Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2011 (Nº 35) Relato de experiência: Uso do saber científico em Ecologia como ferramenta na educação ambiental no Projeto Biotemas
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Biotemas e a democratização do conhecimento científico nas áreas ecológica e ambiental

Relato de experiência: Uso do saber científico em Ecologia como ferramenta na educação ambiental no Projeto Biotemas

 

Carlos Henrique Pires Magalhães1 e Larissa Câmara Ribeiro2

 

1 - Mestre em Ecologia, Manejo e Conservação de Vida Silvestre (ICB/UFMG);

Universidade Federal de Minas Gerais, Av. Presidênte Antônio Carlos, 6627, Pampulha, Belo Horizonte, Minas Gerais.

chp.magalhaes@yahoo.com.br

 

2 – Graduanda em Psicologia (Fasi)

Faculdade de Saúde Ibituruna, Av. Nice, 99, Ibituruna, Montes Claros, Minas Gerais

 

 

Resumo: Na educação ambiental não se deve ter como limite o conhecimento científico ou o conhecimento não científico, mas sim selecionar informações pertinentes que sejam necessárias para fundamentar o raciocínio e as decisões. Uma vez que há grande e crescente necessidade de se conscientizar a sociedade sobre sua relação com o ambiente, os autores prepararam um curso com temas sobre conservação da natureza, para ser apresentado a estudantes do 1° e 2° grau, no VI Fórum de Biotemas na Educação Básica, organizado pela Universidade Estadual de Montes. 158 estudantes participaram do curso e responderam a 2 questionários previamente elaborados que objetivavam avaliar a percepção destes sobre assuntos relacionados à educação ambiental e o aproveitamento do curso. 100% destes estudantes não sabiam do caracter das extinções de espécies. Nenhum dos estudantes conhecia o potencial negativo que espécies exóticas e/ou invasoras podem exercer sobre as espécies nativas. Apesar dos participantes terem afirmado não conhecer áreas de proteção ambiental e nunca terem ouvido sobre manejo de fauna, cerca de 30% deles se lembraram durante a aula de projetos de conservação que lançam mão do manejo de fauna, como a conservação do peixe boi, tartaruga marinha (Projeto TAMAR), ararinha azul, lobo guará e outros. Todos os estudantes responderam que desejam receber mais informações sobre meio ambiente, ecologia, preservação e outros assuntos afins. Todos desejam também, receber qualquer tipo de informações vindas de universidades e centros de pesquisas.

 

Introdução

A educação ambiental tornou-se lei em 27 de Abril de 1999. O Art. 2° da Lei da Educação Ambiental (Lei N° 9.795) afirma que “A educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal” (BRASIL, 1999). Embora a lei tenha mais de 11 anos e já existam várias iniciativas por parte do Governo, a inserção da educação ambiental no currículo escolar e no projeto político pedagógico permanece muito aquém do que deveria ser.

 

Para se viabilizar a inclusão da educação ambiental no meio escolar faz-se necessário o investimento na formação dos professores que trabalham com a temática ambiental em toda a sua complexidade; flexibilizar a estrutura curricular rígida, que muitas vezes não permite que a dimensão ambiental seja trabalhada de maneira interdisciplinar; investir em uma educação científica, onde os estudantes possam tanto absorver uma série de informações palpáveis quanto aprender a desenvolver seu próprio conhecimento e investimento em material pedagógico, tanto para os professores quanto para os alunos (MEDINA, 2002; SATO, 2003).

 

Inclusive, a educação científica em todos os níveis e sem discriminação, segundo a Declaração da Unesco (2000), é um requisito fundamental para a democracia. “A igualdade no acesso ao conhecimento científico não é somente uma exigência social e ética, mas sim uma necessidade para realização plena do potencial intelectual do homem” (UNESCO, 2000). Segundo Zancan (2000), não se deve ter como limite o conhecimento científico ou o conhecimento não científico, mas sim selecionar informações pertinentes que sejam necessárias para fundamentar o raciocínio e as decisões, pois uma educação ambiental de alto nível significa não se limitar a memorizar um conjunto desconexo de fatos, mas sim estruturar um arcabouço relevante que proporcione ferramentas para se analisar conceitos básicos e compreender melhor o meio (ZANCAN, 2000).

