Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Entrevistas
17/03/2006 (Nº 16) Entrevist@ com Fernando Jaeger Soares
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Entrevista

Entrevist@ com Fernando Jaeger Soares
Por Berenice Gehlen Adams - bere@apoema.com.br
Para a revista eletrônica Educação Ambiental em Ação (
16a. Edição)

 

 

Apresentação: Esta edição da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação tem a honra de apresentar uma entrevist@ com Fernando Jaeger Soares, que atualmente reside nos Estados Unidos. Ele "é licenciado em Ciências Biológicas pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS), desenvolveu dissertação no curso de Mestrado em Educação em Ciências para o Desenvolvimento Sustentável pela Universidade Luterana do Brasil (ULBRA). Com pesquisa financiada pela FAPERGS sob co-orientação do Florida Institute of Technology (FIT/USA), concentra-se nas áreas de Avaliação e Currículo da Educação Ambiental. Nos últimos cinco anos atuou como editor da revista Permacultura Brasil – soluções ecológicas junto ao Instituto de Permacultura e Ecovilas do Cerrado/GO, como consultor em Educação Ambiental para a Fundação Gaia e como professor no Centro de Educação Ambiental Estação Ecologia em Estância Velha/RS. Fernando também foi professor de Estudos Ambientais no Curso Técnico em Paisagismo do Colégio Bom Pastor, Nova Petrópolis/RS e professor de ciências em duas escolas públicas de Ivoti". Tive a felicidade de conhecê-lo recentemente através da Internet. Trocando mensagens, descobrimos que ambos somos naturais da cidade de Novo Hamburgo/RS, inclusive trabalhamos em espaços comuns, porém, em períodos diferentes. Por uma enorme coincidência e por desatenção minha em relação a nomes e sobrenomes, em uma das mensagens que trocamos, escrevi sobre o excelente conteúdo de um artigo que eu recentemente havia lido em uma revista de educação, e a resposta dele foi a seguinte: "Que bom que você leu e gostou do meu artigo!". Tomei um grande susto e claro que fiquei muito envergonhada, mas achei esta situação o máximo! No mínimo, inusitada. A partir de então, sempre que possível, trocamos idéias e sonhos relacionados à Educação Ambiental. Agora, vamos ao que interessa: conhecê-lo um pouco mais...

 

- Professor Fernando, agradecemos por ter aceitado o convite para ser o entrevistado desta edição, e prossigo pedindo que nos conte como surgiu o seu interesse pela Educação Ambiental (EA). Desde quando você se dedica a esta prática educacional?

 

Bere, também é uma satisfação muito grande estar em contato contigo e quero mais uma vez agradecer a oportunidade.

Com relação à EA, lembro de três importantes acontecimentos na minha vida: o primeiro (acho que eu era pré-adoslescente nesta época) foi uma visita que fiz ao horto municipal em Novo Hamburgo, onde conheci o Eng. Agrônomo Arno Kayser, ecologista bastante conhecido em Novo Hamburg, e que influenciou a minha trajetória para a EA, e para o pensamento crítico e filosófico. Através dele conheci, mais tarde, muita gente bacana dentro do Movimento Roessler. O segundo evento foi mesmo minha participação no curso de Biologia Marinha com o Prof. Pedroso do CECLIMAR, evento este que descrevi no artigo a que você se referiu. A outra pessoa que marcou bastante esta trajetória foi a pesquisadora Christa Knaper da UNISINOS. Com ela tive a oportunidade de participar de um congresso estadual de educação ecológica que ocorreu em Ibirubá em meados de 80, onde apresentei meu primeiro trabalho acadêmico na área. Naquela época , eu fazia um trabalho voluntário, e produzir minhocas em diferentes tipos de composto era o nosso negócio. Ainda durante este trabalho tive a oportunidade de conhecer, também, Alexandre Freitas, que por muitos anos, trabalhou com a Fundação Gaia. A partir daí, construíram-se as pontes que me levaram a criar coragem e  me profissionalizar na área.

 

 - Como você percebe a Educação Ambiental de uma forma ampla e global?

