Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Breves Comunicações
05/06/2010 (Nº 32) A VIDA COMO “DESCARTÁVEL”
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=854 
  
Educação ambiental em ação 32

A vida como “descartável”

Édison Cardoso Teixeira1,2

1.        VIDA SILVESTRE – Grupo de Pesquisas em Ecologia e Conservação da Vida Silvestre. Rua Arthur Bernardes, 43, Bom Sucesso, Gravataí, RS. E-mail: grupovidasilvestre@gmail.com

2.        Professor da Rede Estadual do Município de Novo Hamburgo

 

            A discussão de assuntos relacionados ao uso de animais em experimentos de pesquisa, seja em âmbito empresarial, científico ou mesmo de ensino não deve mais ser encarada como algo movido pela emoção. A rejeição destes métodos é uma questão racional, digo além disso, é uma questão de sabedoria. Alguns autores adotaram há algum tempo uma posição cientificista nesses assuntos, argumentando que a objetividade da ciência obriga a adotar o postulado da neutralidade weberiano, segundo o qual as questões éticas seriam meramente subjetivas, irracionais ou inargumentáveis, ao passo que a ciência permaneceria no domínio da racionalidade, da objetividade e da comunicabilidade, e por isso se recomenda que os cientistas deixem de lado as considerações éticas e se concentrem em um estudo neutro dos fatos (Cortina, 2005). Porém nos dias atuais argumentos baseados na justificativa dos fins não são mais tão indiscutíveis. Fora isto, cresce de forma rítmica a percepção do desenvolvimento da idéia de um mundo holístico onde cada porção do planeta possui seu valor e sua importância para o todo. A ética não pode mais ser manipulada no sentido de que enquanto serve e defende os interesses de alguns é valida, e a partir do momento que isto não for de tal viável, é descartada ou vista como algo que foge a racionalidade científica.

Não é verdade que não se pode argumentar de um modo intersubjetivamente válido sobre os fins últimos da pesquisa científica, como tampouco é verdade que as questões éticas em geral pertencem ao terreno do puramente emocional. Ao contrário, existem boas razões para afirmar que certas questões, como as apresentadas mais acima escapam claramente ao âmbito da ciência, mas nem por isso devem ser confinadas ao perigoso terreno da irracionalidade. Ao contrário, a ética possui os recursos intelectuais necessários para abordar essas questões com racionalidade, ajudando a encontrar soluções justas (Cortina, 2005).

De fato, enquanto as chamadas "éticas antropocêntricas" afirmam que o que está em jogo nas questões científicas são as necessidades, os interesses e os direitos das pessoas, as chamadas "éticas centradas na vida" consideram moralmente relevantes os interesses de todos os seres vivos.

“...que direito nós temos de subjugar estas formas de vida?”

“Se precisamos de leis para controlar e coagir quem nos causa dor e sofrimento, porque não criamos leis que

controlem os abusos e a dor por nós causadas a estes seres?”

Instituto Nina Rosa, 2008

Exemplo disto é a manutenção e insistência de práticas como a “Vivissecção”, “experimentação animal”, e de  “testes em animais”. Ao ouvir estas palavras, muitas pessoas reagem com descrença ou repulsa, ou mesmo acreditam que é “um mal necessário”. Agem assim porque foram educadas a acreditar que esse é o único modo possível para melhorar a saúde humana e mesmo desenvolver novos produtos a serem utilizados pelos seres humanos com pré comprovação de sua ação não prejudicial. Na verdade, essas palavras são somente nomes diferentes para um mesmo crime: cortar, queimar, envenenar, torturar, enlouquecer animais vivos com o intuito de prevenir ou curar males em seres humanos (Instituto Nina Rosa, 2008). O fato de utilizar animais para buscar o conhecimento sobre seres humanos está baseado na semelhança entre os seres vivos. Os animais poderiam, então, servir de modelos para nossas doenças e reações, substituindo seres humanos em estudos sobre nós mesmos. Mas essa semelhança, logicamente, não os dotaria também de sentimentos, emoções, fraquezas, medos, assim como nós? Quando questionados sobre o lado ético de fazer seres tão parecidos conosco sofrerem, os pesquisadores alegam que eles não são tão semelhantes assim... Esse é um paradoxo que os defensores da vivissecção não conseguem justificar. Fazemos experimentos em animais para que seres humanos não sofram sem necessidade, traçando uma linha arbitrária que separa as espécies que devem e as que não devem sofrer. Se os atos praticados dentro dos laboratórios ocorressem em qualquer outro lugar, que não em “benefício da ciência”, seus praticantes certamente seriam condenados. Além do lado ético e moral, existe o lado científico. Os testes em animais extrapolam dados de outras espécies para os seres humanos e os resultados não podem ser confiáveis. Hoje, métodos modernos já poderiam ter substituído a maior parte da experimentação animal, mas a continuidade da mentalidade opressora, baseada somente no prestígio e no lucro, ainda assassina mais de 100 milhões de animais todos os anos (Instituto Nina Rosa, 2008).

