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Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
01/06/2015 (Nº 1) Entrevista com: Antonio Fernando S. Guerra sobre Educação Ambiental
Link permanente: http://www.revistaea.org/artigo.php?idartigo=5 
  

Fico honrado pelo convite para abrir essa coluna da Revista Educação Ambiental em Ação. Precisávamos, há muito tempo, de uma iniciativa como esta. Parabéns gente.

Com poucas palavras, como você define Educação Ambiental?

Sou um pouco avesso a definições fechadas. Peço desculpas as pessoas veteranas na área, mas seria mais interessante falar de um breve histórico da evolução do conceito de Educação Ambiental (EA), desde o seu aparecimento em 1965, na Royal Society of London, quando foi associado à preservação dos sistemas vivos. Já na década de 70, a União Internacional de Conservação da Natureza (UICN) associou o mesmo à conservação da biodiversidade. Como um prolongamento da histórica Conferência de Estocolmo (1972) e da Reunião de Belgrado (1975), na Conferência Intergovernamental de Educação Ambiental promovida pela UNESCO em Tbilisi (Geórgia, ex-URSS), em 1977, a Educação Ambiental (EA) foi definida como "um processo de reconhecimento de valores e elucidação de conceitos que levam a desenvolver as habilidades e as atitudes necessárias para entender e apreciar as inter-relações entre os seres humanos, suas culturas e seus meios físicos. A EA também envolve a prática para as tomadas de decisões e para as auto-formulações de comportamentos sobre os temas relacionados com a qualidade do meio ambiente". No Fórum das ONGs, realizado paralelamente à Conferência Rio 92 (o qual produziu a Agenda 21), referendando e ampliando o conceito anterior, o Tratado de Educação Ambiental para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global, "reconhece o papel central da educação na formação de valores e na ação social e para criar sociedades sustentáveis e eqüitativas (socialmente justas e ecologicamente equilibradas)", e considera a EA "um processo de aprendizagem permanente baseado no respeito a todas as formas de vida, o que requer responsabilidade individual e coletiva em níveis local, nacional e planetário". Como se vê, aqui já se constata uma profunda transformação de uma visão extremamente naturalista e antropocêntrica (animais e plantas servem para...), confundindo natureza e meio ambiente (que é uma representação social), para uma conceituação que envolve outras dimensões, além da ecológica: afetiva, social, histórica, cultural, política, ética e estética. A própria Constituição de 1988 e a Lei da EA (Lei 9795 de 27/4/1999) incorporam esta evolução conceitual, como se vê no art. 1º da mesma: "Entende-se por educação ambiental os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade".

Há quanto tempo você trabalha com Educação Ambiental e o que o levou a escolher este caminho?

