Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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16/09/2008 (Nº 25) TERRA: PLANETA ÁGUA?!
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Educação Ambiental em Ação 25
TERRA: PLANETA ÁGUA?!
 
FOFONKA, Luciana
 
As mais belas imagens da Terra, sempre têm a água em sua composição: as ondas do mar, as cachoeiras, um lago cristalino, a neve sobre as montanhas, a chuva caindo sobre as plantas, o orvalho, a geada...

Esse líquido precioso está presente nos menores movimentos do nosso corpo, como no piscar de olhos. Afinal, somos compostos basicamente de água. Ela está nas células, nos vasos sangüíneos , nos tecidos... Nosso metabolismo, as funções orgânicas precisam da água para funcionarem. Em média, um homem tem aproximadamente 47 litros de água em seu corpo e diariamente ele deve repor cerca de 2 litros e meio. Se não ingerir água, o ser humano entra em processo de desidratação e pode morrer de sede em média de dois dias.

Quimicamente, nada se compara à água; é um composto de grande estabilidade, um solvente universal e uma fonte poderosa de energia química. A água é capaz de absorver e liberar mais calor que todas as demais substâncias comuns.

A ciência vem demonstrando que a vida se originou na água e que ela constitui a matéria predominante nos seres vivos. É impossível prever um tipo de vida em sociedade onde seja dispensado o uso da água: água para beber e cozinhar, para higiene pessoal e do lugar onde vivemos, para uso industrial, para agricultura, para  geração de energia, para navegação...

Vista do espaço a Terra parece o Planeta Água, pois aproximadamente 2/3 da sua superfície é coberto por água. No entanto somente uma pequena parcela dessa água, na ordem de 113 trilhões de m³ é adequada para nosso consumo, pois 97,0% é água  salgada, 2,4% congelada e 0,6 água doce. Desse 0,6% são utilizados 70% na agricultura, 22% na indústria e apenas 8% nas cidades para consumo humano. Essa “abundância” aparente de água leva as pessoas a considerá-la como elemento barato, abundante e inesgotável, utilizando-a de forma irracional.

Apesar desse recurso ser essencial à vida, a água encontra-se com disponibilidade limitada, vulnerável, poluída, finita e dotada de valor econômico.

Com essas condições ,corremos o risco de não mais dispomos de água potável, o que em última análise significa dizer que o Planeta Água está prestes a perder esse título, principalmente no que diz respeito a qualidade.

Cabe a nós, habitantes da Terra, tentar reverter esse quadro caótico de desperdício e poluição das águas. São necessárias muitas mudanças, um novo paradigma, uma gestão compartilhada da água, pois a sua conservação depende, principalmente de ações educativas junto à comunidade; uma política de conscientização para controle da poluição e de uma série de leis e regulamentos que as autoridades devem implantar, não ficando apenas no papel.
 
 
Situação atual dos Recursos Hídricos

Ø      No mundo
 
Conforme Rebouças (2002) a quantidade total de água na Terra, atualmente, é de 1.386 milhões de km³ e tem permanecido constante durante os últimos 500 milhões de anos. Entretanto, as quantidades estocadas nos diferentes reservatórios individuais de água no planeta, variaram ao longo desse período.

Quanto à distribuição dos volumes nos principais reservatórios de água da Terra, pode-se verificar que 97,5% do volume total de água formam os oceanos e mares e apenas 2,5% são de água doce. Cerca de 68,9% da água doce forma as calotas polares, as geleiras e neves eternas. Os 29,9% restantes constituem as águas subterrâneas doces. A umidade dos solos, as águas dos pântanos representam aproximadamente 0,9% do total e a água doce dos rios e lagos cerca de 0,3%.

Em relação a utilização de água disponível (em âmbito mundial), PEGORIN (2003) destaca que a área industrial utiliza mais água do que as pessoas. Para contextualizar, basta dizer que para produzir um barril de cerveja, é necessário utilizar 1.800 litros de água. O que é pouco em comparação ao consumo de 250 mil litros para a produção de uma tonelada de aço ou 1 milhão de litros gastos para se fabricar mil quilos de papel

A água tem se tornado um elemento escasso e de disputa entre nações. Um relatório do Banco Mundial alerta para o fato de que  as próximas guerras serão por causa da água, não pelo petróleo ou política.

