Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/03/2008 (Nº 23) EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PRÁTICA: CAPACITAÇÃO PARA IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS DE DESLIZAMENTOS NO BAIRRO DO WEHMUTH NA CIDADE DE BLUMENAU/SC.
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Revista Educação ambiental em Ação 23

EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA PRÁTICA: CAPACITAÇÃO PARA IDENTIFICAÇÃO DE ÁREAS DE DESLIZAMENTOS NO BAIRRO DO WEHMUTH NA CIDADE DE BLUMENAU/SC.

 

   

Francisco Salau Brasil

Formado em Engenharia Civil, Mestrando em Engenharia Ambiental

Estudante

Contatos: Rua Paraguai, 423 ap 36, Ponta Aguda, Blumenau/SC, CEP: 89050-020

(47) 3222-0864 e (47)9144-0887,  fsbrasil@gmail.com

 

Marina Otte

Formada em Arquitetura e Urbanismo, especialista em Design de Móveis com enfoque em Ecodesign e Mestranda em Engenharia Ambiental.

Arquiteta, Ecodesigner e Professora Univali-Itajaí e IBDI-Blumenau e Balneário Camboriú

Contatos: Rua Chile 320, bairro Ponta Aguda, Blumenau/SC, Cep 89050-040

(47) 3232 2997 e (47) 9927 9154, marina_otte@hotmail.com

 

Nicolau Cardoso Neto

Formado em Direito, Advogado, especialista em Planejamento Turístico Gestão e Marketing, especialista em Direito Ambiental e Mestrando em Engenharia Ambiental.

Advogado Ambientalista e Professor Senai/Blumenau.

Contatos: Rua João Gomes da Nóbrega, 127, bairro Vila Nova, Blumenau/SC, Cep 89035-450

(47) 3488 5592 e (47) 9197 5747, uevon@terra.com.br

 

 

RESUMO

 

No Brasil o crescimento populacional nos centros urbanos aliado ao êxodo rural tem contribuído em muito para uma excessiva e descontrolada urbanização das cidades, principalmente das áreas impróprias para ocupação. Esta ocupação não ocorre de forma livre e espontânea, se dá pela exclusão social e pela falta de oportunidades, levando famílias sem opção, a ocupar áreas de risco. Assim, estas ocupações indevidas, aliado à falta de conhecimentos técnicos por parte da população, aumentam a exposição a riscos de deslizamentos. A intenção da realização de um curso de formação na comunidade do Wehmuth é de levar conhecimento através da Educação Ambiental, para tanto foram utilizados meios clássicos e alternativos para a formação, dentre eles: exposição de conteúdo, jogo lúdico adulto e infantil, fazendo com que todos os participantes atuassem e interagissem com o grupo.

 

Palavras-chave: deslizamento, percepção e educação ambiental, área de risco.

 

 


1. INTRODUÇÃO

 

O crescimento populacional aliado ao êxodo rural e principalmente ao modo de vida tem contribuído em muito para uma excessiva e descontrolada urbanização das cidades. Este nível cada vez maior de urbanização, aliado ao desenvolvimento econômico responsável por uma incrível exclusão social, contribuem para que um número cada vez maior de famílias construa suas residências em terrenos irregulares e impróprios para a construção, como encostas e em topo de morros, em áreas alagadiças, etc.

 Amartya Sen, em sua obra “Desenvolvimento como liberdade” comenta que, embora uma baixa renda não signifique pobreza, mas sim privação de capacidades, quando uma pessoa encontra-se privada de sua liberdade econômica a ponto de se chegar a uma situação de extrema pobreza, esta falta de liberdade no aspecto econômico pode rapidamente tornar-se privação de outros tipos de liberdade, o que é exemplificado aqui como a falta de opção para se construir sua casa em lugares seguros. No caso de Blumenau, Santa Catarina, outro fator que contribui na ocupação de morros é a grande área inundável existente (PINHEIRO, 1987 apud PINHEIRO, TACHINI e RIEKMANN, 2005).

