Educação Ambiental em Ação 25
Futuro
da humanidade passa por uma solução pactuada
O
jornalista Washington Novaes foi repórter, editor, diretor ou colunista em várias
das principais publicações brasileiras: Folha de S. Paulo, Jornal do
Brasil, Última Hora, Correio da Manhã, Veja e Visão.
Atualmente é colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Popular
(de Goiânia, onde vive). Na televisão, foi durante sete anos editor-chefe do
Globo Repórter e editor do Jornal Nacional, da Rede Globo. Comentarista
de telejornais das Redes Bandeirantes e Manchete, além do
programa Globo Ecologia. Realizou em 2001 para a TV Cultura a série de
cinco programas Desafio do lixo, gravada em 9 países e 10 estados
brasileiros, além do documentário Primeiro mundo é aqui, sobre
biodiversidade.
Foi
consultor do Primeiro Relatório Brasileiro para a Convenção da Diversidade
Biológica, dos Relatórios sobre Desenvolvimento Humano da ONU, de 1996 a 1998,
e sistematizador da Agenda 21 Brasileira - bases para a discussão.
Nesta
entrevista, ele aponta que o caminho da construção da sustentabilidade
progressiva e ampliada, definida pela Agenda 21, é a explicitação de
conflitos que necessitam ser encarados e a pactuação de compromissos.
ComCiência:
A questão do meio ambiente, no Brasil, já saiu do discurso para a prática ou
ainda falta muito?
Washington Novaes: Ela já saiu do
discurso para a prática em várias coisas, mas ainda falta muito. As chamadas
questões ambientais terão ainda muito que caminhar, mas certamente, precisam
ocupar lugar no centro e no início de todas as políticas públicas. Cada
planejamento de governo ou de empresa deveria ter essas questões como princípio,
porque elas acontecem concretamente, no solo, na água, no ar, entre os seres
vivos. É preciso saber as repercussões dos atos, não deixar para cuidar só
no final. É necessário também, avançar muito na contabilização dos custos
de cada ação, para que cada responsável arque com a sua parte. É o princípio
do poluidor-pagador.
ComCiência:
A que o senhor atribui a deficiência da regulamentação ambiental brasileira,
à morosidade dos procedimentos, à burocracia?
Washington Novaes: São muitas razões,
só recentemente é que se avançou na conscientizaçã
o dessas questões. É muito difícil definir os conflitos e pactuar soluções
a partir deles. Este, talvez, pode vir a ser o grande avanço da Agenda 21: a
explicitação de conflitos que necessitam ser encarados. O Brasil tem uma certa
tendência a fugir dessa explicitação de conflitos, porque isto é sempre
muito doloroso, desgastante, e envolve sempre a absorção de custos ambientais,
dos quais todo mundo tenta fugir. Mas não há outro caminho. É preciso
explicitar os conflitos, sentar na mesa e definir pactos. Este é o caminho da
construção do que a Agenda 21 chama de sustentabilidade progressiva e
ampliada.
ComCiência:
Tendo em vista a recusa dos Estados Unidos em ratificar o Protocolo de Quioto,
em que medida isto pode influenciar na redução das emissões? O senhor
acredita que os EUA vão acabar aderindo ao Protocolo?
Washington Novaes: A não adesão dos
Estados Unidos é extremamente grave, ele já está 13% acima de 1990 [em relação
às emissões de gases-estufa]
, então, teria que reduzir em torno de 20% pelos termos da Convenção de Mudanças
Climáticas. Exatamente o maior emissor se recusa a ratificar a Convenção, sob
a alegação do governo Bush de que isso teria efeitos muitos danosos sobre a
economia norte-americana, na medida em que ela depende de uma matriz energética
que está baseada fundamentalmente no uso de combustíveis fósseis (petróleo e
carvão mineral) e mudar esta matriz energética seria pagar um preço muito
alto. Recentemente, a Academia Nacional de Ciências confirmou que a ameaça de
mudança climática é muito grave e recomendou que os EUA tomem providência. A
decisão do governo americano foi aconselhar vários setores da economia a se
preparar para uma adaptação a isso, mas sem assumir nenhum compromisso de redução.
