Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/09/2009 (Nº 29) A Agroecologia e Educação Ambiental como metodologia pedagógica para alunos do ensino básico e fundamental: Caso da Escola Municipal Professora Eunice Carneiro - Montes Claros, MG
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Educação Ambiental em Ação 29

A Agroecologia e Educação Ambiental como metodologia pedagógica para alunos do ensino básico e fundamental: Caso da Escola Municipal Professora Eunice Carneiro - Montes Claros, MG

 

Rômulo Fredson Duarte, Mestrando em Ciências Agrárias/Agroecologia pelo Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais – ICA/UFMG.  agroromulo@yahoo.com.br  .

Humberto Pereira da Silva, Mestrando em Agronomia/Fitotecnia pela Universidade Federal de Lavras – UFLA.  humbertofu@yahoo.com.br

 

Resumo: O processo de implantação de atividades em escolas municipais, desempenhado na forma de ensinamento participativo, vem como um novo método de inserir diversos alunos do ensino básico e fundamental no contexto da aplicação agroecológica de produção, oficinas de caráter interdisciplinar além da percepção ambiental. O presente trabalho teve como objetivo desenvolver atividades ligadas à agroecologia, educação ambiental e outras práticas agrícolas de ensino de forma que haja integração e envolvimento dos alunos e parte da sociedade a partir de maneira simples, claras e objetivas de ensinamentos.

 

Introdução

A cidade de Montes Claros está localizada no Norte de Minas Gerais, no Polígono das Secas, historicamente conhecida pelos graves problemas sociais e econômicos. Apesar disso, a região consegue se destacar por apresentar intensas riquezas artísticas, culturais, biodidiversidade ambiental além de territórios e populações tradicionais. A cidade contava em 2007 com uma população estimada de 352.384 habitantes e área da unidade territorial de 3.583 km² (IBGE, 2008).

No âmbito educacional, novas formas de ensino pedagógico estão surgindo, principalmente aquelas que possuem um papel além da ocupação da sala de aula como meio de aprendizado escolar. Assim, o processo de implantação de atividades em escolas municipais, desempenhado na forma de ensinamento participativo, vem como um novo método de inserção de alunos do ensino básico e fundamental da rede pública de ensino no contexto da aplicação agroecológica de produção através da construção de hortas escolares, oficinas de caráter interdisciplinar além de estudos que envolvam o meio ambiente.

            Segundo CAPORAL e COSTABEBER (2002: p.14):

“A agroecologia tem sido reafirmada como uma ciência ou disciplina científica, ou seja, um campo de conhecimento de caráter multidisciplinar que apresenta uma série de princípios, conceitos e metodologias que nos permitam estudar, analisar, dirigir, desenhar e avaliar agroecossistemas – unidades fundamentais para o estudo e planejamento das intervenções humanas em prol do desenvolvimento rural sustentável”.

Estes mesmos autores ainda complementam:

“Em essência, o Enfoque Agroecológico corresponde à aplicação de conceitos e princípios da Ecologia, da Agronomia, da Sociologia, da Antropologia, da ciência da Comunicação, da Economia Ecológica e de tantas outras áreas do conhecimento, no redesenho e no manejo de agroecossistemas que queremos que sejam mais sustentáveis através do tempo”.

Sendo assim, dentro do conceito da agroecologia, a sua aplicação torna-se de fundamental importância tanto no contexto social e cultural quanto no político, econômico e ambiental. Daí surge a necessidade dessa abordagem como ferramenta para a integração e inserção de alunos de escolas públicas na formação intelectual além de fomento para a inclusão social.

“A descrição dos conhecimentos e sentimentos da população em relação ao ambiente em que vive pode representar uma ferramenta estratégica para monitorar e fomentar mudanças de atitudes nos grupos socioculturais onde estão os professores do entorno, alunos e familiares, proprietários de terra, pesquisadores e administração, considerando o pressuposto de que a sensibilização, por meio do conhecimento do sistema ambiental, é condição básica para o envolvimento efetivo dos mesmos" (BEZERRA et al., 2007: p.148)

O projeto “Comunidades Educadoras”, o qual faz parte dessa iniciativa, visa promover novos processos de aprendizagem ampliando a relação das crianças e jovens com seu entorno através de percursos formativos instituídos no contexto da comunidade na qual vivem e, do estabelecimento de parcerias com diversas instituições e agentes sociais locais. Os conceitos norteadores dessa ação se referem ao escopo teórico que sistematiza estudos sobre “Educação Comunitária”, ou seja, processos educativos empreendidos a partir da vinculação da comunidade de aprendizes com sua realidade próxima visando ações interventivas e guiadas por valores éticos e estéticos. Esse trabalho tem uma promoção em parceria da Prefeitura Municipal de Montes Claros, através da Secretaria Municipal de Educação, Esporte e Lazer e do Instituto de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Minas Gerais – ICA/UFMG, campus Montes Claros.

