Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
Início Cadastre-se! Procurar Área de autores Contato Apresentação(4) Normas de Publicação(1) Dicas e Curiosidades(7) Reflexão(3) Para Sensibilizar(1) Dinâmicas e Recursos Pedagógicos(6) Dúvidas(4) Entrevistas(4) Saber do Fazer(1) Culinária(1) Arte e Ambiente(1) Divulgação de Eventos(4) O que fazer para melhorar o meio ambiente(3) Sugestões bibliográficas(1) Educação(1) Você sabia que...(2) Reportagem(3) Educação e temas emergentes(1) Ações e projetos inspiradores(25) O Eco das Vozes(1) Do Linear ao Complexo(1) A Natureza Inspira(1) Notícias(21)   |  Números  
Entrevistas
14/12/2008 (Nº 26) Entrevist@ com José Lindomar Alves Lima (Doma) para a 26ª Edição da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=619 
  
Educação Ambiental em Ação 26
Entrevist@ com José Lindomar Alves Lima (Doma)  para a 26ª Edição da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação
Por Bere Adams

 
Apresentação: O entrevistado desta edição da Educação Ambiental em Ação (EAEA) é o Doma, mais desconhecido ainda, como ele próprio diz, como José Lindomar Alves de Lima. Este brasilense radicado no Rio de Janeiro, é Assistente Social com especialização em Análise e Avaliação Ambiental pela PUC/RJ e sobrevive exclusivamente, desde 1996, quando criou a Ciclos Consultoria Ambiental, da prestação de serviços no campo da Educação Ambiental junto a diversas empresas como Acergy Brasil, Companhia Siderúrgica de Tubarão, Petrobras, Petróleo Ipiranga, Samarco Mineração e Vale, entre outras. A Ciclos Consultoria Ambiental é uma empresa especializada na implementação de Programas Corporativos de Educação Ambiental no Brasil tendo como iniciativa pioneira a implantação, na Companhia Siderúrgica de Tubarão – CST/Arcelor, do Programa Interagir de Educação Ambiental, destinado a empregados e contratados e do Programa de Comunicação Ambiental, destinado a professores e alunos. Nossa entrevista enfocará a dedicação de Doma, principalmente, em projetos desenvolvidos com empresas as quais implanta programas de Educação Ambiental. Vamos saber por que estas ações são referências no cenário nacional.
 
EAEA - Conte-nos como começou seu interesse pelas questões ambientais, especificamente pelo desenvolvimento da Educação Ambiental nas empresas. Como foi o início dessa jornada?
 
Doma – Foi tudo muito por acaso. Sou filho do Cerrado e durante uma boa parte da minha infância vivi em uma chácara nas proximidades de Brasília. Foi uma época muito boa, onde conheci e comi muitas frutas do Cerrado colhendo-as no pé como pequi, jatobá, cagaita, pitanga, guabiroba, murici e caju. Tomava banho de rio e tinha um contato muito intenso com aquela natureza. No final dos anos 70 fui morar no Rio e acabei fazendo estágio, em função de um 2º grau técnico, em uma grande empresa de mineração, na época estatal e como obtive uma boa avaliação fui efetivado, 3 anos depois, como empregado na área administrativa. Acontece que quando eu fui efetivado eu já cursava a faculdade de Serviço Social e queria trabalhar com pessoas e não com números. Fiquei nesta área de 1984 até 1989, quando fui transferido para a Gerência Geral de Meio Ambiente para substituir uma economista que havia emendado licença maternidade com férias e o meu trabalho consistia no controle de contratos e seus respectivos pagamentos. Quando essa funcionária licenciada voltou, eu fiquei meio de coringa na gerencia de meio ambiente e comecei a me aproximar da área técnica, conhecendo todas as atividades que a empresa desenvolvia na área de meio ambiente. Acabei, particularmente, me interessando por um projeto de educação ambiental que era desenvolvido junto a professores e comunidades da área de influencia da empresa. O trabalho consistia em encontros com professores, e na época não dispúnhamos muito de informações sobre educação ambiental. Os livros do professor Genebaldo Freire eram a nossa grande referencia em educação ambiental. Foi uma época boa, de descobertas, de se fazer o caminho com os próprios passos. Com o tempo comecei a voltar o olhar para as questões internas da empresa e a desenvolver atividades junto aos empregados e contratados. Acabei, por conta do interesse pelo tema, fazendo vários cursos, dentre eles uma especialização em Analise e Avaliação Ambiental na PUC do Rio de Janeiro.
 
