Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/12/2010 (Nº 34) A educação ambiental nas crônicas de Henrique Luiz Roessler
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Educação Ambiental em Ação 34

A educação ambiental nas crônicas de Henrique Luiz Roessler

 

Elenita Malta Pereira

 

Titulação Acadêmica: Licenciada e Bacharel em História (UFRGS). Mestranda em História no PPGH-UFRGS.

Informações adicionais: Bolsista de Mestrado do CNPq. Membro do Corpo Editorial da Revista do corpo discente do Pós Graduação em História da UFRGS – Aedos.

Endereço para correspondência: Rua São Nicolau, 1103 – Bairro São João – Porto Alegre-RS – CEP: 91030-230.

Telefones: (51) 3209-5136 / 8473-8339.

E-mail: elenitamalta@gmail.com

 

Chamada do artigo: Este artigo analisa algumas crônicas sobre preservação à natureza publicadas por Henrique Luiz Roessler para o jornal Correio do Povo, de 1957 a 1963, nas quais já é possível encontrar elementos de educação ambiental.

 

Resumo:

O presente artigo analisa o conteúdo de uma seleção das crônicas publicadas por Henrique Luiz Roessler (1896-1963) no Suplemento Correio do Povo Rural, de 1957 a 1963, em Porto Alegre. Em seus textos, Roessler tratou diversas questões ambientais da época em que viveu, como a caça e pesca com instrumentos proibidos, a caça de passarinhos, a poluição dos rios, o direito dos animais, o desmatamento, e questionou a importância do progresso. Nos escritos de Roessler, é possível vislumbrar preceitos de educação ambiental, pois ao enfatizar a necessidade de preservação, incentivavam práticas de re-ligação entre homem e natureza.

 

Palavras-chave: Henrique Luiz Roessler, preservação da natureza, educação ambiental.

 

 

 

Henrique Luiz Roessler (1896-1963) foi um porto-alegrense que realizou um importante trabalho de proteção à natureza no Rio Grande do Sul. Sediado em São Leopoldo, sua área de atuação se estendia para várias cidades do Estado. Sua obra prática se deu na esfera pública, por meio de cargos federais – Delegado Florestal, de 1939 até 1954 e Fiscal de Caça e Pesca, de 1955 a 1963 - e da primeira entidade de proteção à natureza do Rio Grande do Sul, a União Protetora da Natureza (UPN), que ele fundou, em 1955, bem como por meio de panfletos, palestras e crônicas publicadas no Suplemento Correio do Povo Rural do jornal Correio do Povo[1].

Foram cerca de 300 textos, publicados de 15 de fevereiro de 1957 até 08 de novembro de 1963. Em tom de indignação, Roessler relatou e refletiu sobre vários problemas ambientais do Rio Grande do Sul na época, entre eles a questão florestal (derrubadas, queimadas, reflorestamento), a caça ilegal (com destaque aos passarinhos), a pesca predatória, a poluição dos rios, os direitos dos animais, a importância da educação para formar adultos conscientes da necessidade de proteger a natureza, o questionamento da noção de progresso e a expectativa de futuro para a humanidade.

            As crônicas escritas por Roessler são parte da campanha educativa desenvolvida pelo conservacionista[2]. Além dos textos jornalísticos, Roessler produzia também panfletos com mensagens educativas, incentivando o reflorestamento, alertando para os riscos da caça e da pesca predatórias, e, em maior quantidade, contra a caça de passarinhos.

Devido ao caráter educativo dos escritos e folhetos, visando transmitir conceitos de preservação à natureza, é possível afirmar que Roessler já desenvolvia, nos anos 1950, educação ambiental. Embora uma formulação posterior à obra de Roessler, o conceito de educação ambiental pode ajudar a esclarecer o caráter de seu trabalho, principalmente por estar baseado na ação.            Isabel Carvalho (2000, p. 54-55) considera o ambiental como um novo campo de ação político-pedagógica. A situação de crise ecológica, percebida fortemente a partir dos anos 1960-70, levou a um aumento de interesse pelas questões ambientais. Os movimentos de contracultura insurgentes na época trouxeram à tona a necessidade de harmonizar a relação homem-natureza, dado o estado de destruição provocado pelo homem. Carvalho comenta que talvez ainda esteja longe o tempo em que a sociedade e a natureza possam formar uma nova aliança, e este é o trabalho a ser feito, através da educação ambiental. Seu papel, como fomentadora da cidadania, é “a afirmação de uma sociedade de direitos, ambientalmente justa” (CARVALHO, 2000, p. 58).

A educação ambiental (EA) possui um componente político muito forte. Segundo Marcos Reigota (2006, p. 10), “a educação ambiental deve ser entendida como educação política, no sentido de que ela reivindica e prepara os cidadãos para exigir justiça social, cidadania nacional e planetária, autogestão e ética nas relações sociais e com a natureza”. A EA deve se orientar para as comunidades locais, incentivando os indivíduos a participarem na solução de problemas que afetem seu contexto específico, porém, eles devem sentir-se, ao mesmo tempo, “cidadãos do mundo”, tendo consciência da problemática global, de seus direitos e deveres. A premissa é “agir local e pensar globalmente”.

Reigota considera a escola como um local privilegiado para se realizar a educação ambiental. Roessler já tinha percebido a importância do ambiente escolar para divulgar ensinamentos de proteção à natureza. O objetivo aqui é investigar o caráter de sua campanha educativa, pois, possui vários elementos em comum com os preceitos da EA, como, por exemplo, a finalidade de conscientizar os cidadãos para preservarem a natureza com vistas ao futuro. Porém não podemos cair no anacronismo e comparar as iniciativas de Roessler com uma campanha de educação ambiental como a conhecemos hoje. Trata-se de algo diferente, em caráter rudimentar ainda, na verdade abrindo o caminho de maneira inovadora, pois o normal na época era educar as crianças para matarem passarinhos e não para protegê-los[3].

