Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2011 (Nº 35) NOÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS ASSENTAMENTOS DO MST
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Revista Educação Ambiental em Ação 35

NOÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS ASSENTAMENTOS DO MST

 

Mariana Fernandes Mendes

Mestre em Geografia pela Universidade Federal do Ceará - UFC.

Professora do Curso de Geografia da Universidade Estadual do Ceará - UECE.

mariana.mendes@ig.com.br

 

Leandro Vieira Cavalcante

Graduando em Geografia pela Universidade Estadual do Ceará - UECE.

Monitor da disciplina de Geografia Agrária do Curso de Geografia.

leandro.cavalcante@hotmail.com

 

RESUMO

 

O presente artigo apresenta a Educação Ambiental (EA) nos Assentamentos de Reforma Agrária, tendo como objetivo geral analisar os princípios e a conscientização ambiental nos assentamentos mantidos pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Através de uma densa pesquisa bibliográfica, baseada na análise de livros, artigos e publicações do MST, procurou-se observar o que vem sendo feito em termos de Educação Ambiental nos assentamentos; analisamos vários fatores, como preservação da natureza, manutenção da biodiversidade local, conscientização ecológica dos assentados, noções de sustentabilidade… A priori podemos revelar que a questão ambiental não é um item prioritário para o MST, porém, felizmente, essa situação vem sendo modificada; nos últimos anos são mais frequentes os discursos sobre a necessidade da educação ambiental. Nos seus princípios o MST deixa claro o cuidado com a terra e com a natureza, evitando práticas que agridam de alguma forma o meio ambiente. O Movimento, em um processo educacional, tem despertado para as preocupações ambientais, promovendo uma modificação nos valores e atitudes, propiciando a construção de habilidades e mecanismos necessários à sustentabilidade ambiental.

 

Palavras-chave: Educação Ambiental, Assentamentos do MST, Conscientização Ecológica.

 

 

1.  INTRODUÇÃO

 

Vivemos em uma sociedade movida pelo consumo, onde a preocupação com a natureza há tempos deixou de ser prioridade; o que importa é a acumulação de capital e o lucro a qualquer custo. Motivados a se alcançar esse lucro a qualquer custo passamos por cima de valores anteriormente inabaláveis; e a natureza não está fora desse processo. Degradamos, desmatamos, poluímos, matamos, produzimos lixo, etc., tudo isso em nome do capital/lucro.

Em meio a isso eis que surge a Educação Ambiental (EA), não como um estandarte, mas como algo que pode modificar esse pensamento capitalizado, pelo menos no que tange à preservação e conservação da natureza. Por todos os lugares do mundo vemos educadores ambientais transformando suas realidades locais através dos princípios que sinalizam as práticas da EA, todos voltados à sustentabilidade do planeta, à conscientização ecológica, à manutenção da vida, à práticas ecologicamente corretas de se lidar com o meio a sua volta…

Essas práticas e princípios são aplicados em todos os lugares, um deles são os assentamentos do MST. São ações ainda tímidas, mas que com o tempo através de um grande processo de conscientização poderão mudar a realidade de todos aqueles que vivem nos assentamentos e que tem uma relação direta com a terra, e de certo com a natureza.

 

2.  A LUTA E A ATUAÇÃO DO MST

 

A reforma agrária vem sendo discutida há muito tempo no Brasil; há anos procura-se acabar com esse processo extremante excludente que é a concentração de terras, onde cerca de 3% da população detém a posse de 2/3 das terras agricultáveis do país. Para lutar por melhores condições de vida no campo e para tentar acabar com a concentração de terras surge em 1984, no Paraná, o mais expressivo e mais atuante movimento social do Brasil, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST.

A propriedade de terra no Brasil sempre se constitui em um importante fator econômico de produção; muito antes da nossa moderna concentração de capital, a terra já era mantida sob o controle de poucos, gerando desde já uma intensa concentração de terras. Essa concentração fundiária gerou um violento processo de expropriação, onde se procurava garantir a propriedade da terra a qualquer custo, onde nem as terras improdutivas escapavam (KULESKA, 2008).