EAEA - Como você percebe o espaço da Educação Ambiental dentro das empresas quanto a sua importância, aceitação, e qual o viés político-pedagó gico que permeia suas ações?
 
Doma – Considero o trabalho de Educação Ambiental em empresas de fundamental importância. Costumo dizer que dentro das empresas estão pessoas altamente qualificadas. É um público de formação variada, onde encontramos pessoas de diversas áreas do conhecimento com diversos níveis de formação como técnicos, engenheiros, economistas, geólogos, que desenvolvem atividades de ponta. No entanto, grande parte dessas pessoas é passiva em suas ações de cidadania e a educação ambiental tem uma grande contribuição na mobilização e motivação destas pessoas para ações que possam ser aplicadas dentro e fora dos muros das empresas. Temos que trabalhar com quem bota a mão na massa e normalmente, por falta de conhecimento, suja a massa e a mão. No entanto, devo reconhecer que trabalhar com um público tão variado exige uma metodologia diferenciada, onde se deve privilegiar o compartilhamento de experiências e de saberes, onde todos têm oportunidade de aprender e ensinar. Desenvolvendo este trabalho pude perceber na prática aquela máxima que diz que ninguém é tão experiente que não possa aprender algo novo, bem como ninguém é tão novo que não possa nos ensinar algo. No geral, a aceitação ao trabalho de educação ambiental que a Ciclos desenvolve é muito boa, com registros em torno de 98% de avaliação entre ótimo e bom. Comumente nas empresas as pessoas resistem aos cursos e treinamentos e demonstram este descontentamento assim que chegam para participar dos cursos. Como adotamos uma metodologia que estimula a participação, o diálogo, a cooperação e o compartilhamento de experiências, com a aplicação de dinâmicas, jogos e estudos dirigidos, no geral as pessoas não percebem sequer a passagem do tempo. Outro ponto que consideramos fundamental na metodologia que aplicamos é o fato de não assumirmos uma postura professoral, onde o instrutor é o dono do saber e da verdade. Buscamos atuar como educadores, estimulando as pessoas a refletirem sobre suas atitudes e seus ideais. Com a construção de um ambiente onde os conhecimentos são compartilhados as pessoas ficam mais à vontade para refletir sobre suas atitudes e repensa-las, sem que para isto tenhamos que colocar o dedo na ferida ou ensinar as pessoas. O grande barato que vejo trabalhar com este público é poder aprender com eles sobre o que é meio ambiente. As pessoas que participam dos nossos cursos dizem coisas do tipo: “Gostei do curso porque aqui eu posso falar e posso falar de problemas.” Mas creio que o melhor da metodologia que aplicamos diz respeito à simplicidade como os cursos são realizados. Isto mexe com as pessoas. Vivemos em um mundo altamente sofisticado, onde consumimos coisas que não alimentam, muitas vezes nem o corpo nem a alma. Sinto junto a este público que o trabalho que fazemos mexe com elas por serem coisas simples, viáveis e exeqüíveis, dentro e fora da empresa.
  
EAEA - Considera-se  fundamental que a Educação Ambiental promova a sensibilização para o consumo sustentável, que está diretamente associado aos modos de produção. Como a Educação Ambiental pode colaborar, de forma mais efetiva, para que os dirigentes de empresas sensibilizem- se e invistam em tecnologias limpas e na produção de artigos sustentáveis? A Educação Ambiental nas empresas alcança este enfoque?
 