Segundo Branco, (2000) cerca de 250 milhões de pessoas, distribuídas em 26 países, já enfrentam escassez crônica de água. Em 30 anos o n.º de pessoas saltará para 3 bilhões em 52 países. Nesse período, a quantidade de água disponível por pessoa em países do Oriente Médio e do norte da África estará reduzida em 80%. A projeção é que nesse período, 8 bilhões de pessoas habitarão a Terra, em sua maioria concentrados nas grandes cidades. Será necessário aumentar a produção de comida e energia, aumentando o consumo doméstico e industrial de água. Essas perspectivas fazem crescer o risco de guerras, porque a questão das águas torna-se internacional.

É importante lembrar que em 1967, um dos motivos da guerra entre Israel e seus vizinhos foi justamente a ameaça, por parte dos árabes, de desviar o fluxo do rio Jordão, cuja nascente fica nas montanhas no sul do Líbano. O rio Jordão e seus afluentes fornecem 60% de água necessário à Jordânia. A Síria também depende do mesmo rio.

Esse tipo de problema também atinge a populosa China. A demanda agro-industrial e o grande crescimento populacional estão esgotando o suprimento de água. das 500 cidades desse país, 300 sofrem com a escassez da água. Mais de 80 milhões de chineses andam mais de um quilômetro e meio por dia para obter água, e esse fato se repete com inúmeras nações..

Desde o início das civilizações antigas, a posse da água foi um instrumento político de poder.

Rebouças (2002) destaca que o controle dos rios como forma de dominação dos povos que habitavam os setores hidrográficos de jusante foi desenvolvido desde, 4 mil a.C. na Mesopotânia.


A guerra da água é um conflito milenar, expandindo-se para além de Oriente Médio, Norte da África... pois pouco tem sido feito para evitar esse problema.


Mais de um sexto da população mundial, conforme a Folha Online (2004), 18% o que corresponde a 1,1 bilhão de pessoas, não tem fornecimento de água nem acesso a ela. O problema é maior em relação ao saneamento básico, que não faz parte da realidade de 39% da humanidade ou, 2,4 bilhões de pessoas.

A falta de saneamento e o consumo de água contaminada levam anualmente a morte de mais de 2,2 milhões de pessoas, especialmente países em desenvolvimento.
A esse quadro de escassez acrescenta-se  a falta de recursos para tratar a água tornando-a potável e própria para o consumo humano. Segundo a Folha Online (2004) atualmente existem tristes estatísticas a esse respeito: Conforme a OMS (Organização Mundial da Saúde), 80% das internações hospitalares no mundo são devidas a doenças transmitidas pela água; A cada 8 segundos, morre uma criança no mundo por diarréia, ascaridíase, hepatite, cólera...todas provocadas por bacilos ou parasitas existentes em água contaminada. Entre os adultos, 5 a 10 milhões de seres humanos, por ano, são vítimas fatais de doenças transmitidas pela água.

Até 2050, quando 9,3 bilhões de pessoas devem habitar a Terra, entre 2 bilhões e 7 bilhões de pessoas não terão água de qualidade. Esses dados fazem parte do relatório da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura), órgão responsável pelo Programa Mundial de Avaliação Hídrica. Segundo seu diretor geral, as reservas de água estão diminuindo, ao passo que a demanda cresce de forma insustentável.

A UNESCO fez um ranking de 122 países em relação à qualidade de seus mananciais. Em último lugar ficou a Bélgica, atrás de países pobres como a Índia.
A Bélgica foi destacada negativamente devido a escassez de seus lençóis freáticos, de imensa poluição industrial e do precário sistema de tratamento de resíduos. Os rios asiáticos são os mais poluídos do mundo e metade  da população nos países pobres dispõe de água contaminada por esgoto ou resíduos.

Entre os primeiros da lista de qualidade da água, estão a Finlândia, Canadá, Nova Zelândia, Reino Unido e Japão.
Essa pesquisa também demonstrou as diferenças relativas quanto a disponibilidade da água nos diversos países. Cada Kuaitiano, por exemplo, tem acesso apenas a 10 metros cúbicos anuais, enquanto na Guiana Francesa, são 812,121 metros cúbicos per capta.

Segundo Lonborg (2002) muitos países vivem com reservas de água bem limitadas, porque exploram eficazmente essas reservas. Israel usa eficientemente sua água, em parte por utilizar um ótimo sistema de irrigação, gota a gota para cultivar no deserto, e também por reciclar as águas domiciliares para a irrigação.

