Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
16/09/2009 (Nº 29) Entrevista com Marcos Sorrentino, por Bere Adams
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Educação Ambiental em Ação 29
Entrevista para a 29ª Edição da Educação Ambiental em Ação (www.revistaea.org)
Por Bere Adams


Apresentação: Esta edição conta com uma segunda entrevista, feita com Marcos Sorrentino. Ele foi Diretor da Diretoria de Educação Ambiental – DEA do Ministério do Meio Ambiente, e acompanhou de perto o andamento da Lei da Política Nacional de Educação Ambiental (PNEA), que em abril completa 10 anos. Ninguém melhor para nos falar sobre este assunto do que ele, que é professor de educação e política ambiental em Piracicaba/SP, foi fundador e militante de diversas organizações ambientalistas e de educação ambiental e vem escrevendo e fazendo palestras, cursos e oficinas sobre o tema há mais de trinta anos.

Bere Adams (BA) - Senhor Marcos Sorrentino, é uma honra e uma alegria podermos contar com sua participação nesta edição da Educação Ambiental em Ação. Por favor, conte-nos um pouco sobre a PNEA, como começou o processo de implantação e quais as principais ações realizadas, no seu ponto de vista:

Marcos Sorrentino (MS) - A lei que institui a PNEA após aproximadamente seis anos de tramitação na Câmara dos Deputados, foi aprovada em 1999 e regulamentada em 2002, mas apenas começou a ser implementada em junho de 2003, com a criação do seu Órgão Gestor, composto pelos Ministros do Meio Ambiente e da Educação. Desde então, contribuiu para dar maior organicidade às ações na área, por meio do seu desdobramento em um programa nacional de educação ambiental (ProNEA), aprovado em 2004 no V Fórum Brasileiro de EA, organizado pela REBEA (Rede Brasileira de EA em parceria com o Órgão Gestor). Este programa, se desdobra em sub-programas e diversos projetos que vêm sendo implantados pelos governos e pela sociedade organizada.
 
Atualmente, está em pauta a institucionalização do Sistema Nacional de Educação Ambiental (SisNEA), que deve dar nome e apresentar didaticamente as diversas conexões que já ocorrem e que devem ocorrer de forma cada vez mais intensa para possibilitar sinergia entre as inúmeras ações de EA em todo país.
 
BA - Para o Senhor, o que representa a PNEA no sistema de educação brasileiro?
 
MS - A PNEA é um passo a mais na bonita história da EA no país e representa a obrigatoriedade dos sistemas de educação, meio ambiente, recursos hídricos, saúde e outros, incorporarem a EA dentro do espírito de transversalidade que a anima.

BA - Quais foram os principais instrumentos implementados pela PNEA ao longo destes 10 anos?
MS - Na realidade são seis anos de implementação. Entre os principais instrumentos mobilizados por ela, estão a criação e funcionamento do seu Órgão Gestor e do seu Comitê Assessor, a criação e implantação do ProNEA e dos seus sub-programas - ProFEA,  Educomunicação Socioambiental, Enraizamento da EA no país e os destinados a Rede formal de Ensino, onde destacam-se as Conferências Nacionais Infanto-Juvenis sobre Meio Ambiente, as Com-Vidas  e o apoio a criação e funcionamento da REJUMA (Rede de Juventude e Meio Ambiente), a re-vitalização das CIEAs (Comissões Interinstitucionais de EA em cada Unidade Federativa) e  do SIBEA (Sistema Brasileiro de Informações em Educação Ambiental), a proposição do SisNEA, os editais de demanda induzida do Fundo Nacional de Meio Ambiente, dentre outros.

