Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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13/03/2010 (Nº 31) CONSTRUÇÃO DE UM JARDIM DE PLANTAS MEDICINAIS E AROMÁTICAS:  A EDUCAÇÃO AMBIENTAL VALORIZANDO O SABER POPULAR
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Educação Ambiental em Ação 31

CONSTRUÇÃO DE UM JARDIM DE PLANTAS MEDICINAIS E AROMÁTICAS:

 A EDUCAÇÃO AMBIENTAL VALORIZANDO O SABER POPULAR

 

Fernanda Brich dos Santos1, Taíce Gonçalves de Oliveira1,2, Ivanéia Alves Pereira Sobrinho1, Aliny Gaudard Oliveira1,3, Camila Bonizário de Andrade1,3, Lucia de Fátima Estevinho Guido4

 

1 Bacharel e Licenciada em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia /MG

2 Mestranda em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Botucatu/ SP, e-mail: taice_oliveira@yahoo.com.br

3 Mestranda em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais pela Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia/ MG

4 Doutora em Educação pela Universidade Estadual de Campinas; Docente do Instituto de Biologia e do PPG em Educação da Universidade Federal de Uberlândia, Umuarama,  e-mail: luciag@umuarama.ufu.br

 

RESUMO

 

A educação ambiental tem se preocupado com a relação do homem com a natureza, percebendo uma necessidade de instalar novas formas para esta relação baseada na busca de compreensão da complexidade ecológica. Assim os estudos sobre o relacionamento das sociedades tradicionais com a natureza são importantes já que esta relação é vista como parte indissociável da vida comunitária. Iniciamos esse trabalho partindo dos conhecimentos da população de um distrito situado na zona rural do município de Uberlândia, MG a respeito do uso de plantas medicinais. Utilizamos o Mapeamento Ambiental para incentivar o reconhecimento dos problemas e potencialidades do local estudado. Como o trabalho segue em parceria com a comunidade usamos a metodologia da pesquisa participante. Desenvolvemos o trabalho no Clube de Mães e na Escola do distrito. Na escola foram executadas atividades de educação ambiental com a intenção de valorizar o conhecimento popular sobre plantas medicinais e implementar um jardim de plantas medicinais e aromáticas. Para verificar o conhecimento sobre estas plantas foram aplicados questionários estruturados para 44 alunos de 4a a 8a séries. No final das atividades outro questionário estruturado foi aplicado procurando verificar o posicionamento dos alunos quanto às atividades de educação ambiental, assim como perceber se haviam mudado sua opinião em relação a preferência ou não ao remédio caseiro obtido das plantas medicinais. Foi constatado que a maioria dos alunos conhece e possui plantas medicinais cultivadas em seus quintais e o conhecimento sobre estas plantas foi aprendido com a mãe e/ou avó. Todos os alunos da 4a série conhecem algum tipo de planta medicinal e acreditam em sua eficácia quando comparado ao remédio alopático. Esta crença foi diminuindo entre os alunos das outras séries, principalmente entre os da 6a, onde apenas 54% confiam na sua eficácia. Foram citadas 20 espécies e todas são cultivadas nos quintais, predominando: boldo (Plectranthus barbatus Andr.), erva cidreira (Lippia alba (Mill.)N.E.Br.), hortelã (Mentha villosa Huds) e alecrim (Rosmarinus officinalis L.). Não foi citada nenhuma planta nativa o que indica a necessidade de incluir na escola atividades de educação ambiental voltadas para plantas nativas a fim de valorizá-las. O segundo questionário aplicado após o desenvolvimento do trabalho mostrou que a maioria dos alunos continuou apresentar preferência por remédios caseiros e passaram a observar com mais atenção as plantas e os quintais. O trabalho acrescentou novas informações ao conhecimento que os alunos já possuíam, contribuído também para a valorização do conhecimento popular.

Palavras-chave: conhecimento popular, etnobotânica, plantas medicinais

 

 

 

INTRODUÇÃO

 

      A educação ambiental tem se preocupado com a relação entre o homem e a natureza, percebendo a necessidade de instalar novas formas para essa interação baseando-se na compreensão da complexidade ecológica. Assim os estudos sobre o relacionamento das sociedades tradicionais com a natureza são importantes já que estes são vistos como parte indissociável da vida comunitária.

