Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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05/06/2010 (Nº 32) A educação para o consumo responsável e a sustentabilidade: um exemplo de caso
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revista educação ambiental em ação 32

 

A Educação para o Consumo Responsável

e a Sustentabilidade: Um exemplo DE caso

 

Abdala Mohamed Saleh

Doutor em Física pela UNICAMP

Prof. Adjunto do Departamento de Matemática e Estatística

Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG/PR)

Departamento de Matemática e Estatística

Campus de Uvaranas - Av. General Carlos Cavalcanti, 4748 - CEP 84.030-900 - Ponta Grossa - Paraná – Brasil

(42)3220-3050

absaleh@gmail.com

 

Resumo                                                                                                                      

Este artigo apresenta um modelo, de cunho didático e dirigido prioritariamente aos profissionais de educação, que leva em conta os diversos aspectos que devem caracterizar uma empresa ou seus produtos como sustentáveis. Tais aspectos são o Meio Ambiente, a Publicidade a Saúde e Segurança, e o Direito e a Ética. Ao mesmo tempo, correlaciona-se a Sustentabilidade com a Educação para o Consumo Responsável, a qual promove uma tomada de decisão baseada nos aspectos acima. Como um caso exemplo, toma-se a Ambev, caracterizada como sustentável pela literatura devido ao seu programa de gestão da água, o que lhe confere reconhecimento internacional. Este artigo aponta diversos pontos que põem em questão o atributo sustentável para referir-se a essa empresa, uma vez que, neste caso, o parâmetro “respeito à natureza” através da água é necessário mas seria insuficiente.

 

Palavras-chave: Consumo. Sustentabilidade. Cidadania. Educação.

 

Introdução

            O consumo de energia nas plantas e no ser humano é conhecido em termos físico-químico-biológicos, cuja análise é realizada com base em critérios racionais e científicos (SILVA, 1995). Com respeito ao consumo do (e não no) ser humano a situação é diferente, pois ele se dá a partir de fatores menos precisos, racionais e objetivos. Uma complexa rede de fatores leva o ser humano a consumir, tais como a publicidade, as promoções de venda, os planos crediários, etc.

            Uma definição de consumo pode ser dada como a seleção, compra e uso de bens e serviços. O comportamento de quem consome deve envolver uma escolha ou uma tomada de decisão, ajustando-se o que se tem (para consumir) e o que se pode (consumir). Dessa forma, é fundamental uma educação que vise o consumo com responsabilidade, no qual família, indivíduo ou qualquer grupo social e econômico aprenda a tomar decisões inteligentes com relação ao consumo de bens e serviços; aprenda a “arte” de ser bom comprador; compreenda sobre seus direitos e deveres como consumidor; compreenda a importância de sua função como consumidor na economia do país (uma vez que, como já se sabe, consumidores mais exigentes produzem países mais competitivos); aprenda a ser um cidadão capaz de contribuir de maneira consciente para a construção de um mercado de consumo mais justo e saudável (SILVA, 1995).

Por outro lado, no dias de hoje tem havido grande divulgação do que se denomina Sustentabilidade.  De maneira genérica, esta pode ser entendida como "mecanismos de interação nas sociedades humanas que ocorram numa relação harmoniosa com a natureza.” (FERREIRA, 2005: p.315). No entanto, há definições mais específicas que são designadas por Sustentabilidade Ecológica e Sustentabilidade Ambiental. A primeira se refere à situação em que não há intervenção humana no fluxo de matéria e energia do ecossistema natural. A segunda consiste em considerar alguma forma de intervenção humana num ecossistema natural, através do gerenciamento ambiental. Nesse caso, segundo Yearley (1996 apud FERREIRA, 2005: p.3), a intervenção equilibra "artificialmente o sistema, contrabalançando os estoques de energia e matéria que são utilizados como matéria-prima na esfera produtiva humana”.

Na mídia em geral encontramos utilizações bastante variadas do termo sustentabilidade. Como exemplo atual, podemos tomar uma entrevista com a ex ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, dada à jornalista Marta Salomon, para a Folha de São Paulo em 23 de agosto de 2009. As questões nela formuladas podem também ser dirigidas a nós cidadãos (SALOMON, 2009).  Eis algumas delas:

1.      “O que não é sustentável hoje no Brasil?”

