Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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08/12/2007 (Nº 22) ENSINO DE CIÊNCIAS E AMBIENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
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Educação Ambiental em Ação 22

ENSINO DE CIÊNCIAS E AMBIENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS1

 

 

Tania da Cunha Vieira Curvello

Escola Municipal Santa Luzia

Mestre em Ensino de Ciências – UNIPLI

taniacurvello@ig.com.br

 

Rose Mary Latini

Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente - UNIPLI

Doutora em Geociências – UFF

rmlatini@uol.com.br

 

 

RESUMO

 

Este trabalho teve como objetivo avaliar a inserção de atividades de Educação Ambiental no ensino de Ciências Naturais na Educação de Jovens e Adultos, a partir de um relato de  experiência, na Escola Municipal Santa Luzia, localizada no município de Duque de Caxias/RJ, utilizando o Parque Natural Municipal da Taquara como motivador da aprendizagem. Neste parque está inserida a principal área verde do município contendo uma diversidade significativa de fauna e flora. O público-alvo foi formado por 40 alunos do terceiro ciclo da EJA, correspondente a 5ª e 6ª séries do ensino fundamental da referida escola. Diferentes atividades foram realizadas buscando facilitar o processo de aprendizagem, através da aproximaçao do aluno com a realidade local. Os resultados obtidos proporcionaoram aos alunos, além de uma melhor aprendizagem dos conteúdos abordados uma maior percepção dos problemas ambientais locais, mostrando que a EA se caracteriza na atitude de defesa da natureza e no desenvolvimento do senso crítico, melhorando a forma de expressão e participação dos alunos envolvidos.

 

Palavras-Chave: Ensino de Ciências, Educação Ambiental, Educação de Jovens e Adultos

 

 

INTRODUÇÃO

            O ato de educar é uma necessidade de nossa espécie e um fenômeno que deve ser compreendido e analisado para que possa ser eficientemente realizado. É uma dimensão primordial que pode gerar mudanças quando articulada com a realidade sócio-histórica e sóciocultural dos estudantes (LOUREIRO, 2004).

            Para Freire (1996), quando o sujeito social inicia a construção de sua consciência crítica, o faz numa prática social histórica. Desse modo, consciência crítica é uma situação de transformação do sujeito social, de suas relações materiais com os outros e com o mundo. É um processo de transformação do modo de pensar, que ocorre através da educação.

            Em relação ao ensino de Ciências Naturais observa-se que este, em muitas situações, ainda está voltado para a memorização de conceitos científicos. Para Vygotsky (1987, apud MORTIMER e SCOTT, 2004), “o processo de conceitualização é equacionado com a construção de significados, o que significa que o foco é no processo de significação, que são criados na interação social e então internalizados pelos indivíduos”. Portanto, há necessidade de mudar a prática pedagógica aplicada, a fim de melhorar o processo ensino-aprendizagem, de forma que os alunos não apenas memorizem conceitos, mas que tenham a oportunidade de dar significado ao conhecimento adquirido, a partir de suas vivências, e que possam participar da tomada de decisões nas relações de ciência, tecnologia, sociedade e ambiente.

            No caso específico da Educação de Jovens e Adultos (EJA); cuja clientela possui características especiais, pois na sua maioria é formada por adultos trabalhadores que buscam integração social com expectativa de uma melhor qualidade de vida, além de jovens que provavelmente não tiveram êxito no ensino regular;  observa-se, muitas vezes, uma desmotivação para aprendizagem, a qual se reflete num baixo entendimento dos conceitos aplicados nas aulas de Ciências Naturais.

            Portanto, o educador precisa estabelecer uma comunicação entre o conceito científico e as experiências vividas pelo aluno, respeitando as suas condições culturais. Não se trata aqui, de substituir concepções antigas por conceitos cientificos, mas da “negociação de novos significados num espaço comunicativo no qual há o encontro entre diferentes perspectivas culturais, num processo de crescimento mútuo” (op cit).

            Acredita-se assim, que uma forma de se iniciar a aprendizagem de Ciências Naturais é pela aproximação do aluno aos problemas com os quais ele convive, possibilitando o seu engajamento às diversas questões que surgem na vida contemporânea e o desenvolvimento de uma postura crítica perante à sua realidade.