 

Ao nível global acho que a EA ainda não está bem definida, ainda que estejam bem definidos os seus objetivos. Costumo enfatizar que a educação em si, ambiental ou não, exerce influência sobre o ambiente e vice-versa. Portanto penso que toda educação é de certa forma ambiental. Porém, na prática o que podemos fazer é focalizar nossos esforços educativos para deixar a educação mais crítica e consciente de seu lugar no universo humano, social, e libertar o educando para pensar por si mesmo. Acredito que um bom pensador considerará as necessidades da vida, orgânica e do ambiente no seu agir.

 

- Como você vê, hoje, a condição ambiental do planeta e quais as ações que você destaca como mais significativas?

 

Falar sobre isso no âmbito do planeta inteiro é bastante difícil, senão impossível. As condições do planeta, ninguém sabe, mas existem muitos cientistas que a descrevem assim mesmo, com aproximações do que pode ser a verdade. O aquecimento global dentro de uma escala de tempo secular é um fato, e que isto influencia toda a rede viva que habita este planeta, também é um fato. Mas ainda não sabemos, cientificamente, se vai ser ruim, ou o quão ruim será. Na minha opinião, acho que melhorou bastante para o ser humano em geral, mas piorou significativamente para o sistema vivo em que este se enquadra, já que a biodiversidade continua em declínio na maioria dos países em que o desenvolvimento segue seu rumo. Existem, embora, algumas histórias de sucesso onde espécies foram resgatadas graças aos esforços de ONGs e pessoas comprometidas na área. No Brasil, o Mico Leão Dourado é um exemplo. Aqui nos USA o Puma (Florida Panther), estava quase extinto e hoje sua população está novamente crescendo.

Os movimentos sociais da década de 60 e 70 foram, sem dúvida nenhuma, significativos: acordaram o mundo para a causa ambiental; deram início ao ambientalismo de larga escala; e fizeram do movimento ambiental um dos movimentos sociais mais duradouros na história. O Earth Day, aqui nos EUA, em 22 de Abril de 1970, teve uma participação de 20 milhões de pessoas que se congregaram em diferentes estados!! Dá para imaginar alcançar este nível de participação em algum evento ambiental hoje? De lá para cá foram criadas inúmeras ONGs ambientais e algumas tornaram-se superpotências no movimento. Porém, é preciso lembrar que embora o movimento tenha evitado sucumbir à complexidade das questões que almejava solucionar, isso não significa dizer que alcançou os seus objetivos. Talvez a maior vitória do movimento ambiental, ao nível global, tenha sido a de manter-se vivo por tanto tempo mesmo na ineficiência. Outro evento significativo foi a Eco 92, que de certa forma profissionalizou o movimento ambiental introduzindo a estratégia da Agenda 21, integrando diferentes esferas do conhecimento e da gestão de forma prática. Ainda há muito que fazer para que as idéias mais brilhantes surtam efeito significativo.

 

- Falar em Educação Ambiental é falar em mudanças na educação. O que você considera importante ser modificado dentro do sistema educacional vigente, para que ocorra a consolidação da Educação Ambiental?

 

Acho que mais importante do que qualquer outra preocupação nesta área é acabar de uma vez por todas com a visão de que a Educação Ambiental é educação pró-ambiente. Educação Ambiental não deveria tomar partido, mas libertar o educando para pensar criticamente sobre o seu entorno. Praticar Educação Ambiental como eco-militante é uma prática comum entre os educadores, mas para mim isso não é nem mesmo educação. A complexidade das questões sócio-ambientais pode facilmente ser ignorada ou despercebida à sombra da militância. Temos que ter o máximo cuidado com isso, ou continuaremos muito ineficientes. Educar para libertar deveria ser o slogan da EA.

 

- Em seu artigo publicado na Revista de Educação, da Editora Projeto, em 2004 - que também está disponível no site da REBEA/Rede Brasileira de Educação Ambiental  (fonte abaixo), você traz à tona a importante questão das vivências e experiências para o desenvolvimento da Educação Ambiental. Fale-nos um pouco sobre este enfoque tão importante para a implementação da Educação Ambiental:

 