 

 

As crônicas

 

            Na primeira crônica, “Águas envenenadas nos nossos rios, Roessler denunciou a poluição de vários rios do Estado pelo despejo de resíduos tóxicos ”in natura” em suas águas por diversas indústrias e curtumes. Entre os principais atingidos estavam o Rio dos Sinos e Arroio dos Curtumes (São Leopoldo), o Arroio Preto (Novo Hamburgo), Rio Gravataí (Santo Antônio da Patrulha, Glorinha, Viamão, Gravataí), Rio Caí (Montenegro) e Rio Ibicuí (principal afluente do Rio Uruguai, divide Uruguaiana e Itaqui). Segundo o conservacionista, os maiores causadores do desastre eram curtumes, que lançavam taninos, sais minerais venenosos, anilinas e matéria orgânica; também as fábricas de papel escoavam seus detritos; ainda empresas como frigoríficos, fábricas de óleos, e até mesmo petroleiras despejavam seus restos em vários rios citados. Toda essa poluição causava a mortandade de milhares de peixes, doenças em eventuais banhistas, e mesmo problemas estomacais nas populações ribeirinhas que eram obrigadas a consumir as águas destes rios, sem tratamento. Roessler observava que só quando apareciam os peixes mortos nos cursos d’água se ouvia falar que as indústrias instalariam aparelhos para tratar seus resíduos, “mas quando desaparece o perigo comum, o que sempre acontece com a primeira chuva e conseqüente subida das correntes, tudo é esquecido, porque o micróbio do comodismo é muito forte entre nós” (Correio do Povo Rural, 15/02/1957). Ele denunciava os industriais, que nunca eram autuados pelas autoridades, o que o levava a questionar quais os interesses por trás disso, como se eles não pudessem ser incomodados. Já nesta crônica se manifesta o estilo de denúncia, indignado, provocativo e muitas vezes irônico de Roessler em seus escritos.

            Arrolando as causas do “despovoamento das nossas águas”, a crônica “Código de Pesca Rural descumprido” denunciava os principais meios de contravenção praticados nos rios e lagoas do RS. O primeiro causador desse despovoamento, segundo Roessler, seria a destruição dos peixinhos nos arrozais que era causada por cerca de “2000 possantes bombas centrífugas de sucção” (Correio do Povo Rural, 08/11/1957), instaladas às margens de vários cursos d’água. O segundo motivo seria a poluição das águas “pelos resíduos industriais tóxicos e oleosos”, pois dos estabelecimentos em atividade na época “nem sequer 10% possuem tratamento das águas servidas venenosas, lançando-as ‘in-natura’ nos mananciais, causando enorme mortandade de peixes”. O terceiro fator seria “a falta de escadas para peixes nas barragens”, necessárias para a subida dos peixes para os locais onde ocorre a “piracema” [4], período em que ocorria a desova.  Em quarto lugar, a pesca durante a “piracema”, mesmo proibida por lei, era praticada por “pescadores ambiciosos”, segundo Roessler.

             Uma das causas apontadas pelo conservacionista nas duas crônicas para a diminuição do número de peixes nos rios ano a ano era a poluição provocada pelo lançamento “in-natura” de resíduos industriais tóxicos por diversas empresas no Estado. Tema de vários textos, era um problema ignorado pelas autoridades, apesar de provocar prejuízos à pesca e às populações que consumiam as águas envenenadas. Em “O Rio dos Sinos é um esgoto!”, Roessler observou que principalmente no verão, devido ao reduzido volume das águas, o rio “atinge tal grau de saturação de matérias orgânicas e fecais, resíduos cloacais e industriais, substâncias tóxicas e ácidas, que mata não apenas os peixes, mas o consumo ou um simples banho no rio oferecem sério perigo à saúde” (Correio do Povo Rural, 21/02/1958). Ele denunciava a impunidade dos privilegiados curtumes e empresas poluidoras, que nunca atendiam, quando intimadas a tratar seus detritos antes de despejá-los nos rios. Sempre solicitavam maior prazo para cumprir a lei, a suspensão dela ou a indicação de algum aparelho barato. Segundo Roessler, “suas reclamações eram atendidas e assim conseguiam o seu principal objetivo – GANHAR TEMPO (...), pois, depois das chuvas, quando cresce o volume d’água do rio, diminui naturalmente seu índice de contaminação”. Nesta crônica, aparece a preocupação social, além da ambiental. Ele se preocupava com o “povo que sofre as conseqüências desastrosas desse mau estado de cousas” e vê na impunidade dos poderosos industriais um componente para reforçar a luta de classes:

 

Acentua-se assim entre a gente sacrificada o ódio contra a classe burguesa afortunada, que em vez de água do rio pode beber chope, água mineral ou refrigerantes e que preferem comprar um novo automóvel de luxo do que gastar a importância necessária à instalação de um purificador de águas (Correio do Povo Rural, 21/02/1958).

 

            Pode se pensar, guardadas as devidas ressalvas, que essa preocupação possa ser o indício de um princípio do que será chamado nos anos 2000 como “justiça ambiental”, um dos pilares defendidos por muitos autores como necessários para a constituição da cidadania. A luta contra a pobreza e contra a poluição está, em muitos contextos, interligada. 

            A questão social também é tratada na crônica “Escassez de peixes – pescadores miseráveis”, na qual Roessler volta a expor os problemas da pesca, principalmente de água doce, que ele considera estar no fim, pois

 

os remanescentes profissionais estão na miséria, mas os culpados disto tudo continuam impunes, vivem felizes e dormem tranqüilos (...). Vejam que grande injustiça: os pobres abandonados, os ricos protegidos e financiados, mau estado de coisas que vem alimentando ódio de imprevisíveis conseqüências e criando mais um perigoso problema social para o governo. (Correio do Povo Rural, 18/12/1959).

 

            Além dos curtumes, Roessler denunciava a poluição pelo despejo de óleos, principalmente nos Rios Gravataí e Guaíba e na Lagoa dos Patos. Segundo o conservacionista, em ‘Fim com a peste do óleo!”, na “lavagem dos porões-tanques dos petroleiros encostados nos portos ou em viagem são bombeadas toneladas de óleo sujo para dentro da água, cujo volume é ainda aumentado pela massa de óleo combustível e lubrificante, lançado por outros navios” (Correio do Povo Rural, 13/01/1961), levando à morte de peixes e da fauna aquática, como marrecas, socós, biguás e garças. Ele identificava também problemas sociais no derramamento de óleo, pois “os banhistas se lambuzam, as lavadeiras sujam as roupas que lavam, os pescadores mancham as redes (...) sem contar o perigo que o consumo dessa água contaminada representa para os moradores ribeirinhos”.