2.      É sustentável o apoio do PT a José Sarney?”

3.      “Como entram na agenda da sustentabilidade os juros altos e a independência do Banco Central?”.

4.      “A hidrelétrica de Belo Monte e a BR-319 são sustentáveis?”.

5.      “O Programa Nuclear Brasileiro é sustentável?”, etc.

            Em outros termos, as questões acima estão permeadas pela noção desse novo  paradigma, a sustentabilidade, a qual se constitui em quatro dimensões: a ambiental (acesso, uso e preservação dos recursos naturais e da biodiversidade), a social (redução da pobreza e das desigualdades sociais, promovendo a justiça e a equidade), a cultural (preservação do sistema de valores, práticas e símbolos  - identidade nacional através dos tempos) e política (aprofundamento da democracia, garantia de acesso e participação de todos na tomada de decisões) (GUIMARÃES, 2007: p.185). Assim, embora a noção de sustentabilidade diga respeito às ações voltadas à preservação da biodiversidade e dos ecossistemas naturais, para que uma ação seja sustentável é preciso que ela não seja só “ecologicamente correta”. Isso significa que todas as etapas de um processo deflagrado por uma empresa ou organização em direção à sustentabilidade deve aliar critérios técnicos e científicos às demandas sociais e culturais das comunidades direta e indiretamente afetadas por esse processo.

            Claro está que essa perspectiva pressupõe uma recolocação do aspecto econômico em nossa sociedade, não podendo ser ele o exclusivo parâmetro de desenvolvimento das sociedades humanas. Os ingredientes adicionais que envolvem o respeito ao sistema natural, à dignidade humana e à melhoria da vida da pessoas devem ser considerados (GUIMARÃES, 2007).

            Em essência, nosso artigo, que se insere no âmbito da educação para o consumo responsável e dirige-se em especial aos profissionais de Educação, pretende contribuir para o desenvolvimento de uma visão crítica da noção de sustentabilidade e, portanto,  para um olhar mais aguçado em relação ao discurso da sustentabilidade acerca de empresas, produtos e serviços.

            Neste ponto torna-se bastante razoável explicitar uma correlação entre a Educação para o Consumo Responsável (ECR) e a Sustentabilidade, ou, em outros termos, podemos dizer que sem consumo responsável, e, portanto, uma educação que a viabilize, não há sustentabilidade em qualquer dimensão que se considere. Mencionamos também que o consumidor exercerá a sua cidadania ao distinguir e escolher empresas ou fornecedores que optam por uma conduta sustentável.

            No âmbito da educação formal, o tema consumo foi apontado de forma explícita nos chamados PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais), mais especificamente na seção Trabalho e Consumo, dedicada aos Temas Transversais (BRASIL, 1998). Ou seja, esses temas (Ética, da Pluralidade Cultural, do Meio Ambiente, da Saúde, da Orientação Sexual e do Trabalho e Consumo) são apresentados pelo documento como transversais às várias áreas do conhecimento (Língua Portuguesa, Matemática, Ciências Naturais, Artes, História, Geografia, Educação Física e Língua Estrangeira), ressaltando-se fortemente seu aspecto de urgência social. Para o presente artigo o tema Consumo está em destaque e, assim como nos PCNs, está conectado diretamente à questão do meio ambiente, da saúde e da ética. A coleção do IDEC (Instituto de Defesa do Consumidor) e do Inmetro (Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial), que mencionaremos abaixo ao propormos o nosso modelo, foi concebida baseando-se nos PCNs,   sendo dirigida aos professores e alunos do terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental (INMETRO & IDEC, Meio-Ambiente e Consumo, 2002), (INMETRO & IDEC, Saúde e Segurança do Consumidor, 2002), (INMETRO & IDEC, Publicidade e Consumo, 2002), (INMETRO & IDEC,  Direitos do Consumidor e Ética no Consumo, 2002).