BA - E quais os avanços na aplicação da Educação Ambiental a partir da PNEA?
MS - Hoje, praticamente todas as 27 Unidades Federativas têm ou estão em processo de construção das suas leis e programas de EA. Vão criando os seus órgãos gestores e CIEAs e muitos percebem e traduzem em procedimentos práticos, que a EA não pode limitar-se a projetos pulverizados e descontinuados e que o papel das políticas públicas não pode limitar-se a comemoração de datas e publicações. Vários municípios estão elaborando as suas leis municipais de EA e buscando uma ação coordenada entre as secretarias de meio ambiente e de educação. Ou seja, uma EA, permanente, continuada, articulada e junto a todos os cidadãos e cidadãs, não são apenas princípios do ProNEA.
        
BA - Fale-nos um pouco do ProNEA e de como este programa vem sendo disseminado nos ambientes educacionais brasileiros:

MS - O ProNEA enuncia, além dos quatro princípios que acabo de mencionar, as diretrizes de uma EA voltada a sustentabilidade socioambiental, transversal, que estimule a participação e o controle social e a criação e funcionamento sistêmico da EA no país. Pautado pelos objetivos de promover o enraizamento e o fortalecimento da EA que já se realiza há décadas em nossos país, incentivando o seu exercício vivencial, testemunhando em nossas vidas e formas de organização aquilo que propomos para toda a sociedade, ele tem estimulado a criação de inúmeros programas de EA em bases territoriais diversas.
Dois elementos importantes na estratégia de disseminação do ProNEA são os Coletivos Educadores e as Salas Verdes. O primeiro, promovendo a aproximação das instituições educadoras e ambientalistas de cada território e elaborando um Projeto Político e Pedagógico, participativo, voltado a formação de educadores ambientais populares por meio de Com-Vidas (Comissões, quando na Escola ou Comunidades de Aprendizagem sobre Meio Ambiente e Qualidade de Vida). A segunda, como pontos de apoio a essas Com-Vidas e Coletivos Educadores, possibilitando o acesso aos educadores e educadoras ambientais, a livros e materiais educacionais diversos. Diga-se de passagem, que as Salas Verdes já vinham sendo implementadas pelo governo anterior e apenas foram re-vitalizadas como política pública, a partir de 2003.

BA - A PNEA tem conseguido alcançar seus principais objetivos?
MS - Muito ainda resta ser feito, inclusive o aprimoramento do próprio texto da Lei. O maior objetivo, que é uma sociedade brasileira educada e educando-se ambientalmente para a sustentabilidade socioambiental, é um farol a iluminar a sua constante avaliação e aperfeiçoamento. Certamente isto não depende apenas do Brasil e nem apenas dos educadores e educadoras ambientais. Depende de variáveis econômicas e culturais, políticas e estruturais com as quais a EA tem uma relação de mútua dependência.
 
BA - Como o Senhor vê essa sua experiência pessoal, participando ativamente deste processo tão significativo para a Educação Ambiental?

MS - Com gratidão, muita gratidão a tudo e todos que propiciaram esta vivência e aprendizados. Descobri o quanto é possível fazer-se quando se conta com mulheres e homens com espírito público e amor à Vida em toda a sua diversidade de manifestações. Agradeço a ex-ministra Marina Silva, pelo convite e apoio nestes anos, pois em um Ministério com poucos recursos e uma enorme agenda de demandas, ela sempre teve uma palavra de apoio e incentivo ao nosso trabalho. Agradeço a toda a equipe de EA do MMA e do MEC, que se esforçou cotidianamente para superar as limitações, atuando como militantes apaixonados por uma causa pública. Agradeço ao movimento de EA neste país que propiciou, pelo seu acumulo de experiências e reflexões, que bebêssemos em fonte de conhecimentos vivenciados e que atendeu generosamente a todas as chamadas para cooperarem na implantação de propostas, projetos e ações estruturantes, em todo país. Agradeço a USP e aos meus colegas de Departamento, que propiciaram este afastamento de seis anos. Agradeço a UnB que me acolheu para um pós doutoramento, quando sai do MMA. Volto para a Universidade, engrandecido por esta experiência e espero que isto possibilite o aprimoramento não só das minhas práticas profissionais, mas das atividades desenvolvidas pela Universidade.
 
BA - Quais foram suas maiores realizações quando esteve como Diretor da DEA?

MS - O conjunto das atividades desenvolvidas ganhando organicidade e possibilitando o amadurecimento da proposta do SisNEA, aprovada na III Conferência Nacional de Meio Ambiente, a partir do encaminhamento da quase totalidade das Conferências Estaduais.

Os resultados da pesquisa feita junto aos delegados da II e da III Conferência, apontando a EA como o programa de maior visibilidade e aceitação em toda a área ambiental, também ampliam a minha convicção de que estávamos no caminho correto.

O acolhimento generoso, pelos educadores e educadoras, de todas as nossas propostas, mesmo sem recursos financeiros e sem benefícios diretos, possibilitando avançarmos naquilo que denominamos como EA estruturante.

A elaboração do ProNEA, das diversas publicações e propostas, muitas das quais já mencionei nesta entrevista.

Mas principalmente, a aclamação que nosso trabalho recebeu no VI Fórum Brasileiro de EA, organizado pela REBEA em julho passado, um ano após termos saído do DEA.
 
BA - E as dificuldades, o que precisa melhorar?

MS - A postura ainda antropofágica, canibalística numa linguagem do movimento modernista brasileiro, de alguns colegas, que insistem em tomar como inimigo aqueles que vão combater em outras trincheiras, no mesmo campo.
Precisamos aprender a fazer as críticas solidárias e não pessoais. Construir algo melhor, não é negar o outro e o que vinha sendo feito, mas dialogar e buscar aprimorar.
A falta de recursos financeiros e ainda a dispersão de recursos em inúmeros pequenos projetos de todas as áreas de governo. Criamos a CISEA (Comissão Intersetorial de EA do MMA), objetivando dar maior organicidade às ações nesta área no MMA e Vinculadas, mas isto precisa ser continuado e ampliado para toda a Esplanada dos Ministérios. O mesmo precisa ocorrer em cada base territorial deste país.
 
BA - Recentemente ocorreu o VI Fórum Brasileiro de Educação Ambiental, e foi possível perceber muitas dificuldades para a efetivação deste evento, que saiu graças ao esforço e a coragem de algumas pessoas, destacando-se Declev Reynier Dib-Ferreira (Coordenador da Secretaria Executiva do VI Fórum Brasileiro de Educação Ambiental. Instituto Baía de Guanabara / REBEA) e da Jacqueline Guerreiro (Rede Brasileira de Educação ambiental - REBEA). Pergunto-lhe, por que é tão difícil conseguir apoio governamental e institucional para estes eventos, pois as dificuldades também são percebidas em outros eventos de Educação Ambiental?

MS -  Os recursos são destinados de forma pulverizada para atender a clientela mais interessante para cada governante, empresário ou mesmo organização não governamental e movimento social. É preciso avançarmos na legitimação e fortalecimento de Coletivos  e propostas que sejam referenciais para as políticas públicas e para os eventuais patrocinadores. A REBEA vem se constituindo há 20 anos, mas sempre enfrentou as dificuldades comuns às iniciativas inovadoras. A opção que fizemos de nos organizarmos em rede e não em uma federação ou confederação, exigiu o aprendizado de uma cultura que amadurece lentamente entre nós. Descentralizar poder e atuar fortalecendo a diversidade não é fácil, mas avançamos e a maior prova disto foi a realização, pela primeira vez, de um Fórum sob governança exclusiva da REBEA. Não considero isto o ideal, mas tenho certeza que o VII Fórum a realizar-se na Bahia, contará com mais apoio governamental e do empresariado.
 
BA - Como o Senhor define a "Educação Ambiental"?