Dessa forma, convém salientar que, a idéia de permitir às pessoas (crianças, jovens e adultos) livre acesso às informações inerentes à educação poderá possibilitar a esses possíveis atores na contribuição para a melhoria da qualidade de vida e o desenvolvimento socioambiental.

Nesse mesmo sentido, convém destacar o caráter multifuncional da educação ambiental conforme JACOBI (2003: p.197) salienta:

Quando nos referimos à educação ambiental, situamo-nos em contexto mais amplo, o da educação para a cidadania, configurando-a como elemento determinante para a consolidação de sujeitos cidadãos. O desafio do fortalecimento da cidadania para a população como um todo, e não para um grupo restrito, concretiza-se pela possibilidade de cada pessoa ser portadora de direitos e deveres, e de se converter, portanto, em ator co-responsável na defesa da qualidade de vida.

            Dentro dessa abordagem sugerem-se maneiras ou formas que seria determinante para a inclusão e transformação social, ou seja:

O principal eixo de atuação da educação ambiental deve buscar, acima de tudo, a solidariedade, a igualdade e o respeito à diferença através de formas democráticas de atuação baseadas em práticas interativas e dialógicas. Isto se consubstancia no objetivo de criar novas atitudes e comportamentos diante do consumo na nossa sociedade e de estimular a mudança de valores individuais e coletivos (JACOBI, 1997).

 

Metodologia

O trabalho foi implantado e desenvolvido com alunos das séries iniciais da Escola Municipal Professora Eunice Carneiro em Montes Claros – MG, no período de fevereiro a junho de 2008. A escola, localizada na Rua “D”, nº 300, Bairro Conjunto José Correa Machado, conta hoje com cerca de 590 alunos matriculados no ensino regular com faixa etária entre 06 e 14 anos de idade. Do total de alunos da escola, estão inscritos/as no projeto “Comunidades Educadoras” 47 alunos no turno matutino e 90 alunos no vespertino. As atividades foram realizadas no período matutino, atendendo aos alunos que estudavam no período vespertino e no período vespertino para aqueles do turno matutino. Para isso eram realizadas aulas teóricas em conjunto com oficinas práticas quatro vezes por semana com as seguintes abordagens: horta escolar, educação ambiental, produção de mudas medicinais e ornamentais, práticas conservasionistas de solo e água, entre outras atividades.

 

Resultados e Discussão

 

As experiências desenvolvidas

Todos os trabalhos implantados na escola surgiram em função de uma demanda levantada no início do projeto pelos próprios alunos, onde os mesmos poderiam utilizar a sua criatividade para expandir o conteúdo das atividades realizadas. Daí surge a função principal das atividades realizadas que é de buscar a formação tanto dos educadores (quem educa) quanto dos educandos (quem é educado), e isso procurou ser feito de maneira espontânea pelos alunos a medida do transcorrer dos  fatos (visitas, passeios, oficinas, etc.).

 

Implantação da horta

“A olericultura é o ramo da horticultura que trata dos cultivos das plantas olericolas, também chamadas hortaliças. Elas são conhecidas popularmente como verduras e legumes” (IRALA & FERNANDES, 2001).

Na escola uma horta tem grandes vantagens para todo corpo escolar, como: diminui gastos com a alimentação, permite a colaboração dos alunos, enriquecendo o conhecimento deles, estimula o interesse dos alunos pelos temas desenvolvidos com a horta, além de fornecer vitaminas e sais minerais importantes à saúde dos alunos (JARDZWSKI, 2005).