            É interessante notar que à primeira vista pode-se causar certo estranhamento abordar de maneira integrada o meio ambiente, consumo e língua estrangeira ou então  consumo, publicidade e matemática. Porém a visão que divide em seções o nosso amplo conhecimento humano é posta à prova quando temos que abordar questões complexas como as que envolvem o consumo. Entender a dinâmica de consumo em nossa sociedade moderna demanda a utilização de todas as ferramentas disponíveis em nosso universo escolar de forma articulada. Certamente, na operação desse sistema articulado os alunos devem estar imersos e serem participantes desse processo de aquisição e geração de conhecimento, os quais podem viabilizar que eles se tornem consumidores responsáveis de fato. Observemos que falar em consumidor responsável não representa apenas uma ação final, mas um conjunto de ações que giram em torno desse conceito, as quais aliam, como mencionamos anteriormente, respeito ao meio ambiente, justiça social, preservação cultural e garantia de direitos democráticos.

 

Aspectos Metodológicos

            A fim de clarificar de que forma se dá a escolha sustentável, apresentamos a Educação para o Consumo Responsável (ECR), didaticamente, na forma de um fluxograma (ver figura), mostrando a viabilidade da sustentabilidade por meio da ECR.  Assim, um consumidor poderá emitir um parecer de “sustentável” ou “não sustentável” de maneira qualitativa, mas suficiente para tomada de decisão de compra ou uso de bens e serviços, já que, em princípio, além de muito complexo, não é relevante para o consumidor estabelecer um indicador quantitativo de sustentabilidade de um fornecedor ou produto.      

                       

Figura: Aspectos que devem caracterizar uma empresa ou seus produtos como sustentáveis (fluxograma).

 

Os itens do fluxograma acima mencionados consistem no que segue:

(1) O Homem interage com o sistema natural Terra, Fogo (Energia), Água e Ar. O sistema bidirecional indica que a ação do homem traz alterações ao sistema natural e gera, no próprio homem, novas sensações, atitudes, pensamentos etc.

(2) Na ação do homem sobre o sistema natural, por meio da tecnologia e conhecimento científico, são gerados Produtos “Puros” (estado ideal em que o que é produzido é totalmente livre de perdas de matéria ou energia), Rejeitos e Desperdício. Esses três elementos não perdem a interação com o sistema natural. Nos itens (1) e (2) o aspecto MEIO AMBIENTE é considerado.

(3) O homem necessita interagir com esses Produtos “Puros”, Rejeitos e Desperdício, entrando em cena o aspecto de sua SAÚDE E SEGURANÇA. Por outro lado, o consumidor pode comprar produtos que impliquem risco à sua saúde, como por exemplo, um alimento ou um medicamento. Assim, é fundamental tratar, novamente, dos aspectos relacionados à SAÚDE E SEGURANÇA do consumidor, em outras palavras, trata-se do item (6) do fluxograma, a que nos referiremos novamente abaixo.

(4) O homem necessita apresentar seus produtos gerados ao consumidor. Para isso, porém, é necessário que haja uma apresentação que seja vendável, por vezes até pouco esclarecedora, do que venha a ser exatamente o produto a ser consumido. Aqui, se apresenta a vertente PUBLICIDADE.

(5) O homem produtor e receptor da PUBLICIDADE também interage com sua própria criação publicitária e a de outros, inclusive tornando-se o próprio consumidor dela.

(6) O homem representa um consumidor final (em termos didáticos). Há no homem aspectos de natureza ética (suas noções do que é bom e mau) e formulações de leis que regulam a sociedade humana na direção do que é justo. As visões de bem e mal aqui são simplistas, mas fornecem uma noção do necessário neste artigo. Passamos assim a tratar neste caso sobre o tema Direito e  Ética. Aliás, cada passo, de (1) a (6), é permeado pelo Direito e pela Ética como elementos de análise.

            Embora este fluxograma tenho sido originário deste nosso trabalho, destacamos que esta síntese foi possível de ser realizada através da análise da coleção do IDEC e Inmetro segmentada como nos itens acima propostos (INMETRO & IDEC, Meio-Ambiente e Consumo, 2002), (INMETRO & IDEC, Saúde e Segurança do Consumidor, 2002), (INMETRO & IDEC, Publicidade e Consumo, 2002), (INMETRO & IDEC, Direitos do Consumidor e Ética no Consumo, 2002).