Todos os problemas com as águas, que levavam à poluição e morte dos peixes, resumiam-se, para Roessler, na “ação de gente ignorante, que só pensa no dia de hoje” (“Pesca destrutiva no Rio Carreiro”, Correio do Povo Rural, 21/07/1961). Essa era uma ideia frequente em seus textos: preservar para o futuro; deixar um futuro para os descendentes.  Ele criticava os industriais poluidores, arrozeiros e pescadores, porque pensavam apenas no presente, visando o máximo de vantagens, de lucros, sem se dar conta de que as gerações futuras iriam precisar dos mesmos recursos naturais.

            A questão florestal foi outro tema destacado nos escritos de Roessler. A mais longa de suas crônicas, publicada em 4 partes, foi “A verdade sobre o problema florestal”, na qual ele citou trechos de obras e discursos de diversas pessoas, incluindo autoridades, que trataram o problema da destruição florestal e da necessidade do reflorestamento. Entre outras, declarações de Júlio de Castilhos, Padre Balduíno Rambo, o naturalista José Vidal, o engenheiro florestal alemão Wolfgang Herzog, os escritores Monteiro Lobato e Euclides da Cunha, são comentadas por Roessler. Apesar de tanto debate sobre o tema, para o cronista “parece que o próprio Poder Público não se interessa muito pela solução do problema florestal, ou que não lhe convém mexer no assunto” (Correio do Povo Rural, 15/08/1958).

            Na crônica “Reflorestamento ou miséria”, Roessler usou uma pitada de ironia. Citou o exemplo dos Estados Unidos, quando o presidente Theodore Roosevelt, sabendo da devastação, “ordenou o plantio de 100 milhões de pinheiros por ano”. Aqui, já que “tanto gostam de imitar os yankees, porque não se mexe uma autoridade ou político capaz e de fibra para tomar uma providência dessa natureza no Brasil?” (Correio do Povo Rural, 23/08/1958). Roessler sabia do esforço norte-americano para implantar o american way of life, desde os anos 1940, por meio da divulgação de hábitos de vida e consumo, principalmente. No fim da década de 1950, esses costumes já estavam praticamente assimilados, portanto a crítica de Roessler à imitação é pertinente. Se fosse para imitar, que se imitassem as coisas boas, pelo menos, é isso que ele parece querer dizer.

            Uma denúncia importante feita por Roessler, a respeito do tema florestal, foi a venda de madeira no Rio Grande do Sul, permeada por questões duvidosas. Nas reservas florestais conforme a Lei, só podia ser retirada “madeira morta” (árvores secas), e ainda com licença para isso. Porém

 

exploradores “bem vivos” que andam por aí, rondando cobiçosos essas matas, inventaram os termos ‘DESVITALIZADO” e “TOSTADO PELO FOGO, para iludirem as autoridades inexperientes, encarregadas da guarda de tais áreas protegidas, propondo a compra de tais árvores a troco de banana, convencendo-as serem de pouco valor, visando unicamente a livre entrada na mataria, para depois poderem cortar à vontade as melhores árvores verdes, o que era tarefa facílima em virtude da inexistência de qualquer fiscalização. (“Árvores desvitalizadas”, Correio do Povo Rural, 10/11/1961).

 

            Segundo Roessler, as reservas, inclusive indígenas, desde a década de 1940, eram alvos dessas contravenções. A retirada apenas das “árvores desvitalizadas” não valeria a pena, pelos custos e instrumentos necessários, pois somente 1% morria em pé, de velhice[5] ou pela ação do fogo, na época. Entre as táticas para produzir árvores desvitalizadas, eram provocados incêndios para chamuscar as árvores e também era colocado ácido sulfúrico para que as copas murchassem. Qualquer árvore com uma mancha preta era marcada como “desvitalizada”, embora tivesse copa verde e brotações novas, podendo ser cortada e vendida.

            O “dia da árvore” era um dos piores dias do ano para Roessler. Ele considerava que “em vez de dia de festa, devia ser um DIA DE LUTO [grifo do autor] pela floresta desaparecida, e deviam chorar de vergonha os que deixaram de cumprir o seu dever” (“Fogo de Palha”, Correio do Povo Rural, 12/09/1958). O problema era que as pessoas só lembravam das florestas e celebravam as árvores nesse dia. Durante o resto do ano, o problema ficava esquecido. Roessler reclamava, acima de tudo, das classes mais visadas, as rurais, onde não se atingia o objetivo educativo, “porque não havia continuidade na propaganda de proteção às florestas e do reflorestamento”.

            Apenas o plantio simbólico de mudinhas ou desenhos e redações sobre as árvores não eram mais suficientes, porque a destruição já estava muito avançada. O conservacionista acreditava que o poder público devia ter mais rigor, com replantio obrigatório para os que derrubassem árvores, assim como destinação de verbas para isso. Ele tinha sugestões bem interessantes sobre como deveria ser a educação para a natureza nas escolas.

            Segundo Roessler, a

 

juventude escolar devia ser ensinada a amar a terra, a floresta e a fauna por meio de um sistema pedagógico moderno, pondo-a em contato direto com a Natureza (...) Levem-nas para dentro das matas, ensinando-as a distinguir as diferentes espécies de árvores pelas folhas, cascas e frutos; mostrem-lhes as minúsculas sementes, das quais se geram os gigantes das selvas, as orquídeas, musgos e cipós que cobrem os galhos, o sub-bosque com a infinidade de arbustos, os capins e folhagens que cobrem o chão tapetado de folhas caídas que formarão o húmus fertilizante, os insetos, borboletas e pássaros que povoam o mato. Expliquem-lhes no ambiente natural a utilidade da floresta virgem para a humanidade. (Correio do Povo Rural, 12/09/1958).

