional para o professor, influenciando na sua formação e conseqüentemente em sua prática em sala de aula.

 

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, F.C.; MORAES, M.S.S. O livro didático de Matemática e os temas transversais/político-sociais: um estudo dos conteúdos de grandezas e medidas para a quinta série do ensino fundamental. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 9., 2007, Belo Horizonte. Anais eletrônicos... Belo Horizonte: UniBH, 2007. Disponível em:<www.sbem.com.br/files/ix_enem/Comunicacao_Cientifica/Resumos/CC28718510850R.rtf>. Acesso em 09 jul. 2008.

 

BRASIL. MEC - Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF. 1997.

 

CHASSOT, A. Educação conSciência. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2003.

 

HARGEAVES, A. O ensino na Sociedade do Conhecimento: a educação na era da insegurança. Porto: Porto Editora, 2003.

 

Jornal dos Clubes de Matemática. Disponível em http://www.mat.ufpb.br/lepac/jcm.htm. Acesso em 13 mai. 2008.

 

MARTINS, I. Problemas e perspectivas sobre a integração CTS no sistema educativo português. Revista Electrónica de Enseñanza de las Ciências, 1 (1), 1 – 13, 2000.

 

MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. Campinas: Papirus, 1997.

 

SANTOS, M. E. V. M. A cidadania na “voz” dos Manuais escolares: o que temos? O que queremos? Lisboa: Livros Horizontes, 2001.

 

SILVA, E.B. Comprimento, superfície e volume na medida certa. In: Encontro Nacional de Educação Matemática, 9., 2007, Belo Horizonte. Anais eletrônicos... Belo Horizonte: UniBH, 2007. Disponível em: < www.sbem.com.br/files/ix_enem/Minicurso/Trabalhos/MC35911069172T.doc>.Acesso em: 09 jul. 2008.

 

 

ANEXO: AS PRIMEIRAS MEDIÇÕES

            Atualmente dispomos de vários instrumentos que nos permitem medir comprimentos, mas... e há 4.000 anos, quando não existiam esses apetrechos? Como o homem fazia para medir comprimentos?

            A necessidade de medir é quase tão antiga quanto a de contar. Quando o homem começou a construir suas habitações e a desenvolver a agricultura, precisou criar meios de efetuar medições.

            Para medir comprimentos, o homem tomava a si próprio como referência. Usava como padrões determinadas partes de seu corpo. Foi assim que surgiram: a polegada, o palmo, o pé, a jarda, a braça, o passo. Alguns desses padrões continuam sendo usados até hoje.

            Há cerca de 4.000 anos, os egípcios usavam como padrão de medida de comprimento, o cúbito: que é a distância do cotovelo à ponta do dedo médio. Como as pessoas têm tamanhos diferentes, o cúbito variava de uma pessoa para outra, ocasionando as maiores confusões nos resultados das medidas. Os egípcios resolveram então fixar um padrão único: em lugar do próprio corpo eles passaram a usar em suas medidas barras de pedra com o mesmo comprimento. Foi assim que surgiu o cúbito-padrão.

            Foi durante a Revolução Francesa que se tomou a iniciativa de unificar, a nível mundial, os padrões de medida. Nessa época havia uma grande confusão entre os vários padrões de medida empregados. Assim, em 1790, a Academia de Ciências de Paris criou uma comissão, que incluía matemáticos, para resolver o problema. Dos trabalhos dessa comissão resultou o metro, um padrão único para medir comprimentos, o qual passou a ser utilizado universalmente.

            No passado cada povo tinha seus próprios padrões, o que gerava algumas dificuldades, por exemplo: o cúbito padronizado pelos sumérios era diferente do cúbito egípcio, e ambos diferiam do cúbito assírio. Observe:

 

Cúbito sumério = 49,5 cm

Cúbito egípcio = 52,4 cm

Cúbito assírio = 54,9 cm

          

            Na Inglaterra foram utilizados por muito tempo padrões com o mesmo nome, como foi o caso do pé romano, pé comum e pé do norte. As relações entre estes pés dizia que 10 pés romanos eram equivalentes a poucos menos que 9 pés do norte.

 

Pé romano = 29,6 cm

Pé comum = 31,7 cm

Pé do Norte = 33,6 cm

 

(Texto disponível em http://www.mat.ufpb.br/lepac/jcm.htm)



[1] Tais atividades foram elaboradas com base no mini-curso “COMPRIMENTO, SUPERFÍCIE E VOLUME NA MEDIDA CERTA”, apresentado por Erondina Barbosa da Silva no IX Encontro Nacional de Educação Matemática, que aconteceu em julho de 2007 em Belo Horizonte/MG.

 

Ilustrações: Silvana Santos