Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2011 (Nº 35) CEMITÉRIOS: POTENCIAIS FONTES GERADORAS DE IMPACTOS AMBIENTAIS
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Revista Educação Ambiental em Ação 35

CEMITÉRIOS: POTENCIAIS FONTES GERADORAS DE IMPACTOS AMBIENTAIS

 

FOFONKA, Luciana¹

KUNT, Patrícia da Costa²

 

 

RESUMO

Os cemitérios são depósitos de corpos humanos que necessitam de uma destinação correta, pois a degradação dos mesmos pode se constituir em focos de contaminação. A decomposição dos corpos depende das características físicas do solo onde o cemitério está implantado ou será implantado. Portanto, é preciso que se façam estudos de impacto ambiental e se criem sistemas de gestão ambiental para os cemitérios, para que possamos evitar os riscos de saúde e degradação do meio ambiente.

 

Palavras-chave: necrochorume. Cemitérios. Lençol freático. Gestão ambiental.

 

 

1 INTRODUÇÃO

Desde os tempos imemoriais, o solo tem sido utilizado pelo homem para disposição de seus resíduos, incluindo o seu próprio corpo após a morte. Em geral, em função de sua constituição mineralógica, condições intempéricas e conteúdo microbiológico, a camada de solo reúne condições de degradar a matéria orgânica enterrada, de maneira discreta e fora da visão humana. Portanto, o solo tem uma capacidade de depuração natural incontestável, em condições normais de aeração, na porção acima do nível das águas subterrâneas.

Porém, o crescimento populacional tem gerado a necessidade de construção de mais cemitérios, sendo que existem locais totalmente inadequados utilizados com tal finalidade. Devido à falta de planejamento e metodologia adequada, cemitérios que se situavam em locais distantes das cidades, hoje fazem parte dela, propiciando o aparecimento de áreas de risco potencial ao meio ambiente.

Sabe-se que os cemitérios são fontes potenciais de contaminação das águas subterrâneas, pelo simples fato de serem laboratórios de decomposição de matéria orgânica, durante a qual

está presente uma infinidade de microorganismos. Denota-se desta forma a importância da preocupação com os mananciais subterrâneos, pois durante os últimos anos, este recurso

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1.       Professora Orientadora, mestre em Análise Ambiental – Geografia UFRGS/ 2011

2.       Aluna da especialização em MBA Gestão Ambiental – IERGS

 

começou a ser utilizado como forma complementar no sistema de abastecimento de água na maioria das grandes cidades (ROMANÓ, 2010).

A cidade de Porto Alegre, situada no Estado do Rio Grande do Sul, possui cerca de treze cemitérios e alguns deles encontram-se nas partes altas da cidade, onde moram famílias carentes e muitas destas, não recebem água tratada em suas casas.

Portanto, este artigo de revisão teve por objetivo fazer uma pesquisa bibliográfica acerca da atual situação da gestão ambiental nos cemitérios. Para isso, foi feita uma revisão da literatura disponível na internet.

 

 

2 REVISÃO DE LITERATURA

 

2.1 IMPACTOS AMBIENTAIS E SANITÁRIOS

 

Segundo Anna Pires (2008) os cemitérios são potenciais fontes geradoras de impactos ambientais. Pois, a localização e operações inadequadas de necrópoles em meios urbanos podem provocar a contaminação de mananciais hídricos por microrganismos que proliferam no processo de decomposição dos corpos. Caso o aqüífero freático seja contaminado na área interna do cemitério, esta contaminação poderá fluir para regiões próximas, aumentando o risco de saúde nas pessoas que venham a utilizar desta água captada através de poços rasos.

Desta forma, com a implantação de cemitérios podem ocorrer os seguintes impactos ambientais e sanitários.

