Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/12/2010 (Nº 34) Educação ambiental: para o desenvolvimento sustentável ou sociedade sustentável?
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Educação Ambiental em Ação 34

Educação ambiental: para o desenvolvimento sustentável ou sociedade sustentável?

 

                                  Luiz Etevaldo da Silva Professor, licenciado em Estudos Sociais, graduado em História, especialista em Humanidades e mestre em Educação nas Ciências, na Universidade Regional do Noroeste do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ). Atua como docente na rede de ensino pública básica do Estado do RS. E-mail: luizetevaldo@yahoo.com.br

 

 

            Resumo

           

Este texto propõe uma reflexão sobre duas concepções diferentes de educação ambiental: centrada no desenvolvimento sustentável ou sociedade sustentável? Qual a diferença entre ambas é o foco principal que procurarei explicitar ao longo do processo de análise. A preocupação principal é oferecer elementos para o debate em torno da visão hegemônica do modelo econômico e as possibilidades e necessidades de um novo modo de nos relacionar com a natureza, sob pena de inviabilizar as condições indispensáveis à vida no planeta Terra.

Palavras-chave: educação, desenvolvimento sustentável, sociedade sustentável, natureza

            Introdução

 

            Este texto propõe uma reflexão sobre duas concepções diferentes de educação ambiental: centrada no desenvolvimento sustentável ou sociedade sustentável? Qual a diferença entre ambas é o foco principal que procurarei explicitar ao longo do processo de análise. A preocupação principal é oferecer elementos para o debate em torno da visão hegemônica do modelo econômico e as possibilidades e necessidades de um novo modo de nos relacionar com a natureza, sob pena de inviabilizar as condições indispensáveis à vida no planeta Terra.

            Enfatizo a importância de ampliar a visão de educação ambiental além da lógica de cuidado pessoal, como condição para sustentabilidade, pois a questão ambiental não se constitui apenas uma questão de ordem individual ou de responsabilidade das pessoas. No modelo de desenvolvimento está a raiz da degradação da natureza. Visto que a exploração desenfreada dos recursos naturais, para dar conta do modo consumista da cultura moderna, vai além da necessidade uma consciência ecológica apenas dos indivíduos, mas numa mudança profunda nas relações sociais e das pessoas com a natureza. Enfim, é necessária uma revolução no modelo para emergir novas subjetividades, no qual a lógica da vida sobreponha-se a do lucro.

 

            Desenvolvimento sustentável ou sociedade sustentável? Diferenças

 

            Trabalhar educação ambiental na sala de aula já se tornou quase uma marca do nosso tempo. Sendo assim, parece que já está tudo resolvido neste aspecto, pois, em geral, as escolas estão incluindo em seu planejamento a temática ecológica. No entanto, ainda se faz necessário problematizar a questão em referência. Visto que, a meu ver, há duas visões diferentes de tratar o tema, pois os empresários e o pessoal ligado ao agronegócio, por exemplo, também falam em preservação ambiental e importância de promover reflexões em torno da sustentabilidade.

            Por outro lado, há os movimentos ecológicos ligados aos movimentos de luta pela preservação do meio ambiente, que, muitas vezes, tem concepção diferente sobre o sentido e significado de educação ambiental. Neste caso, o tema sustentabilidade pode conceber idéias diferenciadas sobre o mesmo conceito. Os empresários e o grupo do agronegócio, via de regra, defendem o desenvolvimento sustentável e os movimentos populares ou ambientalistas defendem a sociedade sustentável.

            Parece somente um jogo de palavras referir-se ao desenvolvimento sustentável ou sociedade sustentável, mas na minha concepção tem elementos ideológicos e políticos implícitos aí que merecem reflexões mais aprofundadas. Assim, nas escolas não basta apenas dizer que se está trabalhando educação ambiental, mas que visão está subjacente ao discurso pedagógico da sustentabilidade é muito importante.

            Por desenvolvimento sustentável, em geral, está implícito que se faz um discurso aparentemente sério a respeito da sustentabilidade, contudo apenas para dar uma imagem positiva, no ponto de vista do “politicamente correto” mediante a opinião pública. No nosso País são injetados milhões de litros de agrotóxicos na natureza brasileira (...), “fazendo o Brasil mo maior consumidor do mundo de agrotóxicos, com 720 milhões de litros por ano” (SILVA, 2010, p. 04), Na verdade, na prática continuam os empresários, dos ramos das indústrias e agronegócio, degradando a natureza. É comum se publicizar que empresa tal está patrocinando ou desenvolvendo educação ambiental. No entanto, continuam poluindo, largando produtos químicos ou agroquímicos diariamente na água, no solo, no ar, etc. 