É importante salientar que eles praticam irrigação conforme Rebouças (2002) numa faixa do seu território onde a pluviometria média é de apenas 200mm/ano,com alta produtividade agrícola com aplicação de uma taxa de irrigação da ordem de 6000 m³/ha/ano. Essa taxa em outras regiões do mundo mais favorecidas em disponibilidades de água e clima encontra-se entre 12000 e 20000 m³/ha/ano.
As indústrias dos Estados Unidos, Japão e Alemanha aumentaram sua produtividade e, reduziram o consumo de água, a partir do programa de reutilização. No Japão por exemplo, a água que sai pelo ralo do Box ou da banheira segue por canos independentes até um reservatório que abastece os vasos sanitários do edifício;à partir daí vira esgoto,sendo tratado e reutilizado em processos industriais.
O governo dos Estados Unidos vem investindo severamente no combate e desperdício da água; a ordem é economizar. Conforme PEGORIN (2003) lavar um carro, na calçada, por exemplo, pode levar à prisão.

Quanto ao preço o valor médio da água encanada no mundo segundo a Folha Online (2004) é de US$ 1,80 por m³, sendo que a falta desse sistema encarece o abastecimento. Bangladesh, por exemplo, chega a pagar 250 vezes mais pela água transportada em caminhões.

No México, o fornecimento é gratuito, porém, os motoristas só entregam a água mediante pagamentos informais.
O preço de um barril de água importada da Europa pelos países árabes produtores de petróleo é, atualmente superior ao de um barril de petróleo exportado. Enquanto um barril de petróleo bruto é hoje vendido a U$ 25 à 30; Os árabes pagam U$ 130,00 por barril da água mineral importada da Europa.

Há anos atrás, Adam Smith salientou que a água, que é vital para a vida, não custa nada, enquanto os diamantes, totalmente inúteis à vida, custam uma fortuna, VILLIERS (2002).
No próximo século, outro grande desafio vai surgir em muitos países, pelo fato de se tornarem cada vez mais dependentes das descargas hídricas que são gerados em setores hidrográficos localizados fora dos seus territórios. Essa situação agrava os problemas políticos e sociais levando a uma possível guerra, como tem acontecido nas áreas mais secas do planeta.

Nesse contexto, em alguns países, essa dependência dos recursos hídricos externos poderia ser reduzida através de um gerenciamento dos recursos internos, incluindo-se a utilização das águas subterrâneas, o reuso e a busca de uma crescente eficiência de produtividade das atividades agrícolas.
 
 
Ø      No Brasil
 
O Brasil é um país privilegiado quanto à quantidade de água. Temos alguns dos maiores recordes encontrados no “Planeta Água”, como quedas de água com os maiores fluxos, como o Guaíra com 13.301000 m³/s de água, hoje encoberta sob o lago de Itaipu, Queda de Paulo Afonso no Rio São Francisco com 2.830000 m³/s, Urubupungá no Rio Paraná com 2.745000m³/s. Temos ainda uma das maiores lagoas, a Lagoa dos Patos com 10.1444 km² de área e com uma profundidade de 6,75m.

Se a Terra parece ser o Planeta Água, o Brasil poderia ser considerado sua capital, pelo menos em quantidade, uma vez que possuímos uma extensa rede de rios e somos privilegiados por um clima excepcional, que assegura chuvas abundantes e regulares em quase todo seu território.

Segundo Branco (2000) a Amazônia, por exemplo é uma região que detém a maior bacia fluvial do mundo, sendo que o volume de água do rio Amazonas é o maior do globo, com 7.025 km de extensão, considerado essencial para o planeta. Porém as maiores concentrações populacionais do país encontram-se nas capitais, distantes dos grandes rios brasileiros, como o Amazonas, o São Francisco e o Paraná.

Dentre os países do planeta, o Brasil tem a propriedade de quase 20% de toda água doce disponível na Terra, ou seja, dos 113 trilhões de m³ disponíveis para a vida terrestre, 17 trilhões estão em nosso país. No processo de reciclagem, quase  toda essa água é recolhida pelas nove grandes Bacias Hidrográficas aqui existentes. Devido a necessidade da água para dar continuidade ao crescimento econômico, as Bacias Hidrográficas passam a ser áreas geográficas de interesse dos agentes e interesses públicos e privados, pois elas passam por várias cidades, propriedades agrícolas e indústrias.  
São oito as grandes Bacias Hidrográficas do território brasileiro: a do rio Amazonas, a do rio Tocantins, a do Atlântico Sul (trechos norte e nordeste),  a do rio São Francisco, a do Atlântico Sul  (trecho leste), a do rio Paraná, a do rio Uruguai e a do Atlântico Sul (trecho sudeste).