 

2.1.1 Contaminação por Necrochorume

 

Cessada a vida, anulam-se as trocas nutritivas das células e o meio acidifica-se, iniciando-se o fenômeno transformativo de autólise. Enterrado o corpo (inumação ou entumulamento), instalam-se os processos putrefativos de ordem físico-química, em que atuam vários microorganismos. A putrefação dos cadáveres é influenciada por fatores que pertencem ao próprio corpo (idade, constituição física, causa-mortis, etc) e por fatores que são pertinentes ao meio onde o corpo foi depositado (temperatura, umidade, aeração, constituição mineralógica do solo, permeabilidade, etc.). Com a decomposição dos corpos há a geração dos chamados efluentes cadavéricos, cujos primeiros a surgirem são os gasosos, seguindo-se os líquidos. Os efluentes líquidos são chamados de necrochorume, eles são mais viscosos que a água, de cor acinzentada a acastanhada, com cheiro acre e fétido, constituído por 60% de água, 30% de sais minerais e 10% de substâncias orgânicas degradáveis, dentre as quais, duas diaminas muito tóxicas que é constituída pela putrescina (1,4 Butanodiamina) e a Cadaverina (1,5 Pentanodiamina), dois venenos potentes para os quais não se dispõem de antídotos eficientes. Ao longo do tempo, o necrochorume no meio natural decompõe-se e é reduzido a substâncias mais simples e inofensivas. Entretanto, em determinadas condições geológicas, o necrochorume atinge o lençol freático desencadeando a sua contaminação e poluição (ROMANÓ, 2010).

 

2.1.2 Poluição pelas Técnicas de Conservação de Cadáveres

 

Existem muitos tipos de substâncias químicas que são utilizadas normalmente e historicamente na embalsamação, tanatopraxia e na construção de caixões funerários, entre elas estão a laca, substâncias de tingimento, colas, ferro e zinco, em alguns destes produtos possuem em sua composição metais pesados. Na embalsamação, o formaldeído e o metanol correspondem à maior porcentagem de substâncias químicas usadas durante os últimos 90 anos e arsênico foi comumente usado no início do século. O perigo conta no fato de que o formol utilizado na embalsamação é quase sempre superdosado, pois as funerárias têm procedimentos próprios (ainda não normatizados), chegando a usar soluções de formaldeído com concentrações superiores a 30%. Atualmente vem sendo usada a técnica de tanatopraxia, que é a técnica de preparar, maquiar e restaurar partes do falecido, que serve apenas para melhorar o aspecto do cadáver durante o velório. Porém, a composição química dos produtos utilizados ainda é desconhecida, utilizam-se cosméticos, corantes, enrijecedores, dentre outros (ROMANÓ, 2010).

 

2.1.3 Poluição dos Aqüíferos

 

Os cemitérios podem trazer sérias conseqüências ambientais, em particular sobre qualidade das águas subterrâneas adjacentes. A infiltração e percolação das águas pluviais através dos túmulos e solo provocam a migração de uma série de compostos químicos orgânicos e inorgânicos através da zona não saturada, podendo alguns destes compostos atingirem a zona saturada e, portanto poluir o aqüífero. Devido a isto, o monitoramento das águas subterrâneas na vizinhança dos cemitérios é da maior importância nos estudos ambientais. O impacto físico mais importante está no risco de contaminação das águas subterrâneas por microorganismos que proliferam durante o processo de decomposição dos cadáveres e posteriormente o uso destas águas pelas populações. Se considerar que, de maneira geral, na localização de Cemitérios não se levam em conta os aspectos geológicos e hidrogeológicos, estes, por efeito da inadequação do tipo de construção, poderão se constituir em unidades de alto potencial de risco para as águas. O maior impacto causado ao meio físico é o extravasamento do necrochorume e o seu aporte no nível hidrostático, onde a contaminação até então localizada, poderá disseminar-se (ROMANÓ, 2010).

