Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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05/06/2008 (Nº 24) HORTAS COMUNITÁRIAS COMO MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL E GERAÇÃO DE RENDA
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Revista Eletrônica Educação Ambiental em Ação 24

HORTAS COMUNITÁRIAS COMO MECANISMO DE ORGANIZAÇÃO SOCIAL E GERAÇÃO DE RENDA

 

Maria Izabel Merino de Medeiros

Pesquisadora Científica, APTA Centro Leste

Avenida Bandeirantes, 2419 - Vila Virgínia.

Ribeirão Preto – SP. Tel.: 3637-1849 Ramal 222

e-mail: belvt@uol.com.br

 

Giovana Furquim

Agente de Desenvolvimento do Programa SAI, módulo de Botucatu SP.

Rua Ranimiro Lotufo, 202, Vila Sônia, 18.607-050 Botucatu, SP.

Fone: 14-3814.2588; email: giovana_sai@hotmail.com

  

José Matheus Yalenti Perosa

Professor do Departamento de Gestão e Tecnologia Agroindustrial.
Faculdade de Ciências Agronômicas da UNESP, Campus de Botucatu.

Grupo de Pesquisa CEPEAGRO - CNPq

Fone: 14–3882.7164; e‑mail: dede@fca.unesp.br

 Antonio Carlos Stein

Analista e Gestor Programa SAI Botucatu módulo Avaré

SAI – Sistema Agroindustrial Integrado – Sebrae/SP

Rua Doutor Cardoso de Almeida, 2015, Lavapés, 18.602-130 - Botucatu/SP.

Fone: 14-3815. 9020; e-mail: antonios@sebraesp.com.br

  

Resumo

 

Projetos de Geração de Renda, como o presente estudo de implantação de Hortas Comunitárias, tem por objetivos promover ações para a inserção das pessoas no mercado de trabalho, o aumento da produção e da produtividade, respeitando o meio ambiente e as potencialidades individuais dos segmentos a serem beneficiados. Para alcançar os objetivos propostos, técnicos do Programa SAI - Sistema Agroindustrial Integrado - Módulo de Botucatu, do Sebrae-SP, desenvolveram ações de associativismo, capacitação tecnológica e inserção em segmentos de mercado regional.

Principais resultados observados são no processo de capacitação contínuo, rendas mensais, produtos olerícolas para o consumo próprio e de familiares, aprendizado da profissão de olericultor.

Os resultados obtidos na implantação de hortas comunitárias mostraram retornos econômicos e de inserção social, importantes na organização social e na conquista da cidadania das pessoas envolvidas.

  

Palavras-chave: Organização Social, Geração de Renda, Horta Comunitária.

 

Introdução

 

Pobreza, desigualdade e desemprego.

O espaço urbano se apresenta em um ritmo que tendeu a acelerar-se durante todo o decorrer do século XX, com especial ênfase nas décadas 50/60; este último intervalo corresponde aos esforços de redesenho das sociedades e coletividades destruídas por duas Grandes Guerras Mundiais. Alguns espaços (físicos e geográficos) permaneceram à sombra dos investimentos tecnificantes / tecnologizantes, e do ponto de vista social passaram a caracterizar um “resíduo de ruralidade”, considerado até recentemente como “falha no processo de desenvolvimento”, atraso a ser superado. Quando colocado em perspectiva sob a ótica da urbanização, os espaços rurais também foram algumas vezes considerados “complementares” aos espaços urbanos, como intervalo para uma vida em ritmo lento, em contraste com a aceleração exigida pela atividade industrial: espaço exótico, pitoresco, disponível para o desfrute de alguns poucos privilegiados. (Froehlich et al, 2002).

No Brasil, após a abertura comercial, iniciada em princípios dos anos noventa, as regiões mais industrializadas foram as que mais sofreram com o desemprego. Notadamente, observa-se uma taxa maior de desemprego em São Paulo do que no resto do País. (Corseuil et al, 1999).