            Visando conciliar uma melhor aprendizagem de Ciências Naturais e envolver os alunos jovens e adultos nas questões ambientais, este trabalho teve como objetivo avaliar a inserção de atividades de Educação Ambiental no ensino de Ciências Naturais na Educação de Jovens e Adultos, a partir de um relato de  experiência, na Escola Municipal Santa Luzia, localizada no município de Duque de Caxias/RJ, utilizando o Parque Natural Municipal da Taquara como motivador da aprendizagem.

            O Parque Natural Municipal da Taquara constitui um ecossistema valioso na região, sendo considerado como a principal área verde do município. É muito visitado e utilizado de diversas formas pela comunidade escolar e também por turistas, ambulantes e religiosos que praticam cultos afro-brasileiros. A maioria dos que usufruem deste ambiente depredam o local, retirando plantas e animais, deixando lixo e materiais de oferendas na região.

            O parque foi utilizado como instrumento motivador para as aulas de Ciências Naturais, buscando a aproximação do aluno ao objeto de estudo, a fim de dar significação ao conteúdo trabalhado nessa disciplina, através dos ecossistemas e dos problemas ambientais observados na região.

            A aproximação do aluno ao objeto de estudo visou facilitar o aprendizado nas aulas de Ciências Naturais. Para Freire, essa aproximação procura despertar o interesse do aluno através da problematização pertencente ao seu mundo, buscando desenvolver o pensamento crítico e criativo dos mesmos e facilitar o processo de aprendizagem (LIMA,2004).

 

 

O RELATO DE EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

            O modo como a sociedade se relaciona com a natureza é uma preocupação que surgiu há muito tempo. Entretanto, só na década de 70 foi reconhecido a necessidade de se efetivar um processo educativo em torno da questão ambiental. A Educação Ambiental (EA) passou assim a integrar os temas transversais propostos nos Parâmetros Curriculares Nacionais e, para Carvalho (2002), a inserção do tema meio ambiente como transversal, proporcionou um avanço considerável no desenvolvimento da EA formal, já que ampliou as discussões da área.

            No terceiro ciclo de EJA há distribuição tradicional dos conteúdos de Ciências Naturais, tais como: ar, água, solo, seres vivos e ecologia. A abordagem desses conteúdos, geralmente ocorre através de explanação de textos e resoluções de exercícios do livro didático, desvinculada da realidade do aluno.

            Desta forma, a experiência desenvolvida neste trabalho buscou meios de abordar a temática ambiental em sala de aula, aproximando o aluno das questões ambientais ocorridas no município.

            O público-alvo foi formado por 40 alunos do terceiro ciclo da EJA, correspondente a 5ª e 6ª séries do ensino fundamental da Escola Municipal Santa Luzia. Eles tiveram encontros semanais, com três horas/aula de duração, sendo cada uma com quarenta e cinco minutos.

Um estudo preliminar da região com os alunos da EJA, voltada à descrição da realidade vivida por eles, permitiu o estabelecimento de uma relação comunicativa de modo cooperativo e participativo. 

Procurou-se, inicialmente, levantar a percepção de diferentes atores sociais que utilizam o parque, sobre como eles viam a preservação do local. Esta etapa foi realizada, através de um questionário aberto e teve por finalidade, apenas, conhecer como alguns dos envolvidos vêem a questão ambiental do lugar e recuperar parte de sua história natural.

Este momento proporcionou aos alunos um pouco da história local, pois os moradores, durante a entrevista, fizeram comentários sobre a região, a forma de utilização do parque pelos moradores e religiosos e as mudanças ocorridas no local.

Foram também realizadas entrevistas com os moradores do parque e com os religiosos que freqüentam o parque, com a finalidade de levantar a percepção desses usuários sobre a problemática ambiental local. Esta etapa teve por finalidade levantar discussões, com os alunos do EJA, sobre Educação Ambiental.