            Já o sentido de sociedade sustentável parte do princípio que há necessidade de fato de preservar a natureza, sob pena de desequilíbrios ecológicos catastróficos e, por exemplo, o aquecimento global inviabilizar a vida em muitos lugares ou em todo planeta dentro de pouco tempo. Por este viés, entende-se que a preservação dos recursos naturais é uma necessidade concreta e não apenas nos discursos. Mas, além do cuidado com a biodiversidade, este pensamento ecológico compreende que é importante e indispensável a preservação do ser humano. Neste caso, a luta pela sustentabilidade envolve também a questão social, ou seja, consiste na sustentabilidade socioambiental.

            Qual o sentido de educação ambiental que está sendo adotado na sua escola? Por uma visão centrada no desenvolvimento sustentável ou por uma sociedade sustentável?

            Uma educação ambiental que pressupõe a sociedade sustentável postula defender um modelo social que não se preocupe somente com as espécies vegetais ou animais, mas também com a vida do ser humano, no que se refere às condições de vida dele. Portanto, entende a questão da sustentabilidade como, também, uma questão política. Neste caso se defendo uma sociedade sustentável, coloco como desfio rever o processo de desenvolvimento atual, no qual exclui a maior parte da população, nos países periféricos, de usufruir dos bens naturais e, consequentemente, das condições de vida decente.

                Para o sociólogo Cândido Grzybowski:

Quando falamos em sociedades sustentáveis, em vez de desenvolvimento sustentável, estamos sobrepondo o direito coletivo cidadão de ter o suficiente e digno para viver segundo condições históricas – comida, roupa, casa, saúde, cultura e felicidade –, segundo o radical princípio de igualdade com valorização da diversidade, sobre o direito individual e privado de acumular sem limites. A democracia traz ao centro a participação, ou seja, o direito e a responsabilidade cidadão de definir o tipo de justiça social e ambiental que a sociedade pode garantir para todos os integrantes (GRZYBOWOSKI, 2009, p. 60).

 

                Neste sentido a educação ambiental, como todo ato educativo, é uma questão política. Na medida em que envolve decisões coletivas sobre o modelo de sociedade que queremos, para possibilitar a sustentabilidade socioambiental.

 

            A dimensão política da educação ambiental

Em face de tal concepção, pressupõe que é necessário um modelo alternativo de desenvolvimento econômico. Pois, o sistema capitalista de produção e reprodução do capital não oferece condições para uma subjetividade voltada à responsabilidade com a vida na Terra.

           

            Para a professora Mônica Maria Pereira da Silva, da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e doutoranda em Recursos Naturais:

Os problemas ambientais e sociais vivenciados atualmente demonstram a falência do atual modelo de desenvolvimento. Isto pressupõe mudanças urgentes e um novo modelo de desenvolvimento e de sociedade. Estamos no limite do nosso consumo, comprometendo a capacidade de suporte da biosfera. Diferentemente de outros seres vivos, a relação do se humano com a natureza não decorre de forma simbiótica. Agimos como parasitas imprudentes, exploramos nosso hospedeiro até a morte (SILVA, 2008, p. 06).

               

            Efetivamente, promover educação ambiental na visão do modelo hegemônico atual é alimentar uma fantasia pedagógica. O nível de exploração dos recursos naturais para dar sustentação ao consumismo exacerbado do modo de ser capitalista, está causando ao desequilíbrio ambiental e a situação tem cada vez mais se agravar, até o colapso total. A ganância humana, originária do imaginário do progresso, é demasiadamente superior aos recursos naturais disponíveis para apropriação  desenfreada. Pior ainda, a concentração destes bens nas mãos de poucos é impossível a sustentabilidade social.

            Para Grzybowoski, “a crise climática é a conseqüência mais evidente, mais imediata e mais ameaçadora do modelo industrial, produtivista e consumista em que se baseia a nossa economia e o modo de vida que levamos” (GRZYBOWSKI, 2009, p. 58). A sociedade engendrada pela modernidade constituiu um homem que tem ansiedade ilimitada para acumular riquezas materiais, além da capacidade da natureza suportar. Neste caso, “não se trata de algo conjuntural, mas de esgotamento de um sistema que tem como motor o ter e o acumular, ou seja, um desenvolvimento que tem como pressuposto básico o crescer, crescer mais, sem parar, sem respeitar limites naturais, tudo para concentrar riquezas” (p. 50).

            Para a Silva:

Buscar novos modelos de desenvolvimento econômico é induzir um novo olhar sobre o meio ambiente, o ser humano e a sociedade. É permitir olhar o todo, enquanto sistema complexa. Nesta ótica, as partes devem ser percebidas interligadas, pois são estas conexões que permitem o que denominamos de vida (SILVA, 2008, p. 06).