 

Resultados e Discussão

Análise da sustentabilidade: Caso-Exemplo (“Ambev – Referência mundial na gestão da água” (ALMEIDA, 2007: p. 87))

Identificação geral da empresa:

         Maior indústria cervejeira da América Latina;

         Presente em 14 países;

         Receita de R$ 6 bilhões;

         Forte dependência da perenização dos recursos hídricos.

Ações de sustentabilidade

         Estratifica o consumo por área:

         define prioridades e metas por setor;

         identifica perdas e vazamentos;

         há metas anuais progressivas por fábrica;

         benchmarks (este está relacionado com a busca de melhores práticas na indústria que possam conduzir a um melhor desempenho).

         para cada área consideram o tipo de produto, embalagem e tecnologia das instalações;

         ­Há padronização corporativa para os itens reaproveitamento e projetos;

         Funcionários são treinados a fim de seguirem os “Mandamentos da água Ambev” que oferecem diretrizes sobre o uso racional da água;

         A companhia superou performances mundiais no uso da água para cada litro de cerveja e refrigerante;

         A empresa trabalha com dois tipos de água de:

         processo (preparo das cervejas, refrigerantes, etc);

         serviços (lavagem de tanques): água de reaproveitamento;

         Economia de água em um ano representou o consumo de um mês de uma população de 250.000 habitantes.

Do ponto de vista de nossa análise e aplicação do modelo de fluxograma, podemos observar o que segue. O item (1), que diz respeito à ação do homem sobre o sistema natural, em especial, ÁGUA, está bem representado ao se tomar os elementos supracitados relacionados ao uso racional da água. Consequência natural é verificar uma diminuição do desperdício e um cuidado apropriado com os resíduos associados à água. Outro aspecto importante, que não está explícito acima, está relacionado ao uso comum de latas de alumínio para refrigerantes e cervejas, que são 100% recicláveis por um número ilimitado de vezes, reduzindo-se assim efeitos deletérios ao Meio Ambiente (INMETRO & IDEC, Meio-Ambiente e Consumo, 2002). Portanto, os itens (2) e (3) estão bem consideradas.

É difícil através das informações de identificação da empresa acima recolhidas conhecer os benefícios associados à Saúde e Segurança dos trabalhadores (item (3)) que lidam com o uso e reuso da água na Ambev, mas podemos inferir (sem comprovação e não avançaremos nesta busca) que melhores práticas em processos e serviços relacionados à água, com uso apropriado de tecnologia, estejam fortemente ligadas a maior cuidado com a saúde do homem.

Até aqui, na condição de consumidor responsável, é possível emitirmos um parecer qualitativo positivo de empresa sustentável à Ambev.

Dando prosseguimento à análise guiada pelo fluxograma, devemos analisar de que forma os itens (4), (5) e (6) relacionados à Publicidade, Saúde e Segurança do Consumidor e Direito e Ética no consumo são tratadas pela Ambev. Para isso, recorreremos às informações oferecidas pela mídia ou por literatura especializada.

Inicialmente, é curioso mencionar que a cerveja conseguiu uma posição tão destacada na sociedade mundial, que encontramos dados como o da Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), de 1993, que demonstram que o custo para suprir, numa década, as necessidades humanas elementares (habitação, alimentação, água limpa, cuidados primários de saúde e educação básica) era inferior ao gasto anual da população americana com o consumo de cerveja (UNICEF, 1993). Neste caso, a campanha publicitária intensiva e bem direcionada certamente desempenhou papel primordial para o desempenho comercial da cerveja nestes dados. O aspecto Ética, representado pelo item (6) do nosso fluxograma, é tratado aqui.

Para clarearmos esse aspecto, vamos tomar algumas análises de anúncios da Ambev (Skol®) (GOVATTO, 2007). A análise diz respeito a peças relativas às cervejas Bohemia e Antarctica, veiculadas em revista, e à Skol, veiculada em televisão. Os anúncios em revista estão de acordo com o Anexo P (vinhos e cervejas) do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária[i] de 2008 e também com o Código de Defesa do Consumidor (IDEC, 1997); por outro lado, o filme veiculado em televisão para a cerveja Skol, ambientado numa praia, tem entre os figurantes um adolescente, o que é proibido pelo CONAR.

