Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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30/05/2022 (Nº 79) CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E A ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR: RELATO DE EXPERIÊNCIA DO ESTÁGIO
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CONSCIÊNCIA AMBIENTAL E A ABORDAGEM TRANSDISCIPLINAR:

relato de experiência do estágio



Geovanna dos Passos 1

Josiane de Castro 2

Izabel Cristina Feijó de Andrade 3



INTRODUÇÃO

O presente artigo tem por finalidade socializar a experiência do Estágio Curricular Obrigatório nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental de um colégio da cidade de São José/SC. A escola tem como proposta pedagógica a educação transdisciplinar pautada na ideia que descreve Domingues (2012),

Trata-se do modo de produção de conhecimento de tipo II, que, diferentemente do tipo I, caracterizado por cindir conhecimento e sociedade e separar ética e ciência, ata aqueles dois, formata o conhecimento socialmente robusto e interpela pela responsabilidade individual e coletiva dos cientistas (p. 21).

Para Nicolescu (1999),

A transdisciplinaridade, como o prefixo “trans” indica, diz respeito àquilo que está ao mesmo tempo entre as disciplinas, através das diferentes disciplinas e além de qualquer disciplina. Seu objetivo é a compreensão do mundo presente para o qual um dos imperativos é a unidade do conhecimento (p. 22).

A proposta de transdisciplinaridade na educação é ultrapassar o modelo estabelecido de ciência moderna para acolher um modelo que valorize e integre as diversas formas de produção de conhecimento.

O estágio foi cumprido junto a uma turma composta aproximadamente 14 (quatorze) crianças com idades muito variadas, em sua maioria, alunos do sexo masculino. As atividades realizadas tiveram como prioridade a conclusão dos deveres de casa, estudos para as conquistas e aulas de reforço. No tempo livre, a professora da turma sempre propõe atividades recreativas e cognitivas, como, por exemplo, a estimulação da criatividade com composição e exposição de texto oral ou escrito, desenhos com guache dentre outras atividades.

Referente à rotina dos educandos, foi observado que aqueles que chegavam mais cedo no colégio permaneciam no pátio central da escola até a chegada da professora. Como não existia obrigatoriedade de horário, especificamente, para essa turma, era comum a chegada das crianças a todo o momento. Mas com a chegada da professora o grupo se dirigia a à sala de aula e as agendas eram verificadas para identificar se há conquistas/avanços4ou alguma atividade pendente a ser realizada pela manhã. Após a realização dessas atividades, as crianças têm um intervalo para em seguida retornarem à sala, ou para concluir as atividades pendentes ou para receber novas atividades propostas pela professora.

No decorrer dos primeiros dias de realização das observações foi possível perceber a exploração intelectual realizada com as crianças. No primeiro dia de observação, as atividades se restringiram a exercícios de fixação em matemática voltados à conquista a ser realizada no período vespertino, sendo uma exceção a não realização de tarefas extracurriculares.

Algumas das tarefas propostas pela professora buscavam o desenvolvimento cognitivo aliado ao processo criativo que com a utilização de folhas brancas A4, lápis, borracha, régua e tinta guache, as crianças tinham como tarefa desenhar e pintar uma mandala. Nesse trabalho, a maioria das crianças criou uma mandala em forma de círculo, sendo que observamos uma das mandalas desenhada em forma de quadrado. Isso se justifica pelo fato da professora da turma trabalhar na perspectiva da liberdade de expressão e de criação, incentivando, inclusive, a autonomia de cada aluno.

Na Rede de saberes “mais educação, pressupostos para projetos pedagógicos de educação integral: caderno para professores e diretores de escolas”, encontramos o termo mandala como o “símbolo da totalidade (aparece em diversas culturas primitivas e modernas) e representa a integração entre o homem e a natureza”.

Na observação seguinte, as crianças com atividades pendentes foram se acomodando para concluí-las enquanto as demais se organizavam para executar a atividade proposta. A atividade do dia consistia no recorte e colagem de figuras extraídas de revistas em folhas de papel A4, posteriormente cada aluno deveria ir até a frente da sala diante de todos e por meio de linguagem oral cada um deveria contar/relatar sua história aos demais do grupo.

Em socialização com a professora da turma, ela nos contou sobre a importância e a preocupação que a instituição tem em construir projetos e planejamentos nos quais é fundamental a opinião e o interesse das crianças em executar atividades que sejam por elas almejadas. Outro fator importante, é que quando o aluno recebe o conceito ótimo, este serve para ambos, professor e aluno, e o mesmo ocorre quando o aluno recebe o conceito menor. Assim fica clara a preocupação educacional da instituição, que vai além do pedagógico calcando assim passos para a construção do sujeito que ensina e que aprende.

Percebemos ainda a preocupação da professora em possibilitar que os conteúdos fossem construídos de maneira significativa, contextualizada e amorosa de modo que as crianças manifestassem o interesse no aprendizado. Presenciamos, ainda, uma preocupação maior em vários fatores na formação dessas crianças que também buscavam alcançar a sensibilidade e a afetividade nesses alunos. Nesse sentido, o colégio trabalhava a perspectiva de Delors (2000, p. 19):

[...] face aos múltiplos desafios do futuro, a educação surge como um trunfo indispensável à humanidade na construção dos ideais da paz, da liberdade e da justiça social. Para ele, só a educação conduzirá “a um desenvolvimento humano mais harmonioso, mais autêntico, de modo a fazer recuar a pobreza, a exclusão social, as incompreensões, as opressões, as guerras [...].

Corroborando com essa perspectiva, temos em Morin (2000) a defesa que o ensino precisa buscar não a mera transmissão do saber, mas uma cultura que possibilite a compreensão da condição humana enquanto ser integral que nos ajude a viver, conviver e ser e que favoreça um modo de pensar aberto e livre. Assim, a educação necessita propiciar a compreensão da totalidade em que o todo em relação às partes, as partes em relação ao todo. A educação “pode ajudar a nos tornarmos melhores, se não mais felizes, e nos ensinar a assumir a parte prosaica e viver a parte poética de nossas vidas” (IDEM, p. 34).

Ao longo de nossa vivência no estágio surgiu a temática sobre sustentabilidade ambiental, e com isso a importância de se abordar o conceito de se cuidar do meio ambiente, dialogando sobre formas de se desenvolver ações sustentáveis, seja por meio da reciclagem ou reaproveitamento. A partir de nossa intervenção, procuramos construir nos alunos uma concepção voltada para uma sociedade mais sustentável e humana por meio de atividades voltadas não somente ao enfoque da reciclagem, mas, no papel de cada um. Foram organizadas propostas aos alunos nas quais desafios em grupos e o cumprimento das tarefas geravam recompensas.

Essa linha transdisciplinar gerou conhecimentos que abrangeram não somente mudanças de atitudes no âmbito escolar, mas também, nas famílias e na sociedade como um todo tornando os alunos mais conscientes de suas responsabilidades para com o futuro de nosso planeta, ao interagirem almejando um futuro com ações mais participativas de modo a formar um ser crítico acerca do real e compromisso de todos para com a natureza e nossos recursos naturais.

O tema do projeto foi discutido em parceria com a professora, uma vez que a turma havia iniciado a separação e preparação de caixas de leite (tetrapack) destinadas à construção de uma casa. Assim, decidimos em conjunto o desenvolvimento de um projeto relacionado ao tema Sustentabilidade, composto pela montagem de maquetes e estudo de conceitos relacionados, como por exemplo: poluição de rios, coleta seletiva de lixo e assim por diante. Oferecemos a proposta da realização da atividade ao grupo que em sua maioria aceitou com grande alegria e em contrapartida oferecemos ainda uma atividade surpresa quando da conclusão das maquetes.

Nessa atividade, deixamos claro às crianças que a primeira maquete a ser construída deveria apresentar elementos de uma cidade que não sabe qual destino dar ao lixo, tanto ao particular, quanto ao comunitário, depositando-o em qualquer lugar da cidade. Isso deveria ser demonstrado por meio da poluição de calçadas e rios. Na segunda maquete propusemos soluções para as situações anteriormente construídas.

Para entendermos melhor o conceito de sustentabilidade em meio a uma linha transdisciplinar, observamos as ideias de Opscoor e Reijnders (1991) que afirmam: “Manter um estado de equilíbrio é uma das definições de desenvolvimento sustentável. Um estado de equilíbrio é um estado dinâmico em que as mudanças que ocorrem no meio ambiente cancelam umas as outras”.

Em busca de um olhar transdisciplinar, tomamos como eixo em nossas vivências acerca da intencionalidade de nosso trabalho com as crianças, a justaposição de saberes. Essa troca de informações entre as áreas de conhecimento foi pautada nas discussões acerca da sustentabilidade e em seus métodos de intervenção no cotidiano da vida escolar. Dessa forma, as crianças envolvidas com o projeto puderam participar efetivamente tanto na construção da maquete quanto na elaboração da forma de como abordar o tema.

A intencionalidade da intervenção foi alcançar maior abrangência de conhecimento, harmonizando a integração de conceitos, terminologia e procedimentos.

Ao integrarmos os saberes provenientes das disciplinas, pudemos formar uma unidade direcionada ao conhecimento. Nossa percepção acerca da sustentabilidade esteve interligada à ecologia que se utiliza de várias ciências como a sociologia, a biologia, a geografia, a botânica, etc., construindo assim uma unidade complexa a ser estudada. Diante da interiorização dos cuidados com a natureza e com a forma adequada de descarte e reutilização do lixo, conseguimos refletir em conjunto ações que viabilizem um olhar consciente acerca de nossas responsabilidades com o meio ambiente e com uma forma de vida sustentável.

Segundo Peres e Andrade (2007, p. 40):

[...] a transdisciplinaridade vem contribuir para esse modo de conhecimento, que amplia a visão de mundo, para além das percepções do ser humano. Essa abordagem possibilita que o sujeito não apenas internalize o conhecimento, mas que o aplique em favor da harmonia entre realidade e os valores da vida.

A articulação entre os conteúdos inerentes à ecologia e à sustentabilidade teve como objetivo a busca do verdadeiro significado da democratização de uma sociedade mais justa em se tratando de mobilização social e responsabilidades acerca de nosso ecossistema, perfazendo assim uma sociedade mais humana, solidária e consciente de seus danos à natureza, possibilitando uma mudança de atitude e a implementação de conceitos mais sustentáveis.



METODOLOGIA DO ESTÁGIO

O estágio correspondente aos Anos Iniciais do Ensino Fundamental foi dividido basicamente em três etapas principais: observação, proposição de atividades e, por fim, a elaboração do presente artigo, sendo que cada uma das etapas apresentou características bem particulares que serão delineadas a seguir. Durante o período de observação, utilizamos os registros de campo por escrito considerando o fato do trabalho final resultar num artigo portanto, não realizamos muitos registros de imagens. na primeira semana de observação, juntamente com a professora regente da turma, foi possível definir a temática a ser trabalhada na fase seguinte que constituiria as proposições. Ainda nesta primeira, recebemos muitas orientações da professora turma, como por exemplo: o perfil da turma e de cada criança integrante do grupo, a

particularidade que algumas delas apresentam, a rotina das atividades entre outras orientações inerentes ao estágio. Utilizamos como recurso teórico, a observação-participante como metodologia. Tal escolha se justifica pelo fato de considerarmos de fundamental importância o desenvolvimento de um olhar crítico e atento voltado ao cotidiano escolar. Nesse sentido, Azanha (1992, p. 92) nos esclarece que:

Um dos pressupostos da pesquisa participante é de que a convivência do investigador com a pessoa ou grupo estudado cria condições privilegiadas para que o processo de observação seja conduzido e acesso a uma compreensão que de outro modo não seria alcançável. Admite-se que a experiência direta do observador com a vida cotidiana do outro, seja ele indivíduo ou grupo, é capaz de revelar, na sua significação mais profunda, ações, atitudes, episódios, etc., que, de um ponto de vista exterior, poderiam permanecer obscurecidas ou até mesmo opacas.

Em comum acordo com a professora da turma, propusemos às crianças a construção de maquetes e apresentação dos vídeos Ilha das Flores, Turma da Mônica e Um Plano para Salvar o Planeta. As maquetes foram construídas com materiais reutilizáveis trazidos pelas estagiárias e pelo grupo de alunos.



ANÁLISE DAS OBSERVAÇÕES

Para analisar as observações e as proposições realizadas durante o período de estágio, foi necessário um estudo teórico aprofundado que se pautou na revisão bibliográfica sobre o tema. Utilizamos como fundamentação, a obra de Peres e Andrade intitulada ``Trilhando caminhos da transdisciplinaridade: uma experiência de ser-sendo(2007) que contribuiu e enriqueceu nosso estágio. As proposições práticas foram construídas a partir da pedagogia de projetos que buscou dar prosseguimento à temática já em desenvolvimento proposta pela professora da turma, levando como tema A Sustentabilidade.