Doma – Todos nós, independente de nossa área de atuação, temos que repensar nossos hábitos de consumo. Temos o hábito de compartimentar tudo e nesta prática acabamos julgando comportamentos alheios, reforçando aquela máxima de que quem dirige errado é o outro. É difícil para todos nós conjugar o verbo poluir na primeira pessoa. Percebo que nós somos uma espécie altamente impactante. E este impacto se manifesta nos ambientes onde vivemos e atuamos. Os dirigentes das empresas são formados pela sociedade e passam boa parte do seu processo de formação nas mãos de professores e nos bancos de escolas. Temos desenvolvido atividades nos cursos onde estimulamos as pessoas a refletirem sobre o por que e o para que devemos cuidar de meio ambiente e o por que o para que as empresas devem cuidar de meio ambiente. Os resultados são bem interessantes. No geral as pessoas dizem que devem cuidar de meio ambiente porque é o espaço onde vivem. E cuidam do meio ambiente para que as gerações futuras tenham acesso a esse meio com qualidade. Em relação às empresas no geral os comentários dizem conta de que as empresas devem cuidar do meio ambiente porque são as maiores degradadoras do meio ambiente e é dele que elas retiram os recursos necessários para suas atividades de produção, citando ainda a questão da legislação.  E devem cuidar dele para que suas atividades não sejam interrompidas. Por meio deste exercício procuro estimular as pessoas a refletirem sobre as nossas relações diárias com o meio ambiente, onde independente do lugar onde vivemos e atuamos, utilizamos os recursos naturais para nossa sobrevivência. É lógico que uma empresa que opera de forma ininterrupta 24 horas por dia, 365 dias por ano, tem uma capacidade enorme de consumir recursos naturais e de gerar impactos negativos ao meio ambiente da mesma forma que conglomerados humanos em cidade com 500 mil, hum milhão ou 10 milhões de habitantes tem. Ou seja, o conceito de sustentabilidade deve ser pensado de maneira a gerar reflexões que possam ir além da visão anjos e demônios, de vilões e mocinhos. A sociedade não é formada desta forma. Todos nós temos contribuições a dar e devemos repensar nossos hábitos nos espaços onde vivemos e atuamos. Creio que o grande problema nosso, independe do espaço onde vivemos e atuamos diz respeito à ganância, e a ganância não tem espaço dentro do conceito de sustentabilidade. Somos a única espécie que tem freezer, que produzimos e consumimos para além das nossas necessidades.
 
EAEA -  Desta sua trajetória, qual experiência você destaca por considerar mais significativa?
 
Doma – Olha esta é uma pergunta difícil de responder face às especificidades de cada trabalho. Mais é claro que, assim como o primeiro amor, a primeira experiência deixa marcas boas na lembrança. Neste sentido, o trabalho desenvolvido na CST foi significativo. Quando implantamos o Programa Interagir de Educação Ambiental e o Programa de Comunicação Ambiental para Instituições de Ensino, nós não tínhamos referencias bibliográficas e nem biográficas de trabalhos de educação ambiental em empresas. No entanto, éramos movidos por um desejo muito forte e aos poucos vencíamos as resistências iniciais, tanto dos gerentes quanto dos operadores. O fato de não termos essas orientações e de não conhecer o processo siderúrgico acabou por ajudar no desenvolvimento da nossa metodologia de trabalho. No entanto, tenho para mim que independente da empresa onde desenvolvemos os programas de educação ambiental, as experiências mais significativas são aquelas que desenvolvemos com as pessoas que operam a empresa, que são invisíveis aos olhos da maioria de nós, que trabalham nos turnos, nas plataformas. As melhores experiências são com os ditos anônimos. São pessoas que muitas vezes abrem mão do conforto da sua casa, da sua família, do seu lazer para produzir algo que muitas vezes elas nem terão acesso. A essas pessoas toda a minha gratidão. Com elas eu aprendo muito.
 
EAEA - Como você percebe os resultados dos programas de Educação Ambiental implantados em grandes empresas?
 
Doma – Costumo dizer que o pior dos temporais aduba o jardim. Não podemos deixar de reconhecer os avanços que tivemos com a inclusão da educação ambiental nos processos de licenciamento. É verdade que a pressão da sociedade por meio de leis, normas e regulamentos é fundamental para que as empresas e as pessoas assumam compromissos com a qualidade ambiental. No entanto, temos que perceber essas pressões como oportunidade para repensarmos nossas práticas, nossos valores. Caso contrário, a educação ambiental nos processos de licenciamento pode correr o risco de ser mais um item a ser “ticado” no check list das obrigações ambientais da empresa. Em algumas empresas sinto um certo engessamento das atividades de educação ambiental com a elaboração de um sem número de relatórios com evidencias que atendem especificamente o órgão licenciador, mas que não levam em consideração alguns aspectos fundamentais para a acertividade das ações propostas.
 
EAEA - Desde o início das suas atividades, até o presente momento, quais são  os avanços que você percebe no que se refere ao alcance dos objetivos da  Educação Ambiental, e quais foram suas maiores dificuldades?
 