 

Atualmente há urgente necessidade de se alertar a sociedade dos inúmeros riscos que ela própria tem criado e ampliado. Neste contexto de perigos e falta de informações ou conhecimentos, a educação ambiental assume a importantíssima tarefa de conscientizar a sociedade sobre os riscos socioambientais da atual relação homem/natureza. Tendo, portanto o objetivo de construir uma nova percepção e forma de relacionamento do homem com o meio, tentando garantir a sustentabilidade nas relações do homem com os ecossistemas (TREVISOL, 2004).

 

É grande e crescente a necessidade de se conscientizar a sociedade sobre sua relação com o ambiente, considerando-se a importância de se buscar novas ferramentas para a educação ambiental. Além disso, o simples fato do conhecimento da biosfera é de grande importância para a formação científica e moral da sociedade. Diante disto, os autores prepararam um curso para ser apresentado para estudantes do 1° e 2° grau, no VI Fórum de Biotemas na Educação Básica, organizado pela Universidade Estadual de Montes - UNIMONTES.

 

O Projeto “Biotemas na educação básica” tem como objetivo principal integrar as ações da Universidade junto à Educação Básica, articulando atividades de ensino, pesquisa e extensão, tendo em vista a democratização do conhecimento acadêmico e a participação efetiva da comunidade na vida da Universidade.  Sendo assim, este evento proporcionou uma ótima oportunidade de transmissão dos conhecimentos sobre educação ambiental, saberes estes recentes e bem elaborados sobre ecologia e meio ambiente.

 

O curso teve por objetivo principal mais que ampliar o conhecimento dos estudantes, auxiliá-los na obtenção de novos saberes através da curiosidade  e busca de respostas aprimorando a formação crítica dos indivíduos.

 

Metodologia

O curso foi ministrado numa sala de aula da Escola Estadual Professor Plínio Ribeiro em Montes Claros, MG. O mesmo curso foi apresentado para oito turmas em quatro dias, sendo duas turmas por dia (1 manhã/1 tarde). O conteúdo foi repassado aos estudantes por meio de aula dinâmica, expositiva e dialogada, com auxílio de projeção de imagens e vídeos/ filmes via Data-Show.

 

No total, 158 estudantes participaram do curso. 60% destes estudantes já haviam participado de edições anteriores do Projeto Biotemas (2.12±0.27; xbar±EP), nas quais participaram de cursos, palestras ou oficinas nas áreas de educação social, células tronco, adolescência, reciclagem, sociedade, relações pessoais, meio ambiente entre outros.

 

Todos (100%) estudantes que participaram do curso “Manejo e Conservação de Vida Silvestre” afirmaram possuir algum conhecimento sobre meio ambiente, ecologia e preservação da natureza.

 

Os estudantes responderam a 2 questionários previamente elaborados com questões que visavam conhecer a percepção destes sobre assuntos relacionados à educação ambiental, que apesar de simples, importantes e esclarecedores, geralmente permanecem restringidos ao meio acadêmico. A coleta de dados foi realizada através de questionários, uma vez que este método oferece a vantagem da rapidez durante a aplicação, bem como a acessibilidade para a interpretação dos resultados. O questionário 1 foi constituído pelas seguintes questões:

 

i) Você sabe o que causa a extinção de espécies?

ii) Para você o que é conservar a natureza e o meio ambiente?

iii) Você conhece ou já ouviu falar sobre espécies invasoras? Sabe o que elas podem causar à natureza?

iv) Você sabe se é importante manejar a fauna? Por quê?

 

Após os estudantes responderem o questionário 1 foi ministrado o conteúdo do curso com informações sobre extinção de espécies, meio ambiente, ecologia como ciência, políticas públicas em relação á conservação das espécies e outras informações pertinentes. Além disto, aprenderam sobre a biologia de animais como a onça pintada (Onca panthera), lobo guará (Chrysocyon brachyurus), mono carvoeiro (Brachyteles arachnoides, Brachyteles hypoxanthus), ararinha azul (Cyanopsitta spixii), peixe boi (Trichechus  senegalensis, Trichechus inunguis, Trichechus manatus), guariba (Alouatta guariba). Ao se finalizar a transmissão do conteúdo aos estudantes, foi aplicado o questionário 2 no intuito de se avaliar o aproveitamento do curso, com as seguintes questões:

 

i) O que você aprendeu de novo neste curso?

ii) Você já tinha ouvido sobre manejo de fauna e conservação na sala de aula?

iii) Você acha importante ou deseja que o conhecimento científico criado em universidades e instituições de pesquisa sejam transmitidos aos alunos de 1º. e 2º. grau? Por quê?

