Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
22/11/2007 (Nº 21) Como desenvolver uma consciência ecológica?
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EA em Ação 21

Como desenvolver uma consciência ecológica?1

Philippe Pomier Layrargues

Esta pergunta, que todos os educadores ambientais gostariam de ver respondida, é o título do artigo escrito por Vera Mandel, publicado no periódico francês La Recherche em 1992 2. De fato, seu conciso mas provocante texto, revela detalhes extremamente importantes, que muitas vezes são esquecidos quando se trata do planejamento de programas de educação ambiental. Devido à relevância do assunto, vale a pena apresentar um breve relato de seus principais elementos de argumentação, que podem se tornar num eixo de reflexão para o educador ambiental.

A autora questiona por que os indivíduos em geral são resistentes a mudanças de comportamentos, para passar a intervir positivamente na proteção do meio ambiente. Buscando respostas, Mandel se dirige a alguns estudos em psicologia social, cujos resultados apontam que a mudança comportamental não é propiciada, nem mesmo quando os indivíduos são esclarecidos por meio de dados científicos consistentes que demonstrem que suas práticas cotidianas são prejudiciais ao meio ambiente. Relatando alguns experimentos científicos, nos quais os pesquisadores procuraram fornecer informações ao público a respeito dos malefícios do tabagismo, do desperdício energético e da não separação do lixo, a resposta foi a mesma: praticamente não ocorreram mudanças de comportamento provocadas pelo acesso à informação científica.

Uma conclusão plausível, evocada pelos pesquisadores e defendida por Mandel, é de que a simples alusão à probabilidade do risco, não é suficiente para desembocar em mudanças de atitudes. Isso porque o risco é normalmente recebido e interpretado como referente a um outro indivíduo, e não a si próprio. Acreditando que a probabilidade de ocorrência de um risco seja sempre baixa, não ocorrem mudanças comportamentais, e então, prevalece a inércia. Por conseguinte, os indivíduos normalmente apresentam uma percepção e comportamento absolutamente inadequados em relação à possibilidade de ocorrência do risco, fato amplamente relatado na literatura especializada. Para que um indivíduo demonstre estar concernido, apto a promover mudanças comportamentais, ele deveria sentir-se diretamente atingido pelo risco. Pensar que, por exemplo, apenas as gerações futuras podem sofrer as consequências de um possível efeito estufa, não se configura como um elemento capaz de provocar mudanças de comportamentos.

Por outro lado, Mandel lembra que a sensibilização à degradação ambiental parece ser particularmente forte imediatamente após eventos catastróficos e dolorosos, como os derramamentos de petróleo e os acidentes nucleares ou com resíduos tóxicos, que provocam vítimas e danos visíveis. O resultado tem sido uma certa ação – ou reação? – na medida em que se consegue tanto delimitar a magnitude do problema, como identificar com clareza os sujeitos causadores e atingidos.

Por conseguinte, Mandel deduz que o conhecimento de um problema ambiental é condição necessária, mas não suficiente, para a mudança de valores que leve ao surgimento de atitudes positivas, desencadeando a criação de uma consciência ecológica. Ou seja, o domínio cognitivo não resulta linearmente em mudanças comportamentais. Existe algo a mais que deve ser considerado, além da simples transmissão de conteúdos esclarecedores ao público-alvo.

Prosseguindo com o ensaio, Mandel entende que é necessária a identificação dos elementos determinantes dos comportamentos dos indivíduos diante da questão ambiental, o que compreende vários fatores: as características do problema – como as suas consequências de curto ou longo prazo,os seus impactos perceptíveis ou imperceptíveis, duráveis ou temporários, reversíveis ou irreversíveis -, o perfil individual do sujeito – como os seus valores, idade, sexo, classe social, escolaridade –, e o contexto cultural onde ele se insere, uma vez que a conjunção desses fatores determinará o quanto o indivíduo pode sentir-se afetado pelo problema ambiental, a ponto de leválo ao engajamento ativo na resolução do problema considerado.

Seria preciso, portanto, saber avaliar corretamente estas informações, pois elas explicam os comportamentos assumidos, e possibilitam a indicação de ações que possam gerar mudanças de comportamentos. Assim, o conhecimento das representações sociais que o público-alvo possui sobre o tema, se apresenta como um quadro diagnóstico da situação atual encontrada para a identificação dos fatores determinantes das atitudes dos indivíduos. De fato, se a educação ambiental se propõe a transformar valores para criar uma consciência ecológica condizente com comportamentos ambientais saudáveis, a primeira etapa a ser desenvolvida é o prévio mapeamento das representações do público-alvo, para estabelecer um elo entre a situação atual e a situação desejada, já que as respostas individuais aos problemas ambientais são diferentes.

O ensaio de Mandel destinou-se a evidenciar o papel do psicólogo social no tratamento da questão ambiental, sobretudo no domínio da pesquisa aplicada à educação ambiental, onde tudo está por ser feito, uma vez que há uma enorme diversidade de variáveis a serem melhor compreendidas em suas funções determinantes da criação da consciência ecológica.