Os meus 20 anos no movimento Escoteiro em Curitiba, me fez desenvolver um amor incondicional pela vida, em todas as suas formas, tanto que, a contragosto dos amigos, resolvi fazer o Curso de Biologia lá nos idos do final da década de 70 do milênio passado. Acabei professor de Ciências e Biologia, e teimosamente resolvi preencher as enormes lacunas de minha formação, migrando em 79 para o Rio Grande do Sul onde fui fazer uma Especialização em Ecologia e Problemática Ambiental na UNISINOS, em São Leopoldo. Lá tomei contato com o movimento ambientalista gaúcho, na época liderado pelo nosso agora saudoso José Lutzemberger. Para melhorar o orçamento do magistério realizei um concurso no antigo IBDF (hoje IBAMA) onde trabalhei dois anos na fiscalização de fauna e flora. De lá comecei a fazer cursos e depois fui chamado a trabalhar com formação de professores das séries iniciais no antigo PROCIRS – Programa de Treinamento de professores de Ciências do RS. Naquela época conheci o Projeto Natureza, idealizado pelo Prof. Georg Hennig. Foi o trabalho dele que me incentivou a trabalhar com Ecologia nas escolas em que atuava. Acabei me convencendo que ensinar apenas conceitos ecológicos não era o suficiente, e no final da década de 80 comecei a trabalhar com oficinas pedagógicas numa perspectiva interdisciplinar, juntamente com a Lu, minha esposa. Esse trabalho com a Oficina "Nosso corpo: esse (des)conhecido", meu tema de pesquisa no mestrado em Educação da UFSC, me apresentou a Foucault, a Guattari e suas três ecologias e ao Capra. Aí me dei conta que nossa oficina trabalhava justamente com a ecologia interior (da subjetividade) abrindo assim a possibilidade para a sensibilização para as questões ambientais das outras "ecologias", que transbordavam das representações de natureza e meio ambiente expressas nos desenhos e painéis que realizávamos com os participantes. Criamos então um jogo chamado "Jogo do meio ambiente" em que procurávamos identificar e trabalhar a partir destas representações através da confecção de "mapas conceituais". Como sou anarquista desde criancinha, resolvi dar uma virada em minha formação e procurei estabelecer uma ponte entre a área de educação e das tecnologias. Parti para um doutorado em Engenharia de Produção onde procurei investigar os limites e possibilidades de organização de um Ambiente de Aprendizagem Cooperativa para Educação Ambiental em áreas Costeiras. Organizei então um grupo de 15 professores de 3 escolas do litoral norte de SC (Itajaí e Bombinhas) e realizamos o Projeto EducAdo – EA em áreas costeiras usando a WEB como suporte (disponível em http://www.cehcom.univali.br/educado). Este projeto acabou sendo conhecido via WEB e me apresentou as listas de educadores ambientais como as da Rede Brasileira de Educação Ambiental (REBEA), da Rede de Educação Ambiental do Vale do Rio Itajaí (REBEA) e da nossa lista de EA. Através delas tenho feito amigos e amigas virtuais.

Quais foram as maiores dificuldades encontradas no percurso trilhado?

Dificuldades são aquelas de todo o professor(a): salário miserável, falta de reconhecimento, trabalhar em duas ou três escolas... Mas chega uma época da vida, como aconteceu comigo e Lú, que a gente cansa de se lamentar da própria desgraça e resolve fazer alguma coisa por si mesmo e para tornar este mundinho um pouco melhor do que o encontramos (principalmente agora que o xerife Busch parece querer detoná-lo de vez). Nós temos uma tradição judaico-cristã e pedagógica de que temos de sofrer para aprender. No meu caso, sempre tive e continuo tendo um grande prazer pelo trabalho de aprender a aprender. Foi assim com minha dissertação e minha tese. Terminei-as cansado, mas feliz de poder compartilhar com outros(as) os caminhos que trilhei.

O que você, com toda sua experiência, tem a dizer aos/as professores/as que ainda não encontraram um caminho adequado para trabalhar a Educação Ambiental com os estudantes, ou que se sentem "perdidos" em relação a esta questão?

Como diria o poeta, não há caminhos, eles se constroem ao caminhar. O que nós professores(as) precisamos, é de uma porção maior de ousadia, que vença o medo, como diziam Paulo Freire e Ira Shor e construirmos nosso projeto político, que prefiro chamar de projeto de vida, perseguindo as utopias possíveis e transformando, na colaboração e solidariedade, o que parece impossível, quando pensado sozinho.

Se você tivesse que escolher uma só palavra que identifique a Educação Ambiental, qual escolheria e por quê?

Escolheria, sem dúvida V+ I+ D+A. Tenho sido convidado para algumas palestras e gosto de terminá-las com uma imagem que ganhei de uma amiga que trabalha com arte. Mostra um vaso com uma pequena planta projetando a sombra de uma árvore. Para mim a EA representa essa semente plantada no coração de cada um. Acredito, que através da sensibilização, se pode chegar a conscientização (no sentido freiriano da ação – reflexão –ação e do engajamento para a transformação da realidade). O sentir provoca a razão, a cognição, nossos saberes, levando-nos a pensar e agir globalmente; a usar nossas habilidades e competências para saber fazer. Mas sentir, pensar, fazer, não são suficientes sem o querer e o agir, ou seja, se soubermos usar o poder de nossa ação, para minimizar ou resolver problemas ligados à problemática ambiental, estaremos exercendo nossa cidadania planetária, e assim podemos sonhar e criar, de forma cooperativa, novas formas de saber Ser e de conviver com o outro(a).