Com o aumento gradual da produtividade no setor de exportação propiciado pela modernização agrícola, ampliava-se o excedente de trabalhadores ociosos no campo. Sem terra para produzir, os camponeses viam-se obrigados a migrar em busca de melhores oportunidades. A imensa massa de camponeses sem terra, sem moradia, sem alimento, e por que não também, sem dignidade, começou a mobilizar-se e lutar por aquilo que lhes era de direito. No final da década de 70, a intensificação da produção do setor de exportação aliada à estagnação da economia urbana e ao esgotamento da ditadura militar criaram a base social sobre a qual se ergueria o MST.

Assumindo sua condição camponesa, os sem-terra retomam, com o MST, a bandeira da luta pela reforma agrária no Brasil. O MST nascia com uma vocação: de ser um movimento de massa, que realizava lutas de massa, através de diversas formas como: ocupações de terra, assembléias massivas, caminhadas, marchas, audiências, ocupações de prédios públicos, etc. (STÉDILE, 1997). A força e sucesso dessas ações, guiadas pela palavra de ordem “terra para quem nela trabalha”, levaram à fundação dos alicerces do Movimento em 1984.

O reconhecimento legal do direito a terra, obtido após uma longa luta de resistência transforma os acampamentos em assentamentos do MST. O desafio de firmar agora uma rentabilidade econômica e de se tirar sustento da terra devido à carência das condições de produção no campo obriga o movimento a ampliar seus objetivos. No Encontro Nacional de 1989, isso seria expresso pela inclusão de uma nova bandeira de luta: “ocupar, resistir e produzir”; o MST precisaria agora lidar não só com a luta pela reforma agrária, mas também com a sustentabilidade dos assentamentos.

Explicando-se melhor o referido lema da época, “ocupar” as terras improdutivas para distribuí-las para os que nela querem trabalhar; “resistir” caracteriza-se pela persistência dos acampados que permanecem vários anos, sob lonas, à beira de estradas ou dentro das fazendas, à espera da divisão da terra; “produzir” passa geralmente por duas fases: uma inicial, durante o período de acampamento, quase sempre organizada de forma coletiva e voltada para a subsistência, e outra fase, mais definitiva, que acontece após o reconhecimento do assentamento pelo Estado (MACHADO, 1998).

À medida que os assentamentos vão experimentando todos os percalços do processo produtivo, da lavoura ao mercado, fica evidente para os trabalhadores que outras transformações são necessárias. O MST começa então a se engajar diretamente nas questões sociais mais gritantes da sociedade brasileira. Como movimento de massas, torna-se um importante protagonista do cenário político nacional.

Durante seu III Congresso em 1995, o MST adotou o lema “Reforma Agrária: uma Luta de Todos”; ao adquirir essa dimensão nacional, o movimento é desafiado a dar respostas a outras questões correspondentes, anteriormente renegadas há segundo plano, como a questão da água, das queimadas, das reservas indígenas, da poluição, do desmatamento, do uso de agrotóxicos, etc. Desta forma, a questão ambiental, que já havia eclodido no cotidiano dos assentamentos, assume para o MST uma magnitude cada vez maior (KULESKA, 2008).

 

3.  A PEDAGOGIA DO MOVIMENTO

 

O MST entrou em seu 26° ano de existência refletindo mais profundamente sobre duas de suas grandes tarefas definidas ao longo de sua história: ajudar a acabar com o “pecado mortal” do latifúndio, desconcentrando e tornando socialmente produtivas as terras deste país imenso; ajudar a humanizar as pessoas, formando seres humanos com dignidade, identidade e projeto de futuro. Esta segunda tarefa, talvez a que melhor o MST vem cumprindo desde que começou a ser gestado, é a que nos remete a pensar mais diretamente na dimensão educativa do Movimento (CALDART, 2003).

Buscando uma produção sustentável através de uma agricultura de base familiar, o MST procura desenvolver nos assentamentos da reforma agrária um modelo de produção de caráter cooperativo, sustentável e agroecológico, garantindo a subsistência dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, construindo um modelo alternativo de lidar com a terra.