Acontecendo a ocupação nas áreas de risco, várias modificações são feitas pelo homem, ocasionando as alterações das características originais do terreno, as quais pode-se citar: a retirada de vegetação nativa, movimentações de terra (com exposição de solos localizados em camadas mais profundas, que são mais suscetíveis a escorregamentos), aterros com solos diferentes do original ou com condições de compactação e proteção diferentes da original e deposição de outros materiais no terreno, como lixo e entulho de construção e/ou demolição (FARAH, 2003). Assim, as ocupações indevidas aliada à falta de conhecimentos técnicos por parte da população aumentam a exposição a riscos de deslizamentos. Prova maior disso é que em outubro de 1990 ocorreram 21 mortes e 784 pessoas ficaram feridas devido a deslizamentos apenas na região sul de Blumenau (BLUMENAU, 2004 apud PINHEIRO, TACHINI e RIEKMANN, 2005).

O objetivo deste artigo é demonstrar à necessidade de se trabalhar a percepção das pessoas que habitam estas áreas de riscos, bem como de que forma trabalhar a educação, não somente com informações e adestramento, mas sim, com trabalhos de Educação e Percepção Ambiental que auxiliem a formação do senso crítico e análise das situações diárias que envolvem risco à população. Dentro deste pensamento, BRÜGGER (1994) enfatiza em seu texto a necessidade de que toda a educação deveria ser ambiental, pois a “educação ambiental” não pode ser encarada como uma modalidade da educação tradicional, atualmente o que se tem é a idéia de compartimentalização da dimensão ambiental. Outro aspecto que o autor destaca é a abordagem eminentemente liberal e humanista do ensino, ignorando algumas relações aparentemente externas, tais como relações econômicas, o terceiro aspecto destacado é a importância da escolha dos termos ou palavras a serem utilizados nos discursos e ensinamentos, substituindo o adestramento pela formação que é mais ampla e que permite à discussão dos assuntos.

A atual crise ambiental necessita de novas posturas diante da natureza e das relações humanas, para isto as disciplinas não devem ser meramente informativas, elas devem ultrapassar a perspectiva técnico-ambiental. Existe a necessidade da implementação da interdisciplinaridade, porém esta não pode ser uma mera justaposição de disciplinas. Além do mais, a Lei Federal – 9795/99 ainda estipula em seu artigo 2º que a educação ambiental é um componente essencial e permanente da educação nacional, devendo estar presente, de forma articulada, em todos os níveis e modalidades do processo educativo, em caráter formal e não-formal.

A escolha da comunidade do Wehmuth para realizar uma prática de Educação Amiental partiu de uma necessidade já verificada em trabalhos anteriores realizados no local, e comprovadamente ser um ambiente propício a ocorrer deslizamentos, carente de recursos e de informações sobre o assunto. Outro fator relevante se deve ao fato de no passado já terem sido oferecidos cursos para essa comunidade de Blumenau/SC e o acesso ao presidente da Associação, um ator da comunidade que sempre demonstrou solícito a projetos na comunidade. Ainda deve-se ressaltar que promovendo um curso na mesma localidade é possível verificar a eficácia ou não de cursos antigos, outro objetivo do artigo.

Um fator interessante e que deve ser destacado é que nas discussões da elaboração dos objetivos e do plano de ação a ser executado no dia da Educação Ambiental, foi possível identificar os diferentes pontos de vista dos componentes que elaboraram a Ação, pois existia uma gama diversificada de formações profissionais, como: biólogos, engenheiro, arquitetos, advogados. Esta diversidade foi positiva, pois toda a formação deve possuir uma visão sistêmica e articulada dos assuntos.

 

2. METODOLOGIA

Primeiramente foi discutido em sala de aula, pela turma da matéria de Percepção e Educação Ambiental, qual o tipo de abordagem a ser utilizado para a prática da Educação Ambiental. Com base nos textos estudados na disciplina, principalmente o texto de BRUGGER, 1994, buscou-se adequação do nome que seria dado a este trabalho prático elucidando as particularidades de se utilizar treinamento, formação, mini-curso, capacitação, entre outras. Em paralelo foram estudas alternativas de como chamar o público foco para o trabalho. A partir das idéias iniciais a turma foi divida em equipes, para agilizar cada uma das etapas do trabalho prático, todavia todos discutiram sobre cada etapa da metodologia, sendo assim um trabalho conjunto.