 

Resultado e discussão

Extinção de espécies

Os meios informais de comunicação reportam a extinção de espécies como algo anormal, resultado da interferência negativa do homen, todavia, no meio científico, a extinção é reconhecida como um processo natural – mais de 99% de todas as espécies que já existiram estão hoje extintas (LEAKEY & LEWIN, 1996). Apesar de todos os participantes do curso já terem ouvido falar sobre extinção de espécies, 100% (Figura 1) destes não sabiam do caracter natural das extinções e da mesma forma não sabiam que o processo de extinção atual tem ocorrido num passo muito acelerado e que a natureza apresenta deficiência em produzir novas espécies. O grande problema da atual perda de biodiversidade (extinções) é a velocidade acelerada com que as espécies estão desaparecendo.  Hoje em dia, as espécies estão desaparecendo de 100 a 1.000 vezes mais rapidamente do que em épocas anteriores à existência do homem na terra, e a extinção adicional das espécies ameaçadas pode acelerar substancialmente essa perda (CHAPIN ET AL., 1998). Além disso, para cada 10.000 espécies que se extinguem, somente uma nova espécie chega a evoluir (CHAPIN ET AL., 1998).

 

Conservação

Quando se fala sobre perda de biodiversidade ou extinções, rapidamente pensamos em desmatamento e floresta amazônica. Porém o desmatamento é apenas parte de um dos fatores listados dentre as principais causas de perda de biodiversidade (PRIMACK & RODRIGUES, 2001). 45% dos participantes do curso responderam não possuir opinião formada sobre o que é conservar a natureza e o meio ambiente (Figura 1). 55% dos participantes disseram que conservar é: “não desmatar; plantar árvores; não poluir o meio ambiente; conservar a floresta” e outros. O desmatamento representa uma importante fatia da destruição e redução de habitats, e por sua vez, a redução e destruição de habitats representa a maior causa de perda de biodiversidade no planeta. Inclusive, o desmatamento é o fator impactante da biodiversidade mais explorado pelos meios de comunicação para massa.

 

Espécies invasoras

Cerca de 3% dos estudantes conheciam alguma espécie exótica ou invasora (Figura 1). A espécie citada como exemplo pelos participantes foi o Pardal (Passer domesticus).  Nenhum dos estudantes conhecia o potencial negativo que estas espécies exóticas e/ou invasoras podem exercer sobre as espécies nativas do local. Nenhum dos estudantes sabia que espécies exóticas e/ou invasoras podem causar a extinção de espécies.

 

As espécies invasoras se caracterizam não apenas por sobreviverem e se adaptarem a um novo meio, mas porque passam a dominá-lo. Com isso, alteram características naturais, bem como o funcionamento de processos ecológicos, afetando diretamente aspectos como a capacidade de recuperação após distúrbios de um ecossistema, a redução de populações de espécies nativas chegando a extinção das espécies nativas do local (ZILLER 2001).

 

Manejo de fauna

Normalmente se ouve sobre impedir que espécies sejam extintas, ou fazer a reprodução de espécies raras ou em vias de extinção em cativeiro, mas o que nunca ouvimos falar é o termo: manejo de fauna. Os benefícios do manejo da fauna selvagem fazem parte um tema pouco conhecido no Brasil (MOREIRA, 2005). Por exemplo, nenhum dos estudantes presentes no curso afirmou ter ouvido ou lido sobre o assunto, nem mesmo na sala de aula (Figura1).

 

 

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Figura 1. Avaliação do conhecimento e curiosidade dos estudantes participantes do curso “Manejo e Conservação de Vida Silvestre”

 

 

Apesar dos participantes terem afirmado não conhecer áreas de proteção ambiental e nunca terem ouvido sobre manejo de fauna, cerca de 30% (Figura 1) deles se lembraram durante a aula de projetos de conservação que lançam mão do manejo de fauna, como a conservação do peixe boi, tartaruga marinha (Projeto TAMAR), ararinha azul, lobo guará e outros. Dentre os exemplos citado para conservação de biodiversidade o mais conhecido pelos estudantes foi a onça pintada, seguido pelo lobo guará. Animais de grande importância ecológica como o mono carvoeiro, guariba e onça parda foram pouco conhecidos pelos estudantes (Figura 2).

