Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
19/09/2003 (Nº 3) UM CORPO CHAMADO UNIVERSO
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UM CORPO CHAMADO UNIVERSO

Berenice Gehlen Adams.


Inspirado no livro

O CORPO E SEUS SÍMBOLOS

de Jean-Yves Leloup



Visão Holística - “Trata-se de olhar para a realidade através de todos os seus lados, ângulos e recantos. Sem confusão e sem oposição; nada negar e nada idolatrar: eis a visão holística” (LELOUP, 2001:10).


O corpo humano, dentro do contexto social atual, é como se fosse (simplesmente) um conjunto de ferramentas que nos proporciona agir de acordo com nossos desejos e necessidades biológicas. Estes desejos são ditados pelo contexto cultural que nos envolve, que nos gera, que nos nutre, que nos cobra, que nos “aprisiona”. Neste âmbito e numa visão fragmentada, o corpo passa a ser um objeto que carrega um ser pensante em seu interior, um ser dotado de raciocínio que é capaz de planejar e executar tarefas, cumprindo, assim, uma missão: a de ser produtivo para a sociedade. Esta maneira de viver “formatada” por regras sócio-culturais cria sociedades mecanizadas, frias, violentas, onde a falta da generosidade é ocupada pela ganância do consumismo, onde uns têm cada vez mais e outros têm cada vez menos: uma sociedade que classifica, que exclui, que anula, que despreza e que finge nada estar vendo. Esta sociedade é formada por corpos: organismos.

Cada unidade corporal é uma “peça” deste conjunto social e o ambiente é um reflexo da sociedade humanizada. A sociedade, por sua vez, é o reflexo dos corpos e cada corpo é uma história de vida. A sociedade moderna, ou pós-moderna, reflete um enorme vazio porque é comandada por ditados capitalistas dentro de um sistema fragmentado. O vazio é a falta dos valores que proporcionam integração, harmonia e respeito entre tudo e todos – prova disto é o retrato da nossa ambiência, seja ela natural ou urbana.

Todo corpo é dotado de simbologias que vão se consolidando quando ocorre a interação dos corpos no meio social. Porém, esta simbologia é oculta, geralmente não compreendida e não percebida pelos seres humanos. A visão integrada de corpo e simbologia vai “(...) apontando-nos para a fundamental tarefa de desvelar sentidos em cada passo da jornada existencial. O símbolo é o visível que aponta para o invisível, o trampolim para o mergulho no desconhecido” (p. 11). Mergulhar no desconhecido é um ato que requer coragem porque este mergulho proporciona um confronto com acontecimentos que nos deixaram profundas marcas ao longo da vida. Por isto, muitas pessoas preferem ficar na superfície a fim de evitar o confronto com seu universo interno.

Cada indivíduo ou cada corpo que compõe a sociedade é único e tem em si próprio um Universo. Este Universo, se bem compreendido e sentido, pode engendrar uma nova maneira de vida que nos tira do círculo vicioso da sociedade mecanicista, mesmo estando nela e dela dependendo. Hoje, o corpo humano é dissociado do seu significado maior: o corpo é um conjunto de pedaços; uma soma de órgãos, que resulta em um mecanismo vivo, porém, dissociados da mente, dissociados do espírito.

Ao motivarmos uma visão holística sobre os corpos, muitos “cacoetes” sociais poderão ser transformados. “Trata-se de olhar para a realidade através de todos os seus lados, ângulos e recantos. Sem confusão e sem oposição; nada negar e nada idolatrar: eis a visão holística” (p. 10). É necessário que tomemos consciência do nosso corpo e da sua funcionalidade. Somos corpo, mente, espírito. O corpo é veículo, a mente é raciocínio e o espírito é amor. O corpo, a mente e o espírito formam o EU. O EU, os OUTROS e o MEIO formam a Terra. A Terra, a Lua, o Sol, as estrelas, os planetas, formam o Sistema Solar, e este, por sua vez, é parte integrante do INFINITO. Desta forma, há que se perceber que formamos um todo maior que o nosso próprio corpo. Não somos um corpo separado, e sim, integrado com Universo.

“Algumas vezes nosso corpo se ressente pelo que acontece em um país e, mais ainda, pelo que acontece no cosmos. Lembro de um menininho natural da Califórnia, que veio me ver com seus pais, por causa de um problema no joelho. Seus pais não compreendiam o problema porque não havia causa médica ou psicológica aparente, a relação com sua mãe era boa e não havia este tipo de doença em sua família. A criança repetia sempre: ‘Eu sinto dor na terra’. E todos escutavam esta frase como uma fantasia. Durante nossa conversação, em nossa prática de exercícios, através da respiração dos joelhos, dei-me conta de que a criança não mentia e que ela somatizava em seu próprio corpo algo que ocorrera na Califórnia e que destruíra algum equilíbrio ecológico. Encontramos, neste exemplo, o ensinamento antigo dos Terapeutas de Alexandria em que cuidar do corpo é cuidar do universo e cuidar do universo e do meio ambiente é também cuidar do nosso corpo. Porque o microcosmo e o macrocosmo não estão separados” (LELOUP, 2001:74).

Esta narrativa nos faz lembrar da carta do Cacique Seattle enviada ao presidente dos EUA. Nesta carta, o nativo menciona: “Isto sabemos: a terra não pertence ao homem; o homem pertence a terra. Isto sabemos: todas as coisas estão ligadas como o sangue que une uma família. Há uma ligação em tudo”.

Fazendo uma leitura profunda do nosso corpo, das suas marcas, dos seus registros, estaremos realizando uma leitura da nossa vida, da nossa história, das nossas reais necessidades e isto possibilitará uma integração maior com o meio que nos possibilita a vida. Assim, aprendendo a ouvir o nosso corpo, será possível aprender a ouvir também a voz da terra, da água, do ar, da vida, vozes hoje emudecidas dentro do nosso sistema social antropocêntrico e fragmentado.



Referência Bibliográfica:

LELOUP, Jean-Yves. O Corpo e seus símbolos. Rio de Janeiro: Vozes, 2001.


Ilustrações: Silvana Santos