Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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03/09/2010 (Nº 33) Educação ambiental e uma abordagem sobre o todo
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Educação Ambiental 33

Educação ambiental e uma abordagem sobre o todo

Nilton Manoel Lacerda Adão

 

RESUMO

Este artigo tem como premissas o entendimento do universo como um sistema resultante de uma interação de entidades. As designações que conceituam os elementos da natureza são determinadas  no espaço e no tempo. Os avanços científicos, principalmente no que se refere às descobertas no campo da física podem fundamentar filosoficamente o homem como continuidade da natureza, abordando toda a esfera moral e social que circunda seus movimentos no espaço. Compreende-se a natureza a partir do conceito de “natureza organismo” no qual homem e natureza fazem parte de um único sistema vivo.

 

PALAVRAS-CHAVE: Educação Ambiental. Natureza. Todo.

 

INTRODUÇÃO

 

 “ O que ocorre com a terra recairá sobre

os filhos da terra. Há uma ligação em tudo.”

                             (Cacique Seathe, 1855)

 

A Educação Ambiental fundamenta-se em uma prática pedagógica de consistência crítica e de busca de novas relações entres seres humanos e natureza. A idéia de “natureza organismo” sempre esteve viva nos processos de construção do conhecimento. Pode-se dizer que esta percepção de mundo esteve presente na filosofia grega, nos filósofos românticos, nas filosofias e religiões orientais e outras culturas dizimadas pela cultura ocidental. Na atualidade, a idéia de “interligações no cosmos” pode ter fundamentação nas  descobertas da física pós-newtoniana.  Procurando refletir sobre esta questão, o presente artigo busca entender a natureza e o homem como parte de uma conexão cósmica. Nesta conexão, o individuo só pode ser entendido a partir das implicâncias da sua relação no todo.

Na compreensão da “natureza uno”, as questões socioambientais ganham um caráter emergencial, tendo em vista que a continuidade de todas as espécies vivas e não vivas dependem da “boa saúde do planeta”.  Este entendimento ontológico da natureza coloca o homem, sem determinismos, com suas propriedades transcendentais e materiais, como continuidade do cosmos e não como sujeito central. Diante desta premissa, as representações de espaço que indicam as conexões do (e no) todo podem orientar novas formas de interpretações, relações e ações no mundo.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Estamos em pleno mar... Dois infinitos

Ali se estreitam num abraço insano

Azuis, dourados, plácidos, sublimes...

Qual dos dois é o céu? Qual é o oceano?...

                                               (Castro Alves)

 

            Castro Alves, autor de “O navio negreiro”, usa de sua licença poética para descrever uma relação harmoniosa entre o céu e o oceano. Nesta relação, os observadores também estão inseridos na realidade que a harmonia entre as cores apresenta. No questionamento o poeta se pergunta, qual é um? Qual o outro? Estas respostas podem ser encontradas na física quântica, que sugere uma teoria  para estudar os organismos microscópicos e avaliar o comportamento de átomos e moléculas buscando o entendimento da estrutura da matéria até as macromoléculas de interesse biológico.

Partículas e ondas estão juntas e se complementam havendo uma interação constante de entidades que resultam na energia que compõe a matéria. De acordo com esta afirmação, matéria é o resultado do movimento dentro de um campo energético. Este breve comentário aponta uma possível compreensão do que venha a ser a matéria e por fim toda estrutura que compõe o universo. Pode-se argumentar, com essa reflexão, que há um entrelaçamento entre partículas e energia que resultam em um sistema total: o cosmos. Segundo Boff ( 2004, p.87) “ formamos um todo organicamente articulado e re-ligado. Não existe um desregrado do outro. O observador está unido, mesmo que não tenha consciência disso, ao objeto observado.” Pode-se então afirmar que há uma constante troca de energia em todos os estados da matéria, ou seja, entre todos os seres vivos e não vivos. A partir deste  ponto de vista, é possível a afirmar que formamos uma grande comunidade cósmica.

Vale-se do argumento que é possível  a interpretação de um mundo de interconexões como se pode observar na descrição de Capra (2002a, p.41) “... as partículas subatômicas não são “coisas” mas interconexões entre coisas, e estas, por sua vez, são interconexões entre outras coisas, e assim por diante. Nesta concepção, nunca acabamos chegando a alguma “coisa”, sempre lidamos com interconexões”. Diante desta perspectiva, os sistemas bióticos e abióticos formam os ecossistemas, conexões contínuas e harmônicas do planeta  Terra,  que faz parte de forma sistêmica  do cosmos.

            Para que haja a interconexão deve haver uma constante troca. Este dado fundamenta o princípio da termodinâmica na observação que da ordem resulta a desordem, ou seja, nas relações do meio uma entidade (que pode ser entendido como um sistema definido por um observador) é ordenada na desordem do ambiente; sendo assim, os muitos componentes interagindo originam um sistema complexo.

            Reconhecendo-se o homem como parte desse sistema, faz-se dele um ser de relações fazendo jus a reflexão de  Freire ( 2003, p. 47) “partirmos de que o homem, ser de relações e não só de contatos, não apenas está no mundo, mas com o mundo.” Esta abordagem, permite, sem determinismos, uma visão ecológica  de como os seres humanos se relacionam  no ambiente social e natural. Pode-se, neste caso, argumentar que para toda ação humana no planeta há uma reação do meio. Destarte,  o atual modelo de desenvolvimento econômico está tornando-se insustentável para manutenção de um padrão saudável de vida. Ao analisar a sociedade atual, o físico Fritjof Capra aponta o caos social que passa a orientar a sociedade contemporânea.

