Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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12/03/2011 (Nº 35) Contribuição da Agricultura Urbana na Segurança Alimentar de uma comunidade no município de Pelotas-RS: uma proposta de Educação Ambiental para a Cidadania
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Revista Educação Ambiental em Ação 35

Contribuição da Agricultura Urbana na Segurança Alimentar de uma comunidade no município de Pelotas-RS: uma proposta de Educação Ambiental para a Cidadania

 

Roberta do Espírito Santo Luzzardi

Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Sistemas de Produção Agrícola Familiar - Universidade Federal de Pelotas

Email para contato: rluzzardi@gmail.com

 

 

RESUMO

 

A agricultura urbana de base ecológica gera vários benefícios para a comunidade, como a produção de alimentos de alto valor nutricional e sem resíduos de agrotóxicos, a reciclagem do lixo, a produção de farmácia caseira através do cultivo de plantas medicinais, dentre outros. No município de Pelotas-RS, no bairro Fragata, mais precisamente na localidade de Gotuzo, zona periférica da cidade, a agricultura urbana pode servir como contribuição para a segurança alimentar, já que muitas pessoas da comunidade local são oriundas do rural e geralmente possuem hortas domésticas. Principais resultados observados nessa pesquisa está no processo de capacitação contínuo, rendas mensais, produtos olerícolas para o consumo próprio e de familiares e o aprendizado sobre Educação Ambiental. Os resultados obtidos na implantação de hortas comunitárias mostraram retornos econômicos e de inserção social, importantes na organização social e na conquista da cidadania das pessoas envolvidas. Houve o incentivo e o desenvolvimento de práticas de agricultura urbana em suas casas, nas suas comunidades inserindo-as no seu cotidiano.

   INTRODUÇÃO

A agricultura não é uma atividade realizada exclusivamente no espaço rural, sendo praticada também nas cidades ou no seu entorno, sendo chamada, nesta situação, de agricultura urbana ou peri-urbana(
FAO, 2008). É normalmente estimulada por fatores relacionados à insegurança alimentar (MOUGEOT, 2008). Este tipo de cultivo tem sido reconhecido, em diversos países, como uma importante estratégia de gestão urbana sustentável e eqüitativa (CABANES; DUBBELING, 2008.).

Fleury e Donadieu (1997) sugerem empregar esse termo para designar os sistemas agrícolas das periferias urbanas orientados para as novas necessidades urbanas, mesmo ressaltando que a expressão possui mais de um significado, podendo ser empregada em diferentes situações, ou para distintos grupos de profissionais. Seja qual for a interpretação dada para o termo agricultura urbana, dependendo do autor e do país no qual se insere, o mesmo, indiscutivelmente, está relacionado com a auto-suficiência alimentar das cidades.

A agricultura urbana gera vários benefícios para a comunidade, como a produção de alimentos de alto valor nutricional e sem resíduos de agrotóxicos, a reciclagem do lixo, a produção de farmácia caseira através do cultivo de plantas medicinais, dentre outros. No município de Pelotas-RS, no bairro Fragata, mais precisamente na localidade de Gotuzo, zona periférica da cidade, a agricultura urbana poderá servir como contribuição para a segurança alimentar, já que muitas pessoas da comunidade local são oriundas do rural e geralmente possuem hortas domésticas.

A contínua integração da economia mundial não tem resultado numa redução das desigualdades entre países e regiões. Ao contrário, o acirramento da concorrência em nível internacional tem ocasionado um incremento das disparidades internacionais e, sobretudo, inter-regionais. Mesmo no interior dos países desenvolvidos, assumem uma posição de destaque aquelas regiões cujo sistema produtivo se encontra articulado internamente e apoiado por uma série de fatores externos que permitem a obtenção de elevados níveis de competitividade nos mercados globais. Essa constatação denota um fenômeno aparentemente contraditório da globalização: o fortalecimento do papel das regiões e mesmo de espaços localizados. Assim, quanto maior a economia mundial, mais poderosos são os seus protagonistas menores. Pois, à medida que o mundo se integra economicamente, as suas partes componentes estão se tornando mais importantes. De uma só vez, a economia global está crescendo, enquanto o tamanho das partes está encolhendo (NAISBITT, 1994). Ou seja, na medida em que os lugares se tornam mundiais, ainda que cada vez mais diferentes entre si, formam uma totalidade concreta, empírica, a partir das diferentes funções presentes em cada lugar (SILVEIRA, 1997).