 

            Ele defendia uma educação na prática, pois sua vida foi sempre pautada pela ação e, no estado de degradação das florestas, era necessária uma atuação mais dinâmica, a começar pelas escolas. Roessler chegou a sugerir que um colono ensinasse “os jovens como usar a pá e a enxada, como preparar canteiros, como semear, regar (...) como se lavra a terra” (Correio do Povo Rural, 12/09/1958). Estes ensinamentos práticos seriam de maior utilidade para as crianças e jovens, e de maior proveito do que as Festas da Árvore. Também na crônica “Fogo de palha”, o conservacionista propõe “a criação de BOSQUES ESCOLARES (...), que tantos benefícios já proporcionaram à Juventude de outros países, onde foram organizados e constituem fontes de saber, prazer e saúde para alunos e mestres”.

            Além da educação para preservar as matas, várias crônicas de Roessler tratavam da importância de se preservar a natureza, através da educação. Em “Religião e natureza”, ele sugere que a religião[6] poderia ser uma aliada neste processo. Na sua opinião, “o único Poder capaz de salvar a nossa malograda fauna será o sentimento religioso do povo (...) já no lar as mães carinhosas devem inculcar no espírito dos filhos que vão contra a lei divina e contra os sentimentos humanos, prender, maltratar ou destruir as criaturas de Deus” (Correio do Povo Rural, 01/08/1958). Aliado a isso, “na escola, a proteção à natureza será mais profundamente compreendida se for considerada um problema religioso e se for provado à mocidade que é fundação jurídica da questão se alia a ética e a estética”.

            Roessler acreditava que, para sua campanha educativa obter êxito, era necessário o esforço conjunto da sociedade, principalmente das “classes educadoras”, que ele entendia como pais, professores e religiosos. Somente uma “ação conjunta, educativa e repressiva”, poderia evitar o aniquilamento dos recursos naturais. Educativa, pelo conteúdo a ser ensinado às crianças, para que, no futuro, não contribuam com a degradação ambiental; repressiva, para com os que desmatam e não reflorestam, vendem madeira ilegalmente, etc, com a publicação de leis mais severas e uma atuação mais forte do poder público.

            Para ajudar na tarefa dos professores, Roessler enviava material da campanha educativa a cerca de 3.000 colégios do Estado. Porém, havia um grave problema na época, o analfabetismo, nas classes populares, impedindo que pessoas mais simples, inclusive muitos colonos, lessem as mensagens dos cartazes e panfletos distribuídos.

            Ele percebia que a escola era ambiente privilegiado para divulgar sua campanha, e acreditava na educação, por isso mobilizava força pessoal e recursos para enviar os folhetos. Na sua concepção, à escola, além do aprendizado de conteúdos teóricos, necessários à formação intelectual, cabia a continuação da obra iniciada na família de formar o caráter dos alunos. A primeira obrigação moral a ser ensinada pelos educadores deveria ser “proteger, amparar e defender os fracos e indefesos animais que estão à sua mercê” (“Educação do coração”, Correio do Povo Rural, 26/04/1963), no caso, à mercê das crianças.

            Para poder continuar a campanha, Roessler frequentemente pedia contribuições a seus sócios e simpatizantes. Na crônica “’Socorro’, amigos da natureza”, ele convidava a quem o apoiasse, a “defender os animais e as árvores com o coração, a cabeça e, em caso extremo, até com os punhos” (Correio do Povo Rural, 22/02/1963). E para ampliar seu raio de ação, a UPN necessitava de “mais sócios em toda a parte e de mais dinheiro (...), especialmente [para] a campanha educativa nas escolas, para despertar no espírito da juventude o sublime sentimento de respeito e amizade aos seres e coisas da natureza”. Além de dinheiro, Roessler aceitava qualquer tipo de doação, pois a impressão de milhares de panfletos para distribuir custava muito caro, e a UPN dependia dos recursos de seu fundador – uma fabriqueta de bordados e costura que Roessler montou para a esposa e de seu trabalho como contabilista – e das contribuições dos sócios, nunca tendo recebido dinheiro dos cofres de governo algum. 

A primeira crônica sobre a caça de passarinhos foi “O bicho serrador da acácia”, em 15/03/1957. O texto começa com a constatação de que “sempre que a atividade humana interfere nas imutáveis leis da natureza, provocando o desequilíbrio biológico, ela se vinga terrivelmente. Na sábia organização da natureza todos os animais têm funções definidas e indispensáveis” (Correio do Povo Rural, 15/03/1957).

            Cabia aos pássaros, nessa organização, a função de exterminar insetos nocivos, que incomodavam o bom desempenho da agricultura, tais como a lagarta verde, nos trigais, o “cascudo preto”, nos arrozais, a “vaquinha das vinhas” nos parreirais, a “mosca das frutas”, nos pomares, entre outros citados por Roessler. Se os pássaros fossem mortos por caçadores, as pragas de insetos poderiam desenvolver-se livremente, sem seus predadores naturais para realizar o controle das espécies.

            Com o aumento das pragas, para combatê-los, os agricultores tinham que utilizar ainda mais inseticidas, o que, segundo Roessler, não tinha o mesmo efeito que os exterminadores naturais, pois “o veneno não atinge todos os esconderijos debaixo das folhas, nas fendas da casca das árvores, na terra, etc., onde os insetos se ocultam. Este serviço só é feito com perfeição e grátis pelas aves” (Correio do Povo Rural, 15/03/1957). No caso do bicho-serrador[7], objeto da crônica, ele cortava as pontas dos galhos de acácias e outras espécies de árvores, porém não representava um estrago tão grande no passado, porque tinha os pássaros como predadores naturais. Contudo, segundo relatou Roessler, nos últimos anos da década de 1950, houve uma mortandade muito alta de várias espécies de aves, o que pode ter causado a proliferação do bicho-serrador. 

            O esforço do conservacionista, na tentativa de amenizar o estado de devastação das espécies gaúchas, passava pela educação. Já que era difícil convencer os adultos a mudar seus comportamentos, com as crianças, em processo de formação, poderia ser diferente. Ele considerava como “dedicados colaboradores” da UPN a Classe dos Educadores, “que está modificando a mentalidade da juventude, ensinando-a que AMAR A NATUREZA é analisá-la, compreendê-la, tratá-la com respeito e bondade, excluindo todos os atos de violência, crueldade ou destruição contra insetos ou passarinhos, animais ou plantas” (Correio do Povo Rural, 24/07/1959).