No estabelecimento dessa nova relação entre homem e natureza, a ação educacional tem sido fundamental, articulando o trabalho produtivo com as tarefas do Movimento. Ao lado de um esforço constante de formação política sob a responsabilidade da organização, o MST vem organizando um movimento pedagógico visando amparar a todos os assentados, lhes dando o mínimo de acesso à educação possível.

A atuação educacional do MST está fortemente ancorada na realidade dos trabalhadores do campo. Uma vez que à educação rural os movimentos sociais no campo têm se contrapondo, desde a década de 80 do século passado, se mostrando favoráveis a uma educação do campo, pensada pelos e para os camponeses. Neste processo, coloca-se em questionamento toda a estrutura e funcionamento da escola regular da cidade. Num contexto de valorização da cultura camponesa e de sua agricultura de base familiar, emerge desse processo uma educação estreitamente ligada a um modo de produção agropecuário, coletivo e sustentável, em franca oposição à monocultura típica do latifúndio capitalista, exploradora do trabalho e devastadora do meio ambiente (KULESKA, 2008).

Organizados por grupos de famílias, os trabalhadores enfrentaram de imediato a questão da escolarização de suas crianças nos acampamentos e assentamentos. Uma vez assentados, os trabalhadores, amparados pela legislação, começam a lutar pelo funcionamento de escolas, a cargo do governo, para seus filhos. Rapidamente constatou-se uma profunda divergência entre a proposta educacional trazida pelas autoridades educacionais e as necessidades das crianças do assentamento, isso se deve ao fato de que seus anseios não são os mesmos. Tornava-se assim cada vez mais clara a necessidade de o próprio MST preparar os seus professores.

A aproximação entre as demandas educacionais do Movimento e as políticas públicas governamentais se estreitou em função do número de analfabetos. Como o analfabetismo é ainda maior na área rural, o MST vinha se defrontando com a questão desde o início dos seus esforços para a formação de militantes. Isso resultou na organização de atividades de educação não-formal de jovens e adultos no campo. Essa mobilização, somada à produção de materiais próprios confeccionados pelo movimento, reavivou a questão da alfabetização no campo.

Como resultado, em 1998, o Governo Federal criou o Programa Nacional de Educação da Reforma Agrária (Pronera), vinculado ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), com a missão de ampliar os níveis de escolarização formal dos trabalhadores rurais assentados, visando propor e apoiar projetos de educação que utilizam metodologias voltadas para o desenvolvimento das áreas de reforma agrária. O Pronera capacita educadores, para atuar nas escolas dos assentamentos, e coordenadores locais, que agem como multiplicadores e organizadores de atividades educativas comunitárias. 

O Pronera estimulou o estabelecimento de inúmeras parcerias do MST com órgãos do governo visando o desenvolvimento de projetos de educação. Desta forma, foram firmados diversos convênios com universidades públicas para a preparação de professores para toda a educação básica (GALVÃO, 2006). Todo esse processo acabou por contrapor à tradicional educação rural, uma “Educação do Campo” verdadeiramente preocupada com as necessidades dos assentados, uma educação disposta a lutar lado a lado com o Movimento. A Pedagogia do Movimento Sem Terra é o jeito através do qual o Movimento vem, historicamente, formando o sujeito social de nome Sem Terra, e educando no dia a dia as pessoas que dele fazem parte (CALDART, 2004).

 

4.  NOÇÕES DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL NOS ASSENTAMENTOS

 

A preocupação com o meio ambiente não poderia deixar de ser uma das questões fundamentais do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra. Considerando a relação entre latifúndio e a agricultura moderna, altamente intensiva em implementos agrícolas, fertilizantes, transgênicos, agrotóxicos e herbicidas, o MST logo percebeu a necessidade de um outro tipo de agricultura mais adequado às condições dos assentamentos, uma agricultura menos agressiva ao meio-ambiente. Deste modo, a implementação de uma produção no campo ecologicamente responsável, economicamente viável e socialmente justa tornou-se um objetivo firmemente perseguido pelo movimento.

