Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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05/06/2008 (Nº 24) O ESPAÇO DA PARTICIPAÇÃO COLETIVA NA GESTÃO DOS RESÍDUOS NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR: potencializando a interdisciplinaridade e diálogos de saberes entre os sujeitos
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Revista Educação Ambiental em Ação 24

O ESPAÇO DA PARTICIPAÇÃO COLETIVA NA GESTÃO DOS RESÍDUOS NA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR: potencializando a interdisciplinaridade e diálogos de saberes entre os sujeitos

Luciara Bilhalva Corrêa[1]

 

Como buscar a transformação dos sujeitos para uma intervenção comprometida e responsável, sem considerar sua participação, suas vozes, seus desejos, suas vivências, seus conhecimentos, suas percepções e seus valores, na construção de políticas para a gestão dos resíduos na instituição de ensino superior?

Entendendo que os problemas ambientais relacionados à questão dos resíduos são complexos, portanto, necessariamente seu processo de gestão é um espaço que precisa se constituir também numa perspectiva complexa e sistêmica, torna-se fundamental a participação dos diferentes sujeitos envolvidos no contexto (GUIMARAES, 2003). No entanto, a participação não se dá de forma espontânea, ela precisa ser aprendida. O desafio que se coloca para a educação ambiental é o de criar condições e espaços que potencialize e propicie a participação coletiva para o diálogo ente os sujeitos. Cabe destacar que uma das tarefas fundamentais à prática da educação ambiental no processo de gestão dos resíduos está direcionado para a compreensão e busca de superação das causas estruturais dos problemas ambientais por meio da ação coletiva e organizada (QUINTAS, 2004).

Um dos princípios preconizado pela Política Nacional de Educação Ambiental é preparar os indivíduos para uma efetiva participação, possibilitando uma interferência positiva na gestão dos resíduos, constituindo-se um fator determinante na escolha de prioridades e na tomada de decisões. Essa participação que é um direito social deve ter um caráter transversal, processual, coletivo e ser transformador, gerar uma intervenção consciente, feita por cidadãos críticos, sobre situações que lhe dizem respeito e dizem respeito à comunidade de que fazem parte e representam (BRASIL, 1999; BUTZKE, 2001; QUINTAS, 2007).

Cabe destacar que a participação representa e possibilita a ação interativa entre os diferentes sujeitos que se complementam e se contrapõem numa realidade vista como totalidade. A não participação, de qualquer que seja o sujeito, principalmente os mais antagonizados pelos problemas ambientais relacionados aos resíduos, decompõe a realidade reduzindo-a e simplificando-a, não dando conta da compreensão de sua complexidade e somente possibilitando intervenções parcializadas. Sendo assim, só se efetiva a gestão ambiental para a superação dos problemas ambientais, se a participação de todos os sujeitos envolvidos, que compõem a realidade enfocada, for possível (GUIMARÃES, 2003, p.187)

Ainda, Pires e Ribes (2005, p.37) enfatizam que,

o trabalho coletivo pode se transformar em um espaço privilegiado de formação para todos os sujeitos envolvidos. É a melhor maneira de atualizar e refletir a ação educativa, pois o debate sempre traz idéias novas e informações, dúvidas e incoerências que levam a organizar o pensamento, reafirmando ou modificando posições. Trabalhando coletivamente, o sujeito sente-se fortalecido com o grupo, porque sabe que conta com o apoio de outros que estão lutando pelo o mesmo ideal, com quem pode partilhar e discutir dificuldades e preocupações. Ao se trabalhar em equipe, todos os integrantes crescem devido às trocas de experiências.

            No entanto, esse espaço precisa ser democrático, que significa essencialmente participar, discutir e debater sobre a questão ambiental relacionada aos resíduos. Nesse processo os sujeitos não podem ser somente ativos ou passivos e sim interativos, pois participarão e influenciarão em todo o processo, nos atos de elaborar, pensar, repensar, trocar idéias, enfim estar comprometido com toda a execução do processo de gestão no qual está engajado (PIRES e RIBES, 2005).

            Também, Castro e Junior (2007, p.401), enfatizam que participar não significa apenas o quanto se toma parte, mas como se toma parte de uma intervenção consciente, crítica e reflexiva, baseada nas decisões de cada um sobre situações que não só lhe dizem respeito, como também dizem respeito à comunidade em que se está inserido. Na participação, contudo, a potencialidade individual deve estar a serviços de um processo coletivo, transformador, em que o sujeito, no exercício do seu direito, conquistará sua autonomia por uma de uma presença ativa e decisória.