O projeto foi elaborado contemplando a teoria apresentada por meio de vídeos e da prática com a construção de maquetes. As mídias audiovisuais foram utilizadas para facilitar a compreensão do conteúdo que seria posto em prática nas maquetes e, consequentemente, nas situações exigidas no dia a dia, ou seja, os vídeos foram utilizados como o alicerce do projeto em execução. A etapa da construção das maquetes teve como objetivo principal pôr em prática os conceitos apresentados pelas

mídias que exigiram os conhecimentos apreendidos pelas crianças, bem como o desenvolvimento de estratégias para a solução dos problemas relacionados ao meio ambiente, organização, trabalho em grupo e respeito e compartilhamento de ideias com seus colegas de turma.

Para encerrar o projeto, foi realizada uma saída a campo com o grupo com destino à Escola Ambiental do Mar, mantida pela Prefeitura Municipal de São José para complementar as proposituras práticas realizadas pelas estagiárias, sendo que nessa oportunidade, as crianças conseguiram estabelecer ligações entre o aprendizado teórico dos vídeos e da saída de campo com o conhecimento construído por meio das maquetes.



CONSIDERAÇÕES FINAIS

A oportunidade de realizar o estágio numa escola baseada em princípios transdisciplinares possibilitou ampliar as possibilidades de projetos a serem desenvolvidos com as crianças. Isso se justifica pelo fato de ter se tratado numa turma composta por crianças de diferentes idades e níveis de conhecimento. Fato que exigiu esforço na elaboração das proposições práticas proporcionando aprendizado muito maior por parte das acadêmicas. A experiência foi significativa ao passo que foi possível contar com todo o apoio da professora da turma e das crianças que sempre estiveram dispostas a contribuir com as acadêmicas.

Uma experiência valorosa pois foi por meio desse estágio que conseguimos perceber o quanto nós adultos precisamos buscar passos rumo à conscientização no que se refere a uma convivência sustentável e o quanto se faz necessário caminharmos de mãos dadas a caminho da transformação. A linha metodológica transdisciplinar proporcionou-nos enxergar a necessidade de se desenvolver uma abordagem de educação voltada a uma educação da consciência, valorizando sempre mais o meio cultural e ecológico. Pensamos que talvez assim conseguiremos no futuro, uma sociedade pautada na humanização da sociedade com a mãe natureza.

Finalmente, podemos dizer que foi na saída a campo com as crianças que percebemos a importância dos debates acerca dos temas relacionados ao meio ambiente. Por meio de questionamentos elas conseguiram estabelecer relações com os conceitos apresentados durante a construção das maquetes. Dessa forma, acreditamos que o tema sustentabilidade resultou numa boa experiência, tanto para as estagiárias quanto para as crianças envolvidas nas atividades.



REFERÊNCIAS

AZANHA, J.M.P. Uma idéia de pesquisa educacional. São Paulo: Edusp, 1992.

DELORS, Jacques. (0rg.). Educação: um tesouro a descobrir: relatório para a Unesco da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. 4. ed. São Paulo : Cortez, 2000. JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. Petrópolis: Vozes, 2002

MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários à educação do futuro. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

NICOLESCU, B. (1999). O manifesto da transdisciplinaridade. L. P. Souza (Trad.). São Paulo: Triom. Recuperado a partir de http://www.ruipaz.pro.br/textos_ pos/manifesto.pdf [ Links ]

Rede de saberes mais educação: pressupostos para projetos pedagógicos de educação integral. Caderno para professores e diretores de escolas. 1. ed. Brasília : Ministério da Educação, 2009.

PERES, Annabel Cristina Feijó, ANDRADE, Izabel Cristina Feijó. Trilhando caminhos da transdisciplinaridade: uma experiência de ser-sendo. São Paulo: Laborciência, 2007.



1 Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Com habilitação em Educação Infantil, Séries Iniciais e Educação de Jovens e Adultos.

2Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário Municipal de São José - USJ. Com habilitação em Educação Infantil, Séries Iniciais e Educação de Jovens e Adultos.

3 Doutora em Educação (PUCRS). Professora e Orientadora do Trabalho de Conclusão de Curso pelo Centro Universitário Municipal de São José USJ.

4 São as provas.

Ilustrações: Silvana Santos