Qual foi a atividade mais significativa que você participou ou elaborou, na área de Educação Ambiental?

Sem dúvida foi o Projeto EducAdo. Fez um ano agora que defendi a tese, mas ainda tenho gravado na memória e no coração o momento quase ao final da minha apresentação em que, lá de Florianópolis, passei a palavra aos professores e professoras que assistiam a defesa por teleconferência lá em Itajaí, a 85km, para que concluíssem minha apresentação avaliando a vivência deles no projeto. Foi um momento especial, principalmente porque três das professoras hoje estão fazendo o mestrado aqui na UNIVALi onde trabalho, e duas delas são minhas orientandas, desenvolvendo suas pesquisas no acompanhamento do desdobramento do projeto em uma das escolas envolvidas , e que produziu ao final seu próprio projeto de EA, buscando a inserção da dimensão ambiental no currículo.

Quais são, para você, os principais problemas enfrentados para a consolidação da prática da Educação Ambiental?

Além da falta de engajamento das pessoas nas questões ambientais para além dos muros da escola, de muito discurso de denúncia, mas pouca ação efetiva para transformar a realidade, um dos problemas é a inexistência de fóruns de discussão sobre aspectos teórico-metodológicos da EA, sejam eles presenciais ou virtuais. Costumo dizer que existem projetos e ações fabulosas em EA espalhadas pelo Brasil, mas muitas restritas ao seu "nicho" local. Acredito que este problema seria minimizado com a utilização das tecnologias como suporte, que viabiliza uma participação mais efetiva dos educadores ambientais nas listas de discussão de EA na Internet, como a moderada pela Bere, que já tem dois anos e congrega aproximadamente 300 participantes do Brasil e exterior, e também de outras como a da REBEA. Por esta falta de com quem discutir e de clareza sobre os princípios, as práticas e a história da EA, tem gente fazendo muita coisa por aí e chamando esses trabalhos de EA. Mas, para nossa tristeza, muitos carecem de uma fundamentação, principalmente os realizados em algumas escolas que resumem-se apenas a comemorações de datas festivas (dia da árvore, Semana do Meio Ambiente) e campanhas equivocadas de reciclagem para ganhar materiais e equipamentos sem se darem conta que estão produzindo mais lixo e enriquecendo algumas minorias. Outro problema é da própria formação nas universidades. Até se faz um discurso pela inter e transversalidade, só que o diálogo interdisciplinar raramente se efetiva. Falta um pouco mais de humildade em admitirmos que nenhuma área do conhecimento, sozinha, muito menos a educação, dá conta da complexidade da problemática ambiental. Precisamos então aprender a aprender juntos e construir e ampliar a dimensão ambiental, inserindo-a nos currículos das escolas e universidades a partir de projetos construídos cooperativamente, envolvendo as comunidades de dentro e de fora do ambiente escolar.

Deixe um recado para os/as leitores/as da Educação Ambiental em Ação:

Complementando a resposta anterior, quero enfatizar que os educadores(as) ambientais precisam construir sua identidade, e um bom caminho para isso é ter acesso a informação de qualidade, para se chegar ao nível do conhecimento e da realização de projetos. Ainda que restrita a poucos, acredito que a Internet é um ambiente de aprendizagem cooperativa fundamental para nossa formação. Nesses últimos dois anos tenho conhecido pessoas especiais por esse brasilzão afora graças a essa mídia e as listas de discussão. Sugiro então que se inscrevam e participem ativamente das redes de educação ambiental e das suas listas de discussão. Mas só isso não é suficiente. Nada substitui o "olho no olho", o abraço apertado em um companheiro ou companheira que se conheceu pela rede. Convido então a todos e todas a conhecerem e compartilharem esse abraço aqui no Sul no I Encontro Sul Brasileiro de EA de 9 a 12 em setembro (informações em: http:www.uri.com.br), e no V Fórum Brasileiro de EA, em Belo Horizonte (de 25 a 27 de outubro – contatos: tecresco@terra.com.br). Desculpem se falei demais da EA na escola. Esse é meu mundo que há 18 anos luto para transformar.

Um abraço a todos e todas. Antonio Fernando S. Guerra

Ilustrações: Silvana Santos