Mas, no que se refere á educação ambiental, Mandel traz contundentes elementos de argumentação, para alimentar o debate sobre a abordagem dos conteúdos. Há duas correntes em discussão sobre o aspecto determinante da criação da consciência ecológica: uma positiva (o desenvolvimento do senso do prazer, alegria e maravilhamento do contato com a natureza); e uma negativa (o choque traumático das experiências negativas). Apesar desta discussão não ser recente, já que Tanner (1978) havia abordado a questão no início da década de 70, defendendo a hipótese de que a abordagem positiva deve estar presente ao longo de todo o processo educativo, sendo acompanhada pela abordagem negativa apenas na fase final, o debate continua vivo, gerando polêmica entre os educadores ambientais, em busca da maior efetividade de suas práticas.

A posição inicialmente defendida por Schoenfeld (1970)3, e que posteriormente ganhou ampla projeção, de que o temor do risco ambiental não seria o caminho correto para motivar a consciência ambiental, e sim o amor à natureza, é claramente derrubada com os argumentos de

Mandel, que defende implicitamente a abordagem negativa. Pois se é o impacto da experiência negativa que está gerando alguma consciência ecológica, conforme Mandel demonstrou, então não basta apenas desenvolver o sentimento de amor pela natureza, para se transformar comportamentos.

Ou seja, aqui tudo indica que a abordagem negativa tenha uma maior eficácia que a positiva. Esta posição parece estar suficientemente defendida por Riechard (1993)4, quando o autor enfatiza que os educadores parecem perceber o estudo do risco ambiental como se estivesse fora de seu domínio, pois seria de competência específica de técnicos, e não de educadores. Todavia, considerando que a percepção do risco ambiental não é inata, e sim aprendida, o autor entende que, este assunto deveria ser abordado no interior da educação ambiental. Riechard conclui que enquanto os comportamentos ambientais sadios forem a finalidade última da educação ambiental, e isto depender da correta percepção do risco ambiental, então a alfabetização do risco através da abordagem negativa é o elo que falta na educação ambiental. Riechard compartilha da opinião de que os indivíduos, em geral, apresentam percepções distorcidas do risco ambiental, e assim, uma necessidade básica ad educação ambiental seria aproximar a percepção do indivíduo ao significado real do risco, evitando-se tanto subestimá-lo como a superestimá-lo. Isso feito, a nova percepção naturalmente se materializa através da incorporação de novos comportamentos, que eliminam ou minimizam o potencial do risco.

Porém, em posição contrária, Shallcross (1996)5 supõe que é a abordagem positiva e não a negativa, o elo que falta à educação ambiental para a criação da consciência ecológica. Shallcross defende o argumento de que os novos padrões comportamentais estão intimamente vinculados com mudanças de atitudes, e estas são derivadas sobretudo de processos afetivos positivos. Daí, entende que o sentido de prazer e deslumbramento com a natureza cria as oportunidades corretas para as mudanças de comportamento.

Neste velho mas intrincado debate, a novidade é que existe uma cobrança por resultados, cada vez maior6, que demonstrem de fato a ocorrência de mudanças de comportamentos nos educandos, propiciadas pelo processo educativo. Se o objetivo de um programa de educação ambiental for “conscientizar o público”, que indicadores teremos para concluir que o processo obteve êxito? Parece ser a hora – fugindo de tendências maniqueístas optando-se por um ou outro tipo de abordagem – de se pensar no desenvolvimento de pesquisas aplicadas à educação ambiental que dêem conta de esclarecer como abordar esta questão, para conferir uma maior eficácia à educação ambiental.

Portanto, desconsiderando o que parece ser consenso, como é o caso por exemplo da não inclusão da educação ambiental como disciplina no ensino fundamental, da sua transversalidade no currículo, e da necessidade dos conteúdos abordados transcenderem o reducionismo biologizante, é necessário definirmos prioridades de ação concentrando nossos olhares sobre os dissensos. Qual é a correta medida da relação entre conteúdos e metodologias, domínio afetivo e cognitivo e abordagem positiva e negativa? E sobretudo, qual é o tipo de consciência ecológica que está sendo criada a partir da miríade das combinações possíveis entre estas variáveis? A questão não é simples, são inúmeros elementos em jogo apontados por Mandel. A equação a resolver é extremamente complexa, pois não há uma relação de causa e efeito direta que seja a determinante do desenvolvimento da consciência ecológica.

 

1 In: TAMAIO, I. & SINICCO, S. (Coords). Educador Ambiental: seis anos de experiências e debates. São Paulo: WWF. p. 95-99. 2000.

2 Andel, V. Comment développer une conscience écologique? La Recherche, 243(23):664- 666. 1992.

3 Schoenfeld, C. After teach-ins... what? The Journal of Environmental Education, 2(1):6. 1970.

4 Riechard, D.E. Risk Literacy: is it the missing link in environmental education? The Journal of Environmental Education, 25(1):8-12. 1993.

5 Shallcross, A. Caring for the environment: can we be effective without the affective? Environmental Education and Information, 15(2):121-134. 1996.

6 Dietz, L.A. EA: precisamos mostrar resultados concretos. Educador Ambiental, 1(2):3. 1994.

 

Fonte: http://material. nerea-investiga. org/publicacoes/ user_35/FICH_ PT_40.pdf

Ilustrações: Silvana Santos