É preciso considerar que o público jovem é geralmente atraído aos grandes shows patrocinados por várias empresas, entre elas as indústrias que produzem bebidas alcoólicas (INMETRO & IDEC, Publicidade e Consumo, 2002). Existe também o caso de grandes estrelas do esporte que se colocaram como garotos-propaganda de marca de cerveja, como por exemplo, em 1997, o jogador Ronaldo, que fazia manobras com a tampinha de garrafa de cerveja em anúncio de televisão (INMETRO & IDEC, Publicidade e Consumo , 2002). Do ponto de vista da sustentabilidade, especialmente do seu viés social e cultural, é no mínimo questionável considerar apropriada esta sociedade entre esporte e álcool, uma vez que na nossa sociedade o esporte vincula-se à saúde, enquanto o álcool, por mais que esteja vinculado à idéia de prazer, está também indelevelmente associado a danos à saúde , como veremos abaixo.

Para o contexto deste artigo, nos limitamos a estes aspectos gerais destes anúncios de cerveja. Eles apresentam grande riqueza em termos de análises possíveis, ainda mais no dias de hoje, em que o álcool, ao lado do cigarro (ISSA, 2009), tem seus usos e efeitos bastante discutidos pela sociedade.

A discussão acima juntamente com os itens (4), (5) do fluxograma nos permitem observar que a noção de sustentabilidade não é plenamente respeitada.

Para finalizar nossas considerações sobre o caso da Ambev, devemos tratar da SAÚDE E SEGURANÇA DO CONSUMIDOR, referente ao item (6), que avalia as conseqüências de um produto ou serviço, no caso a cerveja,  para o bem estar individual e coletivo da sociedade.

Nesse cenário, é natural que aos poucos haja uma maior pressão social para aumentar o controle sobre o consumo de álcool. Sem desconsiderar o lugar que a bebida alcoólica e especialmente a cerveja ocupa na formação cultural do nosso país, podemos dizer que a nossa sociedade convive com um dilema que envolve grandes ganhos econômico-financeiros da indústria de bebidas alcoólicas, especialmente das empresas de cerveja, e grandes prejuízos financeiros ao Estado, e portanto, a todos nós cidadãos pagadores de impostos, no tratamento das conseqüências negativas relacionadas à ingestão abusiva do álcool.

Diante disso, vamos destacar aqui alguns aspectos que se referem ao uso de álcool pela população. Segundo Beatriz Cotrim, pesquisadora do Centro Brasileiro de Informações sobre drogas psicotrópicas, “a cerveja é a bebida que inicia o jovem no alcoolismo”. (INMETRO & IDEC, Saúde e Segurança no Consumo, 2002, p.34).

Há estudos sugerindo que o uso moderado de álcool pode reduzir a incidência de doenças coronarianas, em especial enfartes do miocárdio.  Esta redução esta inserida num contexto mais geral de melhorias ou não de indicadores de saúde do organismo do homem, associada ao número de doses diárias. Por exemplo, duas doses diárias de álcool aumentam o nível do bom colesterol. Por outro lado, quando se consome altas doses de álcool, cinco ou mais, pode-se verificar o comprometimento do ventrículo esquerdo do coração, o que pode levar à cardiomiopatia dilatada[ii]. Assim, mesmo considerando que o álcool possa trazer alguns benefícios físicos, é muito difícil haver um controle de dosagem de álcool por parte do usuário. Supondo que o álcool pudesse ser considerado um medicamento, valeria a conhecida recomendação de se utilizar “medicamentos com orientação médica” a fim de precisar a dosagem para cada paciente.

Do ponto de vista de acidentes automotores, podemos mencionar que estudo retrospectivo de todas as autópsias realizadas em 1999 mostra que nos casos de mortes por acidentes de trânsito (Instituto Médico Legal de São Paulo) houve relação com o uso de álcool em 50% dos óbitos. Hoje este número deve ter se alterado devido a várias medidas, entre as quais a lei sancionada pelo Presidente da República, chamada Lei Seca, que proíbe bebidas alcoólicas nas estradas. O texto, que foi aprovado em junho de 2008 pela Câmara dos Deputados, passou a considerar crime conduzir veículos com qualquer teor de álcool no organismo (GUERREIRO, 2008).