Partindo de uma retrospectiva da inserção do MST em questões relacionadas à sustentabilidade, pode-se verificar que desde o seu Primeiro Congresso Nacional, realizado em 1985, ele tem esboçado, ainda que, inicialmente, de forma um tanto tímida, uma inclinação favorável aos temas de educação e preservação ambiental. No Primeiro Congresso do MST foi deliberado, dentre diversas outras resoluções, que o Governo Federal deveria garantir que a produção, a ser realizada nos assentamentos, respeitasse a preservação do meio ambiente e que o MST acataria a indicação pelo governo de técnicos agrícolas para atuar nas áreas de assentamento, desde que eles se comprometessem com uma agricultura de pequena propriedade e não com a do modelo capitalista (COSTA NETO; CANAVESI, 2003).

A resistência a uma agricultura ancorada na monocultura, com todos os seus impactos na degradação do solo, na biodiversidade, na segurança alimentar e até no clima do planeta, passou a ser parte integrante da luta pela reforma agrária levada adiante pelo MST. Desta forma, a educação ambiental passou a fazer parte do currículo de suas escolas e de suas ações educativas. Só para ressaltar, dentro dos Princípios Filosóficos da Educação no Movimento, encontra-se o seguinte valor: "a sensibilidade ecológica e o respeito ao meio ambiente" (PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO NO MST, n. 8, 1996), enfatizando sua preocupação ambiental.

Durante o Primeiro Encontro Nacional de Educadores e Educadoras da Reforma Agrária, realizado em 1997, ficou explicitado em sua resolução final a seguinte orientação: “Trabalhamos por uma identidade própria das escolas do meio rural, com um projeto político-pedagógico que fortaleça novas formas de desenvolvimento no campo, baseadas na justiça social, na cooperação agrícola, no respeito ao meio ambiente e na valorização da cultura camponesa” (KULESKA, 2008, p. 9).

Neste processo, o movimento defende as mesmas posições de educadores ambientais que se opõem ao mero conservacionismo. Basta fazermos uma leitura de seus princípios para constatarmos a vertente crítica, transformadora e emancipatória do MST: “(...) busca da realização da autonomia e liberdades humanas em sociedade, redefinindo o modo como nos relacionamos com a nossa espécie, com as demais espécies e com o planeta; politização da problemática ambiental em sua complexidade; convicção de que a participação social e o exercício da cidadania são práticas indissociáveis da educação ambiental.” (KULESKA, 2008, p. 9).

No MST são cada vez mais frequentes discursos sobre a necessidade da educação ambiental em seus assentamentos, principalmente nos últimos anos; essa tendência firmou-se durante seu III Congresso Nacional em 1995, onde foram apresentados vários princípios sobre esta questão, entre elas destacamos:

1) Amar e preservar a terra e os seres da natureza.

2) Aperfeiçoar sempre novos conhecimentos sobre a natureza e a agricultura.

3) Produzir alimentos para eliminar a fome da humanidade. Evitar a monocultura e o uso de agrotóxicos.

4) Preservar a mata existente e reflorestar novas áreas. (CARNEIRO, 2001).

Durante o III Congresso Nacional o MST divulgou a visão de um novo tipo de reforma agrária, na qual se percebe uma forte preocupação com as questões do desenvolvimento, mais notadamente o rural agrícola, a ser implementado de forma auto-sustentável, levando em conta o desenvolvimento de tecnologias adequadas à realidade brasileira, preservando e recuperando os recursos naturais, com base na produção familiar cooperativada (COSTA NETO; CANAVESI, 2003).

De 1995 em diante, o discurso político programático do MST passou a intensificar o conteúdo em favor da sustentabilidade, com a realização de encontros com representantes de organizações não-governamentais (ONGs), ligadas à questão da preservação ambiental e do desenvolvimento sustentável. (COSTA NETO; CANAVESI, 2003).

