Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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14/12/2006 (Nº 19) ESCOLA-COMUNIDADE-AMBIENTE: UM RELATO DE SALA DE AULA.
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ESCOLA-COMUNIDADE-AMBIENTE: UM RELATO DE SALA DE AULA

 

 

Ignez Iecker(a), Maylta Brandão dos Anjos(b) & Giselle Rôças(b)

 

 

a) Professora do Colégio Estadual Professora Adélia Martins.

 

 

b) Docentes do Mestrado Profissional em Ensino de Ciências da Saúde e do Ambiente do Centro Universitário Plínio Leite. Rua Visconde do Rio Branco, 123. Cep: 24020-000.Niterói, RJ. 

 

Autor para correspondência: grocas@gmail.com

 

(021) 21991439

 

 

 

Resumo

 

O presente estudo apresenta um relato de sala de aula, no qual uma professora buscou através do ensino de química despertar uma visão contextualizada de ambiente. A fim de identificar junto aos alunos as informações referentes às dimensões socioambientais do entorno da escola, foi aplicado um questionário composto por perguntas abertas e fechadas, cujo preenchimento foi realizado pelos alunos do ensino médio. O objetivo foi o de identificar como os alunos expressavam o conhecimento acerca do patrimônio socioambiental, focando a realidade do local em moram. A análise dos dados revelou a visão dos alunos, construídas acerca da sua comunidade e do papel da escola na prática da Educação Ambiental, as quais foram categorizadas em visão naturalizada, dicotômica e integrada. Observamos que a visão dos alunos está concentrada nas duas primeiras categorias, mas que a partir das atividades desenvolvidas pela professora deu-se início a uma modificação da mesma.

 

 

Palavras-chave: Comunidade, Educação Ambiental, Ensino de Química.

 

 

Introdução

 

As discussões sobre o meio ambiente vêm sendo abordadas pelos diferentes setores da sociedade desde os meados da década de 60, com um enfoque mais direcionado para as atividades escolares no Brasil a partir da segunda metade da década de 80. Nesse momento, os professores que trabalhavam a Educação Ambiental ainda não possuíam um aprofundamento epistemológico acerca da temática, o que colocou o tema numa grande arena de debates e disputa de conceitos. A visão de ambiente naturalizado estava presente nas práticas e nas visões de muitos profissionais da educação que trabalhavam nessa questão. Tal fato pode ser comprovado a partir da disciplinarização da EA e de uma análise dos currículos escolares, onde a discussão não acontecia de forma integrada e contextualizada. Hoje observamos que ainda estamos construindo os conceitos e as práticas relativas a EA, entretanto este caminho aponta pistas de reflexões profundas sobre os conflitos que envolvem o ser humano, o ambiente habitado e o desenvolvimento de comunidades.

 

Neste sentido, várias tentativas têm sido realizadas para que a construção de uma visão mais integrada de ambiente seja trabalhada nos espaços escolares (Canela, et al, 2003; Almeida, et, 2004; Seniciato e Cavassan, 2004). O presente estudo vem apresentar um relato de sala de aula, no qual uma professora de ensino médio buscou através do ensino de química despertar uma visão contextualizada de ambiente. O que está de acordo com a proposta de Silva e Inforsato (2000, p. 170), que alegam que “entre os educadores envolvidos com a temática ambiental há um aparente consenso sobre a forma de se abordar o trabalho educativo que tenha por objetivo analisar e identificar o quadro de degradação existente”. Para os mesmos este trabalho deve ir além dos aspectos técnicos. Dentro desta linha de pensamento consideramos os aspectos sociais, políticos, culturais e econômicos, sobretudo circunspectos, ao entorno da escola estudada, partindo assim de uma análise local, para a compreensão do global.

 

De acordo com Medina (1994), Pinto (1994) e Werneck (1995) há algum tempo, professores e pedagogos vêm discutindo sobre a necessidade de transformação dos procedimentos de ensino e aprendizagem, sobretudo no que diz respeito a superação de arraigadas heranças da Escola Tradicional, tais como a ênfase na transmissão de conteúdos que leva à passividade do aluno e a indesejada separação escola-vida. Sabemos que o mundo contemporâneo exige uma educação de engajamento, que possibilite aos jovens o enfrentamento de situações socioambientais. Seguindo tal orientação, nos baseamos na seguinte pergunta para nortear nosso estudo: como se constrói com os alunos, na mediação escola-comunidade, questionamentos ambientais, buscando fomentar o desenvolvimento de um pensamento reflexivo e participativo com a sua comunidade?

 

 

 

A coleta e tratamento dos dados

 

 

A fim de identificar junto aos alunos quais eram as informações referentes às dimensões socioambientais do entorno da escola, para além dos debates em sala de aula, foi aplicado um questionário composto por perguntas abertas e fechadas, cujo preenchimento foi realizado pelos alunos do 1º ano diurno (turma 1001) do Colégio Estadual Professora Adélia Martins. O objetivo foi o de identificar como os alunos expressavam, de uma forma mais objetiva, o conhecimento acerca do patrimônio socioambiental, focando, sobretudo, a realidade vivenciada no local em que eles moram (o bairro Coelho). A análise dos dados foi feita com base em cálculos percentuais, sendo os resultados apresentados em gráfico ou tabelas de acordo com a necessidade, a partir da análise do conteúdo das respostas dadas. Desta forma, essas discussões redundaram em análises que revelaram a visão dos alunos, construídas acerca da sua comunidade e do papel da escola na prática da Educação Ambiental. Inspiradas em Reigota (1995), para análise do conteúdo nos baseamos em categorias. Para tal estabelecemos: naturalizada, dicotômica e integrada.

 

O público-alvo foi composto de uma amostra de 40 alunos, sendo 40% do sexo masculino e 60% do sexo feminino. A idade média foi de 16 anos, e cerca de 25% dos entrevistados já trabalham. Destes, 50% atuaram no setor de comércio e na prestação de serviços, revelando que desde cedo esses jovens já estavam no mercado de trabalho, o que possibilitou um amadurecimento de suas visões sobre as realidades sociais.

 

Os alunos foram estimulados a pesquisar em livros, revistas e textos para leitura, além das discussões e reflexões sobre a problemática socioambiental. A partir do diálogo e debates, constituiu-se um espaço próprio para a realização da pesquisa. Os tópicos relacionados a química, ao ambiente e a sociedade, eram trabalhados pela professora, que ampliava a discussão associando os conhecimentos científicos ao debate socioambiental, procedimento este que está de acordo com o referido por Robottom (1983), o qual defende as discussões científicas associadas ao discurso social, minimizando distorções no processo de Educação Ambiental.

 

 

 

Percepções socioambientais dos alunos

 

 

Para a investigação das percepções dos alunos utilizamos as seguintes categorias de análise: naturalizada, dicotômica e integrada.

 

Dentro da categoria naturalizada consideramos a natureza composta pelos elementos: ar, flora, recursos hídricos, fauna, natureza, solo e luz do sol, sem evidenciar uma relação entre ser humano, ambiente e sociedade. 76,58% dos alunos apresentaram tal visão.

 

Na categoria dicotômica, os alunos percebem o homem e a natureza em pólos opostos. Ou seja, ou o homem dominando essa natureza, ou a natureza vitimizada pelo homem. 18,02% dos alunos abordaram essa temática utilizando as seguintes noções: ser humano isolado do natural e social, ambiente urbano, poluição e desmatamento.

 

Assumimos como categoria integrada a relação construída entre o ser humano, a natureza e a sociedade. Para esta categoria associamos as seguintes respostas dos alunos: exploração do trabalho infantil, desemprego, pichação e vida. 3,6% dos alunos apresentaram essa visão. 1,8% não responderam a essas questões.

 

Na tabela 1 podemos observar que as visões naturalizada e dicotomizada prevaleceram em detrimento da visão integrada. Esta situação é bastante representativa da reprodução e da construção de sociedade vivenciada, ou seja, reproduz-se ai uma percepção fragmentada, compartimentalizada, onde os elementos socioculturais ainda não são totalmente associados a visão de ambiente.

 

Essas visões têm sido recorrentes em trabalhos realizados em espaços formais de ensino com a temática ambiental, entre eles podemos citar Silva e Inforsato (2000), Tomazello e Ferreira (2001), Gazzinelli (2002), Canela et al (2003) e Guerra e Taglieber (2003).

 

            Quando questionados sobre aqueles que são responsáveis pelo agravamento dos problemas ambientais (figura 1), observamos que os alunos julgam que o governo (40%), a sociedade (28%) e as atividades dos diferentes setores (23%) são os principais poluidores, denotando uma percepção mais coletivizada das responsabilidades socioambientais. Impactos causados pelos gases estufa, o buraco na camada de ozônio e o aquecimento global foram as principais alterações apontadas pelos alunos.