      Estudos realizados pela Antropologia na década de 1960 comentam a respeito do selvagem e do camponês. Essas sociedades chamadas de “exóticas e selvagens” eram vistas como agrupamentos humanos, onde a escassez e a penúria decorrentes de suas limitações técnicas as condenariam a uma existência social precária e destituída da satisfação das necessidades mais elementares quando comparadas às sociedades modernas do ocidente. Posteriormente, essas análises foram substituídas por um grupo de Antropólogos que passaram a considerar tais comunidades como sociedades da abundância, servindo de inspiração para o pensamento da ecologia política (ALPHANDÉRY; BITOUN; DUPONT, 1992: 107-108).

      Nas novas pesquisas antropológicas, as “sociedades tradicionais”, se comparadas à sociedade ocidental que é estruturada pela lógica da acumulação incessante de bens materiais, elas — as “sociedades tradicionais” — não teriam como característica a penúria, mas sim a abundância, pois estavam imunes à visão utilitarista e equivocada da relação entre homem e natureza. Desta maneira, suas necessidades estavam fundadas em uma outra racionalidade que não aquela conhecida pela sociedade ocidental, urbana e industrial, esta última é que se mostra, pela sua própria lógica social, fadada a provocar a escassez dos recursos vitais pela sua tendência progressiva a se apegar em necessidades artificiais. Esta “autolimitação” das necessidades dos povos ditos tradicionais era responsável pela sua “abundância” e não escassez, resultado de opções conscientes diante do meio ambiente (ALPHANDÉRY; BITOUN; DUPONT, 1992: 109-110).

      A etnobiologia surgiu a partir desses estudos antropológicos, pois se ocupa em estudar o conhecimento e as conceituações desenvolvidas pelas diferentes sociedades a respeito da biologia, ou seja, estuda a natureza por meio de um sistema de crenças e adaptações do homem com o meio. Relacionada à ecologia humana ela determina classes e definições cognitivas usadas pelos povos, pois o conhecimento popular não se ajusta às categorias e aos conceitos particularizados pela visão científica. Nesse sentido, natureza e cultura estão juntas na visão destas sociedades e para conhecer como esses povos lidam com a natureza se faz necessário a interpretação dos seus mitos (POSEY, 1987: 15).

      Dentro da abordagem etnobiológica, um dos ramos que mais progrediu foi o da etnobotânica, com enfoque especial às plantas medicinais (ALMEIDA, 2002: 276). Caminhando por entre conceitos das ciências biológicas e das ciências sociais, em especial a antropologia, ela aborda distintas formas de interação e relação que grupos humanos possuem com as plantas (AMOROZO, 2002: 1). Ela busca conciliar a proteção dos ecossistemas com o manejo adequado dos recursos naturais. Além dos escassos conhecimentos científicos sobre a complexidade das relações existentes entre os diversos componentes dos ecossistemas e a ação devastadora do homem, há um descaso por parte daqueles que propõem e executam as políticas de conservação ambiental para com os elementos humanos que habitam esses ecossistemas ou seu entorno. Estas populações sobrevivem, muitas vezes, desses recursos e podem ser considerados como “elementos-chave” para a elaboração de estratégias de conservação (DI STASI; HIRUMA-LIMA, 2002: 28).

      A etnobiologia deve se preocupar em realizar uma articulação com a educação ambiental, já que ao se envolver com as populações locais para o levantamento de seus conhecimentos se faz necessário respeitá-las valorizando sua cultura, seu modo de viver. A troca é essencial para que o informante da comunidade estudada se sinta a vontade para transmitir seus conhecimentos ao pesquisador, geralmente uma pessoa que não pertence à comunidade. Brandão (1983: 54) ao se referir aos estudos sobre o conhecimento destas populações fala em trocas populares de saber.

      Assim, os princípios da educação popular são essenciais para orientar as atividades de educação ambiental desenvolvidas principalmente com estas populações. Freire (1996: 77) defende o saber popular e a importância da população se descobrir como sujeito social transformador reconhecendo seu papel no mundo.