O maior trunfo do país em relação à garantia de abastecimento, é o Aqüífero Guarani, maior reserva de água doce subterrânea do mundo, com 1,2 milhões de km²; pode conter mais 40 mil km³ de água, o que é superior a toda a água contida nos rios e lagos de todo planeta. Estima-se que por ano o Aqüífero de Guarani receba 160 km³ de água adicional vindas da superfície. Caso estas águas superficiais estiverem contaminadas, o aqüífero será prejudicado. O Guarani não está apenas em território brasileiro, mas também na Argentina, Paraguai e Uruguai, o que torna necessária a criação de uma regulação de uso entre tais países.

Apesar de toda essa riqueza, a distribuição da água não é uniforme em todo o território nacional, temos sérios problemas de gerenciamento destes recursos com índices de saneamento básico encontrados apenas em países do continente Africano. Devido o descaso dos governantes, à falta de investimentos e planejamento, a população sofre com secas, enchentes e falta de água para abastecimento das residências.

Além de fazer um mal uso da água, o Brasil paga o preço por deixar represas e mananciais serem depredados, tolerar ligações clandestinas de esgoto, lançamento de detritos químicos nos cursos de água, bem como a ocupação desordenada da população em áreas próximas aos reservatórios.

Conforme Marcos Tadeu Abicalil, da Secretaria Especial de Desenvolvimento Urbano da Presidência da República, o Brasil atende 77,8% dos domicílios com água e 47,2 % com esgotos ,dados da ANA (2000). A cobertura de esgotamento sanitário chega a 62,2%, se considerados os domicílios com fossas sépticas. Portanto, o déficit de atendimento é de 9,9 milhões de domicílios para abastecimento de água e 23,6 milhões para esgotos (ou 16,9 milhões, se levados em consideração os domicílios com fossas sépticas).

O déficit de atendimento, segundo a ANA (Agência Nacional de Águas) é maior na zona rural, onde apenas 1,35 milhões de domicílios, dos 7,46 milhões existentes, estão ligados às redes de abastecimento de água. Somente 960 mil estão ligados a redes coletoras de esgotos ou dispõem de fossas sépticas. Cerca de 4,3 milhões de domicílios rurais utilizam água de nascentes ou poços localizados na propriedade, sem garantias da qualidade dessa água.

Segundo a EMBRAPA (2004), metade dos municípios brasileiros são abastecidos por água retirada de poços, teoricamente, água protegida, potável, de boa qualidade. Na realidade a situação não é essa, pois, nem lá embaixo a água está protegida. Os franceses estão apavorados com a descoberta de diversos poluentes, oriundos de atividades agrícolas, em águas subterrâneas, como a alta concentração de nitritos, indutores de tumores malignos. A dúvida está na procedência desses nitritos, que podem ter surgido do uso muito intensivo de adubos nitrogenados altamente solúveis, ou da lixiviação de dejetos da suinocultura, entre outros.

Quanto aos rios e lagos brasileiros são vários os motivos responsáveis pela queda de qualidade da água disponível, para captação e tratamento.
Em Porto Alegre, o lago Guaíba está comprometido pelo lançamento de resíduos domésticos e industriais, além do uso inadequado de agrotóxicos e fertilizantes. Brasília, além da escassez de água, enfrenta a poluição do lago Paranoá. Em Curitiba, a ocupação urbana das áreas de mananciais do Alto Uruguai prejudica a qualidade da água para seu abastecimento. O rio Paraíba do Sul, que abastece a região metropolitana do Rio de Janeiro e é manancial da cidade de São Paulo e Minas Gerais, sofre graves problemas devido ao garimpo, à erosão, aos desmatamentos e aos esgotos. Em Belo Horizonte, a lagoa da Pampulha, que era um manancial para abastecimento, foi substituída pelos rios Serra Azul e Manso. O rio Doce que passa pelos estados de Minas Gerais e Espírito Santo, tem suas águas comprometidas pela extração de ouro, o desmatamento e o mau uso do solo agrícola.

No meio rural, as diversas formas de ocupação do solo, fundamentam sua economia no aproveitamento do potencial hídrico do solo, explorando extensivamente tanto a agricultura como a pecuária, acarretando o desmatamento das bacias hidrográficas, o desenvolvimento dos processos erosivos do solo, a redução das reservas de água do solo...Aliados a esses problemas, a falta de orientação, apoio, e incentivo por parte dos governantes, levou a um intenso êxodo rural para o meio urbano, que teve um agravamento pelo crescimento de favelas nas áreas de alto risco ambiental, como encostas dos morros e margens de rios.

