Estamos sendo lembrados de que somos tão vulneráveis que, se cortarem nosso ar por alguns minutos, a gente morre. - Ailton Krenak
ISSN 1678-0701 · Volume XXI, Número 86 · Março-Maio/2024
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09/03/2005 (Nº 12) UM CIDADÃO CONSEGUIU SOZINHO DERRUBAR PROJETO DE HIDRELÉTRICA
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ARTIGO

Esforço público com recursos privados

Marcos Sá Corrêa

UM CIDADÃO CONSEGUIU SOZINHO DERRUBAR PROJETO DE HIDRELÉTRICA

Com tanto prefeito novo disputando notícia em jornal, o País nem notou que um brasileiro chamado Germano Woehl Júnior venceu a maior disputa municipal da semana.

Sem mandato nem verba pública, ele levou às cordas um projeto da hidrelétrica que trocaria por 15 megawatts a paisagem de Corupá, no norte de Santa Catarina, onde a cachoeira da Bruaca desce da Serra do Mar, no meio da mata atlântica, com um salto de 96 metros.

Ele comprou a briga sozinho. Levou o caso ao Ministério Público. Repetiu a história a todo repórter que passou pela sua frente nas últimas semanas. Deu plantão nas seções de cartas da imprensa local, rebatendo argumentos técnicos com a desenvoltura de quem escreve em revistas acadêmicas sobre "laser de centro de cor sintonizável no intervalo de 2,61 a 2,83 micrômetros". E andou muito no mato, para ver de perto as reais dimensões de uma obra que parecia tão simples no papel.

Ganhou o primeiro round. A Fundação de Meio Ambiente do governo estadual cancelou a licença que ela mesma concedeu meses atrás, reconhecendo que na ocasião se baseara num processo deliberadamente turvo, poluído por informações incompletas. Blefar nesse tipo de relatório é quase rotina. Mas engolir as mentiras de volta é uma novidade e tanto na política ambiental brasileira.

Mas tudo isso aconteceu, na virada do ano, quando os brasileiros não tinham tempo nem cabeça para gastar o réveillon aprendendo onde fica Corupá e quem é Germano Woehl. Mas, passada a festa e resolvida a parada, não custa saber que ele ganha a vida num laboratório de fotônica do Instituto de Estudos Avançados no Centro Técnico Espacial, em São José dos Campos.É lá que os pesquisadores de ponta tentam resolver agora os problemas dos próximos 50 anos.

Trabalhando no interior de São Paulo, ele há anos passa as horas vagas cuidando de bichos e florestas na serra catarinense. Entre o emprego e o lazer, viaja de ônibus sempre que pode. Aliás, economiza em tudo, da roupa às contas de restaurante. Com o que poupa, compra matas em Santa Catarina, para conservar uma paisagem que conheceu menino e, adulto, descobriu que ia perder.

Foi assim que criou o Instituto Rã-Bugio, em Guaramirim. Era originalmente uma propriedade de 7 hectares, adquirida por R$ 17 mil. Mas em seu terreno ele achou 41 espécies de sapos, rãs e pererecas. E, ao classificá-las, encontrou um atalho para a educação ambiental. Os anuros são o elo mais fraco da cadeira que nos liga à natureza. Quem consegue gostar deles, gosta de tudo o que a mata tem para mostrar.

Com essa fórmula, o Rã-Bugio virou ONG. Cerca de 2.500 alunos da rede pública passam todo ano por sua sede em Guaramirim, para aprender a céu aberto o bê-ábá da natureza. Guiá-los ocupa em tempo integral a professora Elza Nishimura Woehl, mulher de Germano. Como a entrada é franca, o orçamento continua curto.O jipe do instituto dorme na sala de reuniões. Mas o casal acaba de criar outra reserva, em Itaiópolis.

Os construtores da Bruaca se meteram com um brasileiro duro de roer. Órfão aos 11 anos, Germano cresceu capinando roça e entregando leite de porta em porta. Mas botou na cabeça que seria pesquisador. Só estudou em escola pública. Formou-se em Física em 1983, como o melhor aluno da Universidade Federal do Paraná.

E se doutorou com uma tese sobre o congelamento do átomo. Não deve ter muito currículo como o seu sentado neste momento numa cadeira de prefeito.

*Marcos Sá Corrêa é jornalista e editor do site O Eco

Fonte: O Estado de São Paulo (ESTADÃO), 06 de janeiro de 2005.

Ilustrações: Silvana Santos