 

2.1 Planejamento do Curso

Com a discussão em sala feita sobre deslizamentos e já com alguns conceitos trabalhados, a equipe do mestrado começou então a discutir sobre as estratégias que seriam utilizadas. Pela falta de horários compatíveis entre os vários membros do mestrado e da comunidade, foi decidido como melhor horário para a prática um sábado pela manhã, com o encontro contendo de 3 a 4 atividades diferentes.

O primeiro ponto levantado foi sobre como seria feita a divulgação, decidindo-se que seria importante a realização de um café no intervalo, como forma não somente de atrair um público maior como também tornar o encontro algo agradável para os moradores, que também seriam informados da entrega de certificados aos participantes.

Além de designar uma equipe de mestrandos para fazer a divulgação, foram também especificadas equipes que teriam como responsabilidade diferentes atividades que seriam realizadas no encontro: distribuição de fotos para avaliação do risco de deslizamento, elaboração de uma breve apresentação sobre temas relacionados com deslizamento, confecção de um jogo que seria aplicado com os moradores e uma avaliação final de risco que seria feita após a apresentação, o objetivo era poder analisar e comparar os dois momentos (antes e após a exposição).

A primeira atividade, a avaliação de fotos, permite identificar o conhecimento das pessoas. (UNESCO/UNEP/IEEP apud DIAS, 1993). A avaliação das mesmas fotos no término da manhã resultará numa melhor percepção de quais os assuntos foram melhor assimilados pela comunidade, contribuindo no aperfeiçoamento contínuo da apresentação feita.

Concorda-se com Dale (apud DIAS, 1993) quando este chama a atenção para que o ensinamento puramente teórico seja evitado, porém se reconhece a importância nesta etapa de informação. No jogo, que é a outra etapa do evento, as pessoas simulam situações reais ligadas à temática, sendo uma técnica que permite grande participação dos envolvidos, além de permitir a vivência de situações concretas (UNESCO/UNEP/IEEP apud DIAS, 1993).

 

2.2 Convidando a Comunidade

A divulgação foi tratada como de importância fundamental, buscou-se estratégias para “chamar o público”, pois era do conhecimento do grupo a dificuldade de se reunir pessoas de comunidades carentes em cursos de Educação e Percepção Ambiental.

Por isso foi decidido fazer um convite e um cartaz elucidativo, informando que seria realizado um café-curso, optou-se por uma palavra conhecida do público: “curso”, mas sabendo de antemão que não seria o termo mais correto e que seria esclarecido no dia do evento. “O emprego de algumas palavras em detrimento de outras é uma escolha política” (BRUGGER, 1994, 79). Já no certificado o termo utilizado foi capacitação.

Outro chamariz para o evento seria a distribuição de brinquedos, refrigerantes e doces que seriam doados à comunidade para incrementar o evento de Natal do local que se aproximava.

O convite à população local foi feito uma semana antes por dois dos mestrandos que, acompanhados pelo presidente da associação de moradores, visitaram cerca de 60 residências entregando convites e fixando cartazes do curso em pontos estratégicos da comunidade, como mercado, igreja, bares, etc... (os demais convites que não puderam ser entregues no mesmo dia ficaram com o presidente da associação de moradores, que os entregou durante a semana). O fato de este conhecer toda a comunidade facilitou muito o trabalho de divulgação. Neste processo foi possível perceber que, apesar da temática do curso ser de suma importância e interesse direto a todos, dois fatores despertaram bastante atenção dos moradores quanto a realização do curso, o da distribuição de certificados logo após o encerramento da atividade a cada participante e o oferecimento de um café no intervalo do curso.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