Entre os dez “mandamentos éticos” a serem observados nos assentamentos, aprovados pelo MST em 2000, no seu IV Congresso, misturam-se prescrições referentes diretamente ao meio ambiente, como “evitar a monocultura e o uso de agrotóxicos”, “preservar a mata existente e reflorestar novas áreas”, “cuidar das nascentes dos rios, açudes e lagos”, “embelezar os assentamentos e comunidades, plantando flores, ervas medicinais, hortaliças e árvores”, “tratar adequadamente o lixo e combater qualquer prática de contaminação e agressão ao meio ambiente”, com preocupações tipicamente sociais: “amar e preservar a terra e os seres da natureza”, “aperfeiçoar sempre nossos conhecimentos sobre a natureza e a agricultura”, “produzir alimentos para eliminar a fome da humanidade”, “lutar contra a privatização da água”, “praticar a solidariedade e rebelar-se contra qualquer injustiça, agressão e exploração, praticada contra a pessoa, a comunidade ou a natureza”. Essas prescrições ilustram bem como as questões ambientais fazem parte da luta e do cotidiano dos assentados. (KULESKA, 2008).

A preocupação ambiental expressa-se na questão dos “valores” durante o IV Congresso Nacional. “Precisamos buscar na própria realidade em que vivemos quais os valores mais urgentes a serem desenvolvidos e iniciar as mudanças a partir do meio onde vivemos. Se há muita devastação, devemos plantar árvores e preservar os rios. Se há muito lixo jogado, devemos iniciar por recolher o lixo. Se há falta de beleza, devemos iniciar pelo embelezamento, plantando flores e árvores frutíferas” (COSTA NETO E CANAVESI, 2003 apud BOGO, 2000).

 

5.    O PROCESSO DE CONSCIENTIZAÇÃO ECOLÓGICA

 

Nesse processo de conscientização ecológica e de educação ambiental um fato deve ser observado, durante o momento de ocupação, as questões mais emergentes ou prioritárias dizem respeito à manutenção do grupo no acampamento. Os trabalhos em equipes estão voltados para a construção das barracas de lonas, a procura de água para a alimentação e higiene, a abertura de fossas, a busca de recursos e doações, os plantios iniciais, a segurança, a cozinha e a saúde. A questão ambiental não aparece como prioritária neste momento da ocupação, porque a luta pela sobrevivência não permite, mas é a relação direta com a natureza que os desafia nas tomadas de decisão (MACHADO, 1998).

Diversas questões referentes ao meio ambiente passam a fazer parte do cotidiano de um acampamento, desde a necessidade de derrubada de árvores para a construção dos barracos e os desmatamentos para os plantios; a utilização de maquinaria (tratores e implementos) ou simplesmente o uso do fogo para o preparo das áreas iniciais de produção; a utilização da água de córregos, lagoas ou poços (muitas vezes há contaminação dessas águas com coliformes fecais devido às condições precárias dos acampamentos); a presença do lixo espalhado a céu aberto que passa a ser fonte de diversas doenças; a caça de animais silvestres; etc.

O processo de educação ambiental (EA) pressupõe um processo de conscientização articulado com as condições de sobrevivência. A educação ambiental (EA) é um processo de longo e médio prazo, como em todo trabalho de conscientização; talvez seja por isso que seus ideais ainda não são bem difundidos entre os assentados. A educação ambiental (EA) nos assentamentos enfrenta diversos percalços, além da falta de conscientização, outro problema recorrente é o uso de agrotóxicos nas plantações, um fato extremante repudiado por ambientalistas.

A importante questão dos agrotóxicos, porém, não é usualmente trabalhada nas aulas de educação ambiental dos assentamentos. Na verdade, os temas tratados normalmente – lixo, queimadas, desmatamento e poluição das águas – refletem diretamente as precárias condições de vida e de trabalho existentes nos assentamentos. Com uma proposta pedagógica na qual os temas geradores são retirados da realidade dos assentados, esses tópicos não poderiam faltar entre as matérias de estudo. Como dizem alguns educadores ambientais, a resolução dos problemas ambientais locais carrega um valor altamente positivo, pois foge da tendência desmobilizadora da percepção dos problemas globais, distantes da realidade local, e parte do princípio de que é indispensável que o cidadão participe da organização e gestão do seu ambiente de vida cotidiano. A inexpressiva educação científica dos trabalhadores rurais contribui decisivamente para o tratamento superficial da questão ambiental (KULESKA, 2008).