Na implantação das atividades para a construção da horta na escola procurou-se estabelecer um planejamento de forma a levantar os materiais a serem utilizados. Assim, de imediato surgiu a dificuldade para a aquisição do adubo orgânico (esterco) que seria utilizado, já que a escola não possuía tal insumo. A partir daí, em uma incursão feita com os alunos para conhecer o bairro onde fica a escola, deparamos com uma situação interessante. Os carroceiros que ali residiam, após o uso de seus animais costumavam deixá-los em áreas externas às suas casas, de preferência em locais onde existiam área verde ou gramado. Dessa maneira tínhamos acesso ao esterco desses animais, onde fazíamos coletas freqüentes, obtendo um bom material para o plantio das hortaliças.

No local destinado ao trabalho de campo, ou seja, na horta da escola, após explanação de todo o conhecimento técnico acerca do assunto (como cultivar hortaliças em uma horta escolar) pelo professor de Agronomia da UFMG, os alunos foram envolvidos a construírem sementeiras de culturas como alface, coentro e cebola, entre outras, diretamente no canteiro. Durante a fase de crescimento e produção das hortaliças, como exemplo a cebolinha-verde, as crianças puderam acompanhar todas as práticas culturais que norteiam o ciclo dessa cultura, inclusive a produção de outros adubos a partir da compostagem.

Para a produção do composto orgânico através da compostagem, os alunos utilizaram restos vegetais, oriundos da área onde estava prevista para a montagem de um jardim, mais o esterco coletado durante as incursões realizadas pelo bairro já mencionado anteriormente.    

 

“Caminhada do saber”

A “caminhada do saber” surgiu a partir do momento em que foi observado que os alunos tinham maior aproveitamento e participação daquelas aulas que eram ministradas fora do ambiente escolar. Dessa forma, além da Agronomia a caminhada permitiu que houvesse um envolvimento interdisciplinar com diversas áreas do conhecimento como Artes, Pedagogia, Educação Física, Língua estrangeira e entre outros reforçados pela presença dos professores estagiários dessas áreas. O trajeto do passeio começou pela escola, passando pelas ruas do bairro e terminou novamente na escola. Durante o percurso os alunos puderam observar algumas questões que merecem reflexões como: presença de áreas com lixo próximas a um córrego localizado no bairro; área inclinada com ausência de vegetação e em processo de degradação e erosão; presença de uma diversidade de plantas em alguns quintais dos moradores do bairro; áreas de lazer; o andamento da construção de uma avenida a qual traria melhoria da estrutura do bairro,etc..

Como tentativa de conscientização dos participantes dessa caminhada e como forma de aprendizagem, foi realizado intervenções discursivas com os alunos onde era levantadas principalmente abordagens dentro da temática de meio ambiente e bem estar social e possível alternativas para conservação do solo como a manutenção da vegetação e construção de curvas de nível, levando em consideração os problemas identificados. Utilizou-se da percepção ambiental como instrumento de avaliação da degradação ambiental em que se encontrava um determinado local ou região. Assim, GUIMARÃES (2000) relata que:

A percepção ambiental então pode ser trabalhada por meio da educação e se apresenta aos segmentos populares da sociedade pela vivência imediata e intensa dessa população sobre os diversos problemas ambientais que se vinculam intimamente com a produção da miséria por esse modelo de sociedade.

“Utilizar argumentos baseados em fatos científicos ou não, a tentativa de sensibilização do aluno quanto à importância da preservação dos ambientes naturais é um ponto comum e importante em todo projeto” (GRANDISOLI, 2008: p.18).

 

Criação de peixes ornamentais

A idéia de implantação de um pequeno tanque para a criação de peixes ornamentais surgiu após a visita dos alunos a um morador do bairro, próximo a escola, onde nessa residência possui algumas caixas de amianto utilizadas para a atividade de piscicultura. Além disso, nos momentos de coleta do esterco, próximo ao córrego localizado também no bairro, os alunos às vezes utilizavam do próprio recipiente (balde), que seria usado para a coleta do adubo, como forma para adquirir pequenas espécies de peixes que tinham naquele rio. A partir desses momentos e através de curiosidades, idéias e especulações e interesses por parte dos alunos, fizeram com que esse trabalho se tornasse realidade. A construção do tanque na escola foi feito de maneira participativa. Utilizou-se material reciclável para o seu revestimento, ou seja, aqueles materiais que eram encontrados na própria comunidade como, por exemplo, pedaços de cerâmica. Já o cimento foi conseguido através de doações feitas pelos próprios moradores do bairro e pais dos alunos.

