Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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30/05/2022 (Nº 79) OS DILEMAS ENTRE UMA COMUNIDADE DE EX-GARIMPEIROS E EMPRESÁRIOS DO TURISMO NO ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DA CHAPADA DOS VEADEIROS, EM GOIÁS: UMA ANÁLISE PELA PERSPECTIVA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL
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OS DILEMAS ENTRE UMA COMUNIDADE DE EX-GARIMPEIROS E EMPRESÁRIOS DO TURISMO NO ENTORNO DO PARQUE NACIONAL DA CHAPADA DOS VEADEIROS, EM GOIÁS: UMA ANÁLISE PELA PERSPECTIVA CRÍTICA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL



Alessandro Silva de Oliveira1, Agustina Rosa Echeverría2

1Doutor em Ciências Ambientais, orientador nos Programas de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica (ProfEPT) e Mestrado Acadêmico em Educação (PPGE-IFG), docente no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás (IFG), alessandro.oliveira@ifg.eud.br

2Doutora em Educação, orientadora nos Programas de Mestrado e Doutorado em Educação em Ciências e Matemática (PPGECM) e Ciências Ambientais (PPGCIAMB), docente na Universidade Federal de Goiás (UFG), echeverria.ufg@gmail.com





RESUMO: Este estudo resulta de pesquisa de doutorado que foi desenvolvida na Vila de São Jorge localizada no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV) em Goiás. A população, formada basicamente por ex-garimpeiros, vive submetida a situações de difícil sobrevivência para a maioria. Estas são exemplificadas por acentuadas desigualdades socioeconômicas entre os nativos e os empresários do turismo na região e por precariedades nos serviços essenciais que resultam em um quadro hostil de vida na área natural de proteção ambiental. Considera-se que a intervenção da população poderia contribuir para a constituição de melhores condições, porém esta iniciativa é baixa e quase inexistente no povoado. No estudo, que resulta de pesquisa de doutorado, foram investigados, pela ótica da educação ambiental crítica, aspectos nas concepções e atuação dos sujeitos que favoreciam a mais participação da comunidade no contexto da vida social. A coleta dos dados foi realizada por meio de instrumentos sugeridos para as pesquisas qualitativas. Quarenta e quatro pessoas contribuíram com entrevistas, e a análise foi feita empregando-se o método da Análise de Conteúdo, através da técnica da categorização. Concluímos que os aspectos favoráveis a mais participação dos sujeitos são reduzidos, mas podem ser ampliados a um maior número de pessoas pela interação com outro nas associações da Vila, o que favoreceria melhores condições de vida no entorno da área natural protegida.

Palavras-chave: educação ambiental, área natural protegida, desigualdades sociais.



ABSTRACT: This study is the result of doctoral research that was developed in Vila de São Jorge, located near the Chapada dos Veadeiros National Park (PNCV), in the state of Goiás. The population is composed mainly by former miners and most of them are submitted to difficult survival situations. For instance: sharp socioeconomic inequalities between the native people and tourism businesspeople in the region and precariousness in essential services, which result in a hostile living environment in the natural area of environmental protection. We consider that interventions from the population could contribute to the constitution of better living conditions; however, this initiative is low and almost inexistent in the village. In the study, which is a result from doctoral research, we have investigated aspects in individuals’ conceptions and proceedings, through the perspective of critical environmental education, which favored more participation from the community in the context of social life. We have used instruments recommended for qualitative research for data collection. Forty-four people contributed with interviews, and the analysis was carried out using the content analysis method through the technique of categorization. We have concluded that the aspects the favor more participation from the community are reduced; however, they can be widened to a larger number of people through interaction with other individuals in the associations at the village, which could support better living conditions in the protected natural area surroundings.

Keywords: environmental education, protected natural area, social differences.



1. Introdução

Partimos da ideia de que já se reconhece, em vários âmbitos da sociedade, a gravidade dos problemas ambientais aos quais estamos submetidos e pelos quais somos os principais responsáveis. O consumo exacerbado de matéria-prima e produtos, o desaparecimento de espécies, a degradação dos ambientes e as negligências, como as que resultaram nos recentes desastres ambientais e no alto número de mortos decorrentes da pandemia do Covid 19 no país, exemplificam parte desses problemas.

A insegurança socioeconômica e política assola grande parte do mundo. A corrupção, a ameaça à vida, opressões e diversas outras formas de violência levam milhares de pessoas a migrar em busca de outros locais para a sobrevivência.

Trata-se de um cenário cuja crise não se restringe à degradação dos sistemas biogeoquímicos do planeta, mas que permeia as relações com o outro no ambiente. Uma crise de valores da sociedade, na qual recursos e pessoas foram subjugados a um modelo insustentável de civilização.

Diante desse panorama cabe perguntar: o que dizer de uma educação ambiental em tempos como este?

No mínimo, vale afirmar que somente informações sobre os componentes naturais do espaço e formação de posturas ecologicamente corretas são insuficientes e que, diante de tantas questões adversas da atualidade, faz-se necessária uma formação crítica das pessoas para seu enfrentamento.

Nesse sentido, a educação ambiental pode constituir-se como um processo capaz de fornecer subsídios para os desafios da vida contemporânea. O desenvolvimento das capacidades de identificar, problematizar e agir perante as condições de difícil sobrevivência poderia ser uma saída.

Trata-se de habilidades que são exigidas da maioria das pessoas cotidianamente e nos mais diversos graus e circunstâncias. Por essa razão, consideramos a educação ambiental como um processo de formação para a vida.

A constituição de posturas questionadoras, analíticas e atuantes é uma das principais finalidades desse processo, que pretende a constituição de pessoas capacitadas à intervenção nas circunstâncias que lhes dizem respeito. Sobretudo, naquelas que são indispensáveis à luta por melhores condições de vida, em que as desigualdades são acentuadas.

Nesse âmbito, dentre as várias localidades no Brasil que explicitam disparidades socioeconômicas entre as pessoas e carecem de luta por melhores condições de vida deparamo-nos com a Vila de São Jorge, situada nas proximidades do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV) no Estado de Goiás.

Inicialmente, o intuito da pesquisa era analisar as propostas de educação ambiental nos parques do Estado. Mas ao nos confrontarmos com a situação desse povoado, cuja população, em sua maioria, está submetida a circunstâncias que dificultam a sobrevivência no local, fomos levados a percorrer outros caminhos.

A modificação do plano original levou por um súbito momento ao pensamento de estruturar uma “proposta de educação ambiental” para os sujeitos dessa Vila. Mas isso foi logo descartado, dada a percepção de que tal propósito era muito pretensioso, já que um apenas um “curso” não seria suficiente para resolver os problemas da comunidade.

Assumimos que as próprias pessoas do povoado seriam as principais responsáveis pelas mudanças. E estas se dariam pela sua participação mais efetiva nas situações que acarretam condições difíceis de sobrevivência em São Jorge. Com esta posição, propomo-nos a análise de aspectos nas visões e atuação dos sujeitos que seriam favoráveis a uma maior participação por parte deles. Isso posto, delineamos os pressupostos teóricos com os quais mantemos diálogo para a análise.

No campo da educação ambiental, sempre é oportuno lembrar que prevalece uma polissemia de diferentes formas de pensá-la e praticá-la, que vão desde a transmissão de informações sobre os componentes do espaço à transformação das relações humanas. Dessa polissemia emerge a heterogeneidade de intenções que se situam em uma esfera de não neutralidade, com a materialização, consciente ou não, de perspectivas ideológicas variadas (Sauvé, 2005a, 2005b; Carvalho, 2012; Loureiro, 2012).