2.3 Realização do Curso

Quanto à importância da distribuição de certificados esta pode ser notada não somente pela expressão dos moradores assim que era mencionada a distribuição destes, mas também no fato dos participantes do encontro realizado anteriormente perguntarem sobre o certificado. Durante a entrega dos convites, pode-se perceber também que o perigo de deslizamentos existe em um grande número de residências do local. Outro fator importante foi levantado pelo presidente da associação de moradores, que sugeriu ressaltar a temática do lixo durante o mini-curso. Chamou a atenção também os convites não serem entregues aos evangélicos. Isto se deve ao fato de que as reuniões da associação de moradores não contarem com a presença destes, pois o local onde são realizados é a capela Santa Bárbara. Na tentativa de sanar este empecilho que dificulta a integração da comunidade, a associação está pleiteando na prefeitura municipal a compra de um terreno na comunidade, possibilitando assim a construção de uma sede própria para a associação de moradores, separando qualquer interesse religioso ao executado pela associação do bairro.

Na última aula antes do encontro a ser realizado foram confeccionados os certificados. Foram também avaliadas as fotos que seriam utilizadas, bem como repassadas a apresentação da parte teórica e o jogo, para que todos da equipe pudessem opinar e conhecer detalhadamente sobre tudo o que seria feito. A primeira das etapas a serem vencidas no encontro foi a apresentação da equipe aos moradores e identificação de todos os participantes (da FURB e moradores) com uma etiqueta contendo o nome de cada um. Esta medida, apesar de simples, contribuiu em muito para tornar o ambiente mais amigável, com as pessoas chamando as outras pelo nome, eliminando a idéia da relação professor-aluno que por muitas vezes faz-se presente quando se trata de eventos de educação ambiental.

 

2.3.1 Apresentação da programação do curso

Foi pensado em elaborar um cartaz e explicar como funcionaria todo o evento, cada etapa dentro da programação. Assim a comunidade poderia acompanhar e situar-se ao longo do período. O cartaz também foi pensado para facilitar a logística do evento para a equipe como um todo. Passado este primeiro momento foi então exposto à comunidade a programação prevista para o encontro.

 

2.3.2 Apresentação teórica sobre o tema

 Antes da apresentação, foi distribuído a cada um dos presentes uma folha com quatro fotos cada. As fotos representavam residências com diferentes riscos quanto ao deslizamento, foi solicitado a cada um dos participantes que identificassem nas fotos os eventuais riscos de deslizamento que as casas das imagens apresentavam, também existia um espaço de quatro linhas para que se pudessem fazer comentários sobre as diversas situações. “Psicologicamente cada pessoa tem uma percepção do meio ambiente e de sua qualidade, percepção esta que é individual, incomunicável e irreversível” (OLIVEIRA, 1983, p.5)

“Cada imagem e idéia sobre o mundo são compostas de experiência pessoal, aprendizado, imaginação e memória” (MACHADO, 1988, p.97). A experiência pessoal cada morador possui, pois convive diariamente e diretamente com os problemas a serem explanados; a imaginação é inerente do ser humano; a memória existe, mas por vezes precisa ser reavivada, e por último a imagem ou idéia do mundo é composta pelo aprendizado, que pode ou não ter existido e mesmo se já ocorreu, pode ser complementado.

 

 

Uma vez preenchidas, as folhas foram recolhidas para então seguirem-se as atividades conforme programado.

Em seguida foi realizada a apresentação sobre os riscos de deslizamentos, como: lixo, esgoto, aterro e remoção da vegetação. Para a apresentação foram utilizados recursos de informática para se projetar as fotos. Um ponto importante a se ressaltar é que nesta etapa foi dada muito maior ênfase ao conteúdo da apresentação. BRÜGGER (1994), acerca da utilização de novos recursos didáticos em educação ambiental afirma que “privilegiar o método é uma maneira de enfatizar a forma em detrimento do conteúdo.”

 

2.3.3 O lanche

Outro aspecto levado em consideração durante a apresentação foi quanto à linguagem, buscando sempre se fazer entender, como é caso da utilização do termo deslizamento, que é o termo utilizado pela comunidade. BRÜGGER, 1994 ressalta que “as palavras são muito mais do que uma mera forma de expressão e esse é sem dúvida um aspecto de suma importância que não pode passar despercebido”.

