Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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09/03/2005 (Nº 12) Natureza desapiedada
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Natureza desapiedada
Data: 15/1/2005

Leonardo Boff -

O cataclismo do sudeste da Ásia revela o que a natureza é em si mesma: pode ser mãe generosa ou também madrasta desapiedada. Ela é aquilo que o inteiro universo e nós individualmente somos: a coexistência do sim-bólico com o dia-bólico, da harmonia com a devastação. O maremoto e as ondas gigantes não consultaram ninguém, nem Bush nem o Papa. Levaram tudo de roldão, indiferentes à morte de milhares e ao sofrimento de milhões de vítimas. Por que tem que ser assim? Já escrevemos aqui: é um mistério aterrador. Melancólicos mantemos a esperança, queixosos com o Criador.

Tentemos pelo menos procurar entender. Dizem-nos os geólogos que a Terra surgiu no período arqueano há 4,44 bilhões de anos. Não se haviam formado ainda os continentes. Apenas ilhas vulcânicas imensas emergindo das águas que cobriam todo o globo. Por volta de 3,8 bilhões de anos, emergiram vastas extensões de terras, dispersas aqui e acolá e sempre em movimento. Elas foram se juntando, com grandes atritos, de sorte que um bilhão de anos depois já formaram os continentes. Flutuando sobre uma camada de basalto, foram se deslocando, até se agruparem num único grande continente, chamado de Pangéia. Por 50 milhões de anos este supercontinente circulou pelo globo. Milhões de anos após, Pangéia se fraturou e lentamente se originaram os continentes que conhecemos hoje. Por baixo deles estão sempre ativas as placas tectônicas, se pressionando (produzindo as montanhas) e se chocando umas com as outras ou se sobrepondo ou se afastando, movimento chamado de deriva continental. Cada vez que se chocam, produzem inimagináveis cataclismas.

A Terra conheceu 15 grandes extinções em massa de espécies de vida. Duas são sempre referidas pelo fato de reorganizarem totalmente os ecossistemas na terra e no mar.

Uma ocorreu há 245 milhões de anos, por ocasião da ruptura de Pangéia. Foi tão devastadora que 75-95% das espécies de vida então existentes desapareceram. A outra ocorreu há 65 milhões de anos, causada por alterações dos climas, mudanças no nivel do mar culminando com o impacto de um asteróide de 9,6 km caido na América Central. Produziu incêndios infernais, gigantescos maremotos, massas de gases venenosos e um longo obscurecimento do sol. Plantas e animais que viviam delas morreram. Os dinossauros que por 130 milhões de anos dominaram, soberanos, sobre a Terra desapareceram totalmente bem como 50% de todas as espécies de vida. A Terra precisou de dez milhões de anos para se refazer em sua incontáveis biodiversidade.

Geólogos e biólogos sustentam que uma terceira grande dizimação está em curso. Iniciou há 2,5 milhões de anos quando extensas geleiras começaram a cobrir parte do planeta, alterando os climas e os niveis do mar. Coincidentemente surgiu neste época o homo habilis que inventou o instrumento para melhor dominar a natureza. Ele equivale a um meteoro rasante mortífero. Sua prática irresponsável está acelerando hoje o processo de extinção.

Estamos, pois, à mercê de forças incontroláveis que podem destruir nossa espécie como destruíram tantas no passado. A vida, entretanto, nunca foi exterminada. Depois de cada extinção houve uma nova gênese. Como a inteligência e a consciência estão primeiro no universo e depois em nós, elas irão continuar em outros seres. Oxalá estes mostrem melhor comportamento que nós. E permitam à vida irradiar.


http://www.jb.com.br/jb/papel/colunas/boff/2005/01/13/jorcolbof20050113001.html
Fonte: http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=6232

Ilustrações: Silvana Santos