     Diversas vantagens podem ser obtidas através dessa prática, como o incremento da quantidade e da qualidade de alimentos disponíveis para consumo através do completo controle de todas as fases de produção, eliminando o risco do manuseio e do consumo de plantas que contenham resíduos de defensivos agrícolas; a utilização de resíduos e rejeitos domésticos pela reciclagem, tanto na forma de composto orgânico para adubação, como na reutilização de embalagens para formação de mudas; o melhor aproveitamento de espaços ociosos, evitando o acúmulo de lixo e entulhos ou o crescimento desordenado de plantas daninhas; a recreação e o lazer advindos de uma atividade recreativa/lúdica, sendo recomendada para o desenvolvimento da sociabilidade de comunidades; a formação de farmácias caseiras, contribuindo na prevenção e combate às doenças, através da utilização e aproveitamento de princípios medicinais de algumas plantas; o valor estético advindo da utilização racional do espaço, valorizando inclusive os imóveis; a diminuição da pobreza através da geração de renda adicional, seja com a venda do excedente, ou de cultivos exclusivamente comerciais, dentre outras.

Na perspectiva da segurança alimentar, a implantação de Hortas tem como objetivo central, a produção de alimentos como um dos componentes de acesso e disponibilidade dos mesmos, sendo instrumento e forma de ação social voltada, a enfrentar as situações emergenciais que afetam os chamados grupos vulneráveis, considerando o papel da produção, para autoconsumo familiar. As Hortas devem igualmente propiciar a oportunidade de trabalho e  apropriação de renda, bem como ampliar e melhorar a oferta de alimentos em âmbito municipal.

A prática da agricultura urbana e sua relação com outros temas - como segurança alimentar, plantas medicinais, reciclagem e reaproveitamento de resíduos orgânicos domésticos, relações de gênero, comunicação comunitária e economia popular solidária - são os eixos do presente projeto.

- Identificar as práticas adotadas pelas famílias para assegurar a alimentação de seus membros com vistas a oferecer subsídios para as ações governamentais voltadas ao tema da segurança alimentar, com base em metodologias que apostem na participação das populações na erradicação dos seus próprios problemas;

- Realizar pesquisa participativa etnofarmacológica para a recuperação, sistematização e multiplicação de informações sobre o cultivo e uso de plantas medicinais da cultura local. Os conhecimentos tradicionais serão complementados com conhecimento científico com o objetivo de qualificar o trabalho comunitário, dando um aporte de segurança e eficácia para a utilização de recursos locais para a saúde.

- Gerar informações que favoreçam a compreensão dos problemas que obstaculizam a erradicação da insuficiência alimentar no ambiente urbano do país e que permitam, a partir de programas educativos e com forte apelo social, ampliar os esforços de universalização dos serviços públicos neste âmbito;

- Promover qualificação profissional através de cursos na Associação de Moradores do Bairro;

- Fortalecimento da ação coletiva e da identidade comunitária;

- Dinamizar processos e práticas de formação pessoal e coletiva, de economia solidária na geração de renda de pessoas e famílias que vivem em espaços urbanos;

- Estimular a formação de uma consciência crítica e ecológica;

-Promoção da saúde da população como um todo, através de ações educativas (ambiental, alimentar e comportamental).

 

METODOLOGIA

A metodologia desenvolvida neste projeto realizou-se a partir do planejamento participativo onde, através de reuniões periódicas com os participantes na Associação de Moradores do Bairro, o planejamento foi realizado como método de tomada de decisões, ou seja, pensando com a comunidade qual é o melhor caminho para se chegar ao objetivo proposto. A intervenção tem como objetivo direcionar e orientar o curso da história, onde os sujeitos participantes são seres concretos, em movimentos potenciais de transformações de suas próprias relações sociais. Os projetos participativos de segurança alimentar e nutricional são mais efetivos e sustentáveis quando o público alvo participa plenamente, tanto em seu planejamento e implementação como em seu seguimento e avaliação.

Foram realizados cursos de caráter profissionalizante em produção e cultivo de hortaliças de base ecológica. Para o levantamento de algumas questões a respeito do conhecimento dessas pessoas acerca de suas motivações e percepções sobre o que seria ser agricultor no espaço urbano, houve a utilização da metodologia qualitativa, com ênfase na realização de entrevistas com base num roteiro previamente estabelecido e mediante uso do gravador.

 

 

COSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa ora proposta centra-se numa dinâmica de trabalho adequada aos objetivos anteriormente formulados. A avaliação a que nos propomos realizar não aparece exclusivamente associada à quantidade de dados obtidos já no primeiro ano de execução e nos testes de consistência do trabalho de campo de que nos serviremos para medira representatividade da amostra, mas principalmente no fato de lançar mão das técnicas qualitativas que nos permitem confrontar os dados levantados à luz do próprio discurso dos entrevistados e de contradições que por ventura surgirem.

As relações que se estabelecem entre a produção e o consumo não são apenas determinadas por fatores de ordem econômica. Fatores sociais, culturais, nutricionais, que revelam as várias dimensões em torno das necessidades dos consumidores, suas formas de adaptação e de apropriação do modelo dominante, suas formas de resistência, a adoção de novos hábitos associada à prevalência de práticas tradicionais, assim como suas representações e estratégias face à oferta, também deveriam ser considerados na avaliação do consumo alimentar.

