Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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Reflexão
05/12/2005 (Nº 14) A EDUCAÇÃO INDÍGENA E A NOVA HISTÓRIA
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A EDUCAÇÃO INDÍGENA E A NOVA HISTÓRIA
Magno de Aguiar Maranhão

O primeiro passo para o reconhecimento e valorização da cultura dos índios brasileiros foi dado pela Constituição Federal, em 1988. O texto assegura o direito das comunidades indígenas de utilizar suas línguas maternas no ensino obrigatório, bem como desenvolver processos próprios de ensino/aprendizagem, condizentes com seus costumes. Em 1991, a educação escolar indígena deixou de ser atribuição da Funai, passou para as mãos do MEC e foi criada, por meio da Portaria Interministerial MJ/MEC N°559 (16.4.91), a Coordenação Nacional de Educação Indígena. Em 1996, foi a vez da Lei de Diretrizes e Bases do Ensino estabelecer (Artigo 78) que a educação deve I - proporcionar aos índios, suas comunidades e povos, a recuperação das memórias históricas; reafirmação de suas identidades étnicas; valorização de suas línguas e ciências; II - garantir aos índios, comunidades e povos o acesso às informações, conhecimentos técnicos e científicos da sociedade nacional e demais sociedades indígenas e não - índias. Finalmente, em 1999, o Conselho Nacional de Educação fixou as Diretrizes Nacionais para escolas indígenas. Contudo, apesar das decisões oficiais, podemos dizer que, no tocante à educação e formação para o trabalho, esta é a parcela da população que mais sofre o peso da exclusão. E no tocante à memória histórica, é a que mais sofre o peso do esquecimento.
São cerca de 400 mil índios em território brasileiro – grupo que, segundo o IBGE, cresce 12% ao ano. Entre eles, segundo UNICEF e IBGE, há mais de 286 mil crianças e adolescentes, 71% em situação de pobreza (entre crianças brancas, o índice é 32,7% e, entre negras, 57,7%). Cerca de 21% dos índios entre sete e 14 anos não têm acesso à escola e 15% entre 10 a 15 anos são analfabetos. Recentemente, a imprensa divulgou outro dado que denuncia o drama dos povos indígenas no país: em 2004, 15 índios com menos de cinco anos morreram por desnutrição no Mato Grosso do Sul. A mortalidade infantil entre indígenas chegou a 60,5 por mil, contra a média nacional de 24,3 por mil.
O fato é que, se considerássemos apenas os índios, o Brasil retrocederia várias casas no ranking internacional do índice de desenvolvimento econômico e social. Se tal não ocorre é porque eles representam somente 0,24% da população total – percentual pequeno, mas suficiente para expor de maneira contundente nossas desigualdades e a forma perversa como tantos brasileiros, devido às suas origens, são alijados dos direitos humanos básicos – à educação, ao trabalho, à saúde e à própria vida.
O governo atual já está solucionando um dos piores problemas vividos pelos índios, assegurando-lhes terras que lhes pertencem. Mas não basta às pessoas a terra. É preciso que aprendam a usá-la de forma sustentável, extraindo dela riquezas que garantam sua sobrevivência. É preciso que interajam com a sociedade, tenham acesso ao manancial de conhecimentos disponíveis aos “civilizados” e a instrumentos que lhes permitam melhorar sua qualidade de vida; é preciso disponibilizar para elas serviços públicos essenciais. E é preciso, sobretudo, dar-lhes a chance de qualificação profissional e enriquecimento intelectual, para que encontrem a saída de suas dificuldades.
Dentro deste processo, a educação escolar é vital. Já disse que o PNE contempla a educação indígena muito modestamente, fixando o prazo de dez anos (até 2011) para universalizar a oferta da primeira à quarta série do ensino fundamental e ampliar a oferta da quinta à oitava série. Alfabetizar é pouco. Podemos fazer melhor. Ano passado, o último censo escolar registrava 2079 escolas indígenas no país: apenas 24 ofereciam o ensino médio, sete dispunham de computadores e só a terça parte usava material didático bilíngüe (em português e na língua da tribo, o que é essencial para que as 180 línguas indígenas faladas no Brasil não se percam). Hoje, são 2.228 escolas e 148 mil alunos. O MEC aumentou em 233% os investimentos em educação indígena em relação a 2003 (de R$ 3,3 milhões para R$ 11 milhões, dos quais R$ 5 milhões destinados à construção de 140 unidades). Quanto aos professores, incumbidos de auxiliar na interação entre índios e sociedade “civilizada”, têm, aos poucos, participado de programas de qualificação (há menos de seis anos, mais de 28% sequer tinham o ensino fundamental completo e 1,6% havia concluído o nível superior).
Tudo isso é ótimo, mas pouco, já que as escolas indígenas estão partindo do zero e devem se transformar, rapidamente, em alavancas que impulsionem o desenvolvimento das suas comunidades, o que implica a oferta universal do ensino médio e cursos profissionalizantes. Cabe, ainda, avaliarmos se estas escolas vêm cumprindo o objetivo de recuperar a memória histórica das tribos, estabelecido pela LDB. Mas, a meu ver, este resgate não deve visar unicamente à reafirmação das identidades étnicas destes grupos, como diz a lei. Ele é necessário para que possamos reescrever o Brasil. Assim como o governo Lula tornou obrigatório nas escolas o ensino da história da África e afrodescendentes, deveria, igualmente, tornar obrigatório o ensino da história das civilizações pré-colombianas, que se instalaram aqui há mais de 12 mil anos, e cujos valores, símbolos e conhecimentos impregnaram nossa cultura de maneira decisiva.

Presidente da Associação de Ensino Superior do Rio de Janeiro
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Ilustrações: Silvana Santos