Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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09/03/2005 (Nº 12) Ambientalista ou ecologista?
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Ambientalista ou ecologista?

Data: 14/2/2005

A reação é fulminante. Quem quer que se manifeste contra a forma em que se propõem ou se fazem empreendimentos que alteram o entorno, sejam infra-estruturas, indústrias ou desenvolvimentos agropecuários, é qualificado de ambientalista ou ecologista, como querendo dizer... “Bem, que outra coisa pode-se esperar deles? É um bando de fanáticos malucos”.

E o exame da questão termina aí mesmo. A crítica é descartada, as propostas são colocadas no lixo e tudo termina com os funcionários, que deveriam examinar a questão, fazendo chacota a respeito dos “ecochatos”. Se a crítica tem algum apoio popular, então, a reação é de raiva, pois vai dar muito trabalho adicional analisar as propostas alternativas para depois refutar. Não passa pela cabeça dessas pessoas que talvez aceitar as críticas e fazer as melhorias propostas é o caminho mais fácil e barato.

Deve-se reconhecer que muito do papo de ambientalistas e ecologistas que andam por aí é, simplesmente, bobagem, justificando a má fama. Expressão disso é, por exemplo, acreditar que a caça esportiva e plantar eucaliptos são atividades “antiecológicas”, que comer alimentos transgênicos pode matar, que a humanidade pode sobreviver apenas à base de produtos orgânicos ou de energia solar e eólica ou, pior ainda, confundir a crueldade com os animais domésticos com um problema ambiental. Também não são poucos, especialmente no Congresso Nacional, os que pretendem “preservar a ecologia”, esquecendo que a ecologia é apenas a ciência que estuda as relações dos seres vivos com seu entorno e que a única forma de preservá-la é outorgando mais recursos para os centros de pesquisa científica.

É com base nesses fatos que os empresários, na procura de obter licenciamento ambiental “sem problemas”, criticam e ridicularizam os ambientalistas e as leis ambientais. Mas, na verdade, o que a eles desagrada é, em geral, produto de questionamentos muito mais sérios, preparados por profissionais responsáveis, que sabem muito bem do que escrevem nos seus relatórios e do que falam nas suas apresentações. Acontece que existe uma grande confusão sobre o que é, realmente, um “ecologista” ou um “ambientalista”. Estes termos, relativamente novos, são ainda muito imprecisos, especialmente no Brasil.

Ecologista, no dicionário Aurélio, é citado como sinônimo de ecólogo, o que define como o especialista em ecologia. Misturar os conceitos implícitos nos termos ecólogo e ecologista parece ser uma influência da palavra inglesa ecologist, que, nos países que a usam, se aplica essencialmente a quem é um ecólogo diplomado. Em outros idiomas latinos, como no espanhol, o ecólogo é graduado em alguma área da ciência ecológica. Um ecólogo, a princípio, sabe do que fala quando discute ecologia. No caso de um ecologista, é suficiente que ele acredite que sabe algo de ecologia. Por isso, um ecologista não pode subscrever um relatório técnico nem publicar numa revista científica. Concluindo, o uso do termo ecologista, para se referir aos ecólogos ou aos especialistas das ciências que têm relação com o meio ambiente é, essencialmente, pejorativo. De outra parte, existem poucos ecólogos no mundo e menos ainda na América Latina, especialidade que em geral se obtém apenas no nível de mestrado ou doutorado, ou após muita pesquisa científica nesse campo.

Outro tipo de confusão existe com o significado de “ambientalista”. No Aurélio, o ambientalista é descrito como especialista em assuntos ou problemas relacionados ao meio ambiente. Porém, não existem universidades que formem “ambientalistas”. Formam-se, por exemplo, engenheiros ambientais e muitas outras profissões que levam complementarmente a palavra ambiental, mas (ainda que tudo seja possível) aparentemente nenhuma instituição acadêmica séria teve a pretensão de preparar profissionais num campo tão amplo que possa merecer o título acadêmico de “ambientalista”. Esta acepção é tipicamente genérica, como hoje também o é falar de engenheiros ou biólogos, títulos que significam muito pouco se não se especifica de que classe eles são. São coisas diferentes ser engenheiro civil e agrônomo, aeronáutico, sanitarista, florestal, ambiental, mecânico, eletrônico, espacial ou eletricista. De fato, os que trabalham na área ambiental são profissionais que têm origens as mais diversas, das ciências físicas e naturais, tanto como das mais variadas ciências humanas. Ser ou não um ambientalista é, na verdade, muito mais uma atitude de vida, uma filosofia pessoal, do que uma profissão. Sem dúvida que existem por aí muitos ecólogos que não são ambientalistas e muitos especialistas em direito ambiental que só usam esse conhecimento para defender os infratores ambientais.

A razão de escrever sobre esses temas é que a confusão é extremamente comum e, de muitas maneiras, termina sendo prejudicial. Os problemas reais e as suas soluções apresentadas por especialistas qualificados são confundidos com propostas estapafúrdias de leigos ou de qualquer um que repete como papagaio algum slogan aprendido em outro contexto. Também é freqüente que grandes cientistas de uma especialidade falem, da altura da sua notória reputação naquele campo, uma estupidez completa em matéria ambiental. Como as opiniões são apresentadas como provenientes de ambientalistas e de ecologistas, que segundo o Aurélio são “profissionais” e até “especialistas”, o público perde a noção do que é o quê. Isso, obviamente, acontece em todos os campos da atividade humana. Mas, pela sua natureza, a temática ambiental é muito mais ampla que qualquer outra área do conhecimento e das atividades humanas e abraça todas as suas facetas. Por isso, os riscos de charlatanismo e de enfoques muito restritos ou parciais, portanto muitas vezes equivocados, são enormes.

Pessoalmente, mesmo havendo dedicado toda a minha vida a compatibilizar atividades humanas com o ambiente natural, não me sinto confortável quando sou qualificado de “ambientalista” ou de “ecologista”. Aliás, nem ecólogo acredito que seja.

Enviado por Henrique Cortez < henrique@camaradecultura.org >

Fonte: http://www.jornaldomeioambiente.com.br/JMA-index_noticias.asp?id=6393

Ilustrações: Silvana Santos