Atualmente, a segurança alimentar não pode ser explicada apenas pela lógica da produção ou pela lógica das necessidades nutricionais. O tema se torna cada vez mais complexo, exigindo estudos sobre as relações que se estabelecem entre os vários membros que compõem a cadeia alimentar: produtores agrícolas, industriais, comerciantes e consumidores, além do papel do Estado no centro da contradição entre o sistema produtivo e a saúde pública. Seu estudo requer ainda a análise do conjunto de fatores que tem determinado as mudanças e a diversificação dos hábitos alimentares, ao longo do tempo, segundo as especificidades de cada país ou região.

O fortalecimento da organização comunitária é um dos resultados desse trabalho. Alguns grupos informais se consolidam por meio de ações educativas concretas, como acompanhamento de famílias e elaboração de pequenos projetos. Poderão surgir lideranças comunitárias com uma percepção global de processos de desenvolvimento local sustentável e capazes de atuar nos diferentes órgãos de planejamento e gestão das políticas públicas.

Como repercussão do projeto espera-se uma gradativa difusão da prática da agricultura urbana na cidade de Pelotas/RS. Além disso, espera-se fortalecer as organizações comunitárias para a gestão participativa do espaço urbano.

Como toda a estratégia de intervenção está baseada no protagonismo das comunidades, uma das grandes dificuldades encontradas foi financiar o trabalho de agentes e educadores locais. Muitas pessoas capacitadas pelo programa acabaram abandonando o trabalho comunitário em função de oportunidades de emprego, formais e informais, em sua maioria com baixos salários.

Sem dúvida, a agricultura urbana também pode ter alguns efeitos negativos sobre o meio ambiente urbano, como por exemplo, a contaminação das fontes locais de água, ou a acumulação de dejetos animais.
Assim, a tecnologia deve ser aplicada para aumentar os impactos ambientais positivos da agricultura urbana e prevenir os efeitos negativos sobre o meio ambiente urbano.

As terras abandonadas e degradadas podem ser transformadas em hortas comunitárias ou divididas em pequenas hortas familiares, e contribuir para aumentar a auto-estima e a segurança nos bairros mais carentes.

Outro desafio a ser enfrentado é a estruturação de estratégias de comunicação que demonstrem os resultados das ações desenvolvidas, potencializem o protagonismo das organizações locais e promovam o intercâmbio das experiências desenvolvidas.

É importante que a avaliação e a elaboração da experiência não se restrinjam aos parceiros diretamente envolvidos - ONGs e órgãos públicos. É preciso abrir novas frentes de diálogo, de forma a ampliar as parcerias e demonstrar a viabilidade dessas propostas como alternativas para a construção de políticas públicas de desenvolvimento local.

Todas as pessoas envolvidas com a produção e com o consumo das plantas oriundas da atividade de agricultura urbana passaram deter maior conhecimento sobre o meio ambiente, aumentando a consciência ambiental.
 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CABANNES, Y.;  DUBBELING, M. La agricultura urbana como estrategia para un desarrollo sostenible municipal. Agricultura Urbana, n. 1. Disponível em: Acesso em: 05 jun. 2008.

FAO – Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentación/Departamento de Agricultura. Cuestiones de la agricultura urbana. Disponível em: . Acesso em 19 maio 2008.

FLEURY, A.; DONADIEU, P. De l agriculture péri-urbaine à l agriculture urbaine. Le  Revue Courrier de l environnement. Paris, France, n. 31, août. 1997. Disponível em: < http:/www.inra.fr/dpenv/fleure31.htm>. Acesso em: 07 maio de 2008.

MOUGEOT, L.J.A. Agricultura urbana: concepto y definición. Agricultura Urbana, n. 1. Disponível em: http://www.ipes.org/aguila/publicaciones/Revista%20AU1/AUarticulo1.pdf>. Acesso em: 01 jun. 2008. 

NAISBITT, J. Paradoxo Global: quanto maior a economia mundial, mais

poderosos são os seus protagonistas menores: nações, empresas e

indivíduos. Trad. de Ivo Korytovski. Rio de Janeiro: Campus, 1994. 123p.

 

PEREIRA, M. T. Agricultura urbana e periurbana. Revista Qualidade de Vida, São Paulo, Ano 2, n.11, p.01-04, Abril de 2000.

 

SILVEIRA, R. L. L. da. A produção da periferia urbana de Santa Cruz do Sul / RS: o lugar dos safristas na terra do fumo. 1997. Dissertação (mestrado). Curso de Pós-graduação em Geografia.  Universidade Federal de Santa Catarina,  Florianópolis.

Ilustrações: Silvana Santos