            Entretanto, em alguns casos, o problema se dava quando os progenitores “sabotavam” a obra dos educadores, pois era hábito muito comum os pais saírem com os filhos, principalmente nos finais de semana, para matar passarinhos. Mesmo que os pequenos não quisessem caçar, eram obrigados a fazê-lo para não receberem castigo dos pais. Roessler transcreve o desabafo de uma professora:

 

Encontrei muitas dificuldades. Alguns pais não querem compreender a nossa obra educacional. São francamente contra, por teimosia ou ignorância. Cito o caso de um bom e inteligente menino, que levou para casa, como todos os meus alunos, um boletim sobre a utilidade dos pássaros, desses que o Senhor [Roessler] nos mandou. No dia seguinte o menino me disse: ‘O pai não gostou’. Perguntei-lhe o que seu pai havia dito. O menino relutou, constrangido, mas depois confessou com lágrimas nos olhos: ‘O pai disse que a senhora é uma besta. Quem manda em mim é ele. Fez uma funda e me mandou juntar bastante pedrinhas para eu ir caçar passarinhos com ele no domingo. Eu tenho tanta pena dos pobres passarinhos, mas vou ter que obedecer para não apanhar’ (Correio do Povo Rural, 24/07/1959).

 

 

            Roessler citou o caso de outro menino, observado por ele mesmo durante uma fiscalização na Serra Gaúcha, sentado atrás de um arbusto, perto de uma casa na zona rural. Perguntado sobre o que fazia ali, respondeu que estava “matando passaretas com tabula”. O conservacionista ainda questionou se a professora não lhe ensinara que não se devia matar passarinhos. O menino disse que sim e que havia vários cartazes afixados na escola (talvez os do próprio Roessler), “mas que os pais não queriam saber disso, que eram muito brabos e o surravam e o mandavam todos os domingos ali no campo matar avezinhas [...], obrigando-o depois a ajudar a comê-los, quando ficava com muita pena dos pobres bichinhos” (Correio do Povo Rural, 24/07/1959).

            Parece que os dois casos eram representativos do que acontecia na zona rural. O ato de matar passarinhos com fundas ou outros artefatos era praticado em vários municípios de colonização italiana, portanto os esforços de Roessler e das professoras encontravam sérios obstáculos em muitas famílias, habituadas a comer a “passarinhada” [8]. Muitos não admitiam abrir mão de tão “saboroso petisco”. Mesmo assim, ele aconselhava às educadoras a não desanimar, pois, no futuro, “os bons ensinamentos que hoje semeiam, frutificarão”.

            Na crônica “Trezentos e sessenta sabiás para comer”, Roessler relatou um dia e uma noite de fiscalizações, em que foram apreendidos 320 sabiás. Foi em 14/06/1959, na localidade de Vila Seca, entre São Francisco de Paula e Caxias do Sul, colônia italiana, portanto. Durante o dia, a fiscalização (Roessler e ajudantes do Serviço de Caça e Pesca) surpreendeu 16 transgressores com 60 sabiás e 10 pica-paus, o que já foi considerado pelo grupo “uma derrubada excepcional”. À noite, pelas 23 horas, os fiscais estavam exaustos, porém “um pressentimento anunciava mais algum acontecimento de importância para aquela noite; que era cedo para abandonar o serviço” (Correio do Povo Rural, 03/07/1959). Às 2 horas, “hora dos ladrões e contrabandistas”, os fiscais pegaram a grande presa da noite: um porta-malas com dois grandes sacos de pássaros e uma caixa de munição.  Dentro dos sacos havia 260 sabiás, já depenados, o que perfazia cerca de 20 quilos. Roessler o qualifica de “supertarado, recordista absoluto”, pois não demonstrou sentimento algum de arrependimento. Entretanto o título da crônica se refere a uma matança em São Francisco de Paula, quando morreram 360 sabiás, alem de mais de uma centena de pica-paus, bem-te-vis, tico-ticos, entre outras, pela ação dos “passarinheiros”.

            A despeito do ódio pelos matadores de passarinhos, Roessler não era totalmente contra a caça. Era contra a caça predatória, ilegal, do extermínio e sofrimento dos animais caçados. Tanto que, a seu ver,

 

a caça deveria ser permitida somente a homens sérios, idôneos, depois de terem absorvido um curso de caça e aprendido a conhecer os animais silvestres e os seus direitos e deveres de caçadores, e que tenham demonstrado suficiente formação de caráter, quando realizarem as provas de campo (...) e não a quaisquer elementos sádicos que gostam de ver estrebuchar a seus pés o animal assassinado, esvaindo-se em sangue, rindo, em olhar os seus cães estraçalhar uma capivara com seus filhotes; que matam a pau uma ninhada de marrequinhas de poucos dias; que atiram uma garça ou um quero-quero só para vê-los tombar das alturas; que abandonam os animais feridos, para não terem trabalho de procurá-los quando se arrastam para o esconderijo, deixando atrás de si um rastro de sangue (“Caça, experiência assassina”, Correio do Povo Rural, 28/10/1960).

 

 

            Neste ponto, Roessler reconhece que os animais também têm direito à vida. Se a caça fosse dentro dos limites estabelecidos pela lei e não causasse sofrimento desnecessário aos animais, ele não se oporia.

            Uma de suas crônicas se intitulou “Os animais também têm direitos?”, na qual Roessler lembra do decreto 24.645, de 10/07/1934[9], que estabelece como os animais devem ser tratados pelos homens. Ele cita o trabalho de Palmyra Gobbi Dias[10], na Associação Riograndense de Proteção aos Animais, onde “é realizado, sem subvenção dos Poderes Públicos, apenas com os recursos provenientes das contribuições dos sócios e de donativos de simpatizantes (...) o que ali se acumula de fadiga e de sacrifícios pessoais, para acudir os pobres seres perseguidos e necessitados” (Correio do Povo Rural, 02/03/1962). Roessler enumera uma série de castigos infligidos aos animais praticados pelos homens, e conclui que “o grau de civilização de um povo se avalia pela maneira como trata os seus animais”.

            O conservacionista também se manifestou sobre o uso de animais como cobaias em estudos científicos. Denunciou que “milhões de animais, cães, gatos, macacos, coelhos e outros são sacrificados anualmente em nome da Ciência, para fins de estudos e experiências”. Em muitos casos, dissecados vivos, a chamada “vivisecção” faria com que o animal sofresse terrivelmente.