O desenvolvimento das cidades foi invadindo os mananciais que antes estavam isolados da ocupação humana. As ações efetuadas numa bacia hidrográfica afetam a qualidade da água desse manancial. É muito importante que a população se conscientise que é preciso disciplinar todo tipo de uso e ocupação do solo das bacias hidrográficas.

Conforme Abicalil, ANA (2000) a urbanização ou a industrialização aceleradas refletem na ausência de tratamento adequado dos resíduos, constituindo a principal causa de degradação ambiental ; a poluição das águas afeta os vários usos dos recursos hídricos, refletindo negativamente na economia dessas regiões. Entre 1980 e 1991, a população urbana brasileira passou de 80 para 111 milhões e a cobertura dos serviços urbanos de água passou para 86,3%, com a incorporação de 32,4 milhões de pessoas ao atendimento. No mesmo período, o esgoto de 23,5 milhões de pessoas passou a ser coletado. Entre 1991 e 2000, a cobertura dos serviços de água  foi de 89,8% da população urbana, incorporando 28, milhões de pessoas, sendo que 24,1 milhões tiveram acesso à coleta de esgotos.
Entre as regiões brasileiras existe um enorme desequilíbrio quanto aos serviços de água e esgotos sendo o déficit maior no Norte e Nordeste, afetando a população de menor nível de renda, que não consegue a pagar por serviços de esgotamento sanitário.

Em relação ao saneamento básico, nossa situação é realmente grave. Atualmente no país, apenas 50% dos esgotos são coletados, sendo que  90% dos esgotos coletados são lançados nos rios e no mar, sem tratamento. Todos os dias são lançados 10 bilhões de litros de esgoto nos rios e no mar.

O IBGE- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística realizou uma pesquisa entre 1989 e 1990 em 4.425 cidades e alertou que o precário saneamento básico é responsável por 80% das doenças que afetem a população e 65% das internações hospitalares de crianças. Esse problema gera um gasto adicional de 2 bilhões de dólares por ano ao sistema de saúde.  
  
É imprescindível que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário gerenciem com responsabilidade verbas para esse setor, obras para coleta e tratamento de esgotos. Com uma ação governamental nesse sentido também seria possível gerar mais empregos, e uma economia razoável na área da saúde, pois, segundo Soares (2004) para cada real investido em saneamento teríamos uma economia de dois reais na saúde. Não investir em saneamento é, antes de tudo, mau uso do dinheiro público.

A água que consumimos custa R$ 1.00 cada mil litros. A faixa de consumo por pessoa varia de 150 a 400 litros por dia. Se a água for usada com economia, o consumo será menor e a conta também.
É visível que para superar tal situação são necessários investimentos subsidiados para atendimento às populações de mais baixa renda; investimentos em esgoto sanitário e modernização do setor, com aumento da eficiência e capacidade de alavancagem, procurando formas mais apropriadas para a prestação dos serviços e financiamento dos investimentos necessários.

O planejamento de ações que evitem os efeitos do excesso ou falta de água, deve considerar as características de variabilidade no tempo e espaço das chuvas e descargas dos rios, os fatores ambientais, socioculturais de uso e conservação da água, de uso e ocupação do território urbano e rural, lutando para garantir um desenvolvimento sustentado.

Para o presidente da ANA, Jerson Kelman a solução para tais problemas seria um modelo de racionamento para casos de escassez, baseado no custo de oportunidade dos usuários para o acesso prioritário à água, considerando a eficácia econômica e a eqüidade social. Estes sistemas seriam definidos, caso a caso, por associações de usuários ou comitês de bacia hidrográfica. Os usuários teriam uma cobrança para compensação, uma cobrança “proporcional ao volume atendido, e só realizada em períodos de racionamento. ” 

O que mais falta, conforme Rebouças(2002) não é a água, mas mas um padrão cultural que conscientize sobre a necessidade de combate aos desperdícios e à degradação da sua qualidade, que considere o seu caráter finito e de grande valor econômico.

Sociedade e governo demonstram inércia na gestão desse precioso recurso hídrico que é a água. Não é preciso criar nem modificar leis, pois, no que se refere a recursos hídricos, temos as melhores e mais eficientes que existem. Parece contraditório, nos sobram reservas de água e temos as melhores leis, mas ainda sofremos com racionamento. Por quê?

