Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
Gaia,
o Homem e a Caixa de Pandora Autora:
Samira Athiê Titulação
acadêmica: Engenheira Florestal graduada pela Universidade de São Paulo (USP)
e Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPG
- ERN) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Endereço
profissional: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Rodovia Washington
Luiz, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP.
Resumo Hoje
em dia as questões ambientais têm sido discutidas de forma muito mais
acentuada, porém esse interesse é reflexo principalmente da preocupação em
torno do caos climático e dos “desastres naturais” que são cada vez mais
freqüentes em nosso planeta. Toda essa “revolta da natureza” pode ser
entendida como uma reação de Gaia aos danos ambientais derivados da ação
negligente do ser humano sobre o meio ambiente. A partir disto, é possível traçar
um paralelo com a história da personagem mitológica Pandora, a qual, por
curiosidade, abriu uma caixa onde estavam guardadas todas as pragas terrenas, as
quais se disseminaram sobre a Terra; arrependida, tentou reuni-las novamente na
caixa, mas nunca conseguiu fazê-lo. Da mesma forma, o ser humano vem aos poucos
se arrependendo de toda a degradação causada ao meio ambiente e, assim como
Pandora, nunca conseguirá remediar tudo o que fez, porém ainda há tempo (e
esperança) de reduzirmos parte do impacto que causamos e, quanto antes começarmos
a mitigar e remediar esses danos, melhores serão as condições de vida
deixadas às futuras gerações. Introdução Estamos
vivenciando uma época em que muito se fala sobre aquecimento global, escassez
de água e conservação dos recursos naturais. Estes são os termos mais usados
atualmente quando o assunto é ecologia, o qual já deixou de ser tratado apenas
no meio acadêmico, mas transcendeu os limites das universidades para permear a
mídia em geral e até as conversas cotidianas do cidadão comum. Infelizmente,
apesar de ser um tema que afeta a todos, somente agora está sendo discutido com
mais fervor. E isto está ocorrendo justamente porque as pessoas estão
presenciando a “revolta da natureza”, depois de tantos anos de exploração,
uso indevido e falta de respeito com a nossa Gaia (do termo Gaea, que significa “Mãe Terra” na mitologia grega). Foram
precisos muitos ciclones, El Niños e
outros “desastres naturais” para que a espécie humana percebesse que todo o
mal ocasionado ao meio ambiente e às demais espécies teria um preço; sem
falar nos efeitos maléficos derivados, por exemplo, da excessiva queima de
combustíveis fósseis e liberação de gases poluentes na atmosfera, que
culminaram com o aumento da temperatura média global, aumento da exposição
aos raios ultravioleta e conseqüente elevação no número de pessoas com câncer
(mormente de pele, neste caso), maior suscetibilidade a doenças respiratórias,
dentre outros. Poderíamos citar muitos outros exemplos de “reação da
natureza” como resposta às ações humanas sobre o que um dia foi um planeta
equilibrado, onde havia uma resiliência natural para toda a perturbação de
origem também natural. O
planeta Terra existe há aproximadamente 4,5 bilhões de anos, porém a forma
mais primitiva de vida surgiu há cerca de 1 bilhão de anos. Foram necessários
muitos milhões de anos para que as espécies animais evoluíssem até o
surgimento dos primatas, passando-se pelos ancestrais dos macacos até se chegar
aos humanóides (australopiteco, pitecantropo, Neanderthal, Cro-Magnon e,
finalmente, o homem atual). O Homo sapiens, ou homem atual, chegou à Terra há aproximadamente 20
mil anos, o que é extremamente recente, dado o tempo da existência de vida no
nosso planeta. O
homem moderno “abriu sua caixa” - assim como Pandora - desde que começou a
praticar agricultura, há aproximadamente 10 mil anos, quando deixou de ser nômade
para cultivar seu próprio alimento nas margens férteis dos rios Nilo, Tigre e
Eufrates. A partir de então, já não precisou mais viver como errante à
procura de comida, que antes era obtida através de caça, pesca e extrativismo,
pois agora tudo o que ele precisa está reunido no seu pequeno nicho de civilização
e, diga-se de passagem, um nicho pouco ecológico. Com
a formação das civilizações, após a descoberta da agricultura pelo homem
atual, houve um aumento do conhecimento e tecnologia (já que o homem passou a
ter tempo para se dedicar a outras atividades), os quais foram imprescindíveis
para a modernização das práticas de cultivo e pastoreio. Mais tarde passou a
ser possível a comercialização de produtos, a industrialização, a
informatização e automação de processos produtivos, tudo numa progressão
que não se sabe onde vai culminar. Em
contrapartida, os impactos ambientais negativos derivados das ações antrópicas
também começaram a ocorrer, e toda essa evolução do conhecimento e
tecnologia, paradoxalmente, foi acompanhada de estragos ecológicos de proporções
também cada vez maiores. São apenas 20 milênios separando o surgimento do Homo
sapiens da penicilina, dos computadores e da Internet,
mas também dos grandes desmatamentos, das extinções “programadas” de
muitas espécies e da falência do equilíbrio na Terra. Em apenas 10 milênios
conseguimos destruir grande parte do que fora criado dentro de 1 bilhão de
anos. Todos
esses danos ecológicos geraram um enorme caos no planeta, que só passou a ser
motivo de preocupação quando atingiu a nossa espécie de forma direta
principalmente em termos econômicos, afinal para a maior parte dos nossos
governantes e outros tomadores de decisão, as cifras têm mais importância do
que a biodiversidade. Daí então, começou-se a falar em mitigação e compensação
de impactos negativos ao meio ambiente, pois hoje, finalmente se sabe que degradá-lo
é, além de comprometer a beleza cênica e a diversidade de vidas, também
destruir a própria casa, o próprio meio. Porém,
da mesma forma que Pandora tentou reparar o erro de ter aberto a caixa de pragas
terrenas por curiosidade, o homem tentará reparar o erro de ter negligenciado e
subjugado por ganância e imediatismo todas as outras espécies que habitam o
mesmo planeta. E, assim como a personagem mitológica percebeu que não
conseguiria reunir novamente todos os males dentro da caixa, evitando que
ficassem à solta, o homem vai perceber que nunca mais será possível curar
todas as feridas que deixou na Terra ao longo de séculos de destruição.
O
que ainda podemos fazer é tentar estabilizar ou mesmo reverter uma parte deste
triste quadro, pois, assim como na caixa de Pandora, nos restam esperanças, porém
devemos começar a agir o quanto antes. E se o egocentrismo humano precisa de
mais motivos diretamente relacionados à própria espécie para que mudanças
positivas no meio ambiente sejam promovidas...
Então, por favor, pensemos em nossos filhos. |