 A questão da ética e bioética são centrais no debate científico contemporâneo (séculos XX-XXI). A necessidade ou não da utilização de animais nas experiências científicas é tema de inúmeros estudos, porém não há consenso, e a maioria, ao que tudo indica, aponta que a utilização de animais é necessária e até mesmo indispensável, em muitos casos, desde que não cause sofrimento às cobaias. Segundo Anamaria Feijó (2005, p. 18), a “ética dos animais” constitui, atualmente, um capítulo da Bioética, definida como “estudo sistemático da conduta humana na área das Ciências da vida e dos cuidados da saúde, na medida em que esta conduta é examinada à luz dos valores e princípios morais”. Feijó constata que desde a Antiguidade os animais são utilizados em experiências científicas. Aristóteles já teria observado e descrito mais de 500 espécies de animais em suas obras. O primeiro a realizar testes com animais vivos teria sido Erasistratus (304-258 a.C.). No século XVI, Andréas Vesalius (1514-1564) fundou a anatomia moderna, introduzindo a dissecação[11] dos corpos, para melhor observar as estruturas anatômicas.

Entretanto, no século XIX, com as ideias humanistas impulsionadas por eventos importantes, como a abolição da escravatura em vários países e a revolução industrial, começaram a ocorrer manifestação contra a vivisecção, especialmente nos Estados Unidos e Inglaterra. A partir de 1938, a utilização de animais em testes de laboratório começou a ser regulamentada por leis e órgãos de fiscalização. Percebeu-se que, em muitos casos, não era possível testar substâncias diretamente em seres humanos, daí a necessidade da utilização em animais primeiro. Porém, não há consenso nem nas entidades protetoras de animais, nem entre os próprios cientistas, pois se questiona sempre se realmente o animal tem que sofrer pelos humanos.

Além de denunciar a ciência e maus-tratos de donos, Roessler também criticou o uso extremo dos cavalos, obrigados a carregar pesadas cargas durante toda a vida; as rinhas de galos, em que estes recebem dos homens navalhas nos esporões para se cortarem; a matança de garças e avestruzes – ema, no Brasil; o corte das pernas das rãs – saboroso petisco para alguns, na época – devolvidas vivas às águas, com um rastro de sangue, mutiladas, para morrer. Também a questão da moda, que fez com que se depenassem aves silvestres para usar suas penas como adornos em chapéus femininos no início do século XX. E os famosos casacos de peles ocasionaram “o massacre de várias espécies de animais de pelo fino, como do castor, da raposa prateada, do lobo marinho, (...) da chinchila, espécies de outras terras e das nossas lontras e nutrias, também comuns na Argentina, Uruguai e Paraguai” (Correio do Povo Rural, 02/03/1962).

            Outro tema significativo na obra de Roessler foi o questionamento da noção de “progresso”, como um ideal de futuro. Em várias oportunidades, ele criticou o progresso, tal como era concebido pela humanidade, pois levava a uma separação ainda maior do homem com a natureza, o que aumentava a destruição dos recursos naturais.  Em “Animais mortos nos rios”, Roessler cita um trecho do relato do viajante Avé-Lallement[12], narrando como era o rio dos Sinos em 1858:

 

a viagem, de vapor, de Porto Alegre a São Leopoldo durou sete horas. Sete horas de navegação por um rio calmo, de águas verdes, de margens revestidas de grandes árvores, quase que cobertas de aves. A floresta se revestia de orquídeas, trepadeiras e musgos, que desciam em barbas sobre a água. Enquanto o vapor passa junto das margens e muitas vezes navega à sombra do mato, adeja, nas arejadas frondes, uma multidão de coloridas borboletas. Voam de galho em galho numerosos martins pescadores. (Correio do Povo, 27/12/1958).

 

            Roessler constatou, desolado, que, em 1958 – cem anos após o relato de Avé-Lallement, portanto – a beleza narrada pelo viajante já não existia e nunca mais voltará, porque “o ‘progresso’ estragou o rio, as árvores foram cortadas e queimadas, as aves foram mortas, as águas verdes e límpidas ficaram turvas e podres, envenenadas e fedorentas”. Essa destruição é o preço que a humanidade paga pela civilização e progresso material, pois, para Roessler, “a natureza é conspurcada e destruída onde o homem entra em ação”.

            Em “O progresso destrói a natureza”, Roessler demonstrou que já tinha consciência do problema das cidades, principalmente as metrópoles, noção que atualmente é muito debatida, considerada por estudiosos um dos maiores problemas ambientais do Brasil.[13] Observando seu tempo, o conservacionista percebeu que

 

a vida se torna mais neutra, técnica, fria, autômata, anônima e interesseira, num tempo desses aumenta, para o mato, o número de seus inimigos e fica exposto a maiores perigos. Especialmente nas áreas de grande aglomeração fabril, nas portas das grandes cidades, o mato está exposto ao avanço da indústria, do tráfico e do loteamento. (Correio do Povo Rural, 13/04/1962).

 

            Ele cita o exemplo da desapropriação de uma fazenda – inclusive, curiosamente, o dono era um dos sócios da UPN! – na divisa de Canoas com Esteio, para a construção de uma Refinaria da Petrobrás. Roessler até aceita o fato de que a refinaria traria muitos empregos e riqueza para a região, porém a área desapropriada continha um bosque de 40 hectares de mata virgem, “a última Reserva florestal do município de Canoas”. Com tantos outros terrenos sem árvores para construir, por que justamente escolher um que ainda contém árvores? Roessler não conseguia compreender isso, que, para ele era como uma provocação, para “judiar” seu amigo, dono da fazenda. Questiona-se: “por que será que só é observado pela maioria o lado material, mas nunca [o] ideal que enaltece o espírito e proporciona felicidade na vida?” (Correio do Povo Rural, 13/04/1962). Além do desmatamento, a refinaria ainda causaria maiores prejuízos ambientais, pois seus esgotos afluiriam para o arroio Sapucaia, contaminando-o e matando seus peixes.