            Assim, a importância da participação de forma efetiva se torna premente para que todas as ações sejam pensadas, repensadas e refletidas a fim de atingir as propostas dos envolvidos. Essa participação precisa se dar de forma comprometida, na qual todos possam ser sujeitos do processo, atuando como autores no momento de sua elaboração.

            Para tanto, essa participação precisa ser dialógica, na qual o sujeito se sinta convidado a participar expondo suas idéias, dúvidas, críticas, falando de sua vivência e contribuindo para a tomada de decisões. Não somente esse indivíduo vai expor suas idéias e posições, mas também aprenderá a ouvir, a criticar, a elogiar, a interagir junto com o outro numa construção coletiva de conhecimento. O diálogo dessa forma se tornará crítico, pois era falar de sua vivência, suas experiências, elegendo também sua pergunta como atos de conhecer o outro e tornar-se conhecido também. Tal processo transformará em sujeitos capazes de interagir na realidade onde estão inseridos.

            Para Freire (1987, p.79),

o diálogo é uma exigência existencial. Ele é o encontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereçados a realidade a ser transformado. Somente o diálogo, implica um pensar crítico, sem ele não há comunicação entre os sujeitos, e sem esta não há a verdadeira educação.

No pensar de Raymundo e Oliveira (2007), as práticas pedagógicas precisam ser construídas de forma coletiva de modo que os sujeitos sintam-se pertencentes ao processo, ou seja, seus próprios conhecimentos e vivencias são validados e valorizados. Os autores Júnior e Nunes (2007, p.62) enfatizam que a convivência dialógica no espaço coletivo permite o nascer de propostas que os transformam em ações em função do comprometimento dos sujeitos entre si e com a realidade onde estão inseridas. Viezzer (2007, p.39) complementa dizendo que

trabalhar com o coletivo, possibilita o diálogo, estabelecendo a atuação conjunta em relação às questões do meio ambiente, no entanto, esse processo não se dá naturalmente, ele precisa ser apreendido constantemente de forma permanente. Assim, o coletivo é colocado em sinergia de interesses pela qualidade do ambiente e da vida, podendo aprender e ensinar uns aos outros.

Nesse sentido Freire (1996, p.18) destaca,

que mais do que um ser mundo, o ser humano se tornou presença no mundo, com o mundo e com os outros. Presença que se pensa a si mesma, que sabe presença, que intervém, que transforma, que fala do que faz, mas também do que sonha, que constata, compara, avalia, valora, que decide, que rompe. Portanto, é no domínio da decisão, da avaliação, da liberdade, da ruptura, da opção, que se instaura a necessidade ética e se impõe a responsabilidade. O fato de me perceber no mundo, com o mundo e com os outros me põe numa posição em face do mundo que não é de quem não tem nada a ver com ele. Afinal a presença no mundo não é a de quem a ele se adapta, mas a de quem nele se insere.

Na medida em que o processo educativo oportuniza o envolvimento dos diferentes sujeitos na construção de políticas para a gestão dos resíduos, estes têm a possibilidade de conhecer e passar a perceber o problema ambiental e social produzido no ambiente institucional, refletir sobre suas ações, produzir conhecimentos e juntos discutirem e decidirem metas para a solução dessa questão. Quintas (2007, p.141) considera que qualquer ação de educação ambiental para o processo de gestão precisa ser estruturada no sentido do conhecer para agir. Assim, o coletivo que está participando da prática educativa, estará produzindo conhecimento sobre o problema, delineando um caso de ação, objetivando contribuir para a sua superação.

Para Loureiro (2007, p.160) a finalidade da educação ambiental ou de qualquer processo que possa se firmar como educativo,

é assumir a emancipação para a transformação dos sujeitos, o que significa a construção de sua autonomia e liberdade. Autonomia significa estabelecer condições de escolhas, ou seja, em que os sujeitos – individual e coletivo – não sejam dependentes para conhecer e agir, posto que para uma mudança efetiva de uma dada realidade, somente aqueles que fazem parte de tal situação, podem ser os portadores da transformação. Autonomia é uma condição incompatível com a coerção, mas exige organização coletiva para que se viabilize. E a liberdade está nas relações que mantemos conosco e com o outro, pois pressupõe a certeza de que somos seres que nos formamos coletivamente. Temos responsabilidades para com os demais, nos constituímos na relação “eu-outro” (nós) e compartilhamos o mesmo planeta. Um processo educativo que se afirme como emancipatório, as relações se pautam por igualdade, pelo respeito à diversidade, pela participação e autogestão. A prática emancipatória se define pela ação e construção dialógica com o outro, em que este outro se coloca e, de fato, está em condições igualitárias de conhecer, falar, se posicionar, decidir, desejar.