            Dando continuidade a esta etapa e visando sensibilizar os alunos para a problemática ambiental e aumentar o conhecimento deles sobre EA, a Secretaria de Meio Ambiente de Duque de Caxias (SMADC) foi convidada a realizar uma palestra na escola com intuito de proporcionar momentos de reflexões e debates, onde foram abordados o significado de EA e a sua relevância.

            Em seguida, foi realizada uma dinâmica de grupo na sala de aula, cujo objetivo foi estimular a cooperação entre os alunos e contribuir para aumentar sua auto-estima. Canen (1999), afirma que as práticas realizadas em EJA obterão resultados satisfatórios se for trabalhado o fortalecimento da auto-estima e a construção da identidade dessa clientela. 

            A partir das atividades de sensibilização realizada na escola foi utilizada uma das técnicas de Freinet, conhecida como aula-passeio, a qual visa ultrapassar os limites da sala de aula e contribuir para um aprendizado mais significativo (FREINET, 1985).

            O trabalho de campo foi iniciado a partir de visitas programadas e orientadas ao Parque Natural Municipal da Taquara, que teve como finalidade proporcionar a aproximação dos alunos ao objeto de estudo, a fim de coletarem dados e informações, sobre a realidade local, que foram utilizados nos conteúdos de Ciências Naturais. O trabalho de campo é sugerido na Proposta Curricular da EJA, com vista a contribuir para o desenvolvimento dos conteúdos de Ciências Naturais, dando enfoque ao tema transversal meio ambiente (BRASIL, 2002).

Logo após a aula-passeio, os alunos realizaram outra atividade na escola. Confeccionaram vários objetos artesanais com garrafas descartáveis coletadas por eles no parque, tais como: porta-treco, cortinas e correntes. Essa atividade, além de estimular a criatividade dos alunos, possibilitou também momentos de reflexão em relação à preservação ambiental.

Foi elaborado um folder, o qual foi distribuído para a comunidade escolar, com o objetivo de sensibilizá-la sobre a problemática ambiental do Parque Natural Municipal da Taquara. A capa do folder foi ilustrada com a finalidade de mostrar o quanto o parque precisa ser preservado. No interior do mesmo, os alunos procuraram alertar os visitantes de como estes devem agir no parque, visando uma mudança de atitude.

Durante as atividades os alunos citaram locais que, segundo a visão deles, causam impactos ambientais dentro do município. Sendo assim, foram realizadas visitas ao Aterro Metropolitano de Gramacho e a Duque de Caxias Mineradora Ltda. Essas visitas tiveram como objetivo promover discussões sobre as atividades potencialmente poluidoras e sua interação com os ecossistemas locais.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

            Promover discussões sobre as questões ambientais possibilita que o aluno reflita de forma crítica sobre os fatos relacionados à existência do homem e sua relação com a natureza, podendo contribuir para mudança de comportamento e atitudes.

            A escola vem sendo um dos agentes fundamentais para a divulgação dos princípios da EA. Entretanto, a sua prática deve estar atenta à complexidade das relações entre sociedade e ambiente visando a construção coletiva do conhecimento e o acolhimento da complexidade da vida.

            Embora exista a idéia de que o processo educacional da EJA dificulte o desenvolvimento de atividades práticas, principalmente em relação ao trabalho de campo, ao transversalizar o tema meio ambiente no cotidiano escolar através de atividades de EA tornou-se possível ultrapassar os limites da sala de aula e do ensino tradicional, contribuindo para a construção de conhecimentos de Ciências Naturais e da temática abordada, além da sensibilização dos mesmos quanto à situação das questões ambientais do Parque Municipal da Taquara.

            As várias atividades realizadas não prejudicaram o cumprimento do plano de curso e foram aplicadas baseadas nos conteúdos de Ciências Naturais do terceiro ciclo da EJA.  A aplicação das diferentes atividades foi possível, pela disponibilidade da turma, entretanto, considera-se possível que um número menor de atividades extra classe possa ser realizada com o mesmo propósito.