A pobreza nos municípios gera um movimento entre a população que mais sofre com a desigualdade e o desemprego. Tal situação cria um ambiente propício para pessoas com o mesmo perfil sócio-econômico se associarem com um objetivo comum. Esse objetivo comum faz surgir projetos de desenvolvimento e geração de renda, alimentados pelo desejo de mudança no padrão e situação atual na vida.

 

Sustentabilidade social e ambiental

A partir da década de oitenta, o termo sustentabilidade começa a aparecer com muita freqüência, tornando-se tema importante no debate social (Deponti et. al., 2002).

O conceito de desenvolvimento, de acordo com Denardi (et. al. 2000), possui longa história de construção, sendo ainda tema de debates e controvérsias.

Mais recentemente, percebeu-se que as bases ambientais de qualquer progresso futuro poderiam estar sendo comprometidas por um crescimento econômico predatório de recursos naturais e altamente poluidoras (Denardi et. al.,2004). O desenvolvimento não é somente a satisfação das necessidades das pessoas, mas está ligado às suas capacidades. Neste sentido, ele “está nas pessoas, não nos objetos” (Denardi et al., 2004).

Várias entidades internacionais escolhem o desenvolvimento sustentável para indicar a nova filosofia do desenvolvimento que combina eficiência econômica com justiça social e prudência ecológica (Brüseke, 2004). O desenvolvimento sustentável também é entendido como processo em constante mudança quanto à dinâmica dos investimentos, inovações (que devem cumprir demandas atuais e futuras) e exploração dos recursos (Sachs, 2004).

De acordo com Cavalcanti (2004) sustentabilidade significa a “possibilidade de se obterem continuamente condições iguais ou superiores de vida para um grupo de pessoas e seus sucessores em dado ecossistema”.

Ehlers (2004) afirma que “a erradicação da pobreza e da miséria deve ser um objetivo primordial de toda a humanidade” e que a prática sustentável envolve aspectos sociais, econômicos e ambientais que devem ser entendidos conjuntamente. A técnica é meio necessária à condução do desenvolvimento sustentável.

 

A olericultura no processo de geração de renda em comunidades carentes

A característica mais geral e marcante da olericultura é o fato de ser uma atividade altamente intensiva, em seus mais variados aspectos, em contraste com outras atividades agrícolas, extensivas, como a produção de grãos. (Filgueira, 2000). Projetos como o de horta comunitária não foge à regra quanto à intensiva atividade de trabalhadores no programa.

É notória a utilização intensiva de mão-de-obra rural, certamente acarretando significativos benefícios do ponto de vista social, o que contribui para diminuir o desemprego – uma das pragas da economia globalizada de nosso tempo. (Filgueira, 2000).

 

A importância ambiental de hortas comunitárias

Philippi (1999), ressalta que “...a educação e a conscientização são indubitavelmente associados a qualquer programa que se queira conduzir e para que ele se sustente e se enraíze na sociedade”. A busca da cidadania ambiental faz parte de uma dinâmica participativa e solidária, que pode transformar profundamente os lugares e as comunidades em que se implanta.

O uso do processo educativo aplicado às questões ambientais fundamenta-se na idéia de que as relações do homem com a natureza começam na esfera do indivíduo. Portanto, se o comportamento do indivíduo com a natureza puder ser alterado, passando-se das ações agressivas em relação a esta para ações de integração, estar-se-á dando um importante passo rumo ao uso adequado da natureza pelo homem, portanto, rumo ao desenvolvimento sustentado.

Há necessidade de desenvolver estratégias para mitigar o impacto negativo das atividades humanas sobre o meio ambiente e o impacto negativo das mudanças ambientais sobre as populações humanas.

Nas estruturas municipais existentes, há experiências positivas de criação do que se tem denominado cidadania ambiental, e é esse um dos interesses da implantação da horta comunitária: o de formar centros de difusão de técnicas agro-ecológicas e cidadania. Tais programas dependem de correta articulação entre os agentes envolvidos; integração com os demais colaboradores; espírito de cooperação comunitária e pessoal; equipe competente e coesa, envolvendo e construindo parcerias comprometidas com avanços comunitários voltados à melhoria das condições ambientais e de vida da comunidade.

