Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
12/03/2011 (Nº 35) Entrevista com Declev Reynier Dib-Ferreira, para a 35ª Edição da Educação Ambiental em Ação
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Educação Ambiental em Ação 35

Entrevista com Declev Reynier Dib-Ferreira, para a 35ª Edição da Educação Ambiental em Ação

Por Bere Adams

 Apresentação: O entrevistado da 36ª Edição é Declev Reynier Dib-Ferreira, Carioca, Biólogo, Especialista em Educação para Gestão Ambiental, Mestre em Ciências Ambiental e Doutor em Meio Ambiente pela UERJ. Atua como Professor de Ciências nos municípios de Niterói e Rio de Janeiro. Foi Coordenador de educação ambiental do Instituto Baía de Guanabara (IBG), é Membro da Rede de Educação Ambiental do Rio de Janeiro (REARJ), além de Membro da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA). Sua experiência em Educação tem focos na Educação Ambiental, Meio Ambiente e Resíduos Sólidos. Eu tive o prazer de conhecer Declev no VI Fórum Brasileiro de Educação Ambiental ocorrido em 2009, no Rio de Janeiro. O evento reuniu um grande número de educadores ambientais de todo o País e contou com participação de personalidades como Carlos Minc e André Trigueiro, duas figuras marcantes no cenário do meio ambiente da nossa terra. O evento promoveu trocas de experiências, debates, oficinas, uniu diversas etnias e transformou-se em mais um marco para o fortalecimento da Educação Ambiental Brasileira, isto graças ao esforço do nosso entrevistado, que foi um dos organizadores. Ele gentilmente nos responde a esta entrevista:

 Revista Educação Ambiental em Ação (REAEA)/ Bere Adams - Declev, é uma alegria poder contar com a sua experiência nesta edição da Educação Ambiental em Ação. Muito obrigada! Conta-nos um pouco como você, como cidadão e educador, iniciou suas atividades envolvendo especificamente a Educação Ambiental (EA) e como você define essa trajetória até hoje.

 Declev – Desde a faculdade, que cursei de 1998 a 2001, já me interessava pelo tema. Atuava em zoológicos e fiz estágios nesta área. Sempre achei que não adiantaria qualquer lei, qualquer ação se a população não tivesse consciência de seus atos, de seus votos, de suas próprias ações ou omissões. Então, paralelamente ao que eu queria como biólogo (trabalhar com macacos, o que fiz durante algum tempo), atuava, pesquisava e buscava ações de educação ambiental. Quando, enfim, entrei em sala de aula e me tornei professor, dei continuidade às pesquisas e projetos, na maioria das vezes ligados às escolas, mas atuando também com educação não-formal.

 REAEA – Em sua atividade de Professor de Ciências, tanto em Niterói quanto no Rio, como você percebe a aplicação da EA nas escolas onde atua? Você vê a Educação Ambiental acontecendo?

Declev – Às vezes sim, muitas vezes não. A escola não é feita para nada mais do que manter as crianças sentadas em sala de aula, olhando para um quadro. Qualquer coisa que você tenta fazer fora disso, dá muito trabalho, dor de cabeça e te faz trabalhar mais do que você ganha. Mas, mesmo assim, há professores que tentam, que fazem. Eu já desenvolvi alguns projetos de EA nas escolas com muito sucesso, quando as condições deixaram. Mas um processo contínuo, sistemático, eu não vejo. São mais comuns ações isoladas. Gostaria de um dia poder quebrar esse gesso que imobiliza a escola, desfazendo salas de aulas, unindo professores de diversas disciplinas, flexibilizando o horário...

 REAEA – Qual foi a atividade de EA mais significativa que você participou ou realizou?

Declev – Foram algumas, mas posso destacar um projeto que desenvolvi por quatro anos na escola de Niterói, quando desenvolvemos diversas atividades no contra-turno: estudo da geografia e maquete do bairro; teatro; arte; poesias; pesquisa da história da escola; passeios a locais turísticos e naturais da cidade, dentre outras.

REAEA – A EA se fundamenta na interdisciplinaridade, porém, muitos professores não conseguem efetivá-la de forma conjunta por falta de um ponto integrador que favoreça o planejamento de ações de EA em todas as disciplinas. Como você vê essa questão e o que você sugere para os docentes que buscam trabalhar a EA abrindo um leque da sua para as outras disciplinas?