 

2.2 O ASPECTO LEGAL

 

No Brasil não há controle na construção de cemitérios, o problema tem sido empurrado pelos governantes, o Estado não cuida do problema que repassa as responsabilidades aos municípios e estes por sua vez, não tem tecnologia e muito menos interesse político de acompanhar o problema (ALMEIDA, 2005, p. 5).

 

 

No dia 3 de abril de 2003, o Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) promulgou a Resolução nº 335, que dispõem sobre o licenciamento ambiental de cemitérios. Esta lei foi reformulada em 28 de março de 2006, com a Resolução do CONAMA nº 368. Porém, pode-se perceber que existem falhas nestas leis.

Uma pesquisa realizada por Matos (apud ALMEIDA, 2005) comprova que os vírus podem ser transportados por no mínimo cerca de 3 metros na zona não saturada até alcançar o aqüífero. Portanto, a distância mínima de 1,5 m da área de fundo das sepulturas do nível máximo do aqüífero, descrita no Art. 5º da Resolução CONAMA 335/2003, não é suficiente para evitar a contaminação do lençol freático pelos vírus.

Para o município de Porto Alegre, a escolha da localização e as condições técnicas para a implementação de cemitérios deverão seguir as seguintes legislações: Lei 3.433 de 6 de novembro de 1970, dispõem sobre as condições técnicas para a implementação de cemitérios no município e a norma ABNT NBR nº 10157/1987, que prevê a escolha da localização para a implementação de cemitérios. Esta norma proíbe a construção de cemitérios nas seguintes condições: em terrenos sujeitos à inundação permanente ou sazonal; onde a permeabilidade dos solos possa estar modificada por controles lito-estruturais, como falhamentos; em áreas de influência direta dos reservatórios destinados ao abastecimento público, bem como nas Áreas de Preservação Permanente (ROMANÓ, 2010).

 

2.3 Monitoramento e Medidas Mitigadoras

Segundo Pires e Garcia (2008) após a concessão do licenciamento, deve-se fazer a implantação dos sistemas ou equipamentos de amenização de impactos mais apropriados para cada situação, como: filtros biológicos, poços de monitoramento das águas, malhas de drenagem superficial, dentre outros.

O monitoramento contínuo dos solos, das águas superficiais e da subsuperfície dos cemitérios são essenciais para evitar a contaminação do meio. Os sistemas de poços de monitoramento deverão ser implantados conforme a norma ABNT NBR 13.895, que prevê o monitoramento e amostragem estrategicamente localizados a montante e a jusante da área do cemitério, com relação ao sentido de escoamento freático. Em casos de indícios de contaminação, deverão ser analisados novamente os parâmetros de qualidade da água estabelecidos pela Portaria nº 1469/2000 do Ministério da Saúde, efetuando a descontaminação do mesmo (ROMANÓ, 2010).

 

 

3 CONCLUSÃO

 

Através desta revisão bibliográfica pode-se perceber que há uma grande deficiência na publicação de dados a respeito da gestão ambiental nos cemitérios. Acreditamos que este fato se deva pela não disponibilização destes dados ou pela ausência de trabalhos científicos a este respeito, uma vez que os cemitérios não são incluídos nas listas mais comuns de empreendimentos de potencial risco de impacto ambiental. Uma prova disto foi a indisponibilidade de acesso a Lei 3.433 de 6 de novembro de 1970, que dispõem sobre as condições técnicas para a implementação de cemitérios no município de Porto Alegre. Esta lei não consta no site da Prefeitura de Porto Alegre, nem no site da Secretaria de Meio Ambiente do Rio Grande do Sul e tampouco no site JusBrasil, que a princípio deveria ter todas as legislações brasileiras. Talvez tenha no site da FEPAM, mas no momento da pesquisa este site estava em manutenção.

Contudo, percebe-se a gestão ambiental dos cemitérios como um grande problema nos centros urbanos, pois pesquisadores já provaram que as bactérias patogênicas e os vírus presentes nos corpos em decomposição, podem provocar a contaminação de mananciais hídricos em cemitérios cuja localização e operação são inadequadas. Além das doenças transmitidas pela água, os cemitérios são um grande potencial na proliferação do mosquito Aedes aegypti, que é o vetor da dengue e da febre amarela. Outro aspecto possível, que deveria fazer parte da gestão ambiental dos cemitérios, é o cuidado com os resíduos sólidos, como os restos de roupas dos cadáveres, as próteses e os marca-passos, que deveriam ser separados do lixo comum e serem destinados para a coleta seletiva como resíduos perigosos.

Acreditamos que para evitar os impactos causados pelos cemitérios as legislações deveriam ser mais rígidas e os governos deveriam investir mais em fiscalização. Algumas pessoas defendem os crematórios como uma possível solução, porém entraremos num outro embate: As emissões provenientes dos crematórios serão adequadamente controladas? As religiões e seus adeptos apoiarão a cremação?

Muitos são os impasses que permeiam esta discussão, no momento, sendo que o mais urgente seria aumentar a divulgação e o acesso às informações referentes aos impactos ambientais e sanitários decorrentes dos cemitérios, para que desta forma possam surgir mais pesquisas e a população possa pressionar os governos a proporem alternativas para mitigar esses impactos.

 

 

4  REFERÊNCIAS

 

ALMEIDA, A.M.; MACÊDO, J.A.B. Parâmetros físico-químicos de caracterização da contaminação do lençol freático por necrochorume. In: SEMINÁRIO DE GESTÃO AMBIENTAL - Um convite a Interdisciplinariedade; Juiz de Fora: Instituto Viana Junior, 2005. Disponível em:

http://www.tratamentodeagua.com.br/r10/Lib/Image/art_125263061_contaminacao_por_necrochorume.pdf.  Acessado em: 07 dez 2010

 

 

BRASIL. Conselho Nacional do Meio Ambiente. Resolução nº 335, de 3 de abril de 2003. Dispõe sobre o licenciamento ambiental de cemitérios. 2003. Disponível em:

http://www.aguaseaguas.ufjf.br/RESOLUCAO%20conama335%CEMITERIOS.pdf

Acessado em: 11 dez. 2010

 

 

BRASIL. Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luiz Roessler – RS. Disponível em:

http://www.fepam.rs.gov.br  Acessado em: 11 dez. 2010 (site em manutenção)

 

 

BRASIL. JusBrasil Legislação. Disponível em:

http://www.jusbrasil.com.br  Acessado em: 11 dez. 2010

 

 

BRASIL. Prefeitura de Porto Alegre. Disponível em:

http://www2.portoalegre.rs.gov.br  Acessado em: 11 dez.2010

 

 

BRASIL. Secretaria do Meio Ambiente – RS. Disponível em:

http://www.sema.rs.gov.br  Acessado em: 11 dez. 2010

 

 

PIRES, A.S.; GARCIAS, C.M. São os cemitérios a melhor solução para a Destinação dos Mortos? In: IV ENCONTRO NACIONAL DA ANPPAS; Brasília, 2008. Disponível em:

http://www.anppas.org.br/encontro4/cd/ARQUIVOS/GT14-442-156-20080509225125

Acessado em: 07 dez. 2010

 

 

ROMANÓ, E.N.L. Cemitérios: Passivo Ambiental Medidas Preventivas e Mitigadoras. Ponta Grossa: Instituto Ambiental do Paraná. Disponível em:

http://api.ning.com/files/Ds0-BBMTG-9JUK4h7ydpF5UQ4xKinOr2BkDgK7l54Dqqe2KaLPSO

YeDAM81HLV-2qFmMIGnpPu9sdOuV*rqYFEJwCH6Cwq-1/imactosambientaisesperadoscemiterio.pdf  Acessado em: 07 dez.2010

Ilustrações: Silvana Santos