Falta-nos a criação de uma política de governo centrada em duas prioridades: a educação e o saneamento básico.

Segundo Soares (2004) a educação é fundamental para conscientização da sociedade quanto ao uso correto e à preservação da água. A informação sobre utilização racional de água deve incluir questões de economia, reuso das águas, proteção dos mananciais, poluição por uso desordenado do solo, destinação correta do lixo produzido, reciclagem... Deve-se envolver nesse processo educativo as instituições científicas, universidades, escolas, companhias de saneamento, serviços de hidrogeologia, ONGs, igrejas, clubes, e associações de bairros. Principalmente os grandes consumidores de água dos setores agrícola, industrial e comercial.

Os setores agrícola, industrial e comercial deveriam ser mais fiscalizados, priorizando os interesses da sociedade e do meio ambiente, através da racionalização do consumo, evitando a poluição de mananciais superficiais e subterrâneos. 

Conforme Rebouças (2002) a nossa abundância de água doce sustenta a cultura do desperdício da água disponível, a não realização dos investimentos necessários ao seu uso e proteção e a sua pequena valorização econômica, isto é, a água tem sido vista como um bem livre de uso comum.
 
 
CONCLUSÃO
 
Embora a água seja um dos mais preciosos bens na constituição da Terra, poucos têm a noção da importância desse recurso natural, seja ele superficial ou subterrâneo.
Até um passado recente, as necessidades de água cresceram gradualmente acompanhando o lento aumento populacional.
A concepção antropocêntrica resultou numa cultura de uso indiscriminado e desperdício da água, onde qualquer usuário sente-se dono para tirar proveito, sem pagar nada por isso, esquecendo-se que esse recurso pertence a todos.

A questão da água vem sendo cercada de muita polêmica, dúvidas, alarmes, especulação. A histeria coletiva que se alastra pela mídia mundial é que a água está acabando. (não que ela esteja errada, o problema são as proporções, tempo previsto e intenções). Os jornais esquecem de divulgar e esclarecer que o problema de escassez está na água doce. Em decorrência das notícias alarmistas vários países já começaram a se preparar para a venda de grandes volumes de água, pensando em lucrar em cima da necessidade dos outros.

É importante conscientizar, que a quantidade de água na Terra é praticamente a mesma há centenas de milhões de anos. Ou seja, a quantidade de água permanece a mesma, o que muda é a sua distribuição, seu estado e qualidade.

Daí a  necessidade de geri-la com mais atenção, pois, a crescente tenção hídrica resulta principalmente da má alocação da água, desperdício e falta de uma gestão adequada .
No Brasil temos água suficiente, o que  não temos é uma ação gerencial eficiente, um padrão cultural ético que aperfeiçoe o desempenho político dos governos e da sociedade, portanto, se os governos investirem adequadamente no gerenciamento, armazenagem, tratamento, distribuição, controle , fiscalização das condições de uso e proteção, não deveremos ter problemas de falta de água.

Nesse contexto, a satisfação das necessidades de água põe na atualidade sérios problemas à humanidade. O crescente uso de água, a limitação dos recursos hídricos, os conflitos entre alguns usos exigem que tanto o planejamento como a gestão da utilização e do domínio da água se façam em termos racionais e otimizados devendo integrar-se na política de desenvolvimento econômio-social dos territórios.
O esforço de cuidar das águas não pode se restringir à atuação unilateral do Governo, daí a necessidade de fortalecermos os canais de participação e aprimorarmos o diálogo com a sociedade. Somente uma gestão compartilhada da água, descentralizada e democrática será capaz de mudar essa realidade preocupante de desperdício, poluição e escassez de água. A participação da sociedade é fundamental para a conscientização de novos valores.

É necessário uma administração racional, que não vise apenas aumentar a oferta de água, mas se preocupe, principalmente em conservar e reaproveitar a água que temos. Para tanto é preciso que se faça a coleta e o tratamento de esgotos, o controle de ocupação urbana, a proteção dos mananciais e a busca de uma crescente eficiência de produtividade principalmente das atividades agrícolas.
Racionalizar o uso da água não significa ficar sem ela periodicamente, mas sim usá-la sem desperdício, considerá-la uma prioridade social e ambiental, para que a água tratada, saudável nunca falte. Só assim estaremos contribuindo para que a Terra continue a ser chamada de Planeta Água. Caso contrário, fica a dúvida: Terra, Planeta Água, até quando???
 
 
 
 
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Ilustrações: Silvana Santos