O que se procurou fazer foi aliar o principal objetivo da apresentação, fornecer alguns conceitos e aconselhamentos importantes para se evitar a ocorrência de deslizamentos na região, com a utilização de fotos. Pois se julgou o recurso visual como melhor forma de reconhecimento de situações que ocorrem na comunidade e que contribuem para acontecimento de escorregamentos.

Conforme o prometido no convite de divulgação após a explanação teórica foi servindo um lanche para a comunidade contendo cucas, sanduíches e refrigerantes. Sendo assim um divisor no cronograma do evento.

Encerrado o lanche, a próxima atividade realizada foi o jogo, que foi desenvolvido com o objetivo de reforçar aquilo que foi passado durante a apresentação bem como possibilitar uma maior interação com a comunidade devida a dinâmica deste.

 

2.3.4 O jogo Lúdico

Terminada a apresentação e encerrado o lanche, a próxima atividade realizada foi um jogo, que foi desenvolvido com o objetivo de reforçar aquilo que foi passado durante a apresentação, bem como, possibilitar uma maior interação com a comunidade devido a dinâmica deste.

 

 

Este jogo consistia de um tabuleiro com quatro casas (peão individual de cada jogador), onde cada participante jogava um dado e andava o número de casas de acordo com o lance do dado feito anteriormente. Após isto, o mesmo participante retirava uma carta de um monte e entregava ao monitor do jogo (membro da equipe do mestrado) que então fazia a leitura da mesma.

As cartas continham informações de situações acerca de deslizamentos, metade das cartas traziam situações positivas e a outra metade com situações negativas. Um exemplo de uma situação negativa: “Pra construir sua casa, você desmatou toda encosta, deixando todo solo exposto...”, uma situação positiva foi “A casa de seu vizinho está construída em área de risco de deslizamento. Você, solidariamente avisou a ele dos riscos que ele e sua família correm”.

Feita a leitura da carta, a pessoa que escolheu a mesma era indagada sobre o que foi lido, expressando-se sobre o risco ou sobre a hipótese de atuação positiva, após a resposta os demais participantes também comentavam. Esta dinâmica permitiu uma discussão sobre todos assuntos, envolvendo todos os participantes do jogo. Encerrada a discussão, o jogador move sua casa para frente, caso tenha retirado uma carta contendo uma situação positiva, ou então para trás, em caso contrário ao primeiro. Encerrado este ciclo, passava-se a vez ao próximo jogador.

Como pode-se perceber, o único fator necessário para se “vencer” neste jogo era a sorte. Aquele que obtivesse apenas lances 6 no dado e retirasse somente cartas com situações positivas fatalmente venceria o jogo, a não ser é claro que outro participante tivesse tamanha sorte. Isto foi feito propositadamente, uma vez que o objetivo do jogo, como citado anteriormente, não era vencer, tampouco criar uma competição entre os participantes. Pelo contrário, em algumas cartas continham ocasiões em que se traziam a discussão sobre valores como cooperação e solidariedade, como no exemplo citado acima. “O conflito também faz parte da essência do próprio pensamento e, assim, quaisquer perspectivas de mundo ficariam incompletas sem ele” (BRUGGER, 1994, p. 93)

Sem a competição para “vencer” os participantes que ainda não tinham tanto conhecimento não se sentiam inibidos, ou com a vontade de vencer não deixariam de ajudar o outro competidor quando alguém não sabia a resposta. Conforme destaca MACHADO, 1998 deve-se ter cuidado, pois cada um percebe diferente, as vezes, na necessidade de resultados rápidos desconsidera-se as experiências de cada um. E ainda para favorecer a cooperação entre os competidores membros da mesma comunidade algumas cartas continham situações em que se traziam a discussão sobre valores como cooperação e solidariedade.

O formato dado ao jogo, somado ao fato de que cada tabuleiro participavam quatro pessoas da comunidade além de uma pessoa da equipe do mestrado, favoreceu a união do conhecimento cientifico com o conhecimento de causa, acrescentando muito ao jogo, pois a interação equipe-comunidade foi significativamente maior no jogo do que aquela verificada na apresentação teórica.