                Educação ambiental é muito mais que ensinar não jogar papel no chão, não desperdiçar água, etc. Este é apenas o processo de alfabetização inicial. Ao longo do ensino básico, questões relacionadas ao desenvolvimento econômico atual precisam aparecer nas discussões sobre a sustentabilidade. De fato, educar para outro mundo possível tem a ver com a preservação dos recursos naturais, que por sua vez, postula-se uma interpelação política, ou seja, não é algo natural, mas sim construção social, que envolve decisões.

            O comprometimento pedagógico com a sustentabilidade exige reflexões e ações sobre que modelo de sociedade queremos. Educação ambiental desprovida desta dimensão está fadada à inconsistência e frivolidades conceituais. Sendo assim, “estamos diante de uma urgência e uma radicalidade: aqui e agora, precisamos transformar nossos ideais, modos de pensar e os sistemas políticos, econômicos e técnicos que sustentam o desenvolvimento” (GRZYBOWSKI, 2009, p. 59). O exercício da crítica ao modo de ser atual é indispensável para constituir uma nova subjetividade, voltada á uma consciência ambiental.

            Neste sentido:

As mudanças no modelo de desenvolvimento impõem prioritariamente mudanças de percepção, atitudes e valores. E mudanças na própria estrutura da sociedade contemporânea. Estas mudanças não acontecerão distantes do processo educativo, pois a educação, enquanto processo construtor de conhecimento e formador de cidadãos e cidadãs, objetiva principalmente proporcionar transformação (SILVA, 2008, p. 06).

 

            O referencial de educação ambiental necessita de pressupostos filosóficos e sociológicos para sustentação teórica diante da avalanche do discurso hegemônico, veiculado sobretudo pela mídia. Os professores precisam urgentemente se apropriarem de concepções de mundo que vão além da visão econômica. Educação ambiental consistente e conseqüente busca nas dimensões antropológicas as sínteses para entender a condição humana em sua complexidade, para além da dimensão da materialidade (acúmulo de riquezas).

            A educação ambiental capaz de fazer diferença de fato interpela para uma visão libertadora e emancipadora. No qual os indivíduos desenvolvam competência e habilidades para intervir social e politicamente, em favor da vida. “Passar de uma civilização industrial e produtivista para uma biocivilização, comprometida com a vida no planeta, implica verdadeira revolução” (GRZYBOWSKI, 2009, p. 59). De acordo com esta concepção, somos desafiados a promover uma educação que possibilite a emergência de um modelo de sociedade alternativo. Neste sentido, criar condições de “compartilhar o mundo, este é o segredo simples de uma nova consciência ética e cidadã, de dimensões planetárias” (p. 60).

            Como diz a professora:

 

Educação ambiental pressupõe vencer desafios, como rompimento de paradigmas, conviver com a diferença, superar a sociedade do ter, adoção Dops princípios da precaução, da sustentabilidade e da solidariedade em nossos planejamentos e ações e exercício contínuo da cidadania (SILVA, 2008, p. 06).

 

            Educação ambiental, portanto, é algo que faz parte da tarefa complexa, mas necessária, para constituir um modo de vida, cuja justiça social e a preservação ambiental seja marca distintiva do século 21. Nisso consiste em um exercício filosófico, sociológico e antropológico, cuja essência está na dimensão política subjacente. E a vontade de ser feliz  constituindo uma estética dialética entre o ser humano e a natureza.

 

            Considerações Finais

 

            Educação para uma sociedade sustentável é o propósito fundamental deste texto, construído a partir de tanto discurso vazio, como a preservação dos recursos naturais fossem apenas uma questão de consciência individual. A intenção aqui é promover o debate mais ampliado sobre a temática no currículo escolar. Ir além da lógica hegemônica do capital e da visão de “progresso”.

            Para tal, necessitamos como foi defendido ao longo do texto, de uma visão crítica a respeito do modelo de desenvolvimento atual, cuja configuração no processo histórico contemporâneo comprova que é impossível garantir a sustentabilidade. Neste caso, a escola sozinha não vai resolver esta complexa questão de mudança de mentalidade, mas ela pode e deve fazer sua parte.

            A sociedade sustentável é a insistência  em ao propor uma educação para uma nova realidade, no qual ser humano e natureza, em uma simbiose se complementam e que se possibilite às futuras gerações usufruir dos bens naturais que temos hoje.

 

Referências

 

GRZYBOWSKI, Cândido. Mudar mentalidades e práticas: um imperativo. Revista Democracia Viva. Rio de Janeiro: n. 43, 2009, p. 58-62.

SILVA, Mônica Maria Pereira da. Uma educação para a sustentabilidade ambiental. Jornal Mundo Jovem. Porto Alegre: Ano 46, n. 385, abril, 2008, p. 06.

SILVA, Juremir Machado da. Abril vermelho. Jornal Correio do Povo. Porto Alegre: ano 115,  n. 212, 30 de abril de 2010, p. 04.

Ilustrações: Silvana Santos