Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
14/03/2008 (Nº 23) Gaia, o Homem e a Caixa de Pandora
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Educação Ambiental em Ação 23

Gaia, o Homem e a Caixa de Pandora

 

Autora: Samira Athiê

Titulação acadêmica: Engenheira Florestal graduada pela Universidade de São Paulo (USP) e Mestranda pelo Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Recursos Naturais (PPG - ERN) da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar).

Endereço profissional: Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Rodovia Washington Luiz, Km 235, Caixa Postal 676, CEP 13565-905, São Carlos, SP. E-mail: samira_esalq@yahoo.com.br

 

Resumo

Hoje em dia as questões ambientais têm sido discutidas de forma muito mais acentuada, porém esse interesse é reflexo principalmente da preocupação em torno do caos climático e dos “desastres naturais” que são cada vez mais freqüentes em nosso planeta. Toda essa “revolta da natureza” pode ser entendida como uma reação de Gaia aos danos ambientais derivados da ação negligente do ser humano sobre o meio ambiente. A partir disto, é possível traçar um paralelo com a história da personagem mitológica Pandora, a qual, por curiosidade, abriu uma caixa onde estavam guardadas todas as pragas terrenas, as quais se disseminaram sobre a Terra; arrependida, tentou reuni-las novamente na caixa, mas nunca conseguiu fazê-lo. Da mesma forma, o ser humano vem aos poucos se arrependendo de toda a degradação causada ao meio ambiente e, assim como Pandora, nunca conseguirá remediar tudo o que fez, porém ainda há tempo (e esperança) de reduzirmos parte do impacto que causamos e, quanto antes começarmos a mitigar e remediar esses danos, melhores serão as condições de vida deixadas às futuras gerações.

 

Introdução

 

Estamos vivenciando uma época em que muito se fala sobre aquecimento global, escassez de água e conservação dos recursos naturais. Estes são os termos mais usados atualmente quando o assunto é ecologia, o qual já deixou de ser tratado apenas no meio acadêmico, mas transcendeu os limites das universidades para permear a mídia em geral e até as conversas cotidianas do cidadão comum.

Infelizmente, apesar de ser um tema que afeta a todos, somente agora está sendo discutido com mais fervor. E isto está ocorrendo justamente porque as pessoas estão presenciando a “revolta da natureza”, depois de tantos anos de exploração, uso indevido e falta de respeito com a nossa Gaia (do termo Gaea, que significa “Mãe Terra” na mitologia grega). Foram precisos muitos ciclones, El Niños e outros “desastres naturais” para que a espécie humana percebesse que todo o mal ocasionado ao meio ambiente e às demais espécies teria um preço; sem falar nos efeitos maléficos derivados, por exemplo, da excessiva queima de combustíveis fósseis e liberação de gases poluentes na atmosfera, que culminaram com o aumento da temperatura média global, aumento da exposição aos raios ultravioleta e conseqüente elevação no número de pessoas com câncer (mormente de pele, neste caso), maior suscetibilidade a doenças respiratórias, dentre outros. Poderíamos citar muitos outros exemplos de “reação da natureza” como resposta às ações humanas sobre o que um dia foi um planeta equilibrado, onde havia uma resiliência natural para toda a perturbação de origem também natural.

O planeta Terra existe há aproximadamente 4,5 bilhões de anos, porém a forma mais primitiva de vida surgiu há cerca de 1 bilhão de anos. Foram necessários muitos milhões de anos para que as espécies animais evoluíssem até o surgimento dos primatas, passando-se pelos ancestrais dos macacos até se chegar aos humanóides (australopiteco, pitecantropo, Neanderthal, Cro-Magnon e, finalmente, o homem atual).  O Homo sapiens, ou homem atual, chegou à Terra há aproximadamente 20 mil anos, o que é extremamente recente, dado o tempo da existência de vida no nosso planeta.

O homem moderno “abriu sua caixa” - assim como Pandora - desde que começou a praticar agricultura, há aproximadamente 10 mil anos, quando deixou de ser nômade para cultivar seu próprio alimento nas margens férteis dos rios Nilo, Tigre e Eufrates. A partir de então, já não precisou mais viver como errante à procura de comida, que antes era obtida através de caça, pesca e extrativismo, pois agora tudo o que ele precisa está reunido no seu pequeno nicho de civilização e, diga-se de passagem, um nicho pouco ecológico.

Com a formação das civilizações, após a descoberta da agricultura pelo homem atual, houve um aumento do conhecimento e tecnologia (já que o homem passou a ter tempo para se dedicar a outras atividades), os quais foram imprescindíveis para a modernização das práticas de cultivo e pastoreio. Mais tarde passou a ser possível a comercialização de produtos, a industrialização, a informatização e automação de processos produtivos, tudo numa progressão que não se sabe onde vai culminar.

Em contrapartida, os impactos ambientais negativos derivados das ações antrópicas também começaram a ocorrer, e toda essa evolução do conhecimento e tecnologia, paradoxalmente, foi acompanhada de estragos ecológicos de proporções também cada vez maiores. São apenas 20 milênios separando o surgimento do Homo sapiens da penicilina, dos computadores e da Internet, mas também dos grandes desmatamentos, das extinções “programadas” de muitas espécies e da falência do equilíbrio na Terra. Em apenas 10 milênios conseguimos destruir grande parte do que fora criado dentro de 1 bilhão de anos.

Todos esses danos ecológicos geraram um enorme caos no planeta, que só passou a ser motivo de preocupação quando atingiu a nossa espécie de forma direta principalmente em termos econômicos, afinal para a maior parte dos nossos governantes e outros tomadores de decisão, as cifras têm mais importância do que a biodiversidade. Daí então, começou-se a falar em mitigação e compensação de impactos negativos ao meio ambiente, pois hoje, finalmente se sabe que degradá-lo é, além de comprometer a beleza cênica e a diversidade de vidas, também destruir a própria casa, o próprio meio.

Porém, da mesma forma que Pandora tentou reparar o erro de ter aberto a caixa de pragas terrenas por curiosidade, o homem tentará reparar o erro de ter negligenciado e subjugado por ganância e imediatismo todas as outras espécies que habitam o mesmo planeta. E, assim como a personagem mitológica percebeu que não conseguiria reunir novamente todos os males dentro da caixa, evitando que ficassem à solta, o homem vai perceber que nunca mais será possível curar todas as feridas que deixou na Terra ao longo de séculos de destruição. 

O que ainda podemos fazer é tentar estabilizar ou mesmo reverter uma parte deste triste quadro, pois, assim como na caixa de Pandora, nos restam esperanças, porém devemos começar a agir o quanto antes. E se o egocentrismo humano precisa de mais motivos diretamente relacionados à própria espécie para que mudanças positivas no meio ambiente sejam promovidas...  Então, por favor, pensemos em nossos filhos.

Ilustrações: Silvana Santos