Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Para Sensibilizar
14/12/2006 (Nº 19) Testamento da água
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Sensibilização

Testamento da água

 

Eu estou morrendo...

Não faz muito tempo eu era limpa e corria alegre no meio das pedras. Meu sonho era chegar ao encontro do mar.

Quando Deus me criou, foi com um grande propósito: a manutenção da vida.

A minha transparência, pureza e potabilidade ficaram para trás. Fui violentada. Hoje sou turva, cheia de impurezas, às vezes fétida. Acho que estou nos meus últimos momentos. Acho que chegou a hora de fazer meu testamento.

Eu, água poluída, outrora límpida e cristalina, ainda em sã consciência, venho, por meio deste, relacionar meus bens e distribuí-los na forma da lei. Presente, as testemunhas: um ecologista; um químico; um industrial consciente, um político honesto e uma criança, todos meus beneficiários.

Para atestar e dar fé a este termo, presente o Senhor Tabelião do 1º Cartório do Meio Ambiente, com sede no resquício de mata atlântica desta cidade. Pelo presente, manifesto meus desejos de forma irrevogável.

1º - Ao ecologista deixo a minha certeza que há necessidade de cada vez mais ampliar o estudo sobre o meio ambiente. Os ecologistas, estudiosos que são, devem ser os profissionais que por intermédio de suas pesquisas e ações, abrirão os olhos da humanidade sobre a importância da preservação dos mananciais hídricos em nome da manutenção da vida no planeta.

2º Ao químico, que vive internado em seus laboratórios, deixo a minha paciência. Por longos anos esperei que as pesquisas científicas fossem capaz de produzir substâncias que me transformasse novamente em água límpida, transparente e cheia de vida. No mundo, de hoje, cada vez mais, há agentes poluidores, produzindo mais e mais lixo. Os que tentam reverter esse quadro não conseguem dar conta de sua tarefa. Haja paciência!

3º - Aos animais, aqui representados por uma onça, que por ser irracional e depender das ações dos homens, para que continue a perpetuação de sua espécie, deixo a minha capacidade de adaptação. Vez por outra seu habitat natural é modificado ou diminuído pelo homem. Ora por sua expansão econômica desordenada, ora por intermédio dos agentes poluidores derramados nos rios e lagos.

Por não ter a capacidade de defender as áreas que habitam, é meu desejo que a criança seja conscientizada para que se torne um futuro defensor dos bens da natureza, em particular os animais, como forma de legar aos seus descendentes a riqueza da fauna hoje existente.

4º- Ao industrial consciente deixo o meu espírito de luta para que o seu exemplo, de se preocupar com o meio ambiente, seja disseminado a todos os outros industriais. Aproveito a oportunidade para agradecê-lo por ter investido recursos financeiros na eliminação de detritos tóxicos e na reutilização da água consumida pela sua fábrica. Tudo isso contribuirá com a melhoria da qualidade de vida no planeta, proporcionando um crescimento sustentável.

5º- Ao político honesto deixo a minha perseverança. Acostumado que está a trocar a retórica demagógica por ações efetivas de cobrança dos governos instituídos, no que concernem as leis existentes, para que continue a insistir em seus propósitos e possa ser mais um aliado na defesa do meio ambiente. Que perseverem em manter nas mentes de seus fiéis eleitores a necessidade de defender a boa causa de manter afastado das florestas e mananciais hídricos os gananciosos empresários nacionais e estrangeiros que só visam o lucro. O que se percebe é que esses inescrupulosos empresários estão tentando reviver a colonização e a espoliação de nossas riquezas naturais. Simplesmente, usam e abusam do meio ambiente para explorar o nosso país.

As ações efetivas dos políticos honestos, comprometidos com o bem comum, devem continuar vencendo aqueles que, dia após dia, só tem como propósito se locupletarem em nome de um falso progresso, conseguindo com isso, tão somente, a destruição do meio ambiente, comprometendo a vida na terra.

6º - Finalmente, à criança deixo a minha esperança de que por suas atitudes, no presente e no futuro, se torne uma pessoa consciente da importância da preservação dos mananciais hídricos puros e livres da poluição, que garantirão a vida na Terra. A criança é a esperança do mundo. É o herdeiro dos bens da natureza. Por tudo isso, deve ser preparado para receber no futuro a maior herança da humanidade: o direito à vida.

A educação infantil deve incluir, em todos os anos de estudo, os ensinamentos de como cuidar do meio ambiente. Como conseqüência disso, resultará um adulto capaz de lutar por um mundo melhor.

 

7º - Aos governantes, que detém a responsabilidade da manutenção dos objetivos vitais da nação, que fique a mensagem de que suas parcas ações têm sido extremamente danosas às gerações presentes e futuras. A inépcia tem sido a tônica. A falta de atitudes coerentes com os discursos eleitoreiros está cansando a população. Em resumo, devem deixar a retórica demagógica para partirem para ações realmente efetivas. Não basta ter um país com imensas riquezas naturais, é preciso ter visão de futuro e comprometimento com o crescimento sustentado, protegendo com firmeza o que nos foi legado por nossos antecessores, ou mesmo, corrigindo o que foi feito de forma errada.

Por fim, para que se cumpram os meus desejos, manifestados nesse testamento, convoco a todos os seres humanos que venham a tomar conhecimento deste documento a se tornarem fiscalizadores do seu cumprimento, em nome de sua própria e da sobrevivência das futuras gerações.

 

Assinado: Água Viva Quase Morta da Silva.

 

Texto de autoria de Mário Fontes

 

 

 

Ilustrações: Silvana Santos