O que vai acontecer dentro dos EUA depende da evolução da sociedade
norte-americana que está dividida nesta questão. Uma parte coloca
prioritariamente as questões do crescimento econômico e do desemprego e por
isso prefere a não homologação do Protocolo de Quioto. Outra parte acha que
os EUA têm que aderir, reduzindo as suas emissões. Como é que isso vai se
traduzir no futuro é muito difícil de prever. Os que são contrários à
homologação também têm uma crença absoluta em que novas tecnologias serão
capazes de resolver esta questão. É uma aposta muito arriscada, o tempo é que
vai dizer.
ComCiência
- Tem havido uma certa pressão para a mudança dessa postura, tendo em vista a
competitividade das empresas americanas no mercado europeu. Já existe algum
estudo que mensure se esta recusa dos EUA efetivamente contribuiu para reduzir o
índice de competitividade dessas empresas no exterior?
Washington Novaes: Isto está começando
a ser estudado. Há uma diferença de situação entre empresas americanas que têm
unidades de produção em outros países e empresas que não têm. Aquelas que têm,
vão ter que seguir as regras porque estão em territórios de países que
aderiram ao Protocolo de Quioto, senão, vão perder competitividade. Este,
portanto, é um fator que pode influenciar para que os EUA mudem sua postura.
ComCiência
- Até que ponto a evolução das tecnologias energéticas podem ser um
paliativo nas emissões de poluentes?
Washington Novaes: As novas
tecnologias poderão eventualmente contribuir para uma redução. Por exemplo, já
está disponível tecnologia para reduzir de forma bastante acentuada a emissão
de poluentes de veículos nos chamados carros híbridos. Mas a indústria
automobilística não quer adotá-la porque ela exigirá uma mudança completa
para modelos bastante menores e mais compactos e isso reduzirá brutalmente o nível
de lucratividade. Hoje mais de 50% do mercado norte-americano de automóveis
pertence aos utilitários esportivos, que são altos consumidores de combustíveis.
Há um confronto de forças e pode ser que isso mude com o tempo, pois esta é
uma questão que vai colocando em jogo vários fatores: pressões sociais, políticas
e internacionais.
ComCiência:
Porque ainda não há penalidades para os países que não cumprirem seus
compromissos de baixar a emissão?
Washington Novaes: Porque tem uma
questão complicada que é a seguinte: os chamados problemas ambientais são
praticamente todos de âmbito planetário, eles não respeitam fronteiras geográficas
ou administrativas. Já o poder de decisão tem limites. Não há órgãos
internacionais capazes de exercer este poder de coerção sobre os países e nem
eles querem conceder este poder a um órgão supra nacional. Nós estamos hoje
num impasse porque os grandes problemas são globais, os padrões de produção
de consumo são insustentáveis, mas quem é que vai determinar uma mudança
nisso? Mesmo o Brasil tem posições que são muito significativas. Desde 1992
se discute sobre a necessidade de uma Convenção sobre Florestas, porque as
florestas tropicais são a maior fonte da biodiversidade e continuam
desaparecendo, a cerca de 150 mil km² por ano. No final de abril houve uma
reunião na Holanda e essa questão voltou a ser discutida intensamente. Mas o
Brasil foi um dos países que mais se opuseram a uma Convenção sobre
Florestas, exatamente sob a alegação que estabelecer sanções ou restrições
para o uso de uma parte do seu território, implica renúncia à soberania e
isso o país não admite. Este é o típico exemplo do porquê não se avança,
ou seja, não tem como exercitar a obrigatoriedade com sanções num plano
internacional.
ComCiência:
Os organismos internacionais existentes são suficientes para levar a cabo
negociações desse tipo ou precisaria ser criada uma outra estrutura?
Washington Novaes: Não há ainda
nenhum órgão com capacidade para enfrentar este tipo de problema. Existem
muitos organismos internacionais como o Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (Pnuma) e outros fóruns de negociação, mas não existe um sistema
capaz de analisar, propor uma regulação e com poder de coerção. Agora,
talvez se possa pensar que enquanto existir necessidade de coerção vai ser difícil
avançar.
ComCiência:
Se os problemas são cada vez mais globais, então certos conceitos como
soberania teriam que ser modificados, senão a Rio+10 vai ficar novamente apenas
na lista de boas intenções?
Washington Novaes: Esta é a grande
questão de hoje. Exatamente essa contradição entre o caráter planetário das
questões e a dificuldade de encontrar meios de implementação, porque existem
limites geográficos e políticos. Eu acho que a Rio+10 vai se realizar no auge
do impasse. A Rio 92 foi o grande momento do avanço da consciência planetária
em relação ao meio ambiente, mas não se conseguiu avançar quase nada em matéria
de mudanças climáticas, nem da biodiversidade, que foram as duas grandes
convenções estabelecidas. A Agenda 21 Global também ficou no plano das intenções.