Declev – Pois é, como eu disse, a escola de hoje é tão “cimentada” que é difícil mexer em qualquer coisa que a mude. É muito difícil para o professor, por exemplo, sair de sua “matéria” quando ele entra na escola e tem que entrar em sala de aula e dar conta de uma turma de 25-30-40 ou até mais alunos. Tenho conhecimento de turmas com 70 alunos em escolas do Estado! O professor sai de uma sala e entra em outra ininterruptamente, até que chega a hora dele ir embora. Aí ele tem que ir a outra escola e fazer o mesmo: pular de sala em sala “ensinando” sua disciplina. Não há tempo para se encontrar, para planejar, para pesquisar, para desenvolver nada diferente. Quando há tempo de planejamento – que é o caso de Niterói, em que tempos 2 tempos semanais juntos – nem sempre ele é bem aproveitado. Ademais, se quisermos fazer algo integrado será quando? Quando estamos na escola estamos um em uma sala, outro em outra, outro em outra... Cada um tendo que dar conta de sua turma, até que bata o sinal e troquemos... Parece insano, e é. Se quisermos fazer algo diferente, temos que ir além do nosso tempo de trabalho, aí muitas vezes é impossível ou não é interessante para nós como profissionais. O que eu sugiro é muita criatividade, muita pesquisa, muita insistência. Eu sempre penso em desistir, mas estou sempre, por outro lado, pensando em como posso fazer. Daí surgem ideias e eu busco aqueles professores que eu sei que pensam parecido comigo, que sei que gostariam de ajudar em um trabalho conjunto e é neles que eu me apoio. Desta parceria pode surgir algo novo, algo em que vários profissionais participem. Nunca serão todos, então trabalhamos com quem quer.

 REAEA – Realmente, Declev, esse é o retrato triste da rotina da maioria dos docentes brasileiros que precisam ter disposição infinita para continuar no exercício da profissão, e no meio de tantas dificuldades, a maioria entende que fazer EA é algo a mais, quando na verdade os conceitos ambientais estão implícitos na educação. E por falar em conceitos, nos aponte alguns que você considera fundamentais para definir a EA.

Declev – Participação em primeiro lugar. Educar ambientalmente é educar para a participação, para a luta, para a política, para a mudança. E isso nunca é só. Outro conceito pode ser a outridade, o pensamento no outro, enquanto nós mesmos.

REAEA – e quais os principais autores (e obras) que você considera fundamentais para a compreensão da EA? Fale-nos um pouco sobre eles.

 

Declev – Há hoje, no Brasil, muitos bons autores em EA, cada um deixando sua marca e sua mensagem. Alguns nos fazem pensar sobre nossas ações e nos ajudam a elaborá-las, outros nos ajudam a definir melhores caminhos. Lembro que Philippe Layrargues, por exemplo, ajudou a moldar minha visão de educação ambiental relacionada a resíduos sólidos, quando li “O cinismo da reciclagem...”. Lembro que fui a ele, meio confuso, e perguntei se ele era contra a reciclagem. Hoje em dia, vêm a mim com a mesma pergunta... Mas não é uma questão de ser contra ou a favor, mas sim o uso político, ideológico e mercadológico que se faz da reciclagem. Uma longa discussão. Outro autor que me mostra caminhos é o Mauro Guimarães, mas também posso citar o Frederico Loureiro, o Marcos Sorrentino, a Rachel Trajber (estes dois últimos também mostraram na prática, ele no MMA, ela no MEC, como pensamentos podem se tornar ações, o que muitas vezes não vemos em outros autores). O Genebaldo Dias tem uma obra importante, pois compila muitas informações necessárias ao entendimento da história da EA. O Alexandre Pedrini caminha por diversas trilhas diferentes, buscando o aprofundamento teórico da EA. Enfim, são muitos autores e autoras importantes no Brasil. É até um pouco injusto não falar de todos, peço desculpas aos que eu não citei, mas a lista seria muito extensa.

REAEA – É, por vezes, difícil de fazer uma seleção de autores e obras, pois temos uma turma grande dando sua contribuição para a EA brasileira, mas os que você destacou certamente abrirão caminho para que as pessoas busquem mais referências para a sua ação educacional.  E sobre as ações governamentais dos últimos anos, o que você destaca, que evidencia avanços e/ou retrocessos  para a EA no País?

Declev – Hoje temos leis federais e estaduais de educação ambiental. Isso é um avanço, mas sabemos que muitas leis se tornam letra morta no Brasil, o que pode ser perigoso. Por isso, avanços reais são as ações que buscam fazer as leis saírem do papel. A implementação do Órgão Gestor da Política Nacional de Educação Ambiental e o Comitê Assessor, por exemplo, foi um avanço neste sentido. Muita coisa se fez, especialmente na gestão do Sorrentino (MMA) e Rachel (MEC). A implementação, pelos Estados, das Comissões Interinstitucionais de Educação Ambiental (CIEAs) é outro avanço, especialmente nos Estados em que elas são, de fato, fortalecidas. As Conferências Infanto-Juvenis pelo Meio Ambiente tenho certeza de que plantaram algumas sementes em muitas escolas. A Sala-Verde foi outro projeto importante, que espalhou locais de pesquisa e implementação de projetos pelo Brasil. Pena que muitas ações não têm continuidade quando mudam os gestores – isso faz parte dos retrocessos...