            Sobre os danos provocados pelas grandes cidades, a crônica “Monstrópolis – a grande capital”, comenta o ritmo acelerado de crescimento da zona urbana entre Porto Alegre e Novo Hamburgo, no final da década de 1950, e que, no futuro teria milhões de habitantes. Roessler não entendia como as pessoas podiam vender suas casas no campo, onde tinham uma vida mais tranqüila, para ir viver nas cidades, “enclausuradas entre paredes” (Correio do Povo Rural, 05/06/1959). O caos urbano, problemas no trânsito, a poluição auditiva e visual, o cenário rodeado de pedras, aço, vidro e cimento, a poluição do ar eram problemas que o conservacionista percebia nas grandes cidades.

            Outra manifestação de questionamento ao “progresso” presente na obra de Roessler foi a retificação do Rio dos Sinos, tema de mais de uma crônica. Em “A retificação do Rio dos Sinos”, Roessler constatou que o plano era “estrambólico” (Correio do Povo Rural, 27/01/1961), sendo necessários “bilhões de cruzeiros” para realizá-lo. A retificação se daria pela construção de diques nas duas margens e escavações em terra firme, para tornar o curso do rio mais reto, com menos curvas. A justificativa para tal projeto era a diminuição de enchentes, o escoamento da poluição seria facilitado e encurtaria as distâncias. Para o conservacionista, a obra era desnecessária, com tantas outras demandas mais urgentes no Rio Grande do Sul e no resto do Brasil.

            Assim como nos panfletos, Roessler elegeu a questão da caça – especialmente de passarinhos – e do reflorestamento como principais temas para compor suas crônicas no Correio do Povo Rural. Através do cargo de Delegado Florestal, ficou conhecendo os meandros das concessões de licenças para desmatamento e presenciou o descaso com o reflorestamento. Na UPN, seguia aplicando os conhecimentos obtidos na função pública, agindo para conscientizar o público da necessidade de preservação da natureza através da publicação de textos no jornal e da distribuição de panfletos educativos nas escolas gaúchas. Além disso, continuava apostando na ação, por meio das saídas de fiscalização, que ocorriam para flagrar principalmente caçadores ilícitos, mas também pescadores ilegais, desmatadores e pessoas que torturavam animais.

            Nas crônicas de Roessler, é possível perceber um grande esforço para alertar a população dos problemas ambientais vividos na época, os anos 1950-60. Suas mensagens, de caráter explicitamente educativo, podem ser caracterizadas como um esforço de promover educação ambiental. Não exatamente entendida como hoje, no século XXI, porém contendo alguns elementos representativos da EA[14]. Por exemplo, havia um sentido global em seu projeto, ao perceber que os seres vivos estão interligados e dependem uns dos outros para sobreviver. Havia também a proposta de uma melhor relação entre o homem e a natureza, cuja “separação”, por causa do “progresso” acelerado era causadora dos problemas ambientais. A ação, uma das características da EA, era fundamental no trabalho de Roessler, aliada à produção escrita. E esta ação era direcionada para problemas reais e concretos, que ele conhecia bem, no Rio Grande do Sul. Além disso, Roessler acreditava no poder da educação. Vários de seus folhetos eram direcionados para professores, pais e alunos, na esperança de que uma ação conjunta pudesse formar pessoas mais conscientes no futuro. Só assim a natureza e, principalmente os passarinhos, teriam uma chance.

 

 

Fontes:

Crônicas publicadas por Henrique Luiz Roessler no Suplemento Correio do Povo Rural (Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul).

 

Águas envenenadas nos nossos rios. 15/02/1957.

Animais mortos nos rios. 27/12/1958.

Árvores desvitalizadas. 10/11/1961.

A retificação do Rio dos Sinos. 27/01/1961.

A verdade sobre o problema florestal. 15/08/1958.

Caça, experiência assassina. 28/10/1960.

Código de Pesca Rural descumprido. 08/11/1957.

Educação do coração 26/04/1963.

Escassez de peixes – pescadores miseráveis. 18/12/1959.

Fim com a peste do óleo! 13/01/1961.

Fogo de palha. 12/09/1958.

Monstrópolis – a grande capital. Porto Alegre, 05/06/1959.

O bicho serrador da acácia. 15/03/1957.

O progresso destrói a natureza. 13/04/1962.

O Rio dos Sinos é um esgoto! 21/02/1958.

Os animais também têm direitos? 02/03/1962.

Pais contra professores 24/07/1959.

Pesca destrutiva no Rio Carreiro. 21/07/1961.

Reflorestamento ou miséria. 23/08/1958.

Religião e Natureza. 01/08/1958.

”Socorro”, amigos da natureza. 22/02/1963.

Trezentos e sessenta sabiás para comer. 03/07/1959.

 

Referências bibliográficas:

 

ACOT, Pascal. História da Ecologia. Rio de Janeiro: Editora Campus, 1990.

 

BRASIL. DECRETO LEI Nº. 24.645, de 10 de julho de 1934. Disponível em:

<http://www6.senado.gov.br/legislacao/ListaPublicacoes.action?id=39567>. Acesso em 02 de junho de 2010,

 

CARVALHO, Isabel. A questão ambiental e a emergência de um campo de ação político-pedagógica. IN: LOUREIRO, Carlos Frederico et. al. (orgs.)Sociedade e Meio Ambiente: Educação ambiental em debate. São Paulo: Cortez, 2000.

 

DE BONI, Luis A., COSTA, Rovílio. Os italianos no Rio Grande do Sul. Porto Alegre/Caxias do Sul: EST/UCS, 1979.

 

FEIJÓ, Anamaria. A utilização de animais na investigação e na docência: uma reflexão necessária. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2005.

 

MICHEL, Eunice de Lemos. Hepáticas epíficas sobre o pinheiro-brasileiro no Rio Grande do Sul. Porto alegre: Editora da UFRGS, 2001.

 

REIGOTA, Marcos. O que é Educação Ambiental. São Paulo: Brasiliense, 2006.

 

ROESSLER, Henrique. O Rio Grande do Sul e a Ecologia – Crônicas escolhidas de um naturalista contemporâneo. Porto Alegre: Martins Livreiro-Editor, 1986.

 

UNESCO, Conferencia intergubernamental sobre educación ambiental. Informe Final, Tbilisi-URSS, Informe ED/MD, n° 49, Paris, 1978.

 

WALDMAN, Maurício. Natureza e sociedade como espaço de cidadania. In: PINSKY, Jaime, PINSKY, Carla Bassanezi (orgs.). História da Cidadania. São Paulo: Editora Contexto, 2003.

 

Notas finais:


 

[1] Jornal com sede em Porto Alegre. Os textos de Roessler saíam, no começo, na seção Assuntos Rurais. A partir de 06/09/1958, com a criação de um suplemento, chamado Correio do Povo Rural, seus textos passaram a ser publicados no encarte, que circulou até 15/09/1984. Em 1986, a AGAPAN (Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural) publicou 95 destes textos, em homenagem a Roessler.

[2] Utilizaremos o termo conservacionista, porque era uma expressão comum no contexto em que Roessler viveu, para designar as pessoas que se interessavam pela preservação da natureza. Os conceitos de meio ambiente e ecologia só serão popularizados nos anos 1970 (ACOT, 1990, p. 7), e com eles os termos “ambientalista” e “ecologista”.

[3] Cabe esclarecer que uma seleção das crônicas foi necessária. Escolhemos alguns textos representativos das principais temáticas tratadas por Roessler, tanto na escrita, quanto na prática cotidiana.

[4] Este período também é conhecido como “defeso”, a época de reprodução dos peixes. Todos os anos, de outubro a maio, algumas espécies de pescado fazem um longo percurso, vencendo os obstáculos naturais, como as corredeiras e cachoeiras, no intuito de perpetuar suas espécies. Além das barreiras naturais, os peixes ainda tinham que escapar da pesca predatória. Roessler denunciava esse tipo de pescaria, na verdade insustentável, pois a morte de fêmeas carregadas de ovas impediria a continuidade dos peixes e da própria pesca. Os dourados, piavas e grumatãs eram as espécies mais atingidas, já consideradas raras nos anos 1950.

[5] A árvore típica da região sul do Brasil, citada várias vezes por Roessler, chamada popularmente de pinheiro brasileiro ou Pinheiro-do-Paraná, e cientificamente de Araucária angustifólia, é longeva, atingindo, em média, entre 140 e 250 anos, existindo exemplares, de acordo com os anéis de crescimento, com até 386 anos de idade. Segundo Michel (2001, p. 16-17) “o pinheiro brasileiro ocorre em grupamentos densos nas partes mais altas do Planalto Sul-Brasileiro, nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, ficando mais espaçados em São Paulo, até o sul de Minas Gerais e Rio de Janeiro. É uma espécie de alto valor econômico, motivo pelo qual sofreu o corte intenso de suas madeiras para fins industriais.

[6] Roessler foi batizado na Igreja Evangélica Luterana de São Leopoldo e estudou no Colégio Nossa Senhora da Conceição, fundado e mantido por padres jesuítas. A religião foi elemento importante em sua formação, e aparece em muitas de suas crônicas. A natureza, para Roessler, era uma criação divina, por isso merecia todo o cuidado do homem. Em seu entendimento, a destruição da “obra divina é UM PECADO CONTRA DEUS” (Correio do Povo Rural, 01/08/1958).

[7] O “bicho-serrador” é uma espécie de besouro muito pequeno, menor que a cabeça de um palito de fósforo. Seu nome científico é Oncideres dejeani, um coleóptero que pertence à ordem dos Coleoptera - Cerambycidae. Segundo CARVALHO, o “serrador”, com o corte dos ramos da planta, prejudica o seu desenvolvimento; geralmente as árvores atacadas secam e morrem. Disponível em: <http://www.cnpf.embrapa.br/pesquisa/efb/index_especies.htm>. Acesso em 02 de junho de 2010.

[8] Em vários municípios gaúchos de colonização italiana, especialmente Caxias do Sul e Bento Gonçalves, havia grandes caçadas a passarinhos para a elaboração do prato passarinhada com polenta e molho, “um costume italiano surgido da abundância de pássaros e da necessidade de alimentação” (DE BONI, COSTA, 1979, p. 170-71).

[9] Composto de 19 artigos, estabelece multa e prisão para quem aplicar maus-tratos aos animais. Esclarece o que são “maus tratos”, entre outras disposições.

[10] Palmira Gobbi Dias (1909-1979), exerceu destacada atuação como “protetora dos animais”. Ela recebeu várias homenagens pós-morte, em Porto Alegre, como o nome do Mini Zôo, que funciona no Parque da Redenção, que a partir de 10 de novembro de 1984 passou a se chamar Palmira Gobbi. Também foi instituída uma rua com o seu nome, na Zona Norte da cidade, próxima a Av. A J Renner e Av. dos Estados.

[11] Segundo Feijó (2005, p. 71), a diferença entre vivisecção e dissecação é que o primeiro termo, originado do latim, significa “cortar um ser vivo”, em geral utilizado para observar fenômenos fisiológicos. Já a dissecação significa separar, com um instrumento cirúrgico, as partes de um animal morto, para conhecer sua anatomia.

[12] Robert Ch. B. Avé-Lallement (1812-1884) era médico alemão. Veio para o Rio de Janeiro, tornando-se médico chefe de hospital. Atuou no combate à febre amarela. Retornou à Alemanha em 1855. Dois anos depois voltou ao Brasil, sendo nomeado médico do Hospital dos Estrangeiros.Realizou diversas viagens ao sul e ao norte do Brasil.

[13] Atualmente, as grandes cidades são o palco dos principais problemas ambientais do Brasil e de outros países. No meio urbano, consome-se em excesso, produz-se lixo em demasia; consome-se e desperdiça-se muita água e energia; constrói-se casas em áreas ambientalmente frágeis, entre outros problemas. É nas cidades que podemos ver mais clara e cruamente o processo de exclusão social, em que vastas extensões são ocupadas por favelas, nas quais persiste uma estrutura precária, em que a população sofre com a ausência dos serviços sociais básicos. Uma contribuição interessante sobre o assunto encontra-se em Waldman (2003).

[14] No texto da conferência sobre educação ambiental organizada pela UNESCO em 1977, em Tbilisi-URSS, constam características da EA, tais como: um sentido global, consciente da interligação dos seres vivos; promoção de uma melhor relação homem-natureza; a necessidade da ação; a participação popular; a educação como veículo de transmissão da necessidade de se proteger a natureza, entre outros.

Ilustrações: Silvana Santos