O excessivo crescimento tecnológico criou um meio ambiente no qual a vida se tornou física e mentalmente doentia. Ar poluído, ruídos irritantes, congestionamento de tráfego, poluentes químicos, riscos de radiação e muitas outras fontes de interesses físico e psicológico passaram a fazer parte da vida cotidiana da maioria das pessoas. ( CAPRA, 2002b, p. 226)

 

A afirmação de Fritjof Capra, aos comportamentos sociais que afetam a saúde do sistema Terra, propõe uma análise crítica dos padrões socioeconômicos contemporâneos. A priori não há o desmembramento entre homem biológico e homem social, portanto consciência humana e natureza humana não são dicotomias. A separação mecanicista entre homem e natureza resulta no crescimento desordenado que aguça a degradação da natureza e favorece os desentendimentos étnicos, econômicos, culturais e religiosos.

Frei Betto (2002) sugere uma revolução do entendimento da identidade humana. Ele parte do reconhecimento  que todo o universo é composto por 92 átomos e suas combinações proporcionam toda forma de matéria viva e não viva. Neste caso, os átomos do nosso corpo já estiveram em outras formas, em outros momentos da relação  tempo e espaço. Diante do movimento cíclico da natureza, de constante troca, segundo Frei Betto, o nosso corpo tem a idade de 15 bilhões de anos, pois todos somos restos de “poeira cósmica”.

O nosso corpo é feito de células, que são feitas de moléculas, que são feitas de átomos. Os átomos formam as moléculas, que são feitas as organelas, que formam as células. E onde são feitos os átomos?  Todos os átomos do nosso corpo, à exceção do átomo de hidrogênio, que é a matéria-prima, foram cozidos no calor das estrelas. (BETTO, 2002, p.39)

 

A compreensão do homem como continuidade, e não parte, da natureza, podendo existir uma conexão entre a  esfera moral e mundo físico, levou os filósofos do romantismo a usarem expressões como “alma do mundo” e “espírito do mundo” (GAARDER 2002, p. 373). Esta concepção pode sugerir  que para entender o universo basta buscar a compreensão dentro de si. Para isto, faz-se necessária uma alfabetização ecológica e crítica dos padrões insustentáveis de produção e consumo. Destarte, deve-se procurar novos comportamentos pautados em mudanças transcendentais que resultem em novos padrões éticos. Há de se buscar interações que regulem o meio ambiente, garantindo a evolução das espécies e da sinergia cósmica. Neste caso, novas ações, junto à velhas  reformuladas, são questões de discussão da Educação  Ambiental, uma educação reacionária pela emergência de mudanças e revolucionária pelo posicionamento crítico  e não alienador. Para isso, são sugeridos novos padrões de comportamento dos seres humanos no sistema social e natural em que vive. O que se pressupõe é uma ética ambiental em prol de um novo paradigma de sociedade.

Para que haja uma mudança de paradigmas, deve-se partir do pressuposto de que cada ser vivo é único e ao mesmo tempo parte de um sistema maior. Toda ação individual provoca, de alguma forma, uma reação no ambiente. Comportamentos individuais somados podem resultar em valores sociais reconhecidos, assim, como os valores impostos pela sociedade podem determinar as ações humanas no meio.

Reconhece-se o homem como também portador de uma identidade social, ou seja, somos também parte de um sistema socioeconômico determinado por um período histórico. Mas o papel transformador do indivíduo favorece, quando de forma solidária, o desenvolvimento  harmonioso e integral do todo sem dicotomia entre social e natural. Assim, reconhecendo-se o ser humano em toda plenitude biológica, social e transcendental, a Educação Ambiental, fundamentada na visão  interdisciplinar e holística do mundo, eleva o indivíduo ao cosmos e ao mesmo tempo alerta sobre as responsabilidades que essa compreensão transmite: toda a ação na natureza, da qual fazemos parte, resulta em uma reação que pode ser maléfica ou benéfica. Cabe a humanidade escolher qual caminho seguir.

 

CONSIDIREÇÕES FINAIS

 

A compreensão dos seres humanos como integrantes do meio, onde se inserem todos os organismos vivos e não vivos, sugere a formação de novos valores e percepções que direcionam as ações de caráter socioeconômico para a preservação, conservação e recuperação ambiental, garantindo as possibilidades evolutivas das espécies, incluindo a humana. A saída está na conscientização  de que a saúde do planeta, da qual o homem é parte indivisível, determina a saúde do sistema Terra e da espécie humana. Perante o sistema econômico vigente e a atual sociedade de exclusão, a  raça humana está ameaçada de extinção. Este fato deve motivar alternativas viáveis de ações e visões de mundo e no mundo. Pressupostos para Educação Ambiental.

           

BIBLIOGRAFIA

 

BETTO, Frei. Escrito nas estrelas. In: Revista JB Ecológico. Jornal do Brasil, junho de 2002.

 

BOFF, Leonardo. Ecologia: grito da terra, grito dos pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.

 

CAPRA, Fritjof. A teia da vida: uma compreensão cientifica dos sistemas vivos. 7. ed. São Paulo: Ed. Cultrix, 2002a.

 

CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. 23. ed. São Paulo: Ed. Cultrix, 2002b.

 

FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. 27. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.

 

GAARDER, Jostein. O mundo de Sofia. São Paulo: Companhia d
Ilustrações: Silvana Santos