 

Desta forma, analisamos que a crítica se inicia pela reprovação do comportamento de omissão do governo – o que para nós já se constitui num fato bastante interessante - entretanto, os alunos se colocam como que à parte do problema, quando deveriam se incluir no mesmo. A leitura é realizada como se fossem expectadores de tal situação. Tal fato redunda em várias análises político-sociais, uma delas, atribui-se a própria marginalidade e invisibilidade que populações de bairros periféricos, como o bairro do Coelho, são colocados.

 

Quanto à consciência da taxa de degradação do meio ambiente, mais da metade dos alunos consideram que as pessoas sabem que degradam o meio ambiente, o que provocou uma discussão relativa à necessidade de mudanças nos hábitos de consumo visando protegê-lo. O que é reforçado quando a maior parte dos alunos confessa não participar de ação em favor da causa ambiental. Os que participam (8%) citam como ação principal, a orientação sobre como não prejudicar o meio ambiente e como coletar o material reciclável, predominando o mito da reciclagem (Miranda et al, 2005).

 

 

 

Os desdobramentos da pesquisa

 

 

 

A partir do espaço de debate e aprofundamento das discussões sobre o ambiente, pudemos perceber o envolvimento e a mudança de percepção dos alunos quanto aos problemas ambientais locais a partir das atividades extraclasse desenvolvidas por eles. Os alunos elaboraram e executaram uma peça teatral sobre o tema meio ambiente; montaram uma exposição de fotos tiradas no entorno da área em que vivem, e elaboraram um guia socioambiental no intuito de divulgar e manter o trabalho até então desenvolvido. Freire (1979) assinala que a educação deve promover junto aos alunos meios que o capacitem a refletir sobre si mesmo e sobre sua realidade, percebendo que esta é dinâmica e constantemente em construção, o que acreditamos ter sido iniciado neste trabalho, que resulta no presente relato de sala de aula.

 

Todas as atividades realizadas junto aos alunos seguem as orientações expressas nos Temas Transversais, uma vez que os próprios foram capazes de associar os assuntos trabalhados com as demais disciplinas do currículo escolar, o que está de acordo com os PCN que buscam o favorecimento da “formação de valores e atitudes do sujeito em relação ao outro, à política, à economia, ao sexo, à droga, à saúde, ao meio ambiente, à tecnologia, etc” (BRASIL, 1997, p.47).

 

Percebemos in loco que as atividades escolares devem buscar o entendimento e a participação na e da realidade vivida pelos alunos, levando em consideração a sua cultura, seus valores e as percepções que possuem acerca do mundo.

 

Moe (1990) ao analisar as Políticas de Educação Ambiental da Austrália indicou sete características que são fundamentais em projetos de EA, dentre as quais destacamos: estar baseado em situações do cotidiano, estabelecer uma crítica social, orientar os alunos para uma ação reflexiva e estimular o trabalho em grupo por parte dos mesmos. Após avaliarmos cada uma das etapas propostas e vivenciadas por professora e alunos ao longo de todo este projeto, percebemos que ele atendeu algumas das características básicas para um projeto ambiental.

 

 

 

Agradecimentos

 

A diretora da escola, Maria Caetano, que permitiu a realização desse trabalho de sensibilização nessa Instituição de Ensino e aos alunos da turma 1001 que participaram desse trabalho com empolgação e dedicação.

 

 

 

Referências bibliográficas

 

 

ALMEIDA, Luis Fernando Rolim; BICUDO, Luis Roberto Hernandes e BORGES, Gilberto Luiz de Azevedo. Educação ambiental em praça pública: relato de experiências com oficinas pedagógicas. Ciência e Educação, v.10, n.1, p. 121-123. 2004.

 

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais. Vol. 08. Brasília, MEC/SEF, 1997.

 

CANELA, Maria Cristina, RAPKIEWICZ, Clevi Elena e SANTOS, Angélica Freitas. A visão dos professores sobre a questão ambiental no ensino médio do norte Fluminense. Química Nova na Escola, n. 18, p. 37-41. 2003.

 

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 21ª ed., 1979.

 

GAZZINELLI, Maria Flávia. Representações do professor e implementação de currículo de educação ambiental. Cadernos de Pesquisa, n. 11, p. 173-194. 2002.