 

O jardim escolar

Com o objetivo de inserir e enriquecer o jardim da escola os alunos foram movidos a produção e aquisição de mudas ornamentais que fossem utilizadas para esse fim. Ao ter conhecimento dessa idéia, os próprios pais dos alunos se propuseram em doarem mudas de plantas para o jardim. Assim foi feito, através de incursões pelo bairro visitaram-se diversas casas para o recolhimento desses materiais.

 

Outras atividades desenvolvidas

Além das atividades já citadas, os alunos do projeto participaram e desenvolveram outras atividades como: educação ambiental, o esgoto urbano e seus impactos ambientais, práticas de conservação do solo, estudo de morfologia vegetal, etc. Dessa forma, incursões no bairro ou no entorno da comunidade eram feitas a fim de auxiliar na abordagem dos temas citados. Assim, garantiria que o próprio aluno construísse a sua percepção crítica diante das demonstrações práticas.

 

Conclusões

Durante e após a realização do projeto “Comunidades Educadoras” pode-se perceber o alcance do objetivo proposto, ou seja, foram desenvolvidas várias atividades ligadas a Agroecologia – práticas agrícolas, educação ambiental entre outras, onde houve integração e envolvimento dos alunos e a sociedade no entorno do bairro.

Grande parte dos conhecimentos gerados a partir do desenvolvimento das atividades, principalmente àquelas que envolvem a construção da horta na escola, puderam ser absorvidos e multiplicados com enfoque prático para a melhoria da qualidade de vida da comunidade. Da mesma forma, os momentos propiciados aos alunos, configuraram-se claramente em uma contextualização das questões ambientais, houve construção de conhecimentos e idéias contextualizadas, e não questões fragmentadas, isoladas ou meramente no campo psicológico comportamental das crianças.

Apesar das dificuldades para a realização das atividades pudemos observar a presteza das pessoas em ajudar as outras da mesma localidade, ou seja, as do mesmo bairro. Isso os permite inferir que, partindo do pressuposto das crianças e jovens serem vistos como possíveis transformadores do meio social é possível fazer algo a alguma comunidade independentemente da participação do poder público ou não. Necessita-se ter um bom planejamento, muita boa vontade e ainda buscar mais parcerias para o desenvolvimento das atividades.

 

Agradecimentos

Aos alunos, professores, funcionários da Escola Municipal Professora Eunice Carneiro e a comunidade do entorno que contribuíram com o processo de aprendizagem dessa experiência.

 

Referências

BEZERRA, T. M. de O.; FELICIANO, A. L. P.; ALVES, A. G. C. Percepção ambiental de alunos e professores do entorno da Estação Ecológica de Caetés – Região Metropolitana do Recife – PE. Biotemas, v. 21, n. 1, p. 147-160, mar. 2008.

CAPORAL, F. R.; COSTABEBER, J. A. Agroecologia. Enfoque científico e estratégico. Agroecologia e Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto Alegre, v. 3, n. 2, p. 13-16, abr./junh. 2002.

GRANDISOLI, E. A. C. Educação Ambiental Urbana (EAUrb) – uma alternativa de ensino nos grandes centros urbanos. Educação Ambiental em Ação. 2008. n.23, Ano VI, março/maio. 2008. On line. Disponível em:

< http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=551&class=02>. Acesso em: 08 de agosto 2008.

GUIMARÃES, Mauro. Educação Ambiental: No consenso um embate?. Campinas, SP: Papírus, 2000. (Coleção Papírus Educação).

IBGE - INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Contagem da População 2007 e Estimativas da População 2007. Publicada no Diário Oficial da União de 05/10/2007. On line. Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/contagem2007/defaulttab.shtm. Acesso em: 07 abril de 2008.

 IRALA, C H; FERNANDES, P M. Manual Para Escolas – Hortas. p. 21 Universidade de Brasília - Departamento de Nutrição. Brasília, 2001.

JACOBI, P. Educação Ambiental, Cidadania e Sustentabilidade. Cadernos de Pesquisa, São Paulo, n. 118, p. 189-205, março/ 2003.

JACOBI, P. “Meio Ambiente urbano e sustentabilidade: alguns elementos para a reflexão”. In: CAVALCANTI, C. (org.) Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentável e Políticas Públicas. São Paulo: Cortez Editora, 1997.

JARDZWSKI, K. Projeto Horta. 2005. On line. Disponível em: http://www.portaleducacao.com.br/ensinando/principal/conteudo.asp?id=1357. Acesso em: 25 de setembro de 2008.

 

Ilustrações: Silvana Santos