Esse tipo de projeto lança os alicerces para a mudança de comportamento que leva ao real engajamento da comunidade na melhoria da qualidade de vida e do meio ambiente em que vivem. Obtendo assim geração de renda e cidadania.

 

Geração de renda nas hortas comunitárias

Devido ao baixo nível de escolaridade e à falta de qualificação profissional, grande parte da população mais pobre não é alcançada pelos programas convencionais existentes, seja de capacitação profissional seja de crédito, apesar dos esforços que vêm sendo desenvolvidos pelos vários níveis de governo para a sua inserção no mercado de trabalho. Diante do exposto, a implantação do Programa de Geração de Renda em áreas de pobreza é uma decisão política importante no contexto das políticas públicas de combate à pobreza.

Os Projetos de Geração de Renda objetivam promover ações que possibilitem a inserção das pessoas no mercado de trabalho, o aumento da produção e da produtividade, a ampliação dos trabalhos executados por cooperativas comunitárias e outros sistemas associativistas, abrindo novas frentes de trabalho compatíveis com a vocação econômica local e regional, respeitando o meio ambiente e as potencialidades individuais dos segmentos a serem beneficiados.

Neste contexto a geração de renda será o foco de informação no presente artigo apresentando de forma empírica o trabalho de desenvolvimento do sistema produtivo de Hortas Comunitárias no Estado de São Paulo, através da Equipe de técnicos do Programa SAI - Sistema Agroindustrial Integrado - Módulo de Botucatu, do Sebrae – SP.

 

Objetivo

 

O objetivo geral do presente trabalho é analisar a implantação de hortas comunitárias como mecanismo importante de organização social e de geração de renda.

 

Objetivos específicos

·        Estudar e organizar as demandas nos municípios trabalhados e planejar estrategicamente ações.

·        Sensibilizar grupos de trabalho para o desafio na geração de renda.

·        Busca de alternativas de renda, com uma produção comunitária de olerícolas.

·        Contribuir para a organização social em comunidades carentes de municípios trabalhados.

 

Metodologia de IMPLANTAÇÃO

 

Para análise da implantação de hortas comunitárias como mecanismo importante de organização social e de geração de renda, foram trabalhados três municípios do Módulo Botucatu, dentre eles, o município de Areiópolis, Itatinga e Botucatu nos anos de 2004 e 2005. As hortas comunitárias são compostas por mulheres selecionadas pela assistência social de cada município já citado. Com regime de trabalho semanal, organizados de acordo com demanda de trabalho de cada grupo.

Procedimentos de implantação:

·        Analise da demanda do município;

·        Estabelecimentos de parcerias com instituições públicas e privadas, reduzindo assim os custos de produção para o grupo;

·        Implantação de planejamento estratégico participativo - Oficina “Agentes de Desenvolvimento de Grupos”, realizada pelo Sebrae junto aos técnicos do SAI - Sistema Agroindustrial Integrado.

·        Capacitação dos grupos de forma associativista.

·        Capacitação dos grupos por meio de treinamentos, cursos, palestras, missões (viagens e visitas a locais que colaboram na exemplificação e melhoria da atividade) e oficinas SebraeTec Oficinas Técnicas do Sebrae com o objetivo específico de capacitar para a produção, qualidade e comercialização.

·        Ação de sensibilização de compradores do produto social, atingindo o objetivo específico de agregar valor ao produto e realizar a venda conjunta.

 

 

RESULTADOS

 

Foram implantadas três hortas comunitárias nos municípios citados, trabalhando semanalmente na produção de olerícolas. Estão envolvidas cerca de 90 pessoas, entre mulheres, homens e crianças.

O processo de capacitação é contínuo, seja do ponto de vista tecnológico como de conscientização e motivação no desenvolvimento do sistema.

Geram renda mensalmente para suas famílias. Estimativas feitas nas hortas implantadas apontam para uma receita aproximada de R$150,00/mês/pessoa.

