Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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ENSINO
DE CIÊNCIAS E AMBIENTE NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS1 Tania
da Cunha Vieira Curvello Escola
Municipal Santa Luzia Mestre
em Ensino de Ciências – UNIPLI taniacurvello@ig.com.br Rose
Mary Latini Mestrado
Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente - UNIPLI Doutora
em Geociências – UFF rmlatini@uol.com.br RESUMO Este
trabalho teve como objetivo avaliar a inserção de atividades de Educação
Ambiental no ensino de Ciências Naturais na Educação de Jovens e Adultos, a
partir de um relato de experiência,
na Escola Municipal Santa Luzia, localizada no município de Duque de Caxias/RJ,
utilizando o Parque Natural Municipal da Taquara como motivador da aprendizagem.
Neste parque está inserida a principal área verde do município contendo uma
diversidade significativa de fauna e flora. O público-alvo foi formado por 40
alunos do terceiro ciclo da EJA, correspondente a 5ª e 6ª séries do ensino
fundamental da referida escola. Diferentes atividades foram realizadas buscando
facilitar o processo de aprendizagem, através da aproximaçao do aluno com a
realidade local. Os resultados obtidos proporcionaoram aos alunos, além de uma
melhor aprendizagem dos conteúdos abordados uma maior percepção dos problemas
ambientais locais, mostrando que a EA se caracteriza na atitude de defesa da
natureza e no desenvolvimento do senso crítico, melhorando a forma de expressão
e participação dos alunos envolvidos. Palavras-Chave:
Ensino de Ciências, Educação Ambiental, Educação de Jovens e Adultos INTRODUÇÃO
O
ato de educar
é uma necessidade de nossa espécie e um fenômeno que deve ser compreendido e
analisado para que possa ser eficientemente realizado. É uma dimensão
primordial que pode gerar mudanças quando articulada com a realidade sócio-histórica
e sóciocultural dos estudantes (LOUREIRO, 2004).
Para Freire (1996), quando o sujeito social inicia
a construção de sua consciência crítica, o faz numa prática social histórica.
Desse modo, consciência crítica é uma situação de transformação do
sujeito social, de suas relações materiais com os outros e com o mundo. É um
processo de transformação do modo de pensar, que ocorre através da educação.
Em relação ao ensino de Ciências Naturais
observa-se que este, em muitas situações, ainda está voltado para a memorização
de conceitos científicos. Para Vygotsky (1987, apud MORTIMER e SCOTT, 2004),
“o processo de conceitualização é equacionado com a construção de
significados, o que significa que o foco é no processo de significação, que são
criados na interação social e então internalizados pelos indivíduos”.
Portanto, há necessidade de mudar a prática pedagógica aplicada, a fim de
melhorar o processo ensino-aprendizagem, de forma que os alunos não apenas
memorizem conceitos, mas que tenham a oportunidade de dar significado ao
conhecimento adquirido, a partir de suas vivências, e que possam participar da
tomada de decisões nas relações de ciência, tecnologia, sociedade e
ambiente.
No caso específico da Educação de Jovens e
Adultos (EJA); cuja clientela possui características especiais, pois na sua
maioria é formada por adultos trabalhadores que buscam integração social com
expectativa de uma melhor qualidade de vida, além de jovens que provavelmente não
tiveram êxito no ensino regular; observa-se,
muitas vezes, uma desmotivação para aprendizagem, a qual se reflete num baixo
entendimento dos conceitos aplicados nas aulas de Ciências Naturais.
Portanto, o educador precisa estabelecer uma
comunicação entre o conceito científico e as experiências vividas pelo
aluno, respeitando as suas condições culturais. Não se trata aqui, de
substituir concepções antigas por conceitos cientificos, mas da “negociação
de novos significados num espaço comunicativo no qual há o encontro entre
diferentes perspectivas culturais, num processo de crescimento mútuo” (op cit).
