Nova pagina 1
Natureza desapiedada
Data: 15/1/2005
Leonardo Boff -
O cataclismo do sudeste da Ásia revela o que a natureza é em si mesma: pode
ser mãe generosa ou também madrasta desapiedada. Ela é aquilo que o inteiro
universo e nós individualmente somos: a coexistência do sim-bólico com o
dia-bólico, da harmonia com a devastação. O maremoto e as ondas gigantes não
consultaram ninguém, nem Bush nem o Papa. Levaram tudo de roldão, indiferentes
à morte de milhares e ao sofrimento de milhões de vítimas. Por que tem que
ser assim? Já escrevemos aqui: é um mistério aterrador. Melancólicos
mantemos a esperança, queixosos com o Criador.
Tentemos pelo menos procurar entender. Dizem-nos os geólogos que a Terra surgiu
no período arqueano há 4,44 bilhões de anos. Não se haviam formado ainda os
continentes. Apenas ilhas vulcânicas imensas emergindo das águas que cobriam
todo o globo. Por volta de 3,8 bilhões de anos, emergiram vastas extensões de
terras, dispersas aqui e acolá e sempre em movimento. Elas foram se juntando,
com grandes atritos, de sorte que um bilhão de anos depois já formaram os
continentes. Flutuando sobre uma camada de basalto, foram se deslocando, até se
agruparem num único grande continente, chamado de Pangéia. Por 50 milhões de
anos este supercontinente circulou pelo globo. Milhões de anos após, Pangéia
se fraturou e lentamente se originaram os continentes que conhecemos hoje. Por
baixo deles estão sempre ativas as placas tectônicas, se pressionando
(produzindo as montanhas) e se chocando umas com as outras ou se sobrepondo ou
se afastando, movimento chamado de deriva continental. Cada vez que se chocam,
produzem inimagináveis cataclismas.
A Terra conheceu 15 grandes extinções em massa de espécies de vida. Duas são
sempre referidas pelo fato de reorganizarem totalmente os ecossistemas na terra
e no mar.
Uma ocorreu há 245 milhões de anos, por ocasião da ruptura de Pangéia. Foi tão
devastadora que 75-95% das espécies de vida então existentes desapareceram. A
outra ocorreu há 65 milhões de anos, causada por alterações dos climas,
mudanças no nivel do mar culminando com o impacto de um asteróide de 9,6 km
caido na América Central. Produziu incêndios infernais, gigantescos maremotos,
massas de gases venenosos e um longo obscurecimento do sol. Plantas e animais
que viviam delas morreram. Os dinossauros que por 130 milhões de anos
dominaram, soberanos, sobre a Terra desapareceram totalmente bem como 50% de
todas as espécies de vida. A Terra precisou de dez milhões de anos para se
refazer em sua incontáveis biodiversidade.
Geólogos e biólogos sustentam que uma terceira grande dizimação está em
curso. Iniciou há 2,5 milhões de anos quando extensas geleiras começaram a
cobrir parte do planeta, alterando os climas e os niveis do mar.
Coincidentemente surgiu neste época o homo habilis que inventou o instrumento
para melhor dominar a natureza. Ele equivale a um meteoro rasante mortífero.
Sua prática irresponsável está acelerando hoje o processo de extinção.
Estamos, pois, à mercê de forças incontroláveis que podem destruir nossa espécie
como destruíram tantas no passado. A vida, entretanto, nunca foi exterminada.
Depois de cada extinção houve uma nova gênese. Como a inteligência e a
consciência estão primeiro no universo e depois em nós, elas irão continuar
em outros seres. Oxalá estes mostrem melhor comportamento que nós. E permitam
à vida irradiar.
http://www.jb.com.br/jb/papel/colunas/boff/2005/01/13/jorcolbof20050113001.html
Fonte: http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=6232