Em última análise, esses problemas precisam ser vistos, exatamente, como diferentes facetas de uma única crise, que é, em grande medida, uma crise de percepção. Há soluções para os principais problemas de nosso tempo, alguns delas até mesmo simples. Mas requerem uma mudança radical em nossas percepções, no nosso pensamento e nos nossos valores (Capra, 2000). Muito além disto, cria-se a necessidade de buscar a sabedoria sobre a manutenção da vida e o entendimento do mundo.

“ Em cada átomo dos domínios da universo

existem vastos oceanos de sistemas de mundo”

O grande ornamento floral – antiga escritura budista

“Assim como o dedo de uma pessoa só pode funcionar se relacionado com a palma da mão,

também os cientistas devem estar cientes de sua conexão com a sociedade como um todo”

Dalai Lama - 2006

O novo paradigma pode ser chamado de uma visão de mundo holística, que concebe o mundo como um todo integrado, e não como uma coleção de partes dissociadas. Pode também ser denominado visão ecológica, se o termo "ecologia" for empregado num sentido muito mais amplo e profundo que o usual. A percepção ecológica profunda reconhece a independência fundamental de todos os fenômenos e o fato de que, enquanto indivíduos e sociedades, estamos todos encaixados nos processos cíclicos da natureza (e, em última análise, somos dependentes desses processos). A ciência atual é encravada em conceitos antropocêntricos, ou centralizada no ser humano. Ela vê os seres humanos como situados acima ou fora da natureza, como a fonte de todos os valores, e atribui apenas um valor instrumental, ou de "uso", à natureza. A ecologia profunda não separa seres humanos - ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela vê o mundo não como uma coleção de objetos isolados, mas como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor intrínseco de seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular da formulação da vida (Capra, 2000). É uma visão de mundo que reconhece o valor inerente da vida não-humana. Todos os seres vivos são membros de comunidades ecológicas ligadas umas às outras numa rede de interdependências.

            De forma geral é difícil conceber esta conduta de descarte da vida – o que leva ao questionamento do sentido da palavra humano como algo proveniente de compaixão. Mas cabe salientar que o homem, segundo o que defendem os pensadores, é um animal racional, o que vem a agravar seu julgamento enquanto seres inferiores aos demais seres vivos no mundo natural em que nos inserimos. Pois se defendemos a idéia de raciocínio, como justificar tais atos?

Ao que parece dependendo dos interesses dos homens é que a ética se desenvolve, e enquanto for assim a ética, a moral e mesmo o direito de nada valem como ponto concreto. O homem ainda não possui uma noção básica de valores reais. Vive na ilusão de um mundo egocêntrico por tratar-se de um ser que se considera racional e se posiciona acima de todos os demais seres. Desta forma suas normas morais, éticas e o direito se baseiam no seu modo de ver o mundo.

“...os animais criados para o abate e experimentos não podem nem escolher o que comem,

e isto é uma das maiores torturas que um ser vivo com autonomia prática pode sofrer” Instituto Nina Rosa

“...a sensação de afeto é que traz o respeito” Instituto Nina Rosa

É um exercício de poder, como os utilizados na época da escravatura: Admitir que os escravos não tinham alma.... É o que se faz com os animais. É mais fácil não admitir esta “alma, psiquismo, fluído (seja o que for)” dos animais, pois assim podemos usar a nosso bel prazer.

Acredito que todo sofrimento humano é proveniente do não entender de fato o mundo em que vivemos... o apego traz sofrimento.

 

Referências e Leituras Sugeridas:

Capra, Fritjof, 2000.  A Teia da Vida - Uma Nova Compreensão Científica dos Sistemas Vivos, ed. Cultrix.

Cortina, Adela e Martinez, Emílio. Ética. São Paulo: Loyola, 2005.

Dalai Lama, 2006. O universo em um átomo. Rio de Janeiro, Ediouro.

Nina Rosa: Site http://www.institutoninarosa.org.br

Ilustrações: Silvana Santos