REAEA – Em relação ao meio ambiente propriamente dito, você considera a EA como promissora para a reversão necessária dos problemas ambientais que enfrentamos?

Declev – Depende de que EA estamos falando. Se estamos falando, por exemplo, daquela que manda “fechar a torneira” para economizar água ou “fazer xixi no banho”, não. Se falamos daquela que problematiza a questão da água, da sua captação, que faz relação com as nascentes e rios e com a importância de sua preservação, relacionando, por sua vez, esta questão com a agricultura, o plantio de eucalipto e o êxodo rural, que busca uma discussão política sobre a cobrança pelo uso da água, relativizando as responsabilidades de cada um – cidadão comum, poder público, grandes empresas, pequeno agricultor, grande latifundiário..., sim.

REAEA – Sua brilhante resposta ilustra de forma bem simples e clara a Educação Ambiental interdisciplinar, crítica, que envolve não só ações estanques. E sobre os adolescentes, você acha que as ações de EA têm conseguido sensibilizá-los?

Declev – Sim e não. Fala-se hoje em dia muito mais destas questões, o que é reflexo também da mídia, mas, muitas vezes, a EA que prepondera é aquela primeira citada acima. E, com ela, o nosso alcance é muito limitado. Quer dizer, a pessoa sabe, mas só faz se lhe interessa, se tem algum ganho. Não é uma educação que seja internalizada, que seja desinteressada, que seja pelo coletivo. Basta dar uma olhada nas pesquisas, que apontam o conhecimento maior das questões e problemas ambientais, mas um limite da participação das pessoas. Se ela tiver algum ganho direto, faz, participa, ajuda; se não tiver, não faz.

REAEA – E como é a participação deles nos Coletivos Jovens (CJ)? Você acompanha esse trabalho?

 

Declev – Não tenho acompanhado diretamente, mas sei que a entrada em um Coletivo Jovem é muito importante para a inserção do jovem nos processos participativos. Em conjunto temos mais força, temos mais ideias, temos mais ações. Vejo, nos trabalhos que desenvolvo, jovens ficando muito empolgados com a perspectiva de participarem do CJ. É uma questão de fazer parte de algo, de se unir e se sentir útil e mais forte. E o CJ acaba sendo uma escola muito importante para a continuidade das ações que a pessoa fará no futuro.

REAEA – Bem, antes da última pergunta, fale-me o que você acha dos programas Sala Verde e Coletivos Educadores do Ministério do Meio Ambiente (MMA) . Qual é, para você, a contribuição destes projetos para a Educação Ambiental do País?

Declev – Já citei a Sala Verde acima, e a acho um programa muito interessante. Espalha informações e “chancelas” do MMA por todo o Brasil. Isso fortalece instituições para desenvolverem seus próprios projetos, une as pessoas por um mesmo ideal, troca informações, enfim, há uma série de benefícios diretos ou indiretos. Acho que o programa deve ser fortalecido, o que infelizmente não foi feito depois da saída do Sorrentino. Vamos torcer agora com a nova mudança. Quanto ao Coletivos Educadores, não tenho uma opinião totalmente formada. Acho o conceito também muito interessante, a ideia é fantástica. Mas não sei ao certo onde e o quanto este programa, de fato, funcionou. Talvez tenha que ser remodelado e/ou buscado novas e eficazes estratégias para sua implementação. Isso faz parte do caminho. O simples abandono dele, não.

REAEA - Tem previsão de quando sairá o VII Fórum de EA?

Declev – Não tenho previsão. Ficou definido que a Bahia sediará o próximo Fórum, organizado pela REABA (Rede de Educação Ambiental da Bahia). Falou-se em 2011, mas para este ano é improvável, então, quem sabe em 2012? Precisamos de novas parcerias...

 REAEA – Agora, para finalizar, deixa pra gente uma frase, daquelas que ficam um tempão nos acompanhando...

 Declev – “Corrijamos em nós o que nos aborrece nos outros”. Putz, o mundo seria mais feliz, não? rs...

REAEA - Com certeza! Prezado Declev, encerrando nossa entrevista deixo-lhe nossos profundos agradecimentos pelo compartilhamento de suas ideias e sua valiosa experiência em Educação Ambiental, que certamente inspira reflexão e ação pelo seu exemplo de exercício da cidadania ambiental. Deixo link de seus blogs para que interessados(as) possam lhe conhecer melhor, e até fazer contato: http://declev.com/.

Muito obrigada!

 Bere Adams e Equipe da Educação Ambiental em Ação.

 

Ilustrações: Silvana Santos