 

2.3.5 Avaliação do Risco de Deslizamentos

Encerrado o jogo, as folhas que foram utilizadas pela comunidade na primeira atividade de avaliação do risco de deslizamentos, foram devolvidas. A folha foi devolvida aos participantes para que estes pudessem, com base nos conhecimentos adquiridos durante todo o encontro, identificar novos riscos de deslizamento em cada uma das quatro fotos, para isto cada um utilizou uma cor diferenciada de caneta para fazer a nova análise. Desta forma foi possível fazer uma comparação entre dois momentos: antes e após a exposição.Esta etapa é essencial para que se tenham instrumentos e critérios de análise se o programa de Educação Ambiental surtiu efeito.

 

2.3.6 Entrega de certificados

Outro item reforçado durante a distribuição dos convites seria a entrega de um certificado. Este é de extrema importância, pois legitima o conhecimento adquirido durante o evento. Também é um documento que é levado pra casa e pode ser mostrado para outras pessoas.

Também foi elaborado um folder contendo algumas dicas sobre como evitar ou diminuir os riscos de deslizamento, bem como cartazes ilustrativos.

 

3. RESULTADOS

A divulgação foi certeira, logo comprovada pelo número de pessoas da comunidade que apareceram no dia e no horário identificados no convite. O ator comunitário influente ajudou no acesso e criou confiança na comunidade de que seria um evento sério. Não pode-se negar que o fato o nome “café-curso” e da distribuição de brinquedos foi outro chamariz importante, sendo que a equipe era constantemente indagada como seriam e quando ocorreriam ambos.

A utilização da identificação logo na chegada de cada participante, atingiu seu objetivo, com as pessoas chamando umas as outras pelo nome e quebrando barreiras de comunicação, impedindo assim níveis hierárquicos, aproximando comunidade e equipe.

Na primeira etapa de avaliação das fotos, como algumas pessoas não sabiam escrever, foi necessário pensar numa alternativa. Logo que se notou o problema a comunidade foi avisada de que bastaria marcar com um “x” ou com círculos onde eles identificam o risco de deslizamento.

Na apresentação das fotos com o equipamento de multimídia ocorreu um grave problema que poderia ter comprometido toda a capacitação. Faltou um item do equipamento que sem ele este não funcionava. Felizmente pode-se buscá-lo, mas por pura sorte e disponibilidade de tempo. Este fato demonstra que revisar tudo, várias vezes, é necessário e sempre deve-se pensar em alternativas, porque mesmo com o equipamento completo este poderia não funcionar.

O lanche foi essencial não só para chamar o público para a capacitação, mas também foi uma pausa estratégica no evento para não tornar maçante. Por outro lado temia-se que após o lanche muitos iriam embora, o que não aconteceu, demonstrando assim o interesse da comunidade e o sucesso do formato como foi levado o encontro.

Com o início do jogo outro ponto negativo ficou evidente: o público alvo, pois apareceram muitas crianças, em número superior ao de adultos, que não poderiam participar do jogo. Mas logo a equipe teve uma solução, as crianças foram convidadas a participar de atividades do lado externo à Capela Santa Bárbara. Tais atividades foram coordenadas por duas mestrandas que, através desta iniciativa, tornaram possível uma melhor dinâmica durante o jogo. Por sua vez o formato do jogo permitiu uma discussão sobre todos assuntos, envolvendo todos os participantes do jogo e ocorrendo uma maior interação equipe-comunidade, sendo mais significativa que aquela verificada na apresentação.

Durante o jogo, algumas situações interessantes ocorreram, como o caso de uma senhora que apenas durante o jogo percebeu que a presença de rachaduras nas paredes podem ser um indício maior de um futuro escorregamento. Após esta discussão, esta senhora comunicou que iria inclusive ver se o mesmo ocorria em residências vizinhas para que se contatasse a defesa civil de Blumenau para melhorar averiguar o risco de deslizamento que o local continha. A cada nova equipe de quatro participantes mais descobertas e mais casos foram verificados, principalmente da comunidade visualizando as situações hipotéticas em situações reais do Wehlmuth.

Ressalta-se aqui que a educação é um processo de transformação e requer, portanto, uma adequação. O fundamental é que tal adequação deve privilegiar a dimensão do coletivo, porém assegurando o florescimento dos atributos de cada indivíduo. Como as análises efetuadas nas fotos a questão individual foi privilegiada e ao mesmo tempo pode-se perceber se a capacitação surtiu algum efeito. Analisando as fotos com as marcações antes e depois pode-se perceber claramente como os participantes conseguiram identificar mais pontos problemáticos. Deve-se ressaltar que alguns já na primeira etapa de análise das fotos conseguiram identificar todos os pontos, sendo que estas pessoas que conseguiram identificar haviam participado de outro evento sobre deslizamentos realizado na mesma comunidade.

Quanto à importância da distribuição de certificados esta pode ser notada não somente pela expressão dos moradores assim que era mencionada a distribuição destes, mas também no fato de no dia do evento os participantes perguntarem sobre o Certificado, este foi outro fator que também garantiu a presença dos participantes até o final da capacitação, onde foram entregues pessoalmente os certificados aos participantes.

 

 

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Eventos como este, devem sempre ser passíveis de possíveis mudanças como, por exemplo, as que ocorrem na fase de avaliação das fotos, quando foi permitido que ao invés de escrever as pessoas poderiam simplesmente assinalar os fatores de risco.

É essencial trabalhar com uma equipe bastante flexível e sempre preparada para imprevistos, contando com alternativas para as atividades programadas. O comprometimento de toda a equipe também é fundamental, assim como seu engajamento.

Existem ainda os imprevistos que fogem do controle da organização como intempéries e o tempo disponível para preparar um bom material. No caso desta capacitação, as chuvas que ocorreram antes da data foram um imprevisto positivo que fizeram aumentar o interesse pelo assunto deslizamento.

É importante sempre fazer alguma forma de avaliação antes e depois de um trabalho de Educação Ambiental, para desta forma, verificar se os objetivos foram atingidos, o que neste caso do Welmuth foi bastante positivo.

A educação deve também aceitar situações de conflito e discussões, o que não ocorre em adestramentos. Em suma, a Educação Ambiental deve ser como uma luta pela difusão de uma determinada concepção de mundo, e não como uma mera tentativa de conscientização ambiental.

O homem transforma o mundo e o mundo transforma o homem.

 

 

 

 

5. REFERÊNCIAS

 

BRASIL. Lei n.º 9.795, de 27 de abril de 1999. Dispõe sobre a educação ambiental, institui a Política Nacional de Educação Ambiental e dá outras providências. Disponível em: . Acesso em: 03 fev. 2007.

 

BRÜGGER, P. Educação ou adestramento ambiental? Florianópolis: Letras Contemporâneas, 1994

 

DIAS, Genebaldo Freire. Educação ambiental: princípios e práticas. 2 ed. rev. e ampl. São Paulo: Gaia, 1993.

 

FARAH, Flávio. Habitação e encostas.  São Paulo: 2003. Disponível em <http://www.habitare.org.br/publicacao_colecao3.aspx> Acessado em 26 jan. 2007.

 

MACHADO, Lucy Maron C. P. A Serra do Mar Paulista: um estudo de paisagem valorizada. Tese de Doutorado. Rio Claro: IGE, UNESP, 1988.

 

OLIVEIRA, Lívia. A percepção da qualidade ambiental. In: A ação do homem e qualidade ambiental. Rio Claro: Associação dos Geógrafos/ Câmara Municipal, 1983. Mimeo.

 

PINHEIRO, Adílson; TACHINI, Mário; RIEKMANN, Carlos Guilherme. ESTUDO DAS CORRELAÇÕES ENTRE PRECIPITAÇÕES E OS ESCORREGAMENTOS EM ÁREAS DE RISCO EM BLUMENAU – SC. In: Um olhar sobre as áreas de risco de escorregamento no município de Blumenau: em busca da prevenção. Blumenau: 2005. Disponível em <http://www.blumenau.sc.gov.br/defesa/publica.htm> Acessado em: 11 dez. 2006.

 

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. Tradução de Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

Ilustrações: Silvana Santos