MS - Esta sempre é a pergunta mais difícil de responder. Hoje eu diria que ela é um processo, amoroso, crítico e emancipatório, de construção de responsabilidades compartilhadas para a melhoria, recuperação e conservação do meio ambiente e da qualidade de vida. O cuidado com a Vida em toda a sua diversidade.
Nos últimos dias acompanhei uma pessoa da família em um hospital e saí de lá convicto que os maiores educadores ambientais que conheço são as enfermeiras, enfermeiros e auxiliares de enfermagem que cotidianamente cuidam de vidas de estranhos que se tornam íntimas delas pela dedicação e cuidados que lhes destinam. Pessoas que dão o testemunho de amor ao próximo e nos fazem pensar sobre a fragilidade da vida e as nossas interdependências.

Com isto, quero dizer que a EA não pode ser limitada aos bancos escolares, como responsabilidade de professoras, professores e estudantes. A construção de novos valores, mudanças culturais e a transformação do atual modo de produção e consumo é tarefa de todos nós.
Debatermos identidade, alteridade, comunidade, pertencimento, potência de ação, diálogo, felicidade e participação é uma boa forma de definirmos a EA que queremos fazer e para onde queremos caminhar.
 
 
BA - Sempre ocorrem questionamentos, discussões e debates sobre a Educação Ambiental ser ou não transformada em disciplina. Qual a sua opinião sobre este tema tão polemico e complexo?

Continuo adepto da busca de alternativas não disciplinares, mas para tanto precisamos avançar na conexão da escola com a sociedade, rompendo também com o fechamento da escola em si própria e nas disciplinas de 50 minutos. O bairro tem que ser a escola integral. O ensino por solução de problemas, o estudo do meio, a correspondência escolar, a pesquisa-ação e inúmeras outras propostas devem ser debatidas na elaboração do Projeto Político e Pedagógico da escola e de uma agenda de prioridades que pode e deve ser estabelecida para torná-lo (o PPP) vivenciado no cotidiano.
Isto apenas será possível, se houver a união de forças diversas, não deixando-se apenas nas costas da comunidade escolar tal responsabilidade. Gestores públicos devem fomentar e participar de coletivos educadores, que aproximem as instituições de perfil educacional e ambientalistas e outras afins, e se colocarem a missão de apoiar as escolas no enfrentamento deste desafio de uma EA vivencial.
 
BA - Deixe um recado para o pessoal que elabora e que lê nossa revista, podendo ser uma frase, uma palavra, um poema:
MS -  Leiam “a lição do amigo – cartas de Mário de Andrade”, de Carlos Drummond de Andrade, onde Mário nos ensina em diversas cartas a Carlos, o velho ditado popular que afirma “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”. 
 
BA - Algums considerações finais:
 
MS - A II Jornada Internacional do Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e a Conferência Internacional Infanto Juvenil sobre Meio Ambiente, em curso, capitaneadas por instituições brasileiras e como movimentos preparatórios do clima para a Rio92+20, são dois bons exemplos da  importância da questão e da liderança que o Brasil pode e deve exercer junto a todo o planeta.
Não há como enfrentarmos em um único país, as mudanças socioambientais globais. Isto exige governança planetária construída pela base. Isto deve revolucionar nos próximos anos o atual modo de organização dos humanos. O estado-nação, precisa cumprir um novo papel, comprometido com as demandas atuais de toda a humanidade. Caso contrário irá sucumbir e pior, pode deixar-nos reféns das forças do mercado, incontroláveis em sua ganância e desrespeito com a vida. Urge redirecionar-se as políticas públicas para o fortalecimento das comunidades micro-locais e da cidadania   local e planetária conectadas.

Debatermos estas e outras questões é essencial para criarmos competências e neste sentido cumprimento vocês e todos aqueles que utilizam as oportunidades de comunicação para estimular a educação ambiental.
 
BA - Senhor Marcos, lhe somos muito gratos por sua participação nesta edição da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação, por trazer muitos esclarecimentos sobre sua atuação na concretização da educação ambiental no nosso país, muito obrigada! Bere Adams e Equipe Educação Ambiental em Ação.
Ilustrações: Silvana Santos