Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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08/12/2007 (Nº 22) Projeto ECO-RESERVATÓRIO – espaço para a construção da cidadania
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Educação Ambiental em Ação 22

Projeto ECO-RESERVATÓRIO – espaço para a construção da cidadania

 

 

Atualmente as cidades possuem um perfil industrial, que impulsionou o processo de urbanização, em geral, ocorrido de forma desordenado. Isso vem contribuindo com a degradação do meio ambiente, gerando reflexos de ordem sócio-ambiental, com destaque à problemática da água, pautada na escassez, potabilidade e no uso racional.

No Brasil, tanto o Estatuto da Cidade quanto a Constituição, abordam a função social e ambiental da cidade. O primeiro, a partir de diretrizes políticas para garantir cidades sustentáveis com saneamento ambiental, infra-estrutura urbana e lazer, entre outros. O segundo, ao dizer que todos têm direito a um meio ambiente equilibrado, de uso comum e voltado à sadia qualidade de vida, em que poder público e coletividade têm o dever de preservá-lo para as gerações atuais e futuras.

Para a cidade cumprir sua função, deve contar com o poder público, o engajamento da sociedade e com o setor empresarial, por meio da adoção de programas de responsabilidade social que contemplem ações comprometidas com a ética e o meio ambiente.

A população, em sua maioria, não se compromete com a gestão ambiental das cidades, por ser carente de uma educação voltada para a cidadania. Essa postura de dependência e falta de responsabilidade resultam da desinformação e da ausência de consciência ambiental e práticas comunitárias com foco na participação.

A participação ativa dos indivíduos na história da sociedade requer entendimento da realidade para sua posterior transformação. É nesse sentido que a Educação Ambiental colabora, por ser um processo de educação política para a aquisição de conhecimentos e habilidades e a formação de atitudes voltadas para a cidadania, enfocando uma perspectiva local para resolução de problemas concretos.

Nesse contexto de cidades que vivenciam graves problemas sócio-ambientais, selecionou-se para estudo a interrupção do projeto Reservatório Cultural, implantado em 1999 pela Sabesp em parceria com algumas secretarias de Estado, cujo intuito era reforçar a diretriz governamental de oferta de espaços públicos em benefício da população.

Seriam adaptados e usados para lazer e cultura, 44 reservatórios de água do município de São Paulo, aproveitando suas áreas verdes e oferecendo equipamentos e programações à população, buscando maior interação entre empresa e comunidade. Os reservatórios do Araçá e da Vila Mariana foram os primeiros e, no início de 2000, os da Vila Mascote e Freguesia do Ó foram incluídos. Porém, as atividades das Secretarias de Cultura e de Esportes foram abandonadas após pouco mais de um mês e somente os reservatórios do Araçá e da Vila Mariana continuaram abertos à população.

Utilizou-se, para essa análise, a unidade do reservatório de água do Araçá, localizado no bairro do Sumaré, na região oeste da capital paulistana, por se tratar de uma área com tradição de uso pela comunidade, além de ser remanescente do projeto original.


Foi decisivo para seleção do objeto de estudo o envolvimento dos três setores: governo, meio empresarial e a sociedade civil - público usuário, que devem atuar integrados na construção e fortalecimento da cidadania como instrumento para se atingir uma boa qualidade de vida nas cidades e a problemática da água, pauta de destaque na agenda ambiental da cidade de São Paulo.

A abordagem do cenário urbano, geralmente não reconhecido como meio ambiente por ser tratado por grande parte como obra concebida artificialmente pelo Homem; as inclusões do meio empresarial, setor ainda em reflexão quanto ao seu papel social junto à sociedade e de uma comunidade como a do bairro do Sumaré, que por gozarem de boas condições sócio-econômicas, na maioria das vezes são percebidos como desinteressados no engajamento e na resolução dos problemas sócio-ambientais, são atributos que conferem ao estudo em questão verdadeira quebra de paradigma em projetos de educação ambiental. 

 

 

Objetivo

 

Revitalizar o Projeto Reservatório Cultural sob o enfoque da educação ambiental e com o nome de Projeto Eco-Reservatório, atrelando à discussão de temas ligados ao negócio da empresa e aos anseios da comunidade.

Levantaram-se hipóteses para entender a interrupção do projeto original, como falta de estabelecimento de parcerias internas e externas à empresa para construir e gerir o projeto; falha no processo de divulgação; ausência de participação popular em sua elaboração; inexistência de diagnóstico para conhecer o público potencial e usuário do espaço; não realização de benchmark; falta de sustentabilidade de recursos materiais, financeiros e humanos para sua continuidade.

A partir destas suposições, realizou-se um diagnóstico para compreensão dos problemas que levaram à interrupção do projeto e para elaboração de propostas de intervenção em um projeto piloto.

 

 

Métodos

 

Foram levantadas informações sobre a Sabesp, Histórico do Projeto, do Reservatório do Araçá e usuários, características do bairro do Sumaré e do respectivo distrito – Perdizes e benchmark junto ao setor de saneamento brasileiro, usando métodos de pesquisa exploratória para se familiarizar com o objeto de estudo e descritiva para caracterizar os públicos e/ou fenômenos envolvidos.

A pesquisa exploratória utilizou diversos materiais da Sabesp: relatórios de gestão, site e jornal interno e da Associação de Bairro do Sumaré - Somasu: monografia sobre o bairro, relatórios de diagnóstico sócio-ambiental, documentos do regimento interno, fotos e mapas. Foram realizadas entrevistas junto à direção da Somasu e com as áreas da Sabesp envolvidas no projeto, além de fontes externas: Mapa da Exclusão e Inclusão Social no município de SP, Censo 2000 do IBGE e algumas empresas de saneamento básico.

Foi realizada visita ao reservatório do Araçá para observação do local e levantamento de informações, com 228 freqüentadores, por meio de formulário de coleta de dados como parte da pesquisa descritiva.


Resultados e discussão

 

Principais resultados do diagnóstico:

 

Sabesp: possue várias ações com foco ambiental, comunitário e educacional descentralizadas por toda a empresa. A responsabilidade social encontra-se em implantação.

Projeto Reservatório Cultural: limitação de parcerias dificultou sua construção e gestão. Inexistência de análise quanto ao público usuário, bairro, distrito e prática em outras empresas. Área oferecida ao público com garantia da segurança do local. Biblioteca disponibilizada foi brevemente fechada. Ausência de outras propostas.

Reservatório do Araçá: aberto à população desde 1970 por meio de outros projetos da Sabesp. Área verde valorizada pela comunidade, devido à falta de segurança nas ruas e precariedade das calçadas. Não está propiciando socialização, já que é utilizado pela maioria para atividades individuais.

Público usuário: perfil homogêneo quanto às expectativas e uso do local, confirmado com % de uso para caminhadas (84%); freqüência de duas ou mais vezes por semana (73%); índice de usuários insatisfeitos com a manutenção das instalações igual aos que acham que nada precisa ser melhorado (25%). Homogeneidade de características: 54% têm curso superior, 45% residem no bairro e faixa etária predominante de 40 e 59 anos.

Bairro do Sumaré e Distrito de Perdizes: 50% indicaram necessidade de mais áreas verdes no bairro. Muitos freqüentadores de outros bairros do distrito, entre 11 e 39 anos, vêm ao reservatório, constituindo um público potencial.

Benchmark: das 10 empresas de saneamento pesquisadas (CE, DF, SC, RJ, PE, MG, RS, BA, GO e PR) só 3 disponibilizam as áreas dos reservatórios à população, para divulgação do processo de tratamento da água.

 

Constatou-se então que, o reservatório do Araçá vem sendo subutilizado ou utilizado de forma ineficiente, pois não gera atração e conseqüente integração entre a empresa e a comunidade e nem desta entre seus segmentos: jovens, crianças, estudantes, entre outros.

Esse espaço traria benefícios a todos se abarcasse práticas que conduzissem às questões sócio-ambientais locais, mas é restritivo e inibidor, pois não integra diferentes atores sociais, nem na utilização do espaço, nem na formação de parcerias.