Acredita-se assim, que uma forma de se iniciar a
aprendizagem de Ciências Naturais é pela aproximação do aluno aos problemas
com os quais ele convive, possibilitando o seu engajamento às diversas questões
que surgem na vida contemporânea e o desenvolvimento de uma postura crítica
perante à sua realidade.
Visando
conciliar uma melhor aprendizagem de Ciências Naturais e envolver os alunos
jovens e adultos nas questões ambientais, este trabalho teve como objetivo
avaliar a inserção de atividades de Educação Ambiental no ensino de Ciências
Naturais na Educação de Jovens e Adultos, a partir de um relato de
experiência, na Escola Municipal Santa Luzia, localizada no município
de Duque de Caxias/RJ, utilizando o Parque Natural Municipal da Taquara como
motivador da aprendizagem.
O Parque Natural Municipal da Taquara constitui um
ecossistema valioso na região, sendo considerado como a principal área verde
do município. É muito visitado e utilizado de diversas formas pela comunidade
escolar e também por turistas, ambulantes e religiosos que praticam cultos
afro-brasileiros. A maioria dos que usufruem deste ambiente depredam o local,
retirando plantas e animais, deixando lixo e materiais de oferendas na região.
O parque foi utilizado como instrumento motivador
para as aulas de Ciências Naturais, buscando a aproximação do aluno ao objeto
de estudo, a fim de dar significação ao conteúdo trabalhado nessa disciplina,
através dos ecossistemas e dos problemas ambientais observados na região.
A aproximação do aluno ao objeto de estudo visou
facilitar o aprendizado nas aulas de Ciências Naturais. Para Freire, essa
aproximação procura despertar o interesse do aluno através da problematização
pertencente ao seu mundo, buscando desenvolver o pensamento crítico e criativo
dos mesmos e facilitar o processo de aprendizagem (LIMA,2004). O
RELATO DE EXPERIÊNCIA NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS
O modo como a sociedade se relaciona com a natureza
é uma preocupação que surgiu há muito tempo. Entretanto, só
na década de 70 foi reconhecido a necessidade de se efetivar um processo
educativo em torno da questão ambiental. A Educação Ambiental (EA) passou
assim a integrar os temas transversais propostos nos Parâmetros Curriculares
Nacionais e, para Carvalho (2002), a inserção do tema meio ambiente como
transversal, proporcionou um avanço considerável no desenvolvimento da EA
formal, já que ampliou as discussões da área.
No terceiro ciclo de EJA há distribuição
tradicional dos conteúdos de Ciências Naturais, tais como: ar, água, solo,
seres vivos e ecologia. A abordagem desses conteúdos, geralmente ocorre através
de explanação de textos e resoluções de exercícios do livro didático,
desvinculada da realidade do aluno.
Desta forma, a experiência desenvolvida neste
trabalho buscou meios de abordar a temática ambiental em sala de aula,
aproximando o aluno das questões ambientais ocorridas no município.
O
público-alvo foi formado por 40 alunos do terceiro ciclo da EJA, correspondente
a 5ª e 6ª séries do ensino fundamental da Escola Municipal Santa Luzia. Eles
tiveram encontros semanais, com três horas/aula de duração, sendo cada uma
com quarenta e cinco minutos. Um
estudo preliminar da região com os alunos da EJA, voltada à descrição da
realidade vivida por eles, permitiu o estabelecimento de uma relação
comunicativa de modo cooperativo e participativo.
Procurou-se,
inicialmente, levantar a percepção de diferentes atores sociais que utilizam o
parque, sobre como eles viam a preservação do local. Esta etapa foi realizada,
através de um questionário aberto e teve por finalidade, apenas, conhecer como
alguns dos envolvidos vêem a questão ambiental do lugar e recuperar parte de
sua história natural. Este
momento proporcionou aos alunos um pouco da história local, pois os moradores,
durante a entrevista, fizeram comentários sobre a região, a forma de utilização
do parque pelos moradores e religiosos e as mudanças ocorridas no local. Foram
também realizadas entrevistas com os moradores do parque e com os religiosos
que freqüentam o parque, com a finalidade de levantar a percepção desses usuários
sobre a problemática ambiental local. Esta etapa teve por finalidade levantar
discussões, com os alunos do EJA, sobre Educação Ambiental.
Dando continuidade a esta etapa e visando
sensibilizar os alunos para a problemática ambiental e aumentar o conhecimento
deles sobre EA, a Secretaria de Meio Ambiente de Duque de Caxias (SMADC) foi
convidada a realizar uma palestra na escola com intuito de proporcionar momentos
de reflexões e debates, onde foram abordados o significado de EA e a sua relevância.
Em seguida, foi realizada uma dinâmica de grupo na
sala de aula, cujo objetivo foi estimular a cooperação entre os alunos e
contribuir para aumentar sua auto-estima. Canen (1999), afirma que as práticas
realizadas em EJA obterão resultados satisfatórios se for trabalhado o
fortalecimento da auto-estima e a construção da identidade dessa clientela.
A partir das atividades de sensibilização realizada na escola foi
utilizada uma das técnicas de Freinet, conhecida como aula-passeio, a qual visa
ultrapassar os limites da sala de aula e contribuir para um aprendizado mais
significativo (FREINET, 1985).
O trabalho de campo foi iniciado a partir de
visitas programadas e orientadas ao Parque Natural Municipal da Taquara, que
teve como finalidade proporcionar a aproximação dos alunos ao objeto de
estudo, a fim de coletarem dados e informações, sobre a realidade local, que
foram utilizados nos conteúdos de Ciências Naturais. O trabalho de campo é
sugerido na Proposta Curricular da EJA, com vista a contribuir para o
desenvolvimento dos conteúdos de Ciências Naturais, dando enfoque ao tema
transversal meio ambiente (BRASIL, 2002). Logo
após a aula-passeio, os alunos realizaram outra atividade na escola.
Confeccionaram vários objetos artesanais com garrafas descartáveis coletadas
por eles no parque, tais como: porta-treco, cortinas e correntes. Essa
atividade, além de estimular a criatividade dos alunos, possibilitou também
momentos de reflexão em relação à preservação ambiental. Foi
elaborado um folder, o qual foi distribuído para a comunidade escolar,
com o objetivo de sensibilizá-la sobre a problemática ambiental do Parque
Natural Municipal da Taquara. A capa do folder foi ilustrada com a
finalidade de mostrar o quanto o parque precisa ser preservado. No interior do
mesmo, os alunos procuraram alertar os visitantes de como estes devem agir no
parque, visando uma mudança de atitude. Durante
as atividades os alunos citaram locais que, segundo a visão deles, causam
impactos ambientais dentro do município. Sendo assim, foram realizadas visitas
ao Aterro Metropolitano de Gramacho e a Duque de Caxias Mineradora Ltda. Essas
visitas tiveram como objetivo promover discussões sobre as atividades
potencialmente poluidoras e sua interação com os ecossistemas locais. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Promover discussões sobre as questões ambientais
possibilita que o aluno reflita de forma crítica sobre os fatos relacionados à
existência do homem e sua relação com a natureza, podendo contribuir para
mudança de comportamento e atitudes.
A escola vem sendo um dos agentes fundamentais para
a divulgação dos princípios da EA. Entretanto, a sua prática deve estar
atenta à complexidade das relações entre sociedade e ambiente visando a
construção coletiva do conhecimento e o acolhimento da complexidade da vida.
Embora exista a idéia de que o processo
educacional da EJA dificulte o desenvolvimento de atividades práticas,
principalmente em relação ao trabalho de campo, ao transversalizar o tema meio
ambiente no cotidiano escolar através de atividades de EA tornou-se possível
ultrapassar os limites da sala de aula e do ensino tradicional, contribuindo
para a construção de conhecimentos de Ciências Naturais e da temática
abordada, além da sensibilização dos mesmos quanto à situação das questões
ambientais do Parque Municipal da Taquara.