      Este trabalho procurou abordar o conhecimento popular de uma comunidade situada na zona rural do município de Uberlândia, MG, a respeito do uso de plantas medicinais e de como é viver em um local que ainda mantém uma relação mais estreita com o meio natural.

 

os caminhos da pesquisa

 

      Como o trabalho foi idealizado em parceria com a comunidade, optamos por seguir inicialmente a Pesquisa Participante. Um dos primeiros passos na realização desta tipologia de pesquisa é a identificação e a valorização de um local de trabalho significativo na comunidade (BRANDÃO, 2001: 245). O Conselho do Distrito indicou o Clube de Mães para esse trabalho e foi neste local que o trabalho de educação ambiental foi iniciado.

      As reuniões do Clube acontecem uma vez por semana, geralmente nas quintas-feiras, com a participação de cerca de dez senhoras e nove adolescentes. Bordar, fazer crochê e pintar são algumas das atividades realizadas nesses encontros, sendo que as mais jovens aprendem estas atividades com as mais velhas. Os trabalhos manuais são vendidos e o dinheiro reverte para o Clube de Mães, sendo que uma porcentagem é repassada para a pessoa que confeccionou o artesanato.

      No Clube de Mães utilizamos a metodologia do Mapeamento Ambiental (MEYER, 1991: 43), que consiste em um “passeio” pelo local onde se vive caracterizando o ambiente. Após o mapeamento uma maquete do distrito foi construída e, ao discuti-la com moradores do distrito, percebemos que a Praça São João Batista estava descaracterizada tanto em relação a sua manutenção — bancos, grama, calçamento, guia — quanto ao uso da mesma pela população local, tanto que, a única praça do distrito vem sendo utilizada como acampamento para andarilhos e “ciganos”.

      Para a implantação do jardim na praça foi realizado um contato inicial com a Escola Municipal Antonino Martins Silva, que já desenvolvia um projeto em parceria com a prefeitura para a reurbanização da praça. Os objetivos da pesquisa se uniram aos da escola, ficando sob a responsabilidade dos pesquisadores a montagem de vários canteiros com plantas medicinais e aromáticas, assim como o desenvolvimento de atividades de educação ambiental com os alunos da escola.

      Para orientar os trabalhos de educação ambiental foram aplicados questionários estruturados para 44 alunos de 4a a 8a séries do turno da manhã. No questionário foram abordadas questões relativas ao conhecimento sobre plantas medicinais, tais como: usos, cultivo, preparo, fonte do aprendizado, espécies utilizadas e /ou conhecidas, preferência pelo remédio caseiro ou pelo alopático. No final da pesquisa outro questionário estruturado foi aplicado procurando verificar o posicionamento dos alunos quanto às atividades de educação ambiental, assim como perceber se haviam mudado sua opinião em relação à preferência ou não ao remédio caseiro a partir das plantas medicinais e ao conhecimento destas plantas.

      As atividades de educação ambiental foram preparadas a partir da análise do primeiro questionário buscando valorizar o conhecimento sobre plantas medicinais que a comunidade detém, ampliando este conhecimento para a flora nativa do Cerrado. Algumas atividades foram decididas entre as pesquisadoras e apresentadas à direção da escola e aos professores, sendo elaborado um calendário para a execução das atividades. Os encontros aconteceram a cada quinze dias, nos horários de aula cedidos pelos professores de ciências, matemática, geografia e artes. Algumas atividades previstas foram reorganizadas ao longo do trabalho visando uma melhor adequação à realidade dos alunos, da escola e das condições de trabalho com a comunidade em geral.

 

Educação ambiental valorizando as plantas medicinais

 

      Para motivação e integração dos alunos no processo de construção do jardim, foi solicitado que trouxessem mudas de plantas medicinais nos encontros de educação ambiental. Foi proposto aos alunos a elaboração de cartazes usando recortes de revistas e frases que pudessem lembrá-los durante a semana de fazer as mudas e levá-las para a escola na semana seguinte, na data do nosso terceiro encontro.