A apropriação do local é desigual, com os usuários utilizando-o de forma mais expressiva que a Sabesp, que poderia se valer para agregar valor ao seu negócio.

Para reverter esse quadro, propõe-se dar ao espaço novo formato e novos conteúdos, provocando mudança de aparência e, sobretudo, de essência, alterando a forma de divisão do espaço com um reposicionamento da empresa no projeto e democratizando seu uso, com a inclusão e integração de novos atores sociais.

Essas propostas têm argumentação fundamentada nos seguintes aspectos:

Escola: reflexões de autores sobre educação ao longo da história reforçam da importância da escola usar o ambiente externo à sala de aula para ampliar o conhecimento dos alunos e exercitar a cidadania, ajudando-os a entender o local onde vivem e atuar sobre ele.


A exploração do entorno abre diálogo entre escola e mundo, ampliando a visão das crianças que são multiplicadoras por natureza, pois levam para casa conhecimentos, habilidades e atitudes desenvolvidas na escola.

 

Sabesp: cabe perguntar se ao abrir o reservatório à população, a empresa já não estaria cumprindo um papel social? Ela tem a responsabilidade de suprir o poder público e disponibilizar uma área de lazer, garantindo sua limpeza e segurança? Deve fazer ainda mais do que isso? Por quê?

Uma organização bem sucedida deve saber despertar o empenho e a capacidade de aprender de toda sua cadeia de relacionamento. Para isso, precisa desenvolver uma visão sistêmica, para compreender o mundo e suas inter-relações, repensar idéias arraigadas e rever atitudes.

Projetos concebidos de forma participativa obtêm o comprometimento das partes envolvidas, desde que o objetivo comum seja claro a todos. Oferecem possibilidade de construção coletiva do conhecimento, democratizando a aprendizagem organizacional. Todo e qualquer esforço que eleve o potencial humano de uma empresa é um diferencial competitivo no atual cenário corporativo globalizado.

Pensar o mundo sob uma perspectiva mais ampla é próprio da visão sistêmica e vai ao encontro do modelo contemporâneo da responsabilidade social, que se atenta às ações integradas.

Incorporá-la é uma forma de desenvolver e aprimorar o capital humano, pois faz emergir estratégias empresariais aderentes aos interesses dos diversos atores sociais que se relacionam com a empresa.

 

Público usuário: na sociedade, há várias modalidades de educação: a formal que ocorre em escolas e universidades, e na família; informal que se dá a partir de informações disponíveis nos meios de comunicação, culturais e em outras formas de entretenimento, e pelo convívio entre indivíduos e a não-formal que ocorre na participação social aberta e planejada em atividades lúdicas e prazerosas.

 

Equipamentos destinados às atividades socioculturais, incluindo lazer, também podem ser utilizados como recursos para desenvolver a educação não-formal. Mesmo não sendo necessário que toda atividade corresponda diretamente ao desejo da comunidade, as propostas devem trazer conteúdo que seja novo e interessante, acrescentando novas idéias e experiências aos usuários.

A cidade pressupõe a necessidade de gestão coletiva e havendo a inserção de novos atores no reservatório, esse equipamento poderá servir de palco para discussões e uma aprendizagem que vise à mudança de atitudes.

 

Propostas de intervenção

 

Compostas de ações com justificativas para reativação e reestruturação do projeto:

 

Etapa 1- a) reabrir a biblioteca com acervo relacionado ao tema água divulgando as escolas do entorno e do distrito. Justificativa: promove a inserção de atores com potencial de multiplicação - escolas, viabilizando informações sobre água; fortalecer o projeto; fácil implantação e baixo custo; complementação do acervo das bibliotecas das escolas com ênfase nos negócios da Sabesp.


b) incluir o reservatório do Araçá no programa de visitação monitorada às estações de tratamento de água. Justificativa: o público escolar e outros interessados terão oportunidade de conhecer mais um componente do aparato operacional da empresa, além de espaço disponível para discussão de temas ambientais.

c) criar recursos informativos para diferentes atores discutirem sobre problemas do bairro e da água. Justificativa: estimula a comunidade a participar da escolha e discussão de problemas locais e globais que a afetam, por meio de: folheto ou informativo - com informações sobre a água, empresa e reservatório, buscando uma conexão com os interesses do bairro e do distrito; exposição de maquetes: mostra a necessidade de fazer uso racional da água e a complexidade de seu processo de tratamento; trilha auto-informativa: sensibiliza as pessoas sobre a importância da responsabilidade com o meio ambiente, disponibilizando, pela trilha, informações sobre água, meio ambiente e outros temas de interesse do bairro ou distrito.

 

 Etapa 2 - a) atribuir a gestão e operacionalização do projeto a um Comitê composto por representantes de diversas unidades da empresa - equipe multidisciplinar. Justificativa: integra diferentes visões e múltiplos saberes, fortalecendo alianças internas e externas, o processo de aprendizagem e de trabalho em equipe, a construção, execução e acompanhamento de propostas e ações.

b) utilizar o reservatório do Araçá como área-piloto. Justificativa: o histórico revela forte vínculo do público usuário com o local, além do mesmo ser remanescente do projeto original. A implantação em escopo piloto possibilitará adotar melhorias para disseminação do projeto a outras localidades.

 c) alterar o nome do projeto para Eco-Reservatório. Justificativa: demarca a implantação de uma proposta de maior amplitude, a sócio-ambiental, que engloba as dimensões cultural, esportiva e recreacional previstas na versão anterior.

 

 

Considerações finais

 

O projeto Eco-Reservatório foi desenvolvido em 2003, no curso de especialização em Educação Ambiental da Faculdade de Saúde Pública da USP e apresentado para a Somasu e áreas da Sabesp, sem efetivação de sua implantação. Suas propostas ainda são válidas quando analisadas sob a ótica das demandas sócio-ambientais do município de São Paulo, em especial a questão da água e da carência de áreas verdes.

Em relação à água, nota-se seu alinhamento com o atual planejamento estratégico da Sabesp, que prevê sua transição de prestadora de serviços de saneamento para uma organização de soluções ambientais. O meio ambiente passa a ser um objetivo estratégico, destacando-se a nova proposta de política ambiental a ser implantada pela recém-criada Superintendência de Gestão Ambiental, incumbida também de dar impulso à Educação Ambiental.

Em sintonia com a necessidade de desenvolver ações integradas, a Educação Ambiental na empresa deverá prever parcerias com outras esferas governamentais e comunidades locais.


Quanto à carência de áreas verdes no município, planeja-se a ampliação do nº de parques na capital de 33 para 72, até o fim de 2008, o que reforça a consonância do projeto Eco-Reservatório com políticas públicas, eliminando qualquer dúvida em relação à relevância de seu conteúdo no atual contexto de busca permanente pela melhoria da qualidade de vida em nossa cidade.

 

Para as escolas e a comunidade, o projeto se reafirma ao prever a mobilização de professores, alunos, funcionários, pais e população em geral, na intervenção da realidade local, permitindo que percebam a interferência do homem no ambiente, compreendendo a relação existente entre os contextos sociais e ambientais.

 

A humanidade está despertando para a necessidade de preservar o meio ambiente como forma de salvar sua própria espécie, por isso, precisa firmar um pacto em prol da construção da cidadania, onde a soma de esforços e diferentes saberes são indispensáveis para a reversão do quadro de desordem e degradação da qualidade de vida em boa parte do planeta.

 

 

Elisa Yara Adda  

Coordenadora de projetos de pesquisas socioeconômicas da Fundação SEADE. Cientista Social, Pós-Graduada em Recursos Humanos e em Psicologia Social das Organizações, Educadora Ambiental e graduanda em Geografia.

eadda1@uol.com.br

 

Ernani Roic

Analista de Recursos Humanos da Superintendência de Planejamento e Desenvolvimento da Diretoria Metropolitana da Sabesp. Administrador de Empresas, Pós-Graduado em Recursos Humanos e

 Educador Ambiental

eroic@sabesp.com.br

Ilustrações: Silvana Santos