                Freire (1996, p.93) considera que o sujeito que exercita sua liberdade, eticamente vai assumindo a responsabilidade pelas suas ações. O que é preciso fundamentalmente assumir-se ética e responsavelmente, sua decisão, fundantes de sua autonomia. Ninguém é autônomo primeiro para depois decidir. A autonomia vai se constituindo na experiência de várias, inúmeras decisões, que vão sendo tomadas. É nesse sentido que uma prática educativa que busque a autonomia tem de estar centrada em experiências estimuladoras da decisão e da responsabilidade, através da liberdade.

                Para Bracagioli (2007, p. 231) que o processo de construção de participação de caráter emancipatório considera que as identidades estão em permanente reconstrução havendo assim um diálogo de saberes e a necessidade de uma pedagogia para cada ação participativa desenvolvida.

Um processo de construção de políticas para a gestão dos resíduos que busca a formação dos sujeitos um espaço democrático e solidário, para tanto Freire (1996, p.113) sugere que não é falando aos outros, de cima para baixo, sobretudo, como se fossemos os portadores da verdade a ser transmitida aos demais, que aprendemos a escutar, mas é escutando que aprendemos a falar com eles. Somente quem escuta paciente e criticamente, fala com ele e vice e versa, estabelecendo assim, uma comunicação dialógica.

O sujeito que se abre ao mundo e aos outros inaugura com seu gesto a relação dialógica em que se confirma como inquietação e curiosidade, como um ser inconcluso em permanente movimento. Como formar os sujeitos sem estar aberto ao seu contexto? (FREIRE, 1996, p.136)

Guimarães (1995, p.28) afirma que a educação ambiental é participativa, comunicativa, crítica e valoriza a ação. É uma educação crítica da realidade vivenciada, formadora da cidadania. É transformadora de valores e atitudes através da construção de novos hábito s e conhecimentos, criadora de uma nova ética, sensibilizadora e conscientizadora para as relações integradas ser humano/sociedade/natureza objetivando o equilíbrio local e global, como forma de obtenção da melhoria da qualidade de todos os níveis de vida.

 

REFERÊNCIAS

 

BRACAGIOLI, A. Metodologias participativas. In: JÚNIOR, L.A.F. Encontros e Caminhos: formação de educadoras (es).ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2007. p.227-242.

 

BRASIL. Lei n. 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Meio Ambiente na Administração Municipal: diretrizes para a gestão ambiental municipal. 2. ed. Porto Alegre: FAMURS, p. 3279-382, 2001.

 

BUTZKE, I. C.; PEREIRA, G. R.; NOEBAUER, D.  Sugestão   de  indicadores  para avaliação  do   desempenho  das   atividades    educativas  do  sistema  de  gestão  ambiental   SGA   da   Universidade   Regional    de    Blumenau.   Revista   Eletrônica    do    Mestrado em Educação Ambiental, 2001. Vol. 13. Disponível em: http://www.fisica.furg.br/mea/remea/congress/artigos/comunicação13.pdf. Acesso em: 01 mar 2007.

 

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra,1987.

 

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 35. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

 

GUIMARÃES, M. A dimensão ambiental na educação. São Paulo: Papirus, 1995.

 

______. Educação Ambiental Crítica. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: MMA, 2004. p.25-34.

 

______. A formação de educadores ambientais. 3. ed. São Paulo: Papirus, 2004. 17

 

JÚNIOR, S.J.S.; NUNES, A.M. Comunidades educadoras. In: JÚNIOR, L.A.F. Encontros e Caminhos: formação de educadoras (es).ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2007. p.59-70.

 

LOUREIRO, C.F.B. Trajetória e fundamentos da educação ambiental. São Paulo: Cortez, 2004.

 

QUINTAS, J.S. Educação no processo de gestão ambiental: uma proposta de educação ambiental transformadora e emancipatória. In: LAYRARGUES, P. P. (Coord.). Identidades da Educação Ambiental Brasileira. Brasília: MMA, 2004. p.113-140.

 

QUINTAS, J.S. Educação na gestão ambiental pública. In: JÚNIOR, L.A.F. Encontros e Caminhos: formação de educadoras (es).ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2007. p.131-142.

 

RAYMUNDO, M.H.A.; OLIVEIRA, V.G. Profissional, educador, ambiental. In: JÚNIOR, L.A.F. Encontros e Caminhos: formação de educadoras (es).ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2007. p.263-272.

 

VIEZZER, M.L. Atores sociais e meio ambiente. In: JÚNIOR, L.A.F. Encontros e Caminhos: formação de educadoras (es).ambientais e coletivos educadores. Brasília: MMA, 2007. p.35-46.

 



[1] Doutoranda em Educação Ambiental PPGEA/FURG

Ilustrações: Silvana Santos