      Nos encontros foram estudadas 30 plantas medicinais diferentes, em média 5 por sala, as quais seriam incluídas no jardim, principalmente por serem as mais citadas pelos alunos no primeiro questionário. Essas atividades foram denominadas de “seminários sobre plantas medicinais”, metodologia comumente empregada em cursos sobre plantas medicinais. A diferença é que o nosso trabalho na escola iniciava com o conhecimento que os alunos traziam a partir da própria vivência deles. Com isso valorizamos o conhecimento popular, a importância do lidar com a terra, do conhecimento transmitido pela família.

      Pensamos que ao valorizar o trabalho com a terra estaríamos ampliando a visão de que esse trabalho não é apenas braçal, é também uma atividade intelectual. Por vezes, os alunos se mostravam envergonhados do seu conhecimento, pois tinham receio de serem chamados de “roceiros”. Esses momentos eram aproveitados para valorizar o trabalho com a terra e o contato com a cultura dessas populações. Segundo Freire (1979: 36) na roça há um predomínio do trabalho manual, criando uma dicotomia entre o trabalho manual e o intelectual, o que gera o preconceito em relação ao “roceiro”, sendo necessário mudar essa visão.

      A partir das plantas levadas pelos alunos, trabalhamos o sentido e a importância do emprego do nome científico, os usos, contra-indicações e cuidados com as dosagens, nomes populares, origem, habitat, etc. Ressaltamos a importância do conhecimento popular colocando-o como possível fonte para as pesquisas por novos fármacos e fitoterápicos. Para a elaboração destas atividades utilizamos fotos de cada espécie e dados da literatura especializada. Algumas espécies com morfologia ou nomes populares semelhantes foram trabalhadas a partir de suas principais diferenças e para isso usamos além de fotos, exemplares vivos, realçando as diferenças morfológicas e organolépticas (cor, cheiro, textura). Ao final de cada atividade os alunos fizeram desenhos e textos sobre as plantas estudadas. Alguns destes desenhos foram utilizados na ilustração de uma cartilha com informações sobre as plantas estudadas confeccionada pelos pesquisadores para a população do distrito.

 

O jardim de plantas medicinais e aromáticas

 

      Inicialmente o objetivo do projeto, em parceria com a Escola Municipal Antonino Martins Silva, era a implantação de um jardim de plantas medicinais e aromáticas na Praça São João Batista. Na escola, um dos idealizadores do projeto foi o professor de matemática, que tinha por objetivo montar canteiros com formas geométricas e estender o ensino de geometria além da sala de aula. Desse modo, seriam implantados alguns canteiros com plantas medicinais e os demais preenchidos com as plantas escolhidas pela escola de acordo com seu projeto inicial. Entretanto, em novembro a liberação da área da praça pela prefeitura ainda não havia sido realizada. As mudas já estavam preparadas para o plantio e não era mais possível aguardar a liberação da praça, assim, foi necessário encontrar um outro local para implantar o jardim.

      Diante dessa dificuldade, foi discutida com professores e funcionários da escola a possibilidade de implementar o jardim em outro local. Como o trabalho foi iniciado no Clube de Mães e sua sede possui um quintal pouco aproveitado foi sugerida a implantação do jardim neste local. No Clube de Mães são realizados encontros semanais, troca de experiências e de conhecimentos são realizadas durante a confecção do artesanato e a criação do jardim poderia estabelecer a troca de conhecimento sobre plantas, fator importante para que este conhecimento não se perca.

      Com a implementação do jardim no Clube de Mães não foi possível o envolvimento direto dos alunos no plantio das mudas em razão do pouco tempo que tivemos para a realização dessa tarefa. Os alunos participaram apenas da inauguração do jardim, através de uma dinâmica planejada para esse dia. Essa atividade requeria do aluno a identificação da planta estudada na sua sala de aula: os alunos foram convidados a encontrar as plantas no jardim para fixar placas em formato de margaridas contendo os nomes populares. Neste mesmo dia também foram desenvolvidas oficinas artesanais na escola, com a utilização de sementes e materiais recicláveis, sendo confeccionados pelos alunos diversos objetos como portas-treco, caixinhas de presente e porta retratos.

 

O conhecimento dos alunos sobre as plantas medicinais

     

      O primeiro questionário foi aplicado no início dos trabalhos na escola aos alunos de 4º a 8º série com idades entre 9 e 15 anos com o objetivo de realizar um diagnóstico sobre o conhecimento das plantas medicinais. Os dados mostraram que 76,6% dos alunos possuem plantas em casa, sendo que as mais citadas foram: alecrim (Rosmarinus officinalis L.), boldo (Plectranthus barbatus), capim-cidreira (Cymbopogon citratus), erva cidreira (Lippia alba), e hortelã (Mentha villosa Huds). A totalidade dos alunos (100%) conhece algum tipo de planta e 64,3% já tiveram informações sobre elas antes desta pesquisa ser desenvolvida.

      Salgado; Guido (2008: 15) encontrou resultado semelhante no que se refere à categoria planta medicinal comentada por informantes em sua pesquisa realizada em 11 quintais do distrito de Martinésia. Em 8 dos 11 quintais foi encontrado capim-cidreira (Cymbopogon citratus), em 4 erva cidreira (Lippia alba) e boldo (Plectranthus barbatus), em 3 hortelã (Mentha villosa) e alecrim (Rosmarinus officinalis). Ressaltamos que as denominações encontradas por Salgado; Guido (2008: 15) revelam certa confusão entre o nome popular da erva-cidreira e do capim cidreira, pois os informantes se referiram a erva cidreira (Lippia alba) com os seguintes nomes populares: erva-cidreira, erva-cidreira de rama e melissa. Já para o capim-cidreira (Cymbopogon citratus) foram encontradas as seguintes denominações: erva-cidreira, erva-cidreira de capim e capim-cidreira. Por esse motivo incluímos o capim cidreira nas plantas mais citadas pelos alunos, pois não foi possível verificar a qual espécie eles estavam se referindo. Esse dado revelou que existe dificuldade entre os moradores, incluindo os estudantes, em diferenciar o capim cidreira da erva cidreira.

      A maioria dos alunos (53,3%) costuma usar plantas medicinais para curar alguma doença, 31,5% preferem usar remédios de farmácia e 16,6%, usam tanto as plantas medicinais como os remédios de farmácia.             Ao justificar porque preferem as plantas medicinais encontramos as seguintes repostas:

 

“Sim porque minha mãe diz que funciona ela acha que são melhores que remédios”.

“Eu uso as plantas de meu quintal, pois no distrito onde moro não tem farmácia.”

“Sim, uso essa plantas como remédio caseiro, porque são com elas que são fabricados a maioria dos remédios caseiros e também são mais baratos.”

“Eu costumo usar plantas. Porque elas curam mais rápido e são mais baratas. Pois sempre tem um tipo de planta medicinal nos quintais.”

“As vezes eu uso, pois o posto de saúde está fechado e não tem outra coisa”.

“Porque essas plantas curam, eu também gosto do gosto delas. A minha mãe costuma usar plantas medicinais”.

“Para curar febre, gripe e resfriado. O remédio natural.”

“Dor de cabeça, enjôo, prefiro esses remédios, pois são naturais, ou seja, não contem a química dos remédios da farmácia.”

 

      Parece haver uma interferência muito grande da mãe nas repostas dos alunos, sendo ela quem orienta a respeito da medicação de plantas de uso medicinal. Tanto é que na justificativa de preferência do uso do remédio alopático, o pai aparece nas respostas:

 

“Costumo usar mais de farmácia. Porque meu pai prefere remédio da farmácia”.

“Não. Quando estou bem gripado meu pai fala em me levar ao medico, mas minha mãe fala que os remédios caseiros saram e sara mesmo.”

 

      Outras justificativas aparecem como o gostar das plantas, a presença delas nos quintais, o preço, sendo que as duas últimas são a justificativa para o uso do remédio alopático também:

 

“Não. Porque não sei usar ervas.”

“Prefiro usar o remédio de farmácia, porque não sei usar elas”.

“O remédio de farmácia. Porque a gente compra sabendo para que serve se e para dor de cabeça, etc.”

“Remédio de farmácia, porque lá em casa não tem nenhuma dessas plantas.”

“Às vezes plantas medicinais, mas na maioria das vezes é remédio de farmácia. Porque a doença pode estar muito agravada.”

 

      O conhecimento da mãe em relação ao uso medicinal das plantas também apareceu na reposta relativa a quem sabe fazer o remédio a partir das plantas. A mãe é apontada como a responsável por fazer o remédio a partir das plantas por 40,42% das respostas; 26,6% indicam a avó como responsável; os avôs aparecem com 10,65%; o pai com 9,57%; outra pessoa da família com 5,32% e vizinhos com 6,38%. Apenas 1,06% dos alunos sabem fazer remédio.

      A presença da mãe se justifica, pois é ela quem está mais presente na casa e no quintal, sendo quem cuida desse espaço. Barbosa (2004: 09) notou que o quintal foi um ambiente bastante vinculado à figura feminina. Ao passo que os homens apresentaram uma maior vivência nos “matos”. Salgado; Guido (2008: 8) ao realizar estudo nos quintais de Martinésia verificou que 73% dos informantes da sua pesquisa eram do sexo feminino.

 

 

 

 

 

AMPLIANDO O CONHECIMENTO DOS ALUNOS SOBRE PLANTAS MEDICINAIS

 

      O segundo questionário aplicado após o desenvolvimento do trabalho na escola, mostrou que cada aluno conhece em média 12 plantas medicinais citadas no questionário e esse número variou entre 3 e 23 plantas.

      Em relação à importância do uso do nome científico das plantas, a maioria dos alunos reconhece a sua importância. Seguem algumas justificativas apresentadas pelos alunos:

 

“Porque se fazermos o remédio errado ou pegar plantas erradas, depende da planta pode até matar.”

“Porque quando as pessoas perguntar se nós conhecemos o nome cientifico, nós sabemos.”

“Para diferenciar a planta devemos identificar o nome cientifico.”

“Porque se você for para outro lugar e falar o nome popular ninguém vai saber que planta você qué.”

“Porque pode haver outros nomes, em outras regiões, para as mesmas plantas.”

“Porque podemos usar uma planta achando que ela pode piorar ou prejudicar outro órgão.”

 

      Nossa preocupação em enfatizar o nome científico das plantas é justificada para que a população não tenha dificuldade em reconhecer a planta certa para a cura da enfermidade. É muito comum plantas medicinais serem denominadas por diferentes nomes populares, variando de região para região e plantas com o mesmo nome popular, mas com propriedades químicas diferentes, pois são espécies diferentes. Uma das confusões que percebemos durante as atividades de educação ambiental e que apareceu no primeiro questionário se refere ao nome popular empregado pelos alunos para designar tanto a erva-cidreira-de-folha (Lippia alba Mill) como o capim cidreira (Cymbopogon citratus Stapf.).

 

      Ladeira (2002: 9) comenta esta confusão:

 

“Como exemplo, o nome científico da melissa, ou erva-cidreira, é Melissa officinalis L., — onde Melissa é o nome do gênero, officinalis é o epíteto específico e não o nome da espécie, e L. é a abreviatura de Carl Linnaeus (Lineu), que foi o botânico que deu este nome à planta. Outra espécie, também chamada de erva-cidreira, tem o nome científico Cymbopogon citratus (DC.) Stapf — Cymbopogon é o nome do gênero, citratus é o epíteto específico, DC. é a abreviatura de Augustin De Candolle, botânico que descreveu a espécie pela primeira vez e Otto Stapf, o pesquisador que mudou a espécie para esse gênero. O nome de Stapf vem, por isso, após o parêntese.”

 

      Neste caso fica esclarecida a confusão estabelecida entre essas espécies tão diferentes externamente, mas por possuírem os mesmos benefícios de cura, são confundidas e chamadas pelo mesmo nome popular. De acordo com Cervi et. al. (1989: 4-42), não raro, um vegetal é usado em lugar de outro devido às semelhanças morfológicas ou, então, por ter o mesmo nome vulgar, sendo necessária maior conscientização da população quanto aos sérios riscos causados pelo uso indevido dos vegetais.

      Conhecer o nome científico das plantas foi uma atividade que resultou em um maior envolvimento dos alunos. Eles se interessavam pela escrita e pela pronuncia da nomenclatura científica, o que auxiliou no trabalho de sensibilização para a importância do nome científico.