Geralmente o que se percebe é que a ênfase empregada pelo MST nos aspectos sociais da luta pela terra tem renegado o papel das ciências naturais no modo de produção, dificultando o desenvolvimento de uma ecologia consistente que supere a dicotomia entre a ciência natural e a social, apesar de inúmeros esforços para se tentar inverter esse quadro. Loureiro (2004) nos diz que “A falta de percepção da Educação Ambiental como processo educativo, reflexo de um movimento histórico, produziu uma prática descontextualizada, voltada para a solução de problemas de ordem física do ambiente, incapaz de discutir questões sociais (...)”.

 

6.  CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A Educação Ambiental tem uma importante função a desempenhar no sentido de colaborar para uma maior integração dos assentados com o meio ambiente, contribuindo para a melhoria das condições de vida e para a construção de uma sociedade mais justa. Devemos lembrar, que esse caminho para a educação ambiental nos assentamentos é o princípio básico, com a reconstrução histórica da comunidade constituída, abordando as relações interpessoais, intergrupais e com a natureza.

O MST entende que suas ações não podem ser isoladas e voltadas somente para a educação política, diversas esferas precisam ser levadas em conta, entre elas a ambiental. O Movimento compreende a necessidade da implantação de práticas que não agridam o meio-ambiente, de ações que levem à sustentabilidade, de ações preventivas de preservação à natureza, de um processo de conscientização ecológica dos assentados, etc.; é claro que realizar tais fatos só será possível graças a ações de implementação da educação ambiental nos assentamentos.

Somente em uma sociedade que repense suas atitudes, que modifique seus modos de ver a vida e a todos àqueles que estão a sua volta que conseguiremos, enfim, viver em harmonia com a natureza e com todos seus elementos; necessitamos de uma prática contextualizada de EA, de projetos que realmente dêem certo, de ações que não visem somente o lucro, de pessoas engajadas em movimentos sociais, de políticas públicas que levem a natureza a sério, de mecanismos de valorização das práticas ecológicas e, finalmente de uma Educação Ambiental ativa e que atue em todos os lugares do mundo, modificando pensamentos e formado a sociedade que queremos.

 

7.  REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

CALDART, R. S. Movimento Sem Terra: lições de pedagogia. Currículo Sem Fronteiras, v. 3, 2003.

 

_________. Pedagogia do Movimento Sem Terra. São Paulo: Expressão Popular, 2004.

 

CARNEIRO, R. Educação Ambiental educação para a terra. Revista SENAC e Educação Ambiental, v. 3, 2001. 

 

CARVALHO, I. C. Educação ambiental: a formação do sujeito ecológico. São Paulo: Cortez, 2004.

 

CAVALVANTI, C. Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez; Recife: Fundação Joaquim Nabuco, 1997.

 

COSTA NETO, C. ; CANAVESI, F. C. . Sustentabilidade em assentamentos rurais: o MST rumo à “reforma agrária agroecológica” no Brasil? In: Alimonda, H.. (Org.). Ecología Política Naturaleza, sociedad y utopía. Buenos Aires: Clacso, 2003.

 

DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. São Paulo: Global, 1998.

 

GALVÃO, M. N. C. Educação ambiental nos assentamentos rurais do MST. Tese – UFPB, João Pessoa, 2006.

 

KULESKA, W. A. Reforma Agrária e Educação Ambiental. Brasília: Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v.89. 2008.

 

LOUREIRO, C. F. B. Trajetória e fundamentos da educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2004.

 

MACHADO, A. M. B. Educação Ambiental para o desenvolvimento sustentável em assentamentos rurais. Brasília: Cadernos de Ciência & Tecnologia, v.15. 1998.

 

STÉDELI, J. P. (org.) A reforma agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997.

 

Princípios da Educação no MST, número 8 (produção do MST). Texto final: Roseli Caldart. 1996.

 

 

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos