Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Para Sensibilizar
SER X TER última escolha da humanidade
Dib Curi O futuro da nossa sociedade tem ocupado
as mentes de muitos pensadores na atualidade. O fato é que precisamos de mais
pesquisas sobre as alternativas econômicas para vivermos em sociedade. As ideias
atuais estão muito direcionadas e fica parecendo que há apenas um tipo de
economia possível. Os rumos sociais parecem estar confusos.
Ao invés de estarmos estudando como gerar pessoas mais inteligentes e criativas,
estamos muito mais preocupados em melhorar a inteligência artificial e em gerar
técnicos reprodutores de rotinas. Pensamos muito em repressão e muito pouco em
aprofundarmos a qualidade e o conceito da educação. Estamos investindo recursos demais em
máquinas e de menos em gente. A antiga justificativa da Revolução Industrial de
que as máquinas iriam trabalhar por nós esfarrapou-se. Estamos trabalhando mais
do que nunca. O trabalho transformou-se em uma espécie de religião. O atual
sistema econômico está privatizando a Vida com uma velocidade neurótica e um
consumismo totalmente irresponsável. Esta cultura do consumismo está fazendo
desaparecer a profunda diversidade de comportamentos existente entre nós. A
uniformização da cultura está causando a uniformização dos comportamentos
também. Todos ficam com desejos e atitudes parecidos. Isto acontece, em parte, porque existe
um investimento muito forte do mercado para tornar as "Marcas" símbolos de
status. As "Marcas" estão se tornando os deuses da modernidade e o marketing é o
seu principal ritual. Os jovens são levados a venerar as "Marcas" e as
consideram como "Pontos de Mutação" para eles mesmos. Ao invés de jovens
originais e criativos, estamos construindo mentalidades consumistas,
individualistas, hedonistas e alienadas. Estamos estimulando um excesso de
materialismo nas "consciências" de nossos jovens enquanto deveríamos estar
estimulando ocupações criativas. O problema é que um redemoinho gigantesco
parece ter sugado a mente da maioria de nós para os ralos das nossas contas
bancárias e nos tornamos escravos de preocupações materiais, necessidades e
desejos sem fim. Enquanto isto, dois bilhões de pessoas
ganham menos do mínimo para sobreviverem e vivem em condições miseráveis. Se
todos nós pudéssemos ser ricos, a Terra morreria em 15 anos, sufocada por uma
luxúria consumista crescente. Hoje, antevemos um futuro aterrador, onde morremos
sufocados por calor, gases e lixo, enquanto a Terra é explorada muito além de
sua capacidade de regeneração. Somos desleixados demais com o planeta.
Nossa única relação com o meio ambiente é a de explorá-lo sem tréguas. Parecemos
inconscientes do efeito catastrófico de nossas condutas e somos insensíveis ao
reconhecimento da harmonia do Cosmos e do direito das espécies. Causamos aos
animais toda espécie de sofrimentos atrozes, inclusive a extinção de muitos
deles. Ninguém ignora que nossa sociedade
precisa passar por reformas radicais e urgentes. Não é mais possível que todos
os neurônios humanos estejam envolvidos apenas com o desenvolvimento material. O
ser humano é um ser espiritual. Existe uma sensibilidade a ser manifestada e ela
está muito mais relacionada ao Amor do que ao dinheiro. Mais ligada a comunhão
do que ao sucesso individual. Muito mais focada na liberdade e na criatividade
do que em funções rotineiras. E aponta, principalmente, para a Sabedoria, muito
antes do conhecimento. Para o grego Píndaro, "a Sabedoria é o conhecimento
temperado pela Ética." Embora falemos muito de Ética, não temos
Ética nenhuma. Somos até vulgares em nome da nossa auto-preservação e defesa. A
competição acirrada e a insegurança esmagaram a possibilidade da fraternidade. A
única cumplicidade que estimulamos é a sexual. Estamos canalizando a nossa
energia de afeto e novidade para o sexo. Enquanto ficamos entediados de tanto
trabalho e preocupações, nossos "dirigentes" continuam perseguindo o
desenvolvimento com uma voracidade de dinossauros. Dizem que é porque o
desenvolvimento gera empregos. Mas quem quer empregos quando precisamos mesmo é
de vocações e talentos? Empregos são ofícios aborrecidos, que não contam,
necessariamente, com o nosso envolvimento e amor. As vocações e talentos alegram
as pessoas, trazem reconhecimento social e podem provê-las de recursos
econômicos também. Mas para uns poucos a vida é "Business":
uma oportunidade de negociar com recursos naturais e humanos. Eles estão
interessados no poder pela multiplicação das coisas e não no progresso das
pessoas. Esta mentalidade não vai querer reformar o mundo. Ela vai é devorar o
mundo todo. Somos nós, cidadãos, é que devemos fazer as reformas, se é que temos
algum compromisso com a harmonia planetária e com a sobrevivência das futuras
gerações. Muito mais do que trabalhar pela
sobrevivência física da humanidade, devemos trabalhar pela sobrevivência
espiritual do ser humano. Temos que parar de gerar pessoas embotadas e
estúpidas, porque elas ficam muito frágeis aos dinossauros. Precisamos gerar e
educar pessoas livres e despertas, cidadãos criativos, afetivos e vocacionados
em seus talentos. O verdadeiro desenvolvimento sustentável é aquele onde o
progresso espiritual acompanha o progresso material. Parece que nossa sociedade trocou as
prioridades do viver e preferiu o Ter ao Ser. Continuamos entregando a
maravilhosa história da humanidade ao canto de sereia do capitalismo selvagem.
Será mesmo que este belo projeto que é a história humana vai acabar agora com
estes novos filhotes de dinossauros, ainda mais ávidos por desenvolvimento
material, consumo desmedido e trabalho alienado? Fonte:
http://www.forumseculo21.com.br Acesso em: 05/12/2010 |