Nos discursos da educação ambiental existe uma forte tendência a abordagens sobre as características naturais do espaço ou a degradação pela poluição. Prevalecem, em muitas, as características biológicas e físico-químicas da degradação ambiental, privilegiadas em detrimento das dimensões política, social e econômica que caracterizam o espaço do meio ambiente.

Essa visão conservadora expressa a crença de que, transmitindo informações sobre o ambiente, pode-se transformar o “comportamento incorreto” das pessoas. E que a somatória de indivíduos com comportamentos transformados seria a solução para a problemática ambiental, o que não é verdade (Guimarães, 2011; Loureiro, 2012).

Leff (2010) considera que as preocupações voltadas para os aspectos naturais mais contribuem para “ecologizar” o pensamento da sociedade, reduzindo a interpretação das questões socioambientais à descrição ou conservação dos sistemas naturais. Nesse sentido, Foladori (2001) aponta que perspectivas voltadas para essa dimensão promovem um deslocamento da visão sobre a problemática ambiental para entendimentos inseridos em uma ordem “natural”.

Conceber a educação ambiental prioritariamente para a redução da degradação é o mesmo que reduzi-la a um instrumento de gestão dos espaços. As limitações e os riscos de equívocos tornam-se maiores quando visões fundamentadas nesses pressupostos desconsideram outras dimensões sociais. Dentre esses riscos são comuns a despolitização da visão e a ausência de posicionamentos críticos, que contribuem para que interesses hegemônicos se sobressaiam nos contextos sociais.

Os pressupostos da educação ambiental crítica guiam a ótica da análise. Adotamos esse referencial, por considerarmos que tal perspectiva toma o ser humano inserido no espaço de dimensões socioambientais; a vida em sua complexidade e a compreensão das questões ambientais não restritas apenas às dimensões naturais do espaço. Como sua proposta é desveladora e comprometida com a transformação dos contextos sociais, por meio dela seria possível formar pessoas capazes de identificar, questionar, propor soluções e agir frente às questões socioambientais.

Afirmamos, neste estudo, que são necessárias, entre as pessoas, perspectivas que, ao possibilitarem desdobramentos das relações, também favoreçam a identificação dos interesses e posicionamentos dos sujeitos nos locais onde vivem (Dias, 1994; Jacobi, 2003; Guimarães; 2007; Loureiro, 2012; Porto-Gonçalves, 2004; Reigota, 2009).

Nessa perspectiva, a informação é um dos principais meios na construção de conhecimentos, pois possibilita às pessoas aproveitar melhor as oportunidades, exercer seus direitos, reivindicar a provisão de serviços, dentre outros exercícios de cidadania (Saito, 2000; Guimarães, 2004; Loureiro, 2012). Associado a isso, os contextos sociais apresentam elementos que podem ser identificados e potencializados no sentido de favorecer o empoderamento dos sujeitos (Narayan, 2002).

Com base nessas orientações, acreditamos que a participação de homens e mulheres no contexto socioeconômico de suas próprias vidas, atrelada a perspectivas críticas, pode levar ao empoderamento dos sujeitos, aspecto esse fundamental nos quadros de dificuldades para a sobrevivência como é o do local de nosso estudo.

Empoderamento aqui é entendido como um processo dinâmico que visa aumentar a autonomia das pessoas em seus contextos sociais. Geralmente, refere-se a indivíduos ou grupos submetidos a condições de opressão e vulnerabilidade social. Neles, procura-se o desenvolvimento de uma visão crítica e de posicionamentos diante das questões sociais (Friedman, 1992; Narayan, 2002; Romano, 2002; Gohn, 2004; Horochovski & Meirelles, 2007; Wendausen & Kleba, 2009; Baquero, 2012).

Segundo Gohn (2004), pelo empoderamento pode-se ter o impulso de grupos e comunidades na direção de sua autonomia, com melhoria gradual das suas condições socioeconômicas. Com o alargamento do campo de escolha e ação, os sujeitos podem ter um aumento da autoridade sobre os recursos e decisões que afetam a própria vida.

Dessa forma, o empoderamento refere-se ao processo que permite às pessoas construir condições para ter influência, capacidade de ação e decisão. Este processo se dá no desenvolvimento das capacidades dos sujeitos para arbitrarem sobre questões que lhes dizem respeito. E estas, por sua vez, podem ser desenvolvidas também pela educação ambiental crítica. A par disso, a própria participação/ação dos sujeitos em seus contextos sociais levaria ao empoderamento (Friedman, 1992; Narayan, 2002).

Como concebemos, sendo o empoderamento e a participação dos sujeitos processos integrados, acreditamos que a própria atuação dos sujeitos nas dimensões socioambientais de seus contextos poderia estruturar e/ou desencadear processos de empoderamento. Nesse sentido, julgamos ser necessária uma visão não reducionista de espaço e interações e posturas de intervenção em prol de melhores condições para a maioria.

A partir dessas conjecturas nos propomos a análise da mais participação das pessoas da comunidade nas situações que ocasionam condições difíceis de sobrevivência em São Jorge.



2. O contexto sócio-histórico de São Jorge

No Brasil existem várias situações conflituosas ou de vulnerabilidade social nas quais se faz necessária a participação das pessoas. Neste trabalho, focalizamos os contextos sociais das comunidades de áreas naturais protegidas, em específico o da Vila de São de Jorge nas proximidades do PNCV, cujo contexto sócio-histórico é delineado neste tópico.

Nesse contexto notam-se dificuldades de sobrevivência para a maioria da população, que são decorrentes principalmente, das relações que foram instituídas no local e acentuadas com a chegada de empresários do turismo; da marcante desatenção política dos órgãos de gestão do município; e de uma baixa articulação dos sujeitos para fazer frente às situações adversas à vida no povoado e para mudanças nesse quadro social.

A localização geográfica do estudo está representada na Figura 1. O lócus da pesquisa, a Vila de São Jorge, é um povoado formado basicamente por ex-garimpeiros de quartzo. Localizada a menos de dois mil metros da entrada do PNVC (Figura 2), o povoado teve início com a aglomeração de pessoas no local, atraídas pela possibilidade de melhoria nas condições de vida através das atividades do garimpo.

Figura 1 -- Localização geográfica da área da pesquisa, no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, em Goiás

Fonte: Dados de Secretaria de Planejamento do Estado de Goiás. Elaboração cartográfica: Ivanilton José de Oliveira.

Figura 2 -- Localização da Vila de São Jorge, no entorno do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

Fonte: Observatório Geográfico de Goiás – IESA. Elaboração Digital: Wagneide Rodrigues e Loçandra B. de Moraes.



Na condição de garimpeiros, essas pessoas foram abrindo caminhos, trilhas e construindo ranchos, dando origem a “povoados” diversos, que surgiram e desapareceram em meio ao cerrado. De um desses povoados nasceu a Vila de São Jorge (Figura 3), cuja origem remonta, segundo Almeida et al. (2007), a 1912, de um acampamento chamado Garimpão, que fora denominado posteriormente de Baixa dos Veadeiros e batizado, em 1954, como Vila de São Jorge. Em 1996, o povoado tornou-se distrito de Alto Paraíso de Goiás, localizada a 35 km de São Jorge.



Figura 3 -- Vista aérea da Vila de São Jorge nas proximidades do PNCV.

Fonte: Casa de Cultura Cavalheiros de Jorge, Vila de São Jorge, 2014.

