Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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19/09/2003 (Nº 3) Educação Ambiental e Cidadania
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Educação Ambiental e Cidadania

As árvores não são derrubadas, a fauna sacrificada ou o meio ambiente poluído porque nossa espécie desconhece os impactos dessa ações sobre a natureza. Não é por falta de conhecimento que o meio ambiente é destruído, mas devido ao atual estágio de desenvolvimento existente nas relações sociais de nossa espécie.

Portanto, é ilusão pretender que a educação ambiental, por si só, seja capaz de enfrentar estes enormes desafios. Antes, enfrentando, de se pensar em educar para o meio ambiente, é preciso investigar que ambiente é esse? Quem são seus agressores? E por quê?

A população tem uma visão muito romântica da ecologia, associando-a mais em defesa do verde e, por extensão, das árvores e animais e como se a espécie humana não fizesse parte da natureza. Logo, por mais que julguem as questões ecológicas importantes, a maioria da população as considera secundárias. É mais importante lutar por moradia, alimento, emprego, escola, bons salários etc. Ecologia é assunto para as classes mais abastadas, que já resolveram esses problemas básicos de infra-estrutura e podem viver em bairros melhores, longe da poluição, em locais arborizados.

Os ecologistas pouco contribuíram para modificar essa imagem e – na maioria dos casos – ajudaram até a reforçar essa visão romântica e alienada.. Dedicaram-se muito mais à defesa de animais e plantas que aos problemas da espécies humana. Com isso, embora sem má fé, ajudaram a associar ecologia ao meio ambiente natural, onde vivem as plantas e os animais, deixando de fora o meio ambiente urbano/rural, onde vivem os seres humanos. Sabemos no entanto, que ambos os ambientes vivem interrelacionados, logo, as lutas por melhores condições de vida travadas por sindicatos, associações de moradores e outras entidades da sociedade civil, por exemplo, são também lutas pelo ambiente, no caso, ambiente humano. A partir disso, é possível contribuir para ampliar a visão de ecologia, principalmente das populações de baixa renda, que são quem efetivamente detém o poder de transformação da realidade, uma vez que os beneficiados com a poluição ou a exploração dos recursos naturais são irão abrir assim tão facilmente de seus privilégios.

Outra questão que os educadores ambientais precisam resolver para realizarem planejamento de ensino é definir os principais responsáveis pela destruição do ambiente. É comum acusar-se a falta de conhecimento ambiental, o progresso ou a tecnologia, entre outros fatores, como os inimigos da natureza. Isso seria verdadeiro se pessoas como conhecimento ambiental não destruíssem a natureza. Infelizmente, não é o que se vê. Os caçadores, por exemplo, possuem muito mais conhecimentos sobre ecologia, natureza e a vida silvestre que muitos ecologistas, mas usam esses conhecimentos para destruir e matar.

Com relação ao progresso é a mesma coisa. Na década de 70, governos internacionais preocupados com a rápida destruição dos recursos naturais e a poluição do plante, defenderam a tese do crescimento zero, ou seja, congelar os níveis de progresso à época. Ora, por diversas vezes durante nossa história econômica, o Brasil teve crescimento abaixo de zero, portanto negativo, e nem por isso viu diminuindo seus problemas ambientais, muito pelo contrário. Devido à crise econômica, as empresas investiram menos em controle de poluição.

A questão tecnológica também tem sido apontada como uma das responsáveis pela destruição ambiental, uma vez que polui, degrada o meio ambiente e desperdiça recursos naturais. Ora, a tecnologia e a ciência não são neutras. Elas se submetem aos interesses dos detentores do poder naquele momento. Por outro lado, a adoção de tecnologia mais brandas e menos poluentes não asseguram uma relação menos predatória nas relações humanas, pelo menos. Um exemplo disso são quartéis de soldados norte-americanos movidos a energia solar ou biodigestores em países colonizados.

Enfim, o que podemos perceber é que a destruição da natureza não resulta da forma como nossa espécie se relaciona com ela, mas da maneira como se relaciona consigo mesma. Ao desmatar, queimar, poluir, utilizar ou desperdiçar recursos naturais ou energéticos, cada ser humano está reproduzindo o que aprendeu ao longo da história e cultura de seu povo, portanto, este não é um ato isolado de um ou outro indivíduo, mas reflete as relações sociais e tecnológicas de sua sociedade. Portanto, é impossível pretender que seres humanos explorados, injustiçados e desprovidos de seus direitos de cidadãos consigam compreender que não devam explorar outros seres vivos, como animais e plantas, considerados inferiores pelos humanos. A atual relação de nossa espécie com a natureza é apenas um reflexo do atual estágio de desenvolvimento das relações humanas entre nós próprios. Vivemos sendo explorados, aprendemos a explorar.

A educação ambiental, portanto, constitui-se num desafio. Primeiro dentro do próprio sistema educativo, historicamente domesticador, à medida que tende a incutir nas gerações mais jovens os conceitos, valores e ideologias das gerações adultas. Depois, separando informação de formação. Não é pelo maior ou menor volume de informações vinculado pelos meios de comunicação que a população aprende a pensar criticamente e atuar em seu mundo pra transformá-lo. Muito pelo contrário. Sem uma base que permita a compreensão do que está sendo transmitido, o receptor acaba tornando-se insensível diante da poluição da informação, as palavras perdem o significado e importância, tanto faz derrubarem uma árvore ou uma floresta, tanto faz assassinarem um indivíduo ou uma multidão inteira numa republiqueta qualquer. A educação, por sua vez, não se dá ao vácuo, mas inserida em seu tempo e no contexto. Deve, portanto, associar-se aos meios de comunicação para, a partir das informações veiculadas, desenvolver um processo educativo, crítico e participativo, adequado à realidade dos alunos.

Não há educação ambiental sem participação política. Logo, não é de estranhar que os governos até hoje não tenham conseguido estabelecer diretrizes e investir realmente em educação ambiental, pois é impossível estimular a participação mas não garantir os instrumentos, direitos e acesso à participação e interferência nos centros de decisões. O ensino para o meio ambiente deve contribuir principalmente para o exercício da cidadania, estimulando a ação transformadora, além de buscar aprofundar os conhecimentos sobre as questões ambientais, as melhores tecnologias, estimular mudança de comportamento e a construção de novos valores éticos menos antropocêntricos. É preciso ficar claro que a educação ambiental é fundamentalmente uma pedagogia de ação. Não bata se tornar mais consciente dos problemas ambientais, sem se tornar também mais ativo, crítico e participativo. Em outras palavras, o comportamento dos cidadãos em relação ao seu meio ambienta, é indissociável do exercício da cidadania.

Vilmar Berna - Editor do Jornal do Meio Ambiente
http://www.jornaldomeioambiente.com.br/
Ilustrações: Silvana Santos