Outro ponto a ser destacado é fato dos participantes levarem para suas casas produtos olerícolas para o consumo próprio e de familiares, caracterizando além de um ganho não monetário, a perspectiva de se alimentarem com produtos saudáveis, com reflexos na conscientização comunitária sobre a qualidade dos mesmos.

Por fim, resultado observado e valorizado pelos integrantes dos grupos e pelos agentes envolvidos no processo de implantação das hortas, é o aprendizado de uma profissão, a de olericultor, importante no exercício da cidadania.  

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

A implantação de hortas comunitárias nos municípios de Areiópolis, Itatinga e Botucatu nos anos de 2004 e 2005 apresentou resultados positivos como mecanismo de organização social e de geração de renda, tendo se mostrado importante para comunidades carentes.

Os resultados econômicos, se não expressivos, constituíram para muitos dos envolvidos, a única fonte de renda monetária. A organização social decorrente da implantação das hortas, além de colaborar no processo de produção, tem se constituído em exemplo na comunidade onde estão inseridas e de conduta para suas famílias. A satisfação pessoal dos trabalhadores, verificada no desenvolvimento das ações coletivas e nos resultados obtidos, tem contribuído para a continuidade do sistema, além do aperfeiçoamento do mesmo.

Outro fator observado é que programas como esses têm contribuído em promover motivação de diversos agentes sociais nos municípios, para a capacitação pessoal e grupal, além da qualidade de vida dos trabalhadores.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

 

BRÜSEKE, Franz Josef. “O problema do desenvolvimento sustentável”, in: GOMES, Ivair. Sustentabilidade social e ambiental na agricultura familiar. Revista de Biologia e ciências da Terra, v.5, nº 1, 2004.

CAVALCANTI, Clovis. “Sustentabilidade da economia: paradigmas alternativos da realização econômica”, in: GOMES, Ivair. Sustentabilidade social e ambiental na agricultura familiar. Revista de Biologia e ciências da Terra, v.5, nº 1, 2004.

CORSEUIL, Carlos Henrique et. al: Desemprego Regional no Brasil. Economia Aplicada, São Paulo, v.3, n°3, p.408, Julho-Setembro, 1999.

DENARDI, Reni A. et. al. “Fatores que afetam o desenvolvimento local em pequenos municípios do Paraná”, in: GOMES, Ivair. Sustentabilidade social e ambiental na agricultura familiar. Revista de Biologia e ciências da Terra, v.5, nº 1, 2004.

DEPONTI, Cidonea Machado et. al: Estratégia para construção de indicadores para avaliação da sustentabilidade e monitoramento de sistemas. Agroecol. e Desenvol. Rur. Sustent. Porto Alegre, v.3, nº4, out/dez 2002.

EHLERS, Eduardo. “Agricultura sustentável: origens e perspectivas de um novo paradigma”, in: GOMES, Ivair. Sustentabilidade social e ambiental na agricultura familiar. Revista de Biologia e ciências da Terra, v.5, nº 1, 2004.

FILGUEIRA, Fernando Antonio Reis. Novo Manual de Olericultura: agrotecnologia moderna na produção e comercialização de hortaliças. Viçosa: Ed.UFV, 2000.p.16-17.

FROEHLICH, José Marcos et. al.: Reconstrução social do espaço rural no contexto de transição para a sustentabilidade. I Encontro Associação Nacional de Pós Graduação e pesquisa em Ambiente e sociedade, Indaiatuba, novembro de 2002.  

PHILIPPI JR., Arlindo. Municípios e Meio Ambiente: perspectivas para a municipalização da gestão ambiental no Brasil. São Paulo: Associação Nacional de Municípios e Meio Ambiente, 1999.p.28 -29.

SACHS, Ignacy. “Desarrollo sustentable, bio-industrialización descentralizada y nuevas configuraciones rural-urbanas”, in: GOMES, Ivair. Sustentabilidade social e ambiental na agricultura familiar. Revista de Biologia e ciências da Terra, v.5, nº 1, 2004.

  

Ilustrações: Silvana Santos