            As atividades realizadas neste trabalho foram adaptadas às situações da realidade e do meio em que vive o aluno, favorecendo, assim uma aprendizagem significativa com resultados mais efetivos, o que evitou a simples memorização de definições. Observou-se que estas atividades ajudaram a superar as dificuldades de assimilação e auxiliaram nas formas de trabalhar os conteúdos da disciplina, tornando as aulas mais dinâmicas, facilitando deste modo, o processo de aprendizagem.

            Nas turmas anteriores, quando não foram trabalhados os conteúdos de forma transversal e sem as atividades de EA, notava-se que os alunos apresentavam dificuldades de assimilação dos conceitos e pouca participação nas discussões em classe, demonstrando dificuldades de expressar opiniões e de se interação no grupo. Ao se abordar questões ambientais nestas turmas, as mesmas não demonstravam interesse para identificar os problemas  locais e dar sugestões sobre os mesmos, como se fosse algo distante de sua realidade, tendo o estudo do meio ambiente apenas com o uma paisagem.

Ao passar por uma vivência interativa através das aulas-passeio, os alunos da EJA puderam perceber questões ambientais referentes ao município e ao parque, gerando uma perspectiva da produção de um novo conhecimento e reconhecimento em relação ao ambiente. Essa aproximação dos alunos ao objeto de estudo melhorou o nível de compreensão tanto do conteúdo quanto sobre as questões ambientais.

Outro fato observado foi que as visitas aos lugares que provavelmente causam impactos ambientais no município fizeram com que a comunidade escolar ampliasse sua percepção em relação aos problemas ambientais existentes na região, mostrando que a EA se caracteriza na atitude de defesa da natureza e no desenvolvimento do senso crítico.

            Portanto, a aproximação do aluno à sua realidade possibilitou, além de uma melhor aprendizagem, uma maior percepção das questões ambientais, melhorando sua forma de expressão; contribuindo para uma participação mais efetiva destes sujeitos; melhorando a integração entre eles, desenvolvendo a criatividade e fortalecendo a auto-estima.

            Buscou-se neste trabalho demonstrar a pertinência da EA no processo escolar de jovens e adultos, que deve ser realizada de forma comprometida com o desenvolvimento dos alunos. Deseja-se assim, um contexto de novos paradigmas para a EJA observando-se a relevância da relação entre ciência, tecnologia, sociedade e ambiente na formação da cidadania.

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA

 

BRASIL. Ministério da Educação. Proposta Curricular para a Educação de Jovens e Adultos: segundo segmento do ensino fundamental: 5ª a 8ª série. Brasília: SEF, 2002. 240p.

 

CANEN, Ana. In: Salto para o Futuro – educação de jovens e adultos. Brasília: SEED, 1999.

 

CARVALHO, V.S. Educação Ambiental e Desenvolvimento Comunitário. Rio de Janeiro. Walk, 2002.

 

CUNHA, Maria Cristina Campos; NIGRO, Rogério Gonçalves. Didáticas de ciências: O ensino-aprendizagem como investigação. São Paulo: FTD, 1999.

 

FREINET, Célestin. A pedagogia do bom senso. São Paulo: Martins Fontes, 1985.

 

FREIRE, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 19ª. Ed. São Paulo, Paz e Terra, 1996.

 

LIMA, Gustavo Ferreira da Costa. In: Identidades da educação ambiental brasileira. Ministério do Meio Ambiente, 2004.

 

LOUREIRO, C.F.B. Complexidade e Dialética:Contribuições à praxis política e emancipatória em Educação Ambiental. Educ. Soc., Campinas , vol. 27, n. 94, p. 131-152, jan./abr. 2006

 

MORTIMER, E.F. e SCOTT, P. Atividade Discursiva na Sala de Aula de Ciências: uma Ferramenta Sociocultural para Analisar e Planejar o Ensino. Investigações em Ensino de Ciências. vol.7, n.3. 2004. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol7/n3/v7_n3_a7.htm

 

 

1 Este artigo é uma versão revisada do trabalho, intitulado Percepção Ambiental: uma contribuição para a aprendizagem de Ciências Naturais na Educação de Jovens e Adultos,  apresentado V Congresso Ibero Americano de Educação Ambiental, realizado de  5 a 8 de abril de 2006, em Joinville - SC.

Ilustrações: Silvana Santos