Historicamente, as dificuldades para a sobrevivência são as características mais marcantes do quadro social de vida da população. Com a invenção do cristal sintético na década de 1960, o garimpo entrou em crise e a extração de flores secas do cerrado se tornou a principal atividade econômica de subsistência desses sujeitos (Saraiva, 2006).

A coleta e o comércio de flores do cerrado ajudaram precariamente no sustento do povoado. Os relatos são de que famílias inteiras iam para o campo e lá permaneciam por meses. E que, no início da atividade, os comerciantes da região realizavam diretamente a compra das flores, porém, logo apareceram atravessadores, que depreciaram o preço da mercadoria, aumentando com isso, as dificuldades para a sobrevivência no local.

Apesar de as práticas do garimpo já estarem em declínio, muitas famílias ainda sobreviviam da comercialização regional de lascas de cristais. Com isso, a subsistência precária foi mantida por quase duas décadas por meio dessa atividade de venda de lascas, bem como pelo comércio depreciado de flores e por algumas práticas de agricultura de subsistência.

A delimitação da área do Parque, iniciada em 1961, acarretou profundas alterações no modo de vida da comunidade (Domiciano & Oliveira, 2012). A sobrevivência tornou-se ainda mais difícil pela proibição total de atividades relacionadas ao garimpo e pela restrição da agricultura de subsistência com a expropriação da posse da terra, concluída no final da década de 1980 por ocasião da demarcação da área do PNCV.

Muitos homens e mulheres entrevistados para esta pesquisa eram crianças naquela época e outros já eram adultos. Foi comum, nas falas de muitos, o relato sobre a fome enfrentada, os conflitos entre os garimpeiros, a violência física, a morte e o desaparecimento de pessoas nesse período.

O turismo foi proposto, na década de 1980, como uma alternativa para a decadência comercial do cristal e a proibição das atividades de garimpo. De imediato, os garimpeiros tornaram-se guias de turismo e algumas de suas mulheres abriram pequenas pousadas e restaurantes. Logo, desde a década de 1980, os moradores da Vila foram envolvidos, direta ou indiretamente, nas atividades turísticas (Lima, 2013).

O entorno do Parque possui grande potencial turístico pelos atrativos, compostos por sítios arqueológicos, águas termais, formações rochosas, saltos, corredeiras e espaços de beleza cênica (Figura 4). Estes poderiam ser utilizados para estruturar atividades que colaborassem para melhorias nas condições socioeconômicas da maioria daqueles que vivem no entorno do PNCV.

Figura 4 -- Veredas do Jardim de Maitreya

Fonte: Ion David com a colaboração de Eraldo Peres, Márcio Cabral, Ana Rosa Cavalcante, João Lino, Joaquim Lino, Miguel Colaço. Guia Turístico da Chapada dos Veadeiros.



Porém, prevalece, no quadro social da Vila, uma série de vantagens dos “chegantes” sobre os “nativos”. Por exemplo, os chegantes conseguem oferecer aos turistas serviços e opções de acomodação que diferem significativamente dos estabelecimentos dos nativos. Também ofertam melhores preços e opções de alimentação aos turistas, dada sua logística para a aquisição de commodities e as facilidades de estocagem. Os “chegantes” conseguem, ainda, oferecer passeios turísticos mais diversificados e de melhor qualidade.

Importante destacar que atualmente, na Vila, são bastante utilizados os termos “nativos” e “chegantes”. A palavra “nativo” é empregada para identificar as pessoas que têm sua origem relacionada ao garimpo e “chegante” para designar aquelas que escolheram o local para viver ou abrir algum negócio relacionado ao ecoturismo. Os nativos são geralmente guias de turismo, donos de pequenos atrativos turísticos ou proprietários de estabelecimentos modestos; já os chegantes são principalmente ricos empresários, donos de agências ou pousadas e restaurantes sofisticados em São Jorge. A modificação na estrutura social da Vila decorreu da implantação do Projeto Rumo ao Sol e principalmente do Programa de demissão voluntária do governo Collor na década de 1980. Com recursos financeiros da demissão, vários indivíduos migraram para São Jorge e tornaram-se empresários do turismo.

Além dessas circunstâncias, o fato de os empresários “chegantes” serem, em sua maioria, de Brasília, colabora para que tenham contatos políticos que favorecem tanto a divulgação de seus estabelecimentos quanto a ocupação das pousadas nas altas temporadas. Nos próprios meios de divulgação turística do estado, nota-se um destaque para os estabelecimentos cujos proprietários possuem essa origem.

Todo esse contexto acentua as desigualdades socioeconômicas entre os empresários “chegantes” e a maioria da população da Vila. Isso, em conjunto com a pouca organização das pessoas para fazer frente a esse quadro, corrobora para a manutenção de condições econômicas difíceis para a sobrevivência das pessoas da comunidade em São Jorge.

Cabe destacar, aqui, que chamamos de pessoas da comunidade o grupo formado pelos nativos e seus descendentes que vivem no povoado. Também inserimos, nesse conjunto, aqueles que vieram de outros locais, os quais, diferentemente dos empresários chegantes, assumem uma identidade com os nativos, estabelecem vínculos afetivos com eles e compartilham dos ideais de melhores condições de vida para a maioria. Logo, consideramos como pessoas da comunidade de São Jorge os ex-garimpeiros, com suas famílias, que correspondem aos guias de turismo, cozinheiras, artesãos, professores, donos de pousadas e restaurantes modestos, lanchonetes, pessoas que desenvolvem projetos em benefício da comunidade e alguns donos de atrativos turísticos, todos submetidos, em maior ou menor grau, a situações que acarretam condições não favoráveis de sobrevivência na Vila.

Essa conjuntura é agravada pela desatenção dos órgãos políticos para com o povoado. Até o ano de 2020, a Vila não apresentava calçamento nas ruas. A iluminação pública, que surgiu parcialmente em 1997, ainda inexiste em várias partes de São Jorge. Não há bancos, caixas eletrônicos ou postos de combustível no local.

Os serviços básicos são ofertados para a comunidade com precariedade ou inexistem. Não há hospitais ou CAI em São Jorge e os atendimentos emergenciais ocorrem na farmácia. A educação é ofertada somente para as crianças no nível fundamental e é alto o analfabetismo na Vila. A segurança é realizada apenas esporadicamente por viaturas enviadas de Alto Paraíso de Goiás.

Figura 5 -- Vista panorâmica da Vila de São Jorge com suas ruas sem calçamento

Fonte: O Autor.

Todas essas situações que mencionamos acarretam prejuízos à sobrevivência das pessoas desse local e influenciam na constituição de condições sociais, econômicas e políticas adversas à vida desses sujeitos.

É certo que muitas situações de vulnerabilidade social dessas comunidades decorrem da baixa participação e do pouco empoderamento dos sujeitos nas questões que constituem a vida social. Uma maior participação possibilitaria aos sujeitos tomar parte nas ações e decisões em seu contexto. O aumento de sua influência nas resoluções dos problemas, em benefício da maioria, contribuiria para o empoderamento nas questões sociais. E, para tanto, é fundamental objetivar transformações coletivas e não apenas individuais.

Por conseguinte, decidimos analisar, pela ótica da educação ambiental crítica, aspectos presentes nas concepções de meio ambiente, nas concepções/práticas de educação ambiental e nos interesses/e participação dos sujeitos que favoreceriam a mais participação destes no contexto socioambiental do povoado nas proximidades do PNCV.



3. Procedimentos metodológicos da pesquisa

A pesquisa que realizamos é um estudo de caso que foi desenvolvida com visitações a campo, em períodos intermitentes, durante três anos. Foram realizadas dezenove visitações, com permanência no lócus de pesquisa entre quatro e 22 dias.

Participaram do estudo 44 pessoas. Na definição dos participantes consideramos aqueles que fazem parte do cotidiano do povoado e delimitamos seis grupos a partir das principais funções socioeconômicas: Grupo de Guias de Turismo (GGT), Grupo de Proprietários de Pousadas (GPP), Grupo de Proprietários de Agências de Turismo (GPAG), Grupo de Proprietários de Atrativos Turísticos (GPAT), Grupo de Formadores de Opinião (GFOP) e de Agentes Políticos Oficiais (GAPO).

A coleta de dados foi feita mediante observação, com anotações em diário de campo, registro por fotografias, consulta em documentos e informações do acervo do PNCV sobre aspectos sócio-históricos da região e por meio de entrevistas semiestruturadas (Bogdan & Biklen, 1994; Flick, 2009).

As entrevistas são a principal fonte de dados e foram realizadas com os 44 participantes. Para a análise dos dados dessa fonte, escolhemos o método da Análise de Conteúdo de Bardin (2011) e utilizamos a técnica da categorização. A análise permitiu levantar três categorias: concepções de meio ambiente (categoria 1.0), concepções/práticas de educação ambiental (categoria 2.0) e interesses/participação dos sujeitos (categoria 3.0).

Nossa vivência em São Jorge possibilitou compreender melhor a dinâmica nesse lugar. A observação das relações cotidianas permitiu-nos perceber interesses, ações e posicionamentos que contribuíram para as reflexões, como apresentamos a seguir.



4 Resultados e discussão

Os resultados e discussão do estudo sobre as concepções e ações relatadas pelos sujeitos da Vila de São Jorge são embasados nas perspectivas críticas da educação ambiental em diálogo com o conceito de empoderamento. Inicialmente dialogamos acerca das concepções de meio ambiente e concepções/práticas de educação ambiental. Posteriormente apresentamos o que foi apreendido sobre os interesses e a participação relatados pelos sujeitos na Vila.

4.1. Sobre as concepções de meio ambiente dos sujeitos

De início, é importante destacar que, em nosso estudo, consideramos que as concepções de meio ambiente condicionam as formas de interação estabelecidas pelas pessoas com/no seu espaço e influenciam seus interesses e ações (Porto-Gonçalves, 2004; Reigota, 2004; Sauvé, 2005a), levando a implicações diversas na relação dos indivíduos entre si e na sua atuação no ambiente.

Na análise das comunicações dos 44 entrevistados surgiram diversas visões de ambiente, sendo categorizadas em concepções, com fundamento nas definições tipológicas de Sauvé (2001).

As categorias de meio ambiente foram definidas pelas unidades de registro e contexto que emergiram nas comunicações dos entrevistados. São as seguintes: como recurso – que pode ser deteriorado e degradado; como lugar para se viver – nosso ambiente do cotidiano na escola, nas casas, na vizinhança, no trabalho e no lazer; como biosfera – diz respeito a uma concepção de interdependência, que busca o pertencimento e harmonia dos seres humanos com os demais seres vivos.

No estudo, 26 pessoas (59%) apresentaram a concepção de meio ambiente como recurso. Representamos a ocorrência dessa e outras visões no Gráfico 1. Acerca desse resultado, chamamos a atenção para o fato de que sete participantes manifestaram visões híbridas de meio ambiente, como recurso e projeto comunitário, conforme apresentado:

Gráfico 1-- Concepções de meio ambiente entre os sujeitos de São Jorge

Agrupar 16

Fonte: dados da pesquisa, elaborado pelo autor.

A frequência das unidades de registro e contexto nas comunicações corrobora para a inferência de que predomina entre os sujeitos a visão de ambiente como recurso. Esta é manifestada por ideias de ambiente como fonte de recursos financeiros, de alimentos, espaço de garantia para a qualidade de vida e de recursos para as gerações futuras, como pode ser verificado nos turnos a seguir:

[1] [...] é o nosso ganha-pão! Se eu não tiver interesse em preservar [...] daqui uns dias eu vou vender o quê? [...]. (PAG2)

[2] Nós dependemos da natureza pra viver. [...] Senão vai faltar até o alimento pra sobreviver. (GT2). [Grifo nosso].

[3] Tudo o que o ser humano tem hoje veio através do meio ambiente. A produção de tudo que a gente come. (PAT7).

[4] Precisa que essa mata esteja preservada para eu ter uma qualidade de água, pra eu ter a qualidade no clima, que possa fornecer alimentos. (PP3).

[5] Se a gente não cuidar dele, não souber usar, vai acabar. (FOP7).

[6] [...] o meio ambiente que a gente tem é só esse. Se a gente destruir agora, o que é que os meus filhos vão ter no futuro? [...]. (PAG3).

Estas falas que remetem às ideias de dependência e “cuidados” com o ambiente, na verdade, explicitam visões de subserviência da natureza ao ser humano, como exemplifica a fala do PAG2 no turno (1). Como esta fala, outras que emergem nas entrevistas, nas quais o ambiente é claramente explicitado como mercadoria, reforça nossa inferência no estudo de que existe uma visão predominantemente utilitarista do espaço.

Como se trata de perspectivas que constituem uma visão reducionista de espaço e interações, abstraídas das múltiplas relações sociais, econômicas e políticas, elas pouco contribuem para a intervenção das pessoas em sua conjuntura social (Porto-Gonçalves, 2005).

A visão reducionista, percebida fortemente na concepção de recurso, é um aspecto negativo para que haja mais participação das pessoas nas situações que implicam a necessidade de identificação das dificuldades vividas em seu espaço, assim como de análise e de ação perante elas. Além de não favorecer a identificação de fatores que acarretam as dificuldades de sobrevivência em São Jorge, essa visão, que emerge predominantemente no GGT, grupo mais vulnerável socialmente em São Jorge, também remete à crença de que apenas “cuidados” com os espaços naturais são suficientes para a qualidade de vida e a manutenção desta hoje e no futuro.

Existe, neste grupo, a confiança de que é possível melhorar sua situação de vida simplesmente pela manutenção dos recursos. Contudo, embora tais noções de cuidados possam até ser importantes para a continuidade dos locais de visitação, elas são insuficientes. Vale destacar, que nesse cenário predomina ameaças de compra de atrativos e construção de resorts por empresários estrangeiros, isso sem contar a terceirização de serviços turísticos no PNCV.

Essas visões dificultam a identificação e a análise dos verdadeiros fatores que corroboram para condições socioeconômicas adversas à comunidade, porque elas deslocam a atenção das pessoas para a proteção dos espaços naturais do entorno, reduzindo o campo de visão e atuação sobre as várias situações que ocorrem na Vila.

Portanto, tais visões não propiciam que se apontem os verdadeiros responsáveis pelas dificuldades socioeconômicas enfrentadas por essa população, tampouco favorecem que se faça a análise delas.

Concordamos que perspectivas que não levam em conta a dialética das relações na sociedade pouco propiciam questionamentos sobre as interações que nela se estabelecem (Guimarães, 2004; Loureiro, 2012). Sobre as ideias predominantes entre os guias de turismo (GT), atentamos para o fato de que elas contribuem para entendimentos simplistas dos processos sociais, restritos às dimensões naturais dos espaços.

É importante destacar que, mesmo manifestando pretensões de vida com perspectivas melhores na qualidade de vida, além da continuidade de vida no futuro, não apareceram, nas falas dos GT, questionamentos e ações sobre o que é básico para a satisfação das necessidades coletivas, no que tange aos obstáculos enfrentados em seu cotidiano.

Esses participantes vivem em moradias precárias e atualmente enfrentam dificuldades para alimentar-se. Tais circunstâncias nos parecem aceitos como dados, se considerarmos a baixa intervenção dessas pessoas em busca de uma vida melhor. Durante as observações, não percebemos o envolvimento do GGT em questões que pudessem beneficiar os moradores dessa Vila.

Posturas como essas, de baixa articulação para promover uma vida melhor, resultam de visões reducionistas. Nossa compreensão é a de que, sem o desdobramento das relações em suas dimensões social, política e econômica, dificilmente se terá a efetiva participação das pessoas em circunstâncias que poderiam trazer benefícios para o coletivo (Loureiro, 2012; Tristão, 2012).

A ausência de organização para reivindicações também se relaciona a essa visão reducionista, uma vez que não possibilita a explicitação dos fatores de interferência na constituição de quadros sociais adversos. Como os GT não reconhecem o ambiente como um espaço socialmente construído, eles encontram dificuldades para a identificação, análise e atuação em situações mais amplas e complexas, como foi a suspensão da obrigatoriedade de GT no Parque, que ocorreu em 2013 (Porto-Gonçalves, 2004; Reigota, 2004; Sauvé, 2005a).

Outro exemplo é a possibilidade de que os serviços no PNCV sejam terceirizados. Se isto se concretizar, será mais uma situação de impacto nas condições socioeconômicas da comunidade. A nosso ver, isso deveria desencadear a organização para discutir com conhecimentos tal circunstância.

Se as pessoas tivessem entendimentos mais amplos, elas teriam mais chances de identificar, questionar, propor soluções e agir frente às circunstâncias desfavoráveis, intervindo e apontando aos administradores de São Jorge, por exemplo, os problemas que mais afetam a comunidade. Contudo, os aspectos reducionistas de espaço e interações dificultam esse processo, pois condicionam interesses e ações voltados para as necessidades econômicas imediatas, direcionando as preocupações predominantemente para os “cuidados” com o espaço natural.

Visões de ambiente como um espaço social foram apreendidas nas falas de nove pessoas (20%), que consideram o meio ambiente como o espaço das interações humanas:

[7] [...] É o meio onde você estabelece uma relação com as outras pessoas, enquanto seres humanos. (FOP1).

[8] [...] É o meio em que a gente vive em sociedade. (FOP12).

[9] [...] É o lugar onde nós estamos inseridos. Seria tudo relacionado ao contexto. (FOP11).

[10] [...] Não consigo ver um trabalho, uma atividade e sem estar relacionada com o meio ambiente [...]. (FOP8).

[11] [...] pra mim o meio ambiente é a comunidade! É o meio onde a gente convive com as pessoas. (FOP2).

Apreendemos nas falas desses sujeitos que eles não concebem o meio ambiente apenas como um local de subserviência ao homem, mas sim como o espaço constituído por interações que contemplam dimensões sociais, políticas e econômicas inerentes às relações do ser humano com/no espaço.

Esses sujeitos explicitam as dificuldades existentes no ambiente quando mencionam ocorrências, nas proximidades do PNCV, que constituem esse contexto. A fome, a terceirização de serviços no Parque, as responsabilidades com as pessoas desse lugar e o pouco envolvimento dos órgãos oficiais com a Vila são apontados em suas falas:

[12] [...] não adianta ficar só falando de meio ambiente, de ecologia com comunidades passando fome em volta do PNCV [...]. (PP3).

[13] O PNCV [...] eles vão abrir uma firma, e aí os guias vão se cadastrar nela e vão fazer esse trabalho terceirizado [...] Quando o PNCV fez isso, gerou uma polêmica muito grande, a população ficou muito revoltada [...]. (FOP11).

[14] [...] Eu acho que ainda tem essa responsabilidade por parte do governo com a comunidade da Chapada dos Veadeiros [...]. (FOP1).

[15] [...] tem comunidades aqui em volta do parque passando fome. Então precisava de um encontro do governo, do ICMBio, da prefeitura, e da comunidade [...] ter mais essa integração. Eles vir aqui, conversar e ouvir as pessoas. (PP4).

Este reconhecimento da natureza complexa e conflituosa das relações no lugar é um aspecto favorável a mais participação das pessoas da comunidade. São visões que não desconsideram a conjuntura social de São Jorge. Como estão voltadas para as condições de vida no entorno do PNCV, podem colaborar para a ampliação do campo de visão sobre as situações adversas no povoado.

A perspectiva dialética de abordagem das relações é fundamental nessas ideias que pressupõem posturas de questionamento e de análise das interações que se estabelecem no lugar. Delas surgiram em várias falas o reconhecimento sobre a necessidade de mais participação e de “espaços” para a discussão e decisões dos sujeitos, relativas aos problemas da comunidade.

Acreditamos que as propostas de discussão que emergem relacionados à concepção de meio como projeto comunitário e o reconhecimento sobre a necessidade de mais participação favoreceriam a intervenção dos sujeitos na Vila. Esses aspectos, conjugados, poderiam instrumentalizar as pessoas para uma prática de transformação de seu contexto social de vida (Saito, 2000; Guimarães, 2004).

Cabe-nos, contudo, assinalar que essa postura crítica e questionadora da conjuntura social de São Jorge apareceu em uma porcentagem relativamente baixa. No entanto, esse índice se refere a pessoas que, conforme mostra nossa pesquisa feita em documentos históricos no PNCV, tiveram/têm destaque de importância no cenário do povoado. Como foram protagonistas no desenvolvimento de propostas que incluíram a população, elas poderiam, por conseguinte, ser importantes catalisadores na articulação da comunidade (Narayan, 2002).

Em relação às outras concepções que emergem na análise, há o predomínio de perspectivas de ambiente como espaço natural, holístico, de pertencimento e sensibilização ao todo do universo (em 37% dos entrevistados), o que condiciona perspectivas despolitizadas das relações.

Cabe assinalar, com base em Loureiro (2012), que nas relações do ser humano em sociedade o constante embate de ideias/interesses é necessário, pelo fato ser o que fundamenta os movimentos de luta e resistência contra-hegemônica. Portanto, se os contrapontos das relações não forem considerados, pouco irão contribuir para uma análise crítica delas.

Com base nessas reflexões, concebemos que existem poucos aspectos nas formas de pensar (e atuar) sobre o ambiente que estimulam o engajamento das pessoas na luta por uma vida melhor em São Jorge. Conquanto isso, acreditamos que, mesmo sendo reduzidas, trata-se de visões que se abrem ao questionamento das relações, possibilitando, assim, entendimentos que poderiam conduzir a ações para mais participação das pessoas nas ocorrências que tornam mais difíceis a sobrevivência da maioria nesse lugar.

4.2 Sobre as concepções/práticas de educação ambiental

Na análise das concepções e práticas de educação ambiental existentes entre os sujeitos de São Jorge, partimos do pressuposto de que elas se constituem em posicionamentos político-ideológicos e adquirem desdobramentos de acordo com os cenários nos quais se articulam.

As concepções e práticas no local podem influir para diferentes formas de atuação e acarretar implicações nas maneiras de pensar e atuar sobre o ambiente (Sauvé, 2005a; 2005b). Assim, apropriando-nos da expressão utilizada por Leff (2010a), cremos que tais concepções e práticas podem contribuir para o que se denomina “ecologização do pensamento” das pessoas do lugar ou para a possibilidade de explicitação das contradições que constituem os contextos de São Jorge.

Procedemos à análise das concepções de educação ambiental com base nos estudos de Porto-Gonçalves (2004), Reigota (2004, 2009), Sauvé (2005a, 2005b), Guimarães (2007), e Pedrini (2011). Assim, entendemos as “concepções/práticas de sustentabilidade em educação ambiental” como aquelas que se fundamentam na ideologia da sustentabilidade, pela formação de posturas responsáveis; como “concepções/práticas holísticas em educação ambiental”, aquelas que se vinculam a ideologias de pertencimento ao meio ambiente, sensibilização aos espaços e interdependência entre os seres vivos; como “concepções/práticas críticas em educação ambiental”, aquelas voltadas para o desenvolvimento de um sujeito crítico e participativo em seu contexto social.

A nossa análise sobre as concepções e práticas existentes entre os sujeitos revelou que sustentabilidade foi a que se destacou, dentre as demais concepções/práticas (a holística, a crítica e a naturalista) em educação ambiental (Gráfico 2).

Gráfico 2 -- Concepções/práticas de educação ambiental entre os sujeitos de São Jorge

Agrupar 14

Fonte: Dados da pesquisa, elaborado pelo autor.



A visão que predomina entre os entrevistados pode ser exemplificada por trechos das comunicações dos participantes, como os que seguem:

[16] Educação ambiental é um trabalho que vai levar as pessoas a ajudar a conservar o que ela tem [...] (PAG1).

[17] É reciclar! É nesse sentido que a gente entende a educação ambiental aqui em São Jorge [...]. (PP5).

[18] [...] educação ambiental seria incentivar o pessoal a não ficar jogando lixo, poluindo. (PAT2).

[19] É educar o ser humano para ele ter noção dos conceitos de sustentabilidade. (PAT5).

Concebemos que existem pretensões de desenvolvimento de posturas de “cuidados” com esse lugar, nessas falas, visto que se referem a responsabilidades com a conservação dos recursos, à diminuição da degradação por resíduos e à reutilização de materiais.

Todos os 44 entrevistados afirmaram realizar práticas de educação ambiental em São Jorge e proximidades. Em relação a essas “práticas”, a vivência em campo permitiu-nos apreender que se trata de ações cotidianas que redundam basicamente no recolhimento de lixo, na limpeza das áreas públicas e em atividades de coleta seletiva. Por isso, detivemo-nos na análise apenas daquelas que estruturam processos de formação, tais como as realizadas pelos GT e as executadas nos projetos existentes em São Jorge.

As práticas realizadas pelos GT visam prioritariamente à formação de posturas para a conservação dos espaços, em específico do entorno do PNCV. Percebemos que os GT procuram despertar a atenção das pessoas nas trilhas para a importância da conservação dos lugares de visitação. Eles falam da importância das plantas medicinais, consequências dos desmatamentos e características dos solos, direcionando-se às necessidades de conservação.

Tais atividades se situam naquelas que apresentam um caráter reducionista e conservador, pois são pretendidas exclusivamente como um instrumento de orientação para a manutenção dos locais turísticos. A análise ainda mostra que a relevância atribuída a esse processo conflui para o desenvolvimento de habilidades para lidar com a questão do lixo, a reutilização de materiais, a não degradação do espaço e para o (re)conhecimento dos componentes do ambiente.

Concorre para a manutenção dessas práticas o fluxo de turistas no local, em conjunto com os treinamentos desenvolvidos pelos sujeitos do GPAG aos GT visando à reprodução de orientações na conservação dos atrativos.

É importante frisar que tais informações possuem o seu valor para conhecimentos relacionados ao espaço natural. Porém, concordamos com as observações de Pedrini (2005), de que práticas como as realizadas pelos GT, que enfatizam fatores de ordem física e biológica, podem favorecer mais entendimentos descontextualizados de seus âmbitos sociais.

No entanto, alguns pontos de vista, como os de Giordan e Souchon (1991), deixam entender que o conhecimento desses elementos é suficiente para o enfrentamento da problemática ambiental. Outras perspectivas, como as de Hungerford (1992), endossam essa visão quando afirmam que o desenvolvimento de habilidades de gestão favorece posturas engajadas com o contexto social.

Isso posto, afirmamos que práticas com essas características pouco contribuem para a reflexão sobre os dilemas sociais que permeiam a vida das pessoas. Em São Jorge, elas não favorecem nem mesmo a explicitação dos interesses que evolvem a própria conservação dos locais de turismo, e a principal contribuição das práticas do GGT para as pessoas que visitam o lugar são a sensibilização e o (re)conhecimento dos componentes naturais do espaço.

Na análise das concepções emergiram visões diferentes da concepção de sustentabilidade nas falas de 8 das 44 pessoas (18%). Classificadas como concepções crítica de educação ambiental, foram identificadas pelo significado das mensagens, como destacado nos seguintes trechos:

[20] Educação ambiental não é só dentro do contexto da natureza, mas das relações humanas [...]. (FOP1).

[21] [...] a educação ambiental visa conscientizar as pessoas para entender e discutir para resolver os problemas ambientais. (FOP2).

[22] Educação ambiental é uma atividade que deve envolver a sociedade. (FOP8).

[23] Eu acho que a educação ambiental é pra se viver melhor. Então primeiro tem que resolver as questões sociais. (PP3).

A análise desta visão mostrou a existência de aspectos que colaborariam para entendimentos críticos e intervenção nas questões sociais do local, visto que a educação ambiental é concebida, por essas pessoas, como processo voltado para as necessidades do contexto social.

O (re)conhecimento do ambiente como parte das relações humanas, influenciado que é pelas dimensões políticas e econômicas, é importante, quando se desejam a participação e a intervenção em processos que dizem respeito a uma comunidade (Foladori, 2001; Narayan, 2002; Costa & Costa, 2014).

Assim, a construção de conhecimentos que favoreçam o enfretamento na complexidade dos problemas contemporâneos se faz necessária (Torres; Ferrari Maestrelli, 2014). Por meio deles, poderia ser favorecida a mais participação das pessoas desse local (Guimarães, 2004, 2007). Contudo, no caso das práticas dos GGT, limitadas ao desenvolvimento de noções de cuidados com o espaço natural, concluímos que elas pouco auxiliam para tais posicionamentos.

Na análise sobre as contribuições de práticas que podem auxiliar para a mais participação das pessoas, verificamos que os processos de formação pela educação ambiental, desenvolvidos com os habitantes de São Jorge, destinam-se a crianças e adolescentes. É o caso, por exemplo, de dois projetos – o Projeto “A Escola no Parque” e o Projeto “Turma que Faz” –, ambos realizados com as crianças do Vilarejo na faixa etária de 7 a 12 anos.

A observação permitiu-nos inferir que no primeiro prevalecem propostas de educação ambiental voltadas para o (re)conhecimento dos componentes naturais e a sensibilização pelo contato com a natureza. Já no segundo, as perspectivas se dirigem para o contexto socioambiental do lugar e podem colaborar para o desenvolvimento de posturas mais participativas no futuro próximo.

As abordagens do Projeto “Turma que Faz” se dão de forma contextualizada com a realidade local, com destaque para discussão sobre: a importância dos locais de turismo para a comunidade; o desaparecimento e o comércio ilegal de espécies da região; as possibilidades de utilização de recursos da flora na complementação da alimentação; e outros relacionados.

As atividades que estruturam essas abordagens, com músicas, teatro, artesanato e pintura, podem ser consideradas pouco significativas, se forem observadas as necessidades urgentes da Vila. No entanto, é importante destacar que são processos formativos relevantes nesse contexto, visto que tais atividades introduzem informações sobre assuntos relacionados à vida no povoado, como o consumo e a degradação dos espaços, o turismo nos atrativos, a renda da população e a responsabilidade das pessoas.

À guisa de considerações gerais, destacamos que nas concepções e práticas de educação ambiental é enfatizada a valorização de conhecimentos sobre os componentes naturais do espaço, de práticas de sensibilização e conservação dos espaços. Porém, com base no estudo, é possível ponderar que são positivos os aspectos que emergiram nas falas sobre as necessidades de maior participação e discussão por parte da população. Apesar de se tratar de ideias que surgiram entre poucos sujeitos do povoado, apresentam potencialidades para ampliar as ações dos moradores visando a uma vida melhor, no que diz respeito aos fatores socioeconômicos.

Esses processos, no entanto, são contínuos e se constituem pela própria atuação das pessoas em seus contextos sociais de vida. Por isso, permitem uma maior intervenção e podem favorecer o empoderamento. Isto posto, procuramos analisar como ocorre essa intervenção pela própria participação das pessoas em São Jorge, que apresentamos no tópico a seguir.

4.3 Sobre os interesses e a participação dos sujeitos na Vila

Seguimos com o estudo pela análise dos interesses e a participação das pessoas de São Jorge em diálogo com as ideias de empoderamento. Consideramos que as capacidades de identificação, análise e ação são os componentes principais para a intervenção crítica dos sujeitos, o que ocorre por intermédio da própria participação das pessoas na vida social.

A relevância da investigação de tais dimensões está no fato de que elas fornecem indícios sobre as atenções e as ações dos entrevistados, o que corrobora para responder ao estudo que nos propomos. A ocorrência das unidades de registro e contexto nas comunicações permitiu-nos delinear três categorias de análise, que se referem aos interesses e à participação voltados para as dimensões: natural do espaço, holística e socioambiental.

Definimos estas categorias com fundamento nas perspectivas de Narayan (2002), Grün (2004), Porto-Gonçalves (2005), Sauvé (2005a), Guimarães (2007) e Reigota (2009). Os interesses e a participação voltados para as dimensões naturais do espaço correspondem àqueles nos quais a atenção, o envolvimento e a ação dos sujeitos envolvem predominantemente os componentes naturais dos espaços como fatores de relevância para o norteamento da atenção e da ação dos sujeitos. Os voltados para a dimensão socioambiental dizem respeito às condições de vida, às necessidades de participação da comunidade e às reivindicações, para o norteamento da atenção e da ação das pessoas. Aqueles voltados para as dimensões holísticas do espaço referem-se a pretensões de harmonia, equilíbrio e sensibilização para nortear a atenção e a ação das pessoas no espaço.

Nas reflexões que se seguem, em que primeiramente discutiremos os interesses manifestados pelos entrevistados e depois tratamos da participação, cabe destacar que 32 de 44 pessoas (73%) relataram interesses e participação situados nas dimensões naturais do espaço; cinco pessoas (11%) nas dimensões holísticas e sete (16%) nas dimensões socioambientais (Gráfico 3).

Gráfico 3 -- Interesses e participação entre os sujeitos de São Jorge

Agrupar 13

Fonte: dados da pesquisa, elaborado pelo autor.



A maior parte dos entrevistados (73%) relata que as pessoas apresentam interesses situados nas dimensões naturais do espaço, como exemplificam alguns turnos das comunicações:

[21] Existe o interesse pela permacultura e o público que vem pra Chapada é um púbico interessado por meio ambiente, por mato. (FOP5).

[22] Elas têm interesse sim. Em saber como é reciclado o lixo das pousada, como é reciclado o óleo de fritura dos restaurantes [...]. (PAT7).

[23] Elas têm interesse em questões ambientais. [...] querem saber de clima, de tempo, até de outra região que eu nunca fui. (GT4).

[24] [...] as pessoas que vieram pra cá elas têm mais esse perfil de curtir a natureza, de respeitar a natureza [...] Então nessa questão de preservação ambiental elas têm mais esse tipo de preocupação: não jogar cigarro no chão, lixo [...] essas coisas assim [...]. (PP6).

Corroborando para tal constatação, retomamos a relevância atribuída aos processos de gestão do lixo, reutilização de materiais e o (re)conhecimento dos componentes do ambiente. Tais interesses vinculados às dimensões naturais amenizam posicionamentos cujos objetivos sejam a identificação, a análise e ações acerca dos problemas que acarretam uma sobrevivência difícil no povoado.

O estudo mostra que predominam entendimentos reducionistas no lugar (Gráfico 4), prevalecendo, portanto, perspectivas direcionadas para as dimensões naturais do espaço, o que pouco amplia a influência, ação e decisão das pessoas nos processos que constituem a dinâmica social em São Jorge (Friedman, 1992; Narayan, 2002).

Gráfico 4 -- Comparativo entre os Interesses e participação, concepção de meio ambiente, concepções/práticas de educação ambiental entre os sujeitos de São Jorge.

Fonte: dados da pesquisa, elaborado pelo autor.

Os interesses voltados para a dimensão socioambiental do espaço surgiram em uma pequena parcela (16% das pessoas). A esse respeito, acreditamos que os interesses voltados para as dimensões socioambientais da Vila são um aspecto favorável, o que poderia levar ao aumento da consciência crítica e à capacidade de tomar decisões que conduziriam ao empoderamento.

Apesar de ser baixa, a participação atual das pessoas, nos dilemas do povoado, a análise dos documentos mostrou que São Jorge foi um lugar onde a maioria das pessoas se envolvia em ações organizadas na Vila. Isso ocorreu na década de 1990 e teve influência da WWF como principal fator de estímulo, mediante a promoção, na região, de cursos e projetos que mobilizaram a população.

Corrobora para essa interpretação o fato de que foi pelo auxílio financeiro da WWF que sugiram as associações em São Jorge, cuja criação foi relevante no contexto social. Estas associações criadas na década de 1990 com o financiamento da WWF foram: a Associação de Condutores de Visitantes da Chapada dos Veadeiros (ACV-CV), a Associação Comunitária dos Moradores de São Jorge (ASJOR) e a Associação dos Pequenos Extrativistas de Flores do Cerrado (ASFLO). Constatamos que se desenvolveram várias atividades por meio delas e que, quando organizadas pelas associações, a atuação das pessoas na Vila era maior.

Porém, é importante destacar que a ação das pessoas esteve predominantemente dirigida para os assuntos relativos às dimensões naturais do lugar. A análise das atividades desenvolvidas pelas associações revelou que elas se voltaram mais para o desenvolvimento de ações de “cuidados” com o espaço, principalmente dos atrativos.

Nesse cenário de envolvimento nas associações e nos projetos, consideramos que existiram dois pontos principais, um positivo e um negativo. O positivo correspondeu à própria mobilização da maioria no povoado; o negativo diz respeito ao fato de essa mobilização ter se sido direcionada para os componentes naturais do espaço, sem pretender, em sua maioria, questionamentos mais aprofundados sobre os fatores de influência para as adversidades que predominam em São Jorge.

Inferimos que essas características nas participações voltadas para as dimensões naturais do lugar decorreram da influência das perspectivas da WWF. Como a ONG possui forte caráter conservacionista de áreas naturais, consideramos que esta perspectiva influenciou na atuação dos sujeitos nas proximidades do PNCV.

Avaliamos que as visões predominantes de meio ambiente e educação ambiental, que emergiram no estudo, também foram concebidas como resultado dessa influência. Em relação à educação ambiental, é relevante destacar que nos deparamos com uma visão conservadora presente na maioria das propostas da ONG, cuja influência colaborou para a constituição de visões naturalizantes e resultou em posturas de baixa participação nas dimensões sociais, política e econômica da Vila (Sauvé, 2005a; Pedrini, 2005; Reigota, 2009).

No que diz respeito à atuação vinculada às dimensões socioambientais constatamos que esta foi mais intensa no final da década de 1990, quando grande parte das propostas do Projeto da ONG já estava contemplada e a população teve mais autonomia para organizar atividades de discussão e ações em prol das demandas sociais do povoado.

Entretanto, vale destacar que a participação, tal como entendida neste estudo, não foi totalmente alcançada, nem mesmo nessa temporada. O estudo das falas dos entrevistados que remetem a esse período explicita que os problemas foram apenas levantados e apresentados para aqueles que se interessaram. Entendemos que esse processo carecia de mais tempo para a estruturação de estratégias de análise, discussão e envolvimento de um maior número de pessoas.

Horochovscki e Meirelles (2007) destacam como relevantes o papel das associações no empoderamento de comunidades, pois elas potencializam a capacidade de ação e decisão na conjuntura social. Concordamos com as ideias desses autores e acreditamos que processos de mais participação, no sentido como a entendemos, foram apenas introduzidos ao final da década de 1990. Porém, como não foram estruturados e fortalecidos, praticamente desapareceram.

Atualmente, as associações que foram espaços de dinamização das pessoas estão sucateadas e estiveram praticamente inativas até o ano de 2014. Os relatos sobre as poucas atividades que se desenvolveram nesse lugar mais recentemente (época deste estudo) nos permitem inferir que as ações estiveram predominantemente relacionadas à dimensão natural do espaço do PNCV.

Porém, vale ressaltar que, no final de 2019, uma nova direção assumiu a ASJOR e reiniciou as atividades da Associação. Essa direção é formada por homens e mulheres jovens que nasceram em São Jorge e, em sua maioria, apresentam grau de parentesco com alguns dos sujeitos do GFOP que estiveram à frente dela em outro momento histórico.

No convívio com essas pessoas, notamos que elas dominam as novas tecnologias de comunicação e que estão informadas sobre fatos políticos que ocorrem no mundo. Muitas delas possuem curso superior de graduação e procuram atualizar-se constantemente em cursos, oficinas e palestras, eventualmente ministrados nas cidades vizinhas.

Pelas conversas e entrevistas foi possível concluir que essas pessoas apresentam posturas questionadoras das situações existentes em São Jorge. Interpretamos que comungam de ideais de colaboração, pois nas conversas afirmaram que um dos principais objetivos da “nova direção” da ASJOR seria envolver as pessoas pela associação na solução dos problemas comuns. Por todas essas evidências é possível afirmar que a identificação e a discussão dos problemas na Vila são as principais finalidades da nova direção da ASJOR.

Outro objetivo mencionado pelos coordenadores da ASJOR é desenvolver um trabalho de educação ambiental na Associação, o que significa que eles reconhecem a importância dessa formação e, mesmo admitindo não saber como concebê-la, mostram-se dispostos a esse processo.

Acreditamos que essa associação poderia colaborar para a organização da população e formação de conhecimentos para ações sociais. A estruturação desse processo poderia contribuir para o aumento da influência, da capacidade de decisão e de intervenção no contexto da comunidade, o que favoreceria o empoderamento dos sujeitos de São Jorge.

Desse modo, a associação poderia estruturar os meios para o processo de empoderamento, por intermédio da organização das pessoas na construção coletiva de estratégias para o enfrentamento de situações sociais adversas. Porém, é importante destacar que, apesar dos coordenadores constituírem-se como importantes catalisadores, seriam os próprios sujeitos do povoado que fortaleceriam os processos de participação.



Considerações finais

No estudo que realizamos, apreendemos que a concepção predominante de recurso determina uma inserção social na dinâmica da comunidade que se vincula aos aspectos naturais do espaço. Por serem abstraídas das múltiplas relações sociais, elas contribuem pouco para compreensões mais aprofundadas levando-se em conta as dimensões socioambientais. As demais concepções, ao enfatizarem perspectivas de ambiente como espaço holístico e de sensibilização, relativizam a natureza conflituosa das relações e desconsideram as contraposições necessárias para questionamentos das relações que se estabelecem no povoado.

As ideias que predominam nas concepções/práticas de sustentabilidade em educação ambiental também são perspectivas reducionistas ao natural. Na análise acerca das potencialidades de explicitação ou não das contradições inerentes a esses processos constatamos que eles praticamente não estimulam posturas de questionamentos e intervenção nas condições precárias de vida no lugar.

Em relação a ambas as concepções, chegamos à formulação de que a ênfase no desenvolvimento de posturas ecologicamente corretas é um aspecto limitante para compreensões mais aprofundadas e atuações críticas dos sujeitos nas circunstâncias do povoado. Verificamos que elas delineiam a compreensão da problemática ambiental como decorrente de fatores físicos e biológicos da degradação.

A concepção de ambiente como espaço comunitário é favorável à inserção das pessoas na dinâmica social da Vila, pois colabora para o reconhecimento da Vila como espaço de interesses, remetendo à necessidade de intervenção de todos para uma melhor qualidade de vida. Nesse âmbito, as perspectivas da concepção crítica de educação ambiental contribuiriam para o estímulo da participação dos sujeitos. Como são pontos de vistas que explicitam os problemas do povoado e instigam a busca de soluções, trata-se de aspectos que são positivos para o envolvimento das pessoas nas questões sociais da Vila.

A análise mostra que os interesses e a participação atuais estão voltados predominantemente para as dimensões naturais do espaço. O estudo da participação dos sujeitos evidenciou que existe uma sinergia de esforços em ações para diminuir a degradação dos locais. A reflexão sobre esses aspectos levou-nos a conceber que, como os interesses e a participação se direcionam para tais dimensões, o resultado é uma percepção “ecologizada” das dificuldades sociais que apreendemos na análise.

No sentido contrário, um aspecto bastante favorável a outra natureza de participação das pessoas é a reativação da ASJOR com perspectivas voltadas para os problemas sociais do povoado. O intuito de envolver as pessoas em discussões e decisões compartilhadas, bem como o estímulo à reivindicação, é um caminho para o empoderamento da população.

Contudo, esse processo não é simples e nem ocorre de imediato. Diz respeito a um desenvolvimento que vai se constituindo de maneira geralmente lenta ao longo do tempo, posto que nele interferem as condições sociais, históricas, políticas e econômicas. Em relação ao nosso lócus de pesquisa, verificamos que muitas dessas condições ainda são fortes barreiras ao empoderamento das pessoas que vivem no entorno do PNCV.

Algumas inquietações sobre as condições de vida que conseguimos apreender manifestam o desejo latente pela ação em prol de mudanças nas condições de vida. Ainda que se apresentem em porcentagem reduzida, elas podem favorecer a mais participação da população nos casos que tratamos no estudo. São ideias que pressupõem a intervenção crítica dos sujeitos e que podem ser ampliadas a um maior número de pessoas pela interação com outro.

Com base nessas reflexões, respondemos ao que nos propomos no estudo. De modo simplificado podemos referir que os aspectos que favoreceriam a mais participação da comunidade têm a ver com visões não reducionistas de espaços e interações, com processos que favoreçam entendimentos críticos para a identificação e análise dos fatores que condicionam as situações difíceis de sobrevivência, e com a organização da população para a intervenção nos problemas do povoado.



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Ilustrações: Silvana Santos