Esse impasse vai ser colocado sobre a mesa em Joanesburgo. O rumo que as coisas
vão tomar dependerá muito de como cada país vai interpretar as suas pressões
internas. Mesmo na Convenção da Biodiversidade, foram estabelecidas metas para
os países, na reunião da Holanda, mas não há sanção para quem deixar de
cumprir.
ComCiência
- Essa é uma tarefa gigantesca para Joanesburgo porque, a partir do que o
senhor diz, entende-se que é necessário praticamente mudar os padrões
civilizatórios em curso?
Washington Novaes: É exatamente disso
que se trata. Todos os últimos relatórios internacionais falam na
insustentabilidade que nós estamos vivendo. O nível de consumo está maior que
a capacidade de sustentação e de reposição da biosfera. O WWF - World
Wildlife Fund- fala em 20% a mais. O Edward Wilson, que é o papa da
biodiversidade, repete isso no último livro dele O Futuro da Vida,
registrando que da forma como nós estamos, se todos os habitantes da Terra
consumirem como os norte-americanos ou europeus, nós precisaríamos de três
planetas iguais a Terra para sustentar este nível de consumo. O que se vai
fazer, deixar 1/3 da humanidade na miséria absoluta? Mas se aumentar o nível
de consumo dessas pessoas dentro dos padrões atuais, fica muito mais insustentável.
É preciso reinventar os nossos modos de viver.
ComCiência: Não é uma
questão simples, sobretudo, porque este parodoxo perdura à séculos, não é?
Washington Novaes:
Mas ele vem sendo agravado com o aumento da população e com os padrões de
consumo cada vez mais elevados e mais desperdiçadores. Você tem que lembrar o
seguinte, em menos de dois séculos a população do mundo se multiplicou por
seis. Em 1830 se chegou a 1 bilhão de habitantes. Em pouco menos de um século,
em 1927, dobrou, chegou a 2 bilhões. Para chegar ao terceiro bilhão, em 1960,
bastaram 33 anos. Para chegar ao quarto, em 1974, foram somente 14 anos. O
quinto bilhão aconteceu em 1987 e o sexto em 1999. É um espaço de tempo cada
vez menor para se ter mais 1 bilhão de pessoas e ainda vai ter pelo menos mais
2 bilhões e meio até 2050.
ComCiência:
O futuro da humanidade depende mais da ciência e da técnica ou da
sustentabilidade ambiental?
Washington Novaes: Depende
de todas as coisas, principalmente de uma reformulação de nossos padrões de
viver e de algumas mudanças muito importantes. A primeira delas é as pessoas
terem consciência de que elas não são apenas cultura, elas são natureza também.
Em 1997, o Ministério do Meio Ambiente fez uma pesquisa nacional junto com o
ISER, cujo resultado mostrou que 2/3 das pessoas se consideram fora da natureza,
então, elas não percebem que o que acontecer na natureza acontecerá no corpo
delas, porque o corpo é feito de água, minerais, etc. A segunda mudança é
que esse consumo insustentável e o abate à biodiversidade têm conseqüências
em muitas outras coisas que nós nem percebemos, como nos chamados serviços
naturais: a fertilidade do solo, a qualidade da água, o regime hidrológico, a
composição química do ar. Todos os serviços que a natureza presta teriam um
valor muito superior ao PIB mundial, se este fosse contabilizado tomando por
base o que custaria repor um desses elementos por ações humanas. Acho que é
preciso mudar também a própria postura do ser humano diante da natureza. Não
ter a natureza apenas como alguma coisa a serviço da espécie humana, nós
somos apenas mais uma entre milhões de espécies que estão aí. Precisamos
também reformular nossa postura para que se recupere a relação com o sagrado.
Quem não quiser ir tão longe, pode talvez pensar que tudo o que existe em
nosso planeta, inclusive os seres humanos, é feito de elementos que vêm de
bilhões de anos da história e se ligam a tudo o que existe no universo. A
terra se desprendeu de algum lugar, então, nós somos uma espécie de memória
cósmica do universo. É assim que é preciso olhar para se relacionar de uma
forma respeitosa com o meio ambiente.
Fonte: