Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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13/03/2010 (Nº 31) DIALOGICIDADE ENTRE A COMPLEXIDADE E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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Educação ambiental em ação 31

DIALOGICIDADE ENTRE A COMPLEXIDADE E A EDUCAÇÃO AMBIENTAL

 

FOFONKA, Luciana

 

 

 

As transformações contemporâneas, a quantidade de informações, de tecnologia e os impactos ambientais negativos são algumas das questões que levam à instabilidade da sociedade pós-moderna. Existe uma insegurança, um questionamento de conceitos e concepções que até então eram considerados como verdades absolutas. Tais incertezas produzem complexidade, dialogicidade entre os processos socioculturais e o conhecimento científico.

Inicialmente é importante esclarecer o que é complexidade, uma vez que muitas pessoas se referem à complexidade como sinônimo de difícil, complicado, algo sem uma explicação objetiva. O dicionário Aurélio (FERREIRA, 1988) explica que, essa palavra está relacionada com complexo, com várias opções de significado, como: que abrange ou encerra muitos elementos ou partes; observável sob diferentes aspectos; confuso, complicado, intrincado; grupo ou conjunto de coisas, fatos ou circunstâncias que têm qualquer ligação ou nexo entre si, entre outros significados.

Cabe ressaltar que a complexidade não descarta a simplicidade, uma vez que o pensamento complexo tem relação com as formas simplificadoras de pensar, um vai e vem entre certezas e incertezas e entre ordem e desordem. O paradigma da complexidade quer integrar a simplificação e disjunção num processo ativo e gerador.

Para Morin (1996) a palavra complexidade tem relação com uma carga semântica de confusão, incerteza, desordem, incapacidade de pôr ordem às idéias. Essa desordem é fundamental para aumentar a ordem. Existe um processo dialógico entre ordem, desordem e organização. Com a dialógica é possível assumir, racionalmente, a associação de ações contraditórias gerando um fenômeno complexo.

Por falar em dialógica, essa também é uma expressão central no processo de construção do conhecimento, que merece atenção. É um dos eixos importantes para o pensamento complexo, que significa o diálogo, nascido na prática da liberdade e baseado na existência.  Segundo Freire (2005) a dialogicidade é sempre geradora de esperança, está presente nas dimensões da ação e da reflexão. Através dela mostramos que humanamente existimos, então somos capazes de agir e modificar o mundo dado.

A dialogicidade está presente no pensamento complexo que comporta alguns princípios como o dialógico, que permite o vínculo entre elementos antagônicos, complementares e inseparáveis, que ultrapassam o reducionismo. O pensamento complexo tem um enfoque na teoria sistêmica nos sistemas dos organismos vivos e das máquinas, na comparação entre sistema aberto e fechado (MORIN, 2001).

No sistema aberto há autonomia e individualidade, pois, as relações de troca, não podem ficar fechadas, nem se considerarem auto-suficientes. Já o sistema fechado tem relação com o pragmatismo dos conhecimentos e o antropocentrismo, em que o homem é considerado o centro do universo, sendo visto como senhor e possuidor da natureza. Consequentemente a sociedade contemporânea sofre reflexos desse pensamento cartesiano como: transmissão de informações desconexas, compartimentadas e dicotômicas (LUIZARI, 2003).

 Vimos acontecer a redução do complexo ao simples, a separação do que está ligado; a eliminação do que traz desordens e contradições para o entendimento. Esse pensamento linear também afeta a educação, ao limitar a capacidade crítica dos alunos com relação ao seu próprio contexto diante das incertezas que surgem da relação com a sociedade. A separação das disciplinas fragmenta o conhecimento, dificultando captar o que está tecido em conjunto: o complexo (MORIN, 2002).

Os problemas dos sistemas humanos são aqueles ligados à nossa dificuldade em lidar com a complexidade. O pensamento linear não é mais capaz de refletir sobre si mesmo, entender que o conhecimento não é algo fechado e inquestionável, que é preciso articular o conhecimento, ligando-os em cadeia, formando o que Morin (2000) chama de círculo do anel retroativo, um anel complexo e dinâmico, o anel do conhecimento.

É preciso mudar! A produção do conhecimento não pode ser linear, fechada, ter certezas e verdades absolutas. Falta uma dialogicidade entre os diferentes paradigmas: entre o homem e as idéias que ele produz; entre o ser humano e suas racionalizações (MARTINAZZO, 2002).

Nesse contexto surge a complexidade como uma luz, mas não como no Iluminismo, e sim como uma questionadora da fragmentação do conhecimento.

Por outro lado, vivemos na era da informação em tempo real, da globalização da economia. Assistimos a uma radicalização das esferas do tempo e do espaço, num incremento de tendências que nos coloca entre a modernidade tardia e a pós-modernidade. Os avanços tecnológicos na área da comunicação trouxeram novas possibilidades de relacionamento e interação entre os homens. A fácil disponibilidade de TICs e mídias possibilitaram a comunicação  mais flexível, dinâmica e, principalmente, accesible, refletindo diretamente nas relações dos seres humanos e deles com o mundo.

Também vivemos em um cenário que vislumbra fragmentação, pois, divide globalizadores e globalizados, centro e periferia.

Além da propagação das TICs e das mídias também surge um outro tema, o da consciência ecológica. Segundo Edgar Morin (2002), temos de defrontar ao mesmo tempo o problema da Vida no planeta Terra, o problema da sociedade moderna e o problema do destino do Homem. Isto obriga-nos a pôr novamente em questão a própria orientação da civilização ocidental. A preservação do meio ambiente depende de uma consciência ecológica e a formação da consciência depende da educação. É aqui que entra em cena a educação ambiental, como uma pedagogia democrática e solidária.

E o que é educação ambiental? Conforme Reigota (1995) a educação ambiental é um processo baseado no coletivo, na busca do diálogo para se chegar no objetivo desejado, com alternativas sócio-ambientais que contemplem a maioria das pessoas de forma a integrá-las no seu meio.

A educação ambiental é um processo de formação dinâmico, permanente e participativo, que permite que as pessoas envolvidas sejam agentes transformadores, participando ativamente da busca de alternativas para a redução de impactos ambientais, sugestão de manejo e para o controle social do uso dos recursos naturais.

É impossível resolver os crescentes e complexos problemas ambientais e reverter suas causas sem que ocorra uma mudança radical nos sistemas de conhecimento, dos valores e dos comportamentos gerados pela dinâmica de racionalidade existente, fundada no aspecto econômico do desenvolvimento (LEFF, 2001).

Segundo a dialógica da complexidade é necessário que haja ordem e desordem para haver renovação, então é preciso que se revisem, se refaçam os conceitos-chave da educação ambiental para que ela se renove a partir de um “tecer juntos” (Morin,1985).

Leff (2003) diz que a partir do pensamento complexo alcançaremos uma dimensão transformadora e emancipatória de ambientalismo e de educação ambiental. Através desse paradigma, não é mais tolerável admitir reducionismos em termos de educação ambiental. É preciso pensar e agir globalmente e também pensar e agir localmente.

A escola deve participar ativamente desse processo, apoiar a tarefa de construir uma política cultural, da qual a educação ambiental está intimamente relacionada. O paradigma da complexidade em termos de educação ambiental, implica um processo de desconstrução e reconstrução do pensamento. Deve estar inter-relacionado com as formas como enunciamos a nossa vida, nos colocamos como sujeitos produzidos e produtores de conhecimentos críticos, capazes de alterar nossa maneira de estar e permanecer no mundo.

A educação ambiental a partir do olhar epistemológico está centrada em um conhecimento processual e reflexivo, associado à prática em sociedade. Ignora verdades absolutas e a divisão do conhecimento por áreas, pois, acredita na inter, multi e transdisciplinare como alternativas que tenham trânsito nas várias áreas. Das três tendências a abordagem transdisciplinar, é considerada a mais efetiva para lidar com sistemas complexos e praticar a educação ambiental.

A complexidade do mundo exige o transdisciplinar. A transdisciplinaridade diz respeito ao que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente, para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento (NICOLESCU, 1999).

Após tais reflexões ao longo desse texto, acredito que a educação ambiental só apresentará resultados positivos quando incorporar em sua prática diária a completa contextualização da complexidade ambiental. E isso só vai acontecer quando houver o envolvimento da sociedade, dos níveis econômico, político, ideológico, cultural e educacional, promovendo leituras relacionais e dialéticas da realidade, provocando não apenas as mudanças culturais que possam conduzir à ética ambiental, mas também as mudanças sociais necessárias para a construção de uma sociedade dialógica, que busque principalmente o diálogo propondo alternativas sócio-ambientais que integre o ser humano no seu meio.  É preciso construir valores, conceitos, habilidades e atitudes que possibilitem o entendimento da realidade de vida e a atuação lúcida e responsável de atores sociais individuais e coletivos no ambiente.

 

 

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

 

FERREIRA, A.B.H. Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa. Rio de

Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

 

FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e terra, 42 ed. 2005.

 

LUIZARI, R. A. A Contribuição do  pensamento de Edgar Morin para a Educação Ambiental. Rio Claro, 2003, 125p.(Trabalho de Conclusão de Curso),

Instituto de Biociências, UNESP.

 

MARTINAZZO, Celso José. A utopia de Edgar Morin. Ijuí: Unijuí. 2002.

 

MORIN, Edgar. O problema epistemológico da complexidade. Lisboa: Europa-América, 1985.

______. Introdução ao pensamento complexo. 3. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2001.

 

______. Educação e Complexidade: Os sete saberes e outros ensaios. Tradução

Edgard de Assis Carvalho. São Paulo: Cortez, 2002.

 

NICOLESCU, B. O manifesto da transdisciplinaridade. São Paulo: TRIOM, 1999.

 

LEFF, H. Epistemologia ambiental. São Paulo: Cortez, 2001.

 

LEFF, H. (Coord.). A complexidade ambiental. Traduzido por Eliete Wolff. São Paulo: Cortez, 2003.

 

REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social. São Paulo: Cortez, 1995.

Ilustrações: Silvana Santos