      Ao comparamos as plantas que os alunos citaram no primeiro questionário com as que citaram no segundo (Tabela 1), percebemos que houve um aumento de citação justamente das plantas que foram trabalhadas para enfatizar a importância do nome científico. Esta atividade era realizada com exemplares vivos da espécie para que os alunos percebessem a diferença entre elas. A família das mentas, foi outro exemplo que pudemos verificar êxito no trabalho com os nomes científicos, pois trabalhamos a diferença entre o poejo (Mentha pulegium L.), a hortelã (Mentha x vilosa Huds), o vick (Mentha arvensis L.) e a menta (Mentha spp).

 

Tabela 1 – Plantas medicinais mais citadas nos questionários I e II pelos alunos da Escola Municipal Antonino Martins Silva, distrito de Martinésia, Uberlândia, MG.

Plantas

Numero de citações

Nome popular

Nome científico

Família

Quest I

Quest II

Total

Alfavaca

Ocimun gratissimum L

Lamiaceae

21

47

68

Alecrim

Rosmarinus officinalis L.

Lamiaceae

44

65

174

Arnica

Solidago chilensis

Asteraceae

31

60

91

Boldo

Plectranthus barbatus

Lamiaceae

70

73

143

Calêndula

Calendula officinalis L.

Asteraceae

2

11

13

Capim-cidreira

Cymbopogon citratus

Poaceae

28

73

101

Capuchinha

Tropaeolum majus L.

Tropaeolaceae

0

6

6

Camomila

Camomilla recutita

 Asteraceae

5

60

65

Erva Santa-Maria

Chenopodium ambrosioides L.

Chenopodiaceae

25

59

84

Erva Cidreira

Lippia Alba

Verbenaceae

63

74

99

Funcho

Foeniculum vulgare

Apiaceae

22

51

73

Gengibre

Zingiber officinales

Zingiberaceae

9

51

60

Guaco

Mikania glomerata Spreng.

 Asteraceae

6

19

25

Hortelã

Mentha villosa Huds

Lamiaceae

62

72

134

Poejo

Mentha pulegium

Lamiaceae

3

23

26

Malva

Malva Sylvestris

Malvaceae

0

20

20

Melissa

Melissa officinalis L

Lamiaceae

0

9

9

Menta

Mentha spp

Lamiaceae

14

 

14

Salvia

Salvia officinalis L

Lamiaceae

0

 

0

Vick

Mentha Arvensis L.

Lamiaceae

0

36

36

Patchouli

Pogostemon cablin Benth.

Lamiaceae

0

 

0

Citronela

Cymbopogon nardus (L.) Rendle.

Poaceae

0

19

19

Pacova

Alpinia zerumbet

Zingiberaceae

 

11

11

Confrei

Symphytum officinale L.

Boraginaceae

 

6

6

Mil Folhas

Achillea millefolium L.

Asteraceae

 

16

16

Plantas de cerrado

 

 

 

21

21

Outras

 

 

11

 

11

Total de alunos

 

76

86

162

 

      Percebemos que o poejo foi citado por 3 alunos no primeiro questionário, aumentado para 23 no segundo questionário. A menta citada por 14 alunos no primeiro questionário, não foi citada por nenhum aluno no segundo, pois foi enfatizado nos seminários que a planta que eles chamavam de “menta” era o hortelã, que foi citado no segundo questionário por 72 alunos ou o vick que foi citado apenas no segundo questionário por 36 alunos. Observamos também um aumento significativo de citações no segundo questionário das plantas estudadas nos seminários. Vejamos algumas respostas dos alunos a respeito da importância do uso do nome científico:

 

“Tem várias plantas que se parecem como o vique e hortelã se não você pega uma pensando e a outra.”

“Pegar as plantas certas que vão usar.”

“Para diferenciar uma da outra quando forem parecidas”

“Porque se fazemos o remédio errado ou pegar a planta errada, depende da planta pode até matar.”

“Para não misturar os nomes e não beber xá ou remédio errado.”

 

      Mesmo trabalhando com o conhecimento científico e sua valorização no uso da nomenclatura científica das plantas, procuramos enfatizar a importância do conhecimento que a população detém sobre as plantas. Ao incorporar a ciência nas discussões buscamos ampliar o conhecimento popular sem com isso desvalorizá-lo. Ao contrário, mostramos que o conhecimento popular tem o seu valor, e ao colocar a ciência junto com o conhecimento popular foi possível os alunos perceberem que o conhecimento do homem e da mulher do campo também possui valor intelectual.

      A maioria dos alunos continuou apresentar preferência por remédios caseiros por confiar mais nestes e mudaram a maneira de observar e valorizar as plantas e os quintais. Todos os alunos gostaram das atividades que foram desenvolvidas, mas muitos deixaram claro o anseio por mais informações sobre outras plantas.

 

“Os quintais tem muita importância para todos. Principalmente agora que aprendemos a utilizar as plantas que tem neles.”

“Eu prefiro usar remédio medicinal, em meu quintal tem varias plantas isso é uma riqueza, é muito melhor que remédio de farmácia.”

“Porque é uma ajuda a comunidade.”

 

      Ao partir do conhecimento dos alunos, para assim valorizar o conhecimento popular, optamos por trabalhar as plantas que eles conheciam e que traziam dos seus quintais. Com isso valorizamos não só o conhecimento de seus familiares, como também os quintais de Martinésia, o jeito de viver dessa população. Mostrando a eles e a nós pesquisadores, que um modo de viver simples ainda apegado à terra, aos quintais, às plantas deve ser valorizado. É claro que esse modo de viver mais simples não significa que a comunidade de Martinésia tenha que ser impedida de participar dos recursos, especialmente os tecnológicos, da sociedade contemporânea, nossa pretensão com essa pesquisa é valorizar esse modo de viver, as culturas locais.

 

PENSANDO A EDUCAÇÃO AMBIENTAL A PARTIR DA VALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO SOBRE PLANTAS

 

      De modo geral, apesar das dificuldades inerentes às condições de trabalho, do pouco tempo para desenvolver um trabalho efetivo de sensibilização da comunidade, assim como para o amadurecimento da equipe de trabalho, a avaliação das atividades desenvolvidas foi positiva. Ressaltamos que o jardim implantado pode ser utilizado pela escola para desenvolver ali uma série de atividades com as plantas nas várias disciplinas.

      A partir deste projeto outras parcerias com a comunidade se estabeleceram com a possibilidade de executar atividades que levem a sensibilização da mesma não apenas na valorização do conhecimento popular das plantas medicinais, como também conhecer o potencial de uso de plantas medicinais do Cerrado e assim contribuir para a conservação deste bioma.

       É importante lembrar que a pesquisa enfatizou a educação ambiental a partir da valorização do conhecimento popular sobre de plantas e os resultados mostraram que esta parceria pode promover práticas de educação ambiental considerando os seguintes aspectos para a efetivação de atitudes positivas em relação ao ambiente: o bem-estar: a comunidade de Martinésia elege seus quintais como um local agradável, de convívio, de plantio para a subsistência e a troca com os vizinhos; a troca entre o conhecimento informal com o conhecimento formal: professores, alunos e seus familiares realizaram ao longo da pesquisa uma parceria trazendo beneficio para a escola e para as famílias que se sentiram valorizadas frente o conhecimento escolar; intercâmbio entre os escolares e a comunidade: a implantação do jardim de plantas medicinais e aromáticas no Clube de Mães promoveu em uma outra dimensão, a troca entre o conhecimento escolar e o popular, além do jardim fornecer material botânico para ser usado no artesanato produzido no Clube.

       A comunidade de Martinésia, no entanto não pode ficar responsável pela conservação da natureza, pois alia a vida simples aos cuidados e proteção do bioma Cerrado. Ela pode e deve participar da sociedade contemporânea que possibilita um contato com tecnologias que tornam a vida mais prática e as coloca em contato com o mundo, com outras culturas.

 

 

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

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Agradecimentos

 

A toda comunidade de Martinésia por nos receber com tanto carinho e nos proporcionar tranqüilas manhãs e tardes na escola, no clube de mães, nos quintais. A Pró-Reitoria de Extensão, Cultura e Assuntos Estudantis da Universidade Federal de Uberlândia pelo auxilio financeiro concedido através do Programa de Extensão Integração UFU/Comunidade (PEIC/UFU/UBERLÂNDIA).

Ilustrações: Silvana Santos