Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
03/09/2010 (Nº 33) Heróis e Vagabundos (Uma pequena história de Amor)
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Revista Educação ambiental em Ação 33

Heróis e Vagabundos (Uma pequena história de Amor)

Dib Curi

Quando pequeno, eu era fascinado pelos heróis. Meu primeiro herói, ainda  criança, foi “Nacional Kid”. Meu pai me disse que o principal herói dele tinha sido Flash Gordon, na década de 50.  Como todo mundo, eu também tenho os meus heróis do esporte e do riso. Meus primeiros heróis do riso foram “Os Três Patetas”. A  geração de meu pai se deliciava com as palhaçadas dos “Irmãos Marx”.

 

Tirando os heróis do riso e do esporte, quando falamos em heróis  queremos mesmo é falar de seres com talento e força extraordinária. Além disto, são indivíduos que realçam suas qualidades, colocando-as a serviço da humanidade,  na defesa do bem e da liberdade.

 

É lógico que o tempo atual também elegeu os seus heróis. Os heróis de hoje carecem deste brilho de caráter e desta dignidade e honra que caracterizaram os heróis do passado. Fora alguns heróis do esporte, nossos heróis costumam ser opacos em virtudes e valores maiores. Em sua maioria, são apenas celebridades, uns pelo poder político, outros pelo poder econômico, alguns sabichões e uns poucos pelos talentos ou beleza física. Costumam ter vidas superficiais e serem viciosos em seus prazeres e vaidades. Em sua maioria coincidem com os interesses da sociedade de consumo, pois são imagens muito vendáveis. Embora eficientes em seus ofícios não passam de caroços duros e ocos. Um bom exemplo é o talentoso cantor Michael Jackson, que terminou seus dias como uma triste figura, que mal podia se olhar no espelho.

 

Nos tempos da Roma antiga, os heróis eram heróis da guerra e do poder.  A única virtude que os destemia era a sua bravura e coragem no combate. Em Roma, o combate  era o centro das virtudes e da política. Os assassinatos e traições eram cenas costumeiras nos palácios do poder. Nesta época, os heróis eram aqueles que se impunham pela violência e esperteza à barbárie absoluta.

 

Mas nem sempre foi assim. Antes de Roma, a cultura egípcia e a grega arcaica eram radicalmente diferentes.  Nem o Egito nem o mundo Grego (fora Tróia) possuíam grandes muros protegendo suas cidadelas e, seguramente, não tinham uma mentalidade expansionista.  

 

Na Grécia arcaica (900 até 500 anos antes de Cristo), os heróis, além de serem cantados por seus talentos e proezas, eram muito queridos  por suas qualidades espirituais e morais (Aretê). Era exatamente a Aretê que os levava à justa medida de todas as coisas (Dick). A falta de Aretê se dava pelo fato da Psiquê (“individualidade”) não ter se casado com Eros (o Amor). Era a falta de Aretê que causava a desmedida, o desvario, a vaidade e todos os  vícios humanos (Hibris).

 

Na antiguidade arcaica era o Amor ou a falta dele que explicava todos os fenômenos do Cosmos humano. Só para o leitor ficar informado, na Grécia existiam 100 templos para Afrodite (a Deusa do Amor) e apenas um templo para Ares (o Deus da Guerra). Em Roma, era justamente o contrário: 97 templos para Marte (Deus da Guerra) e apenas um templo para Vênus (Deusa do Amor).  

 

Heróis gregos como Teseu, Perseu, Jasão, Hércules, Úlisses, Édipo e Antígona, entre outros, vivenciaram, na sua adolescência, um rito de passagem conhecido como: “O casamento de Eros com Psiquê”,  onde juravam que  tudo o que fizessem em suas vidas seria orientado pelo Amor e sua busca. Por isto, estes heróis nos legaram grandes ensinamentos de dignidade e honra.  

 

Para os gregos, o próprio destino era considerado como um caminho de afirmação do Amor.  Diferente de nós que consideramos o destino como uma coisa externa que acontece conosco, para eles, o destino era um caminho para     dentro de sí, uma comunhão consigo   mesmo,  uma opção de seguir sempre aquilo que se é, uma estrada de autoconhecimento e afirmação de  sonhos, talentos e mistérios. Para os gregos, o destino era o Amor da Vida dentro de cada um. Só amando a nós mesmos somos capazes de amar o outro. Só respeitando aquilo que somos e mergulhando em nossos potenciais, é que poderemos nos compartilhar com o mundo.

 

Se alguém não segue a si mesmo, procurando se conhecer e experimentar seus potenciais, está fora do seu destino e condenado a viver uma vida ao sabor dos ventos da conveniência, da necessidade e das paixões menores, longe da paz, numa existência patética, sem direção e sentido. Uma frase da época dizia assim: “O destino acalenta quem o segue e arrasta quem o nega”. E o mistério do destino estava no enigma da Esfínge: “Quem é você? O que  está fazendo aquí? De onde vens? Para onde vais?”

 

Seguir a sí mesmo, ser espontâneo, natural, verdadeiro, transparente e digno como o Amor; este era o caminho do herói grego. O sábio Calcas, vendo que  Aquiles estava incorrendo em hipocrisia repreendeu-lhe severamente: “Escondes no teu coração aquilo que teu rosto não revela.”  A Idade de Ouro da humanidade foi o tempo em que  a  aparência do ser humano coincidia com a sua essência.

 

A essência do ser humano é o Amor. O Amor é o seu início e a sua finalidade. Todos os seres humanos desejam amar e serem amados. Toda pessoa quer experimentar seus potenciais e talentos. Cada um deseja ser reconhecido pela sociedade por sua contribuição.  

 

Atualmente, bilhões de pessoas estão desviadas do  seu destino próprio, sem tempo para um encontro consigo mesmas, vivendo uma vida de aparências, a serviço do poder econômico, comandados por um bando de outros tantos cegos.  A dura e competitiva rotina mascara a desmotivação total e nos torna como vagabundos espirituais, que estão na vida como num fútil passeio na busca de compensar seu vazio com conquistas materiais, tolos passatempos e prazeres fugidios.  

 

Com toda esta confusão entre meios e fins criamos multidões de humanos infelizes e sufocados, que se tornam vaidosos e gananciosos, além de excessivamente sensualizados. E a doença das pessoas está adoecendo o mundo. O mundo não vai mudar se não mudarmos as pessoas. E as pessoas só serão transformadas pelo Amor e por Amor.

 

Por: Dib Curi - dib_curi@uol.com.br
O autor é idealizador, diretor e editor do Jornal Século XXI

Fonte: http://www.forumseculo21.com.br

Ilustrações: Silvana Santos