 

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Figura 2. Exemplos de conservação de espécies mais conhecidos pelos estudantes participantes do curso “Manejo e Conservação de Vida Silvestre”

 

 

Aproveitamento do curso

Os participantes do curso “Manejo e Conservação de Vida Silvestre” responderam que aprenderam sobre: “os habitats de cada animal; a grande importância da fauna e curiosidades sobre a fauna; várias coisas sobre a natureza; biodiversidade; informações sobre vários animais como o lobo, peixe boi e outros; que a extinção é um processo natural; sobre animais em extinção e o que acontece quando são levadas para outros lugares; destruição e diminuição de habitats; espécies bandeira” e outros.

 

            Todos os estudantes (100%) responderam que desejam receber mais informações sobre meio ambiente, ecologia, preservação e outros assuntos afins (Figura 1). Todos desejam também, receber qualquer tipo de informações vindas de universidades e centros de pesquisas. Os estudantes afirmaram que estas informações “os ajudariam a ter mais conhecimento e mais consciência; ampliar os conhecimentos; são informações importantes não só para formação científica, mas cotidiana; todos devem ter direito ao conhecimento; pode até mesmo motivar na escolha de uma profissão; para colocar os estudantes em contato com a vida acadêmica”.

 

O conhecimento está acessível e disponível para a população como jamais esteve antes, todavia é necessária uma boa orientação para que este conhecimento seja devidamente repassado para a população e ajude na formação de uma sociedade consciente e participativa na causa ecológica/ambiental. Todavia não se pode esquecer que o saber ambiental não se limita ao conhecimento da biologia e da ecologia; não trata apenas do saber a respeito do ambiente, sobre as externalidades das formações teóricas centradas em seus objetos de conhecimento, mas da construção de sentidos coletivos e identidades compartilhadas (LEFT, 2009).

 

Agradecimentos

Os autores agradecem a dois revisores anônimos que colaboraram em versões iniciais deste manuscrito. Agradecem a toda equipe organizadora do Fórum de Biotemas (Unimontes). Agradecem também aos patrocinadores que possibilitaram os meios para a realização do evento, deste curso até as conseqüentes publicações

 

Referências

BRASIL. Lei nº 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Brasília, DF: Senado Federal, 1999

 

CHAPIN III F.S., SALA O.E., BURKE I.C., GRIME J.P., HOOPER D.U., LAUENROTH W.K., LOMBARD A., MOONEY H.A., MOSIER A.R., NAEEM S., PACALA S.W., ROY J., STEFFEN W.L., TILMAN D. “Ecosystem consequences of changing biodiversity: experimental evidence and a research agenda for the future”. Bioscience 48: 45-52. 1998.

 

LEFF E. “Complexidade, Racionalidade Ambiental e Diálogo de Saberes”. Educação e Realidade 34: 17-24. 2009

 

LEAKEY R., LEWIN R. The Sixth Extinction: Biodiversity and Its Survival. London. Weidenfeld and Nicolson, 1996.

 

MEDINA N.M. “Os desafios da formação de formadores para a educação ambiental”. In: PHILIPPI JR. A., PELICIONI M.C.F. (Org.) Educação Ambiental: desenvolvimento de cursos e projetos. São Paulo. Signus. 2002.

 

MOREIRA J.R. Conceitos de manejo de fauna, manejo de população problema e o exemplo da capivara.Brasília. Embrapa recursos genéticos e biotecnologia. 2005.

 

PRIMACK R.B.,RODRIGUES E. Biologia da Conservação. Londrina. Editora Vida. 2001.

 

SATO M. Educação ambiental. São Carlos. Rima. 2002.

 

TREVISOL J.V.E. “Educação Ambiental numa sociedade de risco global”. In: TAGLIEBER J.E. SILVEIRA. A F (Org.) Pesquisa em Educação Ambiental: pensamentos e reflexões de pesquisadores em Educação Ambiental. Pelotas. UFPel. 2004.

 

UNESCO. Primary and Secondary Education: age-specific enrolment ratios by gender 1960/61-1995/96. Division of Statistics 2000.

 

ZANCAN G.T. “Educação científica: uma prioridade nacional”. São Paulo Perspec. 14: 03-07. 2000.

 

ZILLER S.R. “Plantas exóticas invasoras: a ameaça da contaminação biológica”. Ciência Hoje: 30: 77-79. 2001.

Ilustrações: Silvana Santos