As várias atividades realizadas não prejudicaram
o cumprimento do plano de curso e foram aplicadas baseadas nos conteúdos de Ciências
Naturais do terceiro ciclo da EJA. A
aplicação das diferentes atividades foi possível, pela disponibilidade da
turma, entretanto, considera-se possível que um número menor de atividades
extra classe possa ser realizada com o mesmo propósito.
As atividades realizadas neste trabalho foram
adaptadas às situações da realidade e do meio em que vive o aluno,
favorecendo, assim uma aprendizagem significativa com resultados mais efetivos,
o que evitou a simples memorização de definições.
Observou-se que estas atividades ajudaram a superar as dificuldades de assimilação
e auxiliaram nas formas de trabalhar os conteúdos da disciplina, tornando as
aulas mais dinâmicas, facilitando deste modo, o processo de aprendizagem.
Nas turmas anteriores, quando não foram
trabalhados os conteúdos de forma transversal e sem as atividades de EA,
notava-se que os alunos apresentavam dificuldades de assimilação dos conceitos
e pouca participação nas discussões em classe, demonstrando dificuldades de
expressar opiniões e de se interação no grupo. Ao se abordar questões
ambientais nestas turmas, as mesmas não demonstravam interesse para identificar
os problemas locais e dar sugestões
sobre os mesmos, como se fosse algo distante de sua realidade, tendo o estudo do
meio ambiente apenas com o uma paisagem. Ao
passar por uma vivência interativa através das aulas-passeio, os alunos da EJA
puderam perceber questões ambientais referentes ao município e ao parque,
gerando uma perspectiva da produção de um novo conhecimento e reconhecimento
em relação ao ambiente. Essa aproximação dos alunos ao objeto de estudo
melhorou o nível de compreensão tanto do conteúdo quanto sobre as questões
ambientais. Outro
fato observado foi que as visitas aos lugares que provavelmente causam impactos
ambientais no município fizeram com que a comunidade escolar ampliasse sua
percepção em relação aos problemas ambientais existentes na região,
mostrando que a EA se caracteriza na atitude de defesa da natureza e no
desenvolvimento do senso crítico.
Portanto, a aproximação do aluno à sua realidade
possibilitou, além de uma melhor aprendizagem, uma maior percepção das questões
ambientais, melhorando sua forma de expressão; contribuindo para uma participação
mais efetiva destes sujeitos; melhorando a integração entre eles,
desenvolvendo a criatividade e fortalecendo a auto-estima.
Buscou-se neste trabalho demonstrar a pertinência
da EA no processo escolar de jovens e adultos, que deve ser realizada de forma
comprometida com o desenvolvimento dos alunos. Deseja-se assim, um contexto de
novos paradigmas para a EJA observando-se a relevância da relação entre ciência,
tecnologia, sociedade e ambiente na formação da cidadania. BIBLIOGRAFIA BRASIL.
Ministério da Educação. Proposta Curricular para a Educação de Jovens e
Adultos: segundo segmento do ensino fundamental: 5ª a 8ª série. Brasília:
SEF, 2002. 240p. CANEN,
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jovens e adultos. Brasília:
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O ensino-aprendizagem como investigação. São Paulo: FTD, 1999. FREINET,
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Gustavo Ferreira da Costa. In: Identidades da educação ambiental
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em Educação Ambiental. Educ.
Soc., MORTIMER,
E.F. e SCOTT, P. Atividade Discursiva na Sala de Aula de Ciências: uma
Ferramenta Sociocultural para Analisar e Planejar o Ensino. Investigações
em Ensino de Ciências. vol.7, n.3. 2004. Disponível em http://www.if.ufrgs.br/public/ensino/vol7/n3/v7_n3_a7.htm 1
Este artigo é uma versão revisada do
trabalho, intitulado Percepção
Ambiental: uma contribuição para a aprendizagem de Ciências Naturais na Educação
de Jovens e Adultos, apresentado
V Congresso Ibero Americano de Educação Ambiental, realizado de
5 a 8 de abril de 2006, em Joinville - SC. |