As pesquisas com as raízes da sensibilidade ambiental, qualidade primordial para o desenvolvimento de uma cidadania ambiental, apontam para as experiências significativas de vida que temos na infância, geralmente em ambientes de beleza natural, como sendo construtoras desta sensibilidade. Conviver com a beleza da mata, da água, das dunas, do vento, experimentar o sentido da contemplação na presença de pessoas que lhe dão segurança (a professora, os pais, os amigos) contribui significativamente para o pensar crítico sobre destruir tudo isso. Viver experiências positivas em meio à beleza natural é essencial para valorizá-la. Não há nada de novo aqui, a não ser o fato de que hoje sabemos que muitas pessoas que dedicaram fervorosamente suas vidas à solução do problema da interação do humano, ou social, com o ambiental são pessoas que adquiriram esta sensibilidade. Ao questioná-las, elas identificam experiências da infância, de vida ao ar livre, como marcantes na escolha de suas carreiras. Acampar com os filhos, ou com os alunos, acaba sendo a melhor aula se quisermos cultivar esta sensibilidade.  

 

 - Sempre fui muito preocupada com a falta de materiais didáticos de Educação Ambiental para professores das séries iniciais, e você evidencia, em seu artigo, outra preocupação para esta faixa de ensino que é a de proporcionar vivências e atividades sensibilizadoras quando você coloca que "(...) para o Ensino Fundamental, e em especial para as séries iniciais, é de suma importância que estas oportunidades (experiências e vivências significativas) estejam presentes no currículo. Mais uma vez, não se trata de reproduzir um significado, mas de contextualizar a realidade de tal forma que a razão e a emoção trabalhem juntas para uma cognição em prol da vida, isto é aumentar as chances de emoção e razão sincronizarem-se para o bem". Fale-nos mais sobre esta preocupação em relação à Educação Ambiental nas séries iniciais. Como os professores podem ser orientados para o desenvolvimento destas atividades?

 

Para ser bem pragmático, acho que precisamos de uma instituição que favoreça a pedagogia do ar livre. Orientar os professores não será o suficiente, pois para realizar as eco-aventuras ou as aulas no mundo real com crianças de 7 a 11 anos tomará mais dos professores do que o planejamento de atividades. É preciso pensar em transporte, alimentação, estadia (barracas), coletes-salva-vidas, instrumentos de trabalho, participação de voluntários, parcerias com outras instituições, custos, integração curricular e por aí afora. É preciso pensar em equipe e cultivar o espírito de equipe antes de estruturar a educação para estes objetivos. A logística poderia ficar por conta de uma secretaria especializada neste assunto ou de uma fundação que angariasse as verbas para que isso pudesse ser feito com freqüência durante o ano. Porém, no que diz respeito à psicologia educacional envolvida, acho que há sim a necessidade de preparação dos professores. Por exemplo, a aula “do lado de fora” não funciona como a “do lado de dentro”: na rua não temos o controle da situação, especialmente do aprendizado, mas a motivação e o estímulo para aprender são infinitos. Por isso, o número de estudantes por adulto deve ser bem menor. Ainda há que se construir uma pedagogia em torno desta modalidade de educação. Aqui existe uma instituição nacional com ramos estaduais responsável por financiar projetos com este viés, isto é, que vinculam a educação ao serviço e à participação comunitária. 

 

- Como você percebe o desenvolvimento da Educação Ambiental aí nos Estados Unidos?

 

A julgar pelo modo de vida americano, a sua pegada ecológica, acho que a EA aqui também não tem sido muito eficiente. Mas é mesmo surpreendente a quantidade de material didático disponível, tanto para educação "sobre o ambiente", como para "no ambiente" e "para o ambiente". Além disso, a EA parece ser mais profissionalizada ou talvez eu devesse dizer:  tecnicamente estruturada. A Alfabetização Ambiental (não a Ecoalfabetização) tem sido largamente utilizada como forma de avaliação e a North American Association for Environmental Education tem várias comissões responsáveis por diferentes setores de desenvolvimento da EA. Um deles está trabalhando na certificação do educador ambiental.  

 

- A Internet tem-se revelado como uma importante ferramenta para a consolidação da Educação Ambiental. Como você vê esta questão?

 

Acho que a Internet é uma rede, ou ferramenta, que entrou nas nossas vidas sem cerimônias. Quando nos vimos plugados, nos damos conta do tamanho da descoberta ou da criação humana que esta rede representa. Não é como pisar na Lua onde de repente todo mundo vê o que acontece marcando a história da ciência e da tecnologia. A Internet é diferente, veio aos poucos e continua entrando aos poucos na nossa sociedade. Como toda tecnologia, depende mais do que se passa na nossa cabeça do que o quê ela é capaz de fazer. Para a EA e para toda a Educação tem se demonstrado uma revolução já que podemos operar em rede. Porém há muito trabalho a ser feito para que todos tenham acesso a esta tecnologia.