Doma – O grande avanço que vejo é que o tema não é mais de propriedade de apenas uns poucos. Embora nem todo mundo tenha clareza de como alcançar esses objetivos ou procurem a partir da Educação Ambiental resolver todos os problemas da sociedade, não podemos deixar de reconhecer que nos dias atuais a atuação do educador ambiental está mais facilitada. Lembro-me que quando comecei minha atuação como educador ambiental não havia tanta literatura, vídeos ou recursos para se trabalhar o tema. Aliás, não havia ainda nem internet. Dentro das empresas ainda há muito desconhecimento sobre o tema e seus objetivos. As pessoas associam normalmente educação ambiental à coleta seletiva e aos aspectos relacionados à fauna e flora. Esses dias um sujeito escreveu na avaliação do curso que não sabia que sua atividade causava impactos ambientais. Ele achava que esses impactos eram inerentes à sua atividade e que não cabia uma ação preventiva. Agora, para quem atua com educação ambiental em empresas acho que a maior dificuldade não é lidar com os empresários. Com eles temos que ter habilidades para demonstrar que a Educação Ambiental é um instrumento da sua gestão empresarial. A maior dificuldade é lidar com os outros educadores ambientais, principalmente aqueles que representam a educação ambiental formal. É aí que vejo as maiores dificuldades, pois há muita arrogância e preconceitos. Uma vez participando de um fórum de educação ambiental eu perguntei ao facilitador do grupo porque eles me olhavam de forma enviesada, evitando um contato mais próximo comigo como se o fato de eu trabalhar para empresas fosse menos ético que o trabalho deles. O facilitador em questão fazia parte de uma ONG que desenvolvia trabalhos para o governo de São Paulo que na época era o Paulo Maluf. Então, a maior dificuldade que vejo é o preconceito e a apropriação do tema por parte de alguns que se acham mais que os outros. As pessoas acreditam que educação é tudo e que ela pode salvar o planeta. Eu acredito no poder da educação e sei da sua capacidade de transformação. Mas ela sozinha pode muito pouco e se fragiliza. Quando sai da empresa de mineração onde trabalhava idealizei alguns planos e um deles era fazer com que a educação ambiental em empresas fosse algo viável e aplicado ao dia a dia das pessoas, e consegui isto com certa independência sem precisar, para isto, fazer parte de nenhum grupinho ou panela. São mais de 15 anos trabalhando e vivendo do exercício da educação ambiental. Mas acredito que precisamos, nós educadores, aplicarmos a nós mesmos alguns princípios que orientam a nossa prática e fazer alianças uma vez que a Educação Ambiental é maior que cada um de nós. Há um exagero de vaidades que é, em minha opinião, ruim para a própria educação ambiental. As empresas (e as pessoas) podem não saberem o que querem. Mas com certeza sabem o que não querem.
EAEA - Sobre os cursos de Educação Ambiental dos quais você participa como  professor e organizador, como estes são desenvolvidos e qual a influência da tecnologia para a efetivação dos mesmos?
 
Doma – A elaboração dos cursos depende da forma como os programas são demandados. Se o programa é de demanda interna, ou seja, surge da necessidade que a empresa tem em tratar alguns assuntos, há mais flexibilidade na construção das estratégias de implementação do programa, com a elaboração de diagnósticos de percepção ambiental e módulos continuados de cursos e atividades educativas. Quando o programa surge de uma demanda legal, temos menos flexibilidade na concepção do programa. Ele tem uma tendência de atender basicamente os conteúdos recomendados pelo órgão licenciador. Ou seja, ele tem uma possibilidade muito grande de engessamento. Muitas vezes os técnicos dos órgãos licenciadores desconhecem os processos produtivos da empresa ou tem uma visão ideologizada da Educação Ambiental, não percebendo na sua prática uma oportunidade de ajustamento de foco e de enfoque. 
  
EAEA - Tem algumas publicações, documentos, periódicos que você indicaria aos leitores que querem aprofundar seus conhecimentos em relação a implantação de Educação Ambiental nas empresas?
 
Doma – Admiro muito o trabalho que o professor Quintas referente a Educação Ambiental no Processo de Licenciamento, bem como o trabalho que o professor Alexandre Pedrini está desenvolvendo nesta área. Aliás, aproveito o espaço para felicitar o professor Pedrini na produção de textos e espaços para discutir o assunto como os Seminários de Educação Ambiental que ele propõe na UERJ.
 
EAEA - Deixe uma mensagem aos leitores da EA em Ação:
 
Doma – Agradeço o espaço que esta Revista me proporciona para falar sobre o tema e deixo como mensagem uma frase que uso com freqüência nos meus cursos: Seja um exemplo dando um exemplo. Dê um exemplo sendo um exemplo.
 
EAEA - Agradecemos, de coração, pela sua participação nesta edição da EA em Ação e desejamos-lhe muito sucesso. Bere Adams e Equipe da EA em Ação.
Ilustrações: Silvana Santos