Após um ano de implementação, alguns dados nos apontam sobre os efeitos da Lei Seca. Por exemplo, o número de mortes e internações provocadas pelo trânsito teve uma redução média de 23%. Representantes do Ministério da Saúde apontam que a lei vem protegendo a vida (FIOCRUZ, 2009).

Enfim, no que se refere ao aspecto SAÚDE E SEGURANÇA - item (6) – podemos avaliar, de maneira geral, que os efeitos nocivos do álcool à saúde da sociedade comprometem quaisquer de seus eventuais efeitos positivos. Assim, a tensão entre o fator cultural, de prazer, associado ao consumo do álcool, versus malefícios individuais e coletivos vem se intensificando, sem uma solução final.

 

Conclusões

Ao longo deste texto abordamos as possíveis nuanças acerca de práticas consideradas sustentáveis e esperamos que possam servir de referência e apoio aos nossos educadores. Como esclarecemos na Introdução os Parâmetros Curriculares Nacionais inspiraram a elaboração do material do Idec, o qual nos forneceu subsídios para a elaboração do nosso modelo.

Nos dias de hoje a inclusão de práticas sustentáveis está sendo cada vez mais absorvida pelo setor industrial, bancário e de serviços. A idéia da presença de um consumidor responsável pode trazer algum desconforto (cada vez menor a cada dia) aos fornecedores de produtos e serviços, imaginando-se que as exigências daqueles podem atrapalhar o crescimento de seus negócios. No entanto, não é isto que acontece na prática. Mencionamos no início da Introdução sobre o paralelo com os países desenvolvidos economicamente, nos quais a exigência cidadã dos consumidores qualifica e consolida a competitividade de suas empresas.

Consumidor educado para o consumo traz retorno positivo ao próprio sistema.  Percebe-se que a educação é fundamental para a tomada de decisão, possibilitando melhor escolha de produtos e serviços tendo em vista os valores, necessidades e objetivos do cidadão, aspectos esses com características que variam entre indivíduos e grupos sociais e econômicos, mas que devem estar conectados ao paradigma referido na introdução (ambiental, social, cultural e politicamente sustentável).

O modelo em forma de fluxograma apresentado neste trabalho sugere de que forma podemos sistematizar e analisar a questão da sustentabilidade, inserindo aí, claramente, a visão do consumidor responsável. De maneira breve, propusemos nesse artigo a reflexão sobre de que forma a nossa cultura capitalista opera, exemplificada na figura de uma empresa.  O aumento de lucros e a expansão dos negócios estão embutidos nesta operação, no entanto, ambos devem estar condicionados aos aspectos de sustentabilidade já mencionados neste artigo (ver itens (1)-(6) tratados em Resultados e Discussões), para a sobrevivência consistente do próprio sistema.

Como nossa discussão ao longo do texto sugere, não é possível considerar a empresa AMBEV, exemplo de gestão de água, como totalmente sustentável, ou seja, não é representativo avaliar o grau de sustentabilidade de uma empresa através apenas de critérios relacionados ao meio ambiente (item (1) e (2) do fluxograma). Respeito à natureza é condição necessária, mas insuficiente para formularmos o cenário da sustentabilidade. Esta lacuna nos levou à proposição de outros ingredientes necessários para uma abordagem mais completa da sustentabilidade (ver Aspectos Metodológicos nos itens (3)-(6)).

Estritamente falando, é muito pouco provável que cheguemos à satisfação plena do conceito de sustentabilidade (também para outros exemplos) tomando como parâmetro o modelo acima. Isto demandaria excluir em definitivo as formas que potencializam um consumo mais desregrado, comumente aceito e até incentivado pela cultura capitalista em que vivemos. Então, o nosso trabalho perde sua utilidade, já que  estaremos sempre diante de uma situação de sustentabilidade improvável (ou impossível)?

 Entendemos que uma das contribuições deste trabalho está em apresentar a questão da sustentabilidade dentro de uma escala de medida que permite a coexistência da impossibilidade da sustentabilidade plena e a possibilidade de algum tipo de sustentabilidade. A Ambev se situa neste ponto da escala..  No contexto da educação para o consumo responsável, é enriquecedor situar o nosso trabalho num contexto localizado entre (e não nos) os dois extremos (totalmente sustentável ou totalmente insustentável).  O veredicto sim ou não perde significado e se ganha na valorização da riqueza de análises possíveis, tal qual foi nossa condução neste artigo, observando-se as etapas (1) a (6). Esta é uma condução desejável quando estamos nos referindo à Educação, na qual o fluxo captar→ analisar → interferir →captar etc deve ser contínuo com respeito às informações que se apresentam de forma bastante complexa no mundo ao nosso redor.

Para chegarmos a uma resposta definitiva em termos de sustentabilidade, poderíamos, então, ter escolhido, ao invés do termo sustentabilidade, o chamado “desenvolvimento sustentável (DS)” ou então (RSC-A) Responsabilidade Sócio-Corporativa (ou Ambiental), para título e uso neste artigo. Preferimos não seguir esse caminho, pois acreditamos que o termo sustentabilidade está bem consolidado com uso corriqueiro pelos governos, sociedade civil, mídia e mundo corporativo. Além disso, os extremos acima mencionados certamente não seriam atingidos (situação de 0% ou 100%) seja através de DS ou RSC-A.

Para os propósitos deste trabalho, não haveria necessidade de “complicar” com diversos outros termos sem uma eficácia objetiva no entendimento acerca do assunto sobre sustentabilidade. Nenhum dos termos apresenta vantagem sobre o outro, excetuando-se o fato de “sustentabilidade” ser mais simples na sua apresentação e complexo no seu entendimento, tanto quanto os outros. Embora relevante, foge ao escopo deste artigo promover uma discussão entre o uso de um termo ou de outro, com suas conceituações e contradições. Através de nosso trabalho foi possível correlacionar o que denominamos de sustentabilidade e o consumo responsável. Consumo sustentável ou consciente são termos em voga nos meios de comunicação; similarmente, não negamos a importância de abordar outros termos possíveis para o consumo, mas acreditamos que a compreensão dada aqui serve de base para outras possibilidades. Em suma, o estudo do consumo consciente ou sustentável ou Responsabilidade Sócio-Corporativa (ou Ambiental) ou Desenvolvimento Sustentável pode se beneficiar do nosso trabalho que visou discutir Sustentabilidade e a Educação para o Consumo Responsável.

            É importante ressaltar, também, que fontes de informação seguras são imprescindíveis para uma análise que forneça subsídios ao consumidor para que ele possa definir de forma apropriada se uma empresa ou seu produto é sustentável. Devemos lançar mão de toda a mídia disponível (rádio, internet, televisão) e literatura especializada (artigos científicos e livros especializados). Especificamente, o “mundo virtual” é algo que devemos utilizar, de forma mais intensa, pois ele apresenta bastante informação, que devemos selecionar, muitas visões e opiniões, que devemos considerar. Esse conjunto, ao final, permitirá que formulemos nossa própria opinião. A título de ilustração, observamos que uma parte do nosso material de pesquisa advém de sites de internet.

            Apesar do esforço em tornar a nossa análise o mais abrangente e inter-relacionada possível, talvez ainda haja limitações no modelo metodológico acima proposto.  Assim, o Homem (H), tal qual como representado na figura deste artigo, talvez possa ainda estar mais integrado e comunicante entre as diversas vertentes apresentadas. No entanto, nos parece que houve um resultado satisfatório uma vez que o modelo consegue colocar num mesmo plano diversos aspectos distintos de conhecimento a fim de sistematizar, avaliar e facilitar a nossa tomada de decisão. Estão em jogo numa mesma equação muitas variáveis interdependentes. Dessa forma foi possível, a partir do modelo apresentado, alcançar uma melhor clareza sobre como problematizar e melhor compreender a respeito de uma empresa sob ótica da sustentabilidade.

            Como perspectivas futuras, devemos estender o nosso estudo para outros exemplos pertencentes aos segmentos da economia como o industrial, o bancário e o de serviços e, caso haja necessidade, faremos ajustes ao modelo aqui apresentado.

 

Referências Bibliográficas

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Ilustrações: Silvana Santos