 

 - Para descontrair, peço que nos conte algo engraçado e significativo que tenha ocorrido ao longo da sua trajetória na Educação Ambiental.

 

Bere, esta foi sem dúvida a pergunta mais difícil. Mas consegui lembrar de um evento que ocorreu na Escola Municipal Grande Oriente, em Porto Alegre, onde estávamos trabalhando num projeto de paisagismo ecológico e integração curricular com o uso do pátio. Os alunos e os professores estavam bastante motivados e a energia daquela semana permanece na minha memória até hoje. Durante os trabalhos práticos lembro que um grupo de alunos estava pintando o chão com tinta óleo e, sem perguntar, terminado o serviço resolveram limpar os pincéis nas pias do laboratório (branquinhas e limpas). Acontece que a tinta impregnou a pia e ficou uma “eca”. Quanto mais a gente limpava, pior ficava a situação. Aliás, tenho saudade daquela escola e gostaria de saber como estão as mais de quarenta árvores que estrategicamente plantamos para sombrear as salas de aula.

 

- Qual foi o seu maior desafio enfrentado, relacionado à Educação Ambiental?

 

Eu diria que foi inserí-la na vida profissional. Hoje eu sou estudante aqui nos EUA patrocinado pela CAPES e pela Fulbright. Mas antes disso estive envolvido com várias outras atividades, consultorias, grupos de trabalho, e em todas as ocasiões foi extremamente difícil encontrar profissionalismo e respeito à EA, como se tem à Engenharia, à Arquitetura, à Medicina, à Administração ou ao Direito, ainda que sejamos professores e formadores destes futuros profissionais!!! As pessoas ainda não se deram conta da relevância da EA para o bem de uma nação ou de sua economia, nem mesmo os educadores ambientais. Isso torna o viver como educador muito difícil. Portanto eu diria que o maior desafio relacionado à Educação Ambiental ainda é encontrar o seu espaço de trabalho.

 

- Há algo que não perguntei e que você considera importante comentar?

 

 Talvez fosse importante lembrar que a diversificação do movimento ambiental trouxe inúmeras abordagens para se envolver com a solução, com o reverter o curso do desenvolvimento social e econômico. Temos desde abordagens altamente espiritualizadas até as mais técnicas e lógicas, das mais abstratas às mais objetivas. Participar e conhecer o maior número destas iniciativas, com espírito crítico, é fundamental para a formação do Educador Ambiental libertador.

 

- Deixe uma frase, uma palavra, uma poesia, ou uma idéia que você gostaria de compartilhar com os/as leitores/as da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação.

 

Costumo dizer que a vida é mais forte que a própria lei da gravidade. Quero dizer com isso que tanto quanto qualquer coisa nesse universo, a vida veio para ficar.

E encontrei esta poesia que dedico ao universo feminino do meio educacional. Que se sintam aconchegadas pelo calor da fé na educação:

 

Orquídea

 

Nem tanto pelas tuas cores

                        Tua forma

                        Tua textura

                        Tuas pétalas

Abertas

 

Nem tanto pelo teu sabor

                        Teu cheiro

                        Teu suor

                        Teu solo

Fértil

 

Nem tanto pelas folhas que produz

                              Pelo teu tamanho

                                    Tua elegância

                                           Tua gema

Escondida

 

Nem tanto pela tua água

                         Tua sede

                         Tua dor

 Tua dança

Lenta, lisa

                       

Ou pela tua imponente

                        Independente

                                    Sensual

Beleza

 

Mas pela tua habilidade de me fazer

                                    Sonhar

                                    Ser

                                    O Sol.

                              

Prezado professor Fernando, nós, Editoras e Colaboradores(as) da revista eletrônica Educação Ambiental em Ação, agradecemos imensamente pela gentileza de conceder-nos esta entrevist@. Muito Obrigada!

Foi um prazer e desejamos muito sucesso neste seu trabalho.

 

OBS: O artigo do entrevistado, citado na entrevista, pode ser acessado em: http://rebea.org.br/rebea/arquivos/fernandosoares.pdf

 

Ilustrações: Silvana Santos