 

GUERRA, Antonio Fernandes Silveira e TAGLIEBER, José Erno. A inserção da educação ambiental no currículo: o olhar dos pesquisadores de um programa de mestrado em educação. Anais do 26º Encontro da ANPED, Caxambu, 2003.

 

MEDINA, Nana Minimi. Amazônia - Uma proposta interdisciplinar de educação ambiental. Brasília, Ministério do Meio Ambiente e da Amazônia Legal, 1994.

 

MIRANDA, Antonio Carlos, SILVA, Elisabeth Moreira e MONTEIRO, Rafael Carneiro. A dimensão do mito: na cosmologia; na educação ambiental; na história em quadrinho, São Paulo: All Print Editora, 2005.

 

MOE. Ministerial Policy for Enviromental Education. Melbourne, Victoria, Ministry of Education, 1990.

 

PINTO, Álvaro Vieira. Sete lições sobre educação de adultos, São Paulo: Cortez. 1994.

 

REIGOTA, Marcos. Meio ambiente e representação social, São Paulo: Cortez, 1995.

 

ROBOTTOM, Ian. Science: a limited vehicle for enviromental education? Australian Science Teacher Journal, v. 29, n. 1, p. 27-31. 1983.

 

SENICIATO, Tatiana e CAVASSAN, Osmar. Aulas de campo em ambientes naturais e aprendizagem em ciências – um estudo com alunos do ensino fundamental. Ciência & Educação, v. 10, n. 1, p. 133-147. 2004.

 

SILVA, Luciano Fernandes e INFORSATO, Edson do Carmo Algumas considerações sobre as críticas ao conhecimento científico moderno no contexto do processo educativo e a temática ambiental. Ciência & Educação, v. 6, n. 2, p. 169-179. 2000.

 

TOMAZELLO, Maria Guiomar Carneiro e FERREIRA, Teresa Raquel das Chagas. Educação ambiental: que critérios adotar para avaliar a adequação pedagógica de seus projetos? Ciência & Educação, v. 7, n. 2, p. 199-207. 2001.

 

WERNECK, Hamilton. Ensinamos demais, aprendemos de menos, Petrópolis, Vozes. 1995.


 

Tabela 1 – Índice percentual das opiniões dos alunos sobre quais elementos integram o meio ambiente.

ELEMENTOS QUE FAZEM PARTE DO MEIO AMBIENTE

%

Derramamento de petróleo, lixo e esgoto dos navios, nas águas dos oceanos, rios e lagos

9

Lixo urbano abandonado nos espaços públicos (papéis, latas de refrigerantes/cervejas, restos de comida, pontas de cigarro etc); lixões saturados; lixo tóxico produzido por indústrias (borras de tinta, graxas, resinas, óleos lubrificantes, parafinas, solventes e pesticidas); material contaminado descartado por ambulatórios, hospitais e centros de pesquisa química e biológica

9

Contaminação do ar através dos gases expelidos pelo transporte urbano

8

Queimadas, desmatamentos e erosões dos terrenos

8

Esgoto não tratado: valões a céu aberto; desaguamento dos esgotos em rios e costas

8

Contaminação do solo e dos produtos agrícolas pelo uso excessivo de agrotóxicos

6

Desperdício de água nos centros urbanos

6

Turismo depredador e poluidor (por onde passa deixa um rastro de lixo e destruição)

6

A contaminação provocada pelo chumbo, mercúrio e jateamento de areia (causadora da silicose ou “pulmão de pedra”) na saúde dos trabalhadores

6

Caça e pesca sem controle

6

Exploração dos recursos naturais dos países pobres pelos países ricos

4

Propaganda excessiva de qualquer natureza, através de cartazes, outdoor, muros e postes de luz pichados

4

Proliferação de comunidades carentes na periferia das grandes cidades

3

Desrespeito à diversidade cultural

2

Ruídos produzidos por veículos urbanos, obras, aviões, casas noturnas e bares, vizinhança mal educada etc

2

Dissipação dos recursos naturais escassos

2

Indústria da seca

2

Injustiça e exclusão social

2

Mortalidade infantil

2

Violência urbana e rural

2

 Exploração do trabalho infantil

2

Monocultura de exportação

1

Excesso de iluminação artificial à noite, nas zonas urbanas

1

Obs. Figura 